sábado, 27 de novembro de 2010

Consoada e o natal nas minhas vivências na década de 60!

Chegadas as férias de Natal, nos anos 60 a televisão incitava às crianças escrever ao Pai Natal.Durante anos escrevi a minha carta, nela pedia o meu presente, a minha mãe dava-me o selo e logo a punha na caixa vermelha, o marco do correio, despedindo-me dela com um beijo.Tantas esperanças na carta colorida a lápis de cor em desenhos com arco íris, balões e flores-, acontece que a correspondência deveria ser muita e nunca recebi resposta.Com o passar dos anos, desiludida, abandonei a causa.
Tempos e foram muitos que a minha mãe tinha de trabalhar na noite da consoada.
Nem sei mais as vezes que lhe fiz companhia. Filha mais velha, lá ia numa de dividir o medo, nem tinha como fazer birra.O que custava no tempo de invernia sair de casa,mais da beira do lume ou de cima da cama aconchegada com a pele de bode alentejano a ver televisão,não perdia um Natal dos hospitais e das tropas no Ultramar em fila indiana a ditar para o microfone votos de Boas Destas aos familiares e amigos...Uns tanto de matutar no que haviam de dizer quando chegava a sua vez engasgados, diziam tudo mal,"desejo à minha família muitas propriedades....na vez de dizer prosperidades", na altura reconheci o irmão mais novo do então Padre Filipe Antunes, hoje advogado e ainda primo por afinidade foi casado com a Célinha, uma prima afastada.
Naqueles tempos o jantar não era nada de especial. O hábito do bacalhau cozido com couve asa de cântaro. Para mim era repasto semanal, nunca percebi porque lhe conferiam tanta importância.Bem sei que os tempos eram outros, o bacalhau que aparecia nas mercearias era do miúdo e do corrente mais caro só poucos lhe chegavam, comia-se muita raia seca, o que me lembro da grande faca de o cortar em postas e do rabo para se fazer um bom arroz acompanhado com pataniscas ou bolinhos de bacalhau...
Sempre gostei da horta, de cultivar e colher,ir ao quintal apanhar a couve com o melhor olho,a geada nesta altura queima as folhas, outras ainda cheias de gotículas de chuva. Arte, era escolher a melhor com talos tenros. De véspera cozia-se a abóbora bolina que por lá se chama de "menina" com sal que escorria durante a noite.Que me perdoe a minha rica mãe, mas na altura os tormentos com o meu pai, que nada fazia e implicava com tudo, para ele tudo estava mal, nervosa não lhe calhavam bem...

  • A receita dos belozes,fofos de abóbora menina:
Cozia-se à roda de um quilo de abóbora com sal,depois de fria e escorrida num pano está pronta a confeccionar. No alguidar vidrado mistura-se a abóbora com um pouco de farinha, a olho coisa de 100 gr,acrescenta-se 30 gr fermento de padeiro desfeito em água morna, sumo de laranja, 2 ovos, aguardente e uma colher de açúcar amarelo. A textura da massa sente-se na mão para se acrescentar mais farinha se for necessário. Depois da massa levedada põe-se a sertã ao lume sob a trempe e com o azeite bem quente fritam-se colheradas de massa.
Ensopam-se do excesso de azeite da fritura em papel pardo e cobrem-se numa mistura de açúcar amarelo e canela.
Nem é bom lembrar, motivo de discórdia, a minha mãe na altura nem a minha avó Maria da Luz tinham mão para os fazer bem feitos, aquelas inventavam,umas vezes batiam as claras em castelo em vez de usar os ovos inteiros e acrescentavam mais farinha. O que sei, os últimos eram os melhores. Esses, guardavam-se para levar no dia de Natal para oferecer de fogaça ao Menino Jesus,levava uma cestinha redonda, baixa, de asa em arco muito alto onde atava um lacinho, lá dentro belozes embrulhados em papel vegetal como se fosse um naperon tal o recorte feito à tesoura pela minha mãe,ao subir as escadinhas do adro logo a deixava no palanque das oferendas ali junto à parede da casa do Porfírio. De mãos livres era tempo de missa, de arranjar um lugar sentada onde me perdesse a olhar para o presépio,figuras grandes,montes e uma grande gruta.No fim da missa em fila indiana gostava de beijar o Menino Jesus, numa de agradecimento por não se ter esquecido de me deixar uma prenda no meu sapatinho.
Na minha casa, comer em paz?
Deveria ser! 
Implicativo, aquele meu pai,por tudo e por nada,deveras esquisito com a comida, tudo lhe fazia mal,a minha irmã também não ajudava,comia com as mãos em vez de usar os talheres, havia horas de bofetada de meia noite. Qual quê, a comida não surtia efeito, tão pouco era saboreada, uma pilha de nervos sempre com medo dele,imprevisível tinha momentos que se transformava num demónio.
Às pressas, a minha mãe antes de sair para o turno da meia noite enchia a lata de brasas para nos aquecermos na braseira, companheira fiel, não fossem as pratas dos maços de cigarros para as fazer aguentar...
Eu, antes de sair deixava religiosamente o sapatinho no pial da lareira.
Anos mais tarde, a estação recebeu um grande aquecedor de barras a óleo.O modernismo no caso fez perder a beleza da braseira,de contemplar o brasido a morrer em cinzas, qual castelo de cartas em derrocada. O prazer de sobre ela saborear o parco farnel aviado em casa.Muito gostava eu de pôr a tranca grossa de madeira na janela. Fechadas a sete chaves a nossa ceia era degustada lá por volta das 10 horas,uma mão cheia de passas pingo mel, nozes que partia com o peso de quilo,belhoses azeitados,papo secos com maminhas,lascas de presunto e uma miniatura de vinho do Porto.Bem arresuada, horas de me deitar no chão ao lado do cofre vermelho, frio como gelo,tapada com um cobertor de Vizela.Dias que sinto o cheiro do pó e dos papéis,dos sacos em lona que transportavam a correspondência e encomendas,do cheiro forte da cabine telefónica forrada a corticite, do soalho velho.
Acordar ao som das badaladas do relógio da Reguladora,inesquecível de duas cordas, música para os meus ouvidos, inigualável, único.
A chave da porta grande e antiga, ao descer o alto rebate ouviam-se finalmente as doze badaladas do relógio da igreja, da fábrica Cousinha de Almada.
Quantas noites de Natal e passagens de ano, Carnaval, feriados ali passadas, a fazer companhia à minha mãe.
Naquele tempo não me lembro de haver um assinante sequer que se lembrasse de telefonar para desejar "Boas Festas". Pasme-se!
E não pagavam, porque naquele tempo o sistema era manual com verbetes.
Uma noite como outra qualquer, sem estória de partilha com os assinantes do dia a dia...
Interessante como os tempos mudaram em poucas décadas. Hoje assistimos a um exagero de troca de votos...cansativo, sem sentimento, só porque se usa, é moda, faz parte...
Dormir desassossegada, acordar de manhãzinha, casa gélida,saltar da cama e em corrida rápida pelo corredor só parava junto ao pial, tudo para ver a prendinha deixada no sapatinho. Deleite maior de sentir que o Pai Natal nunca se esqueceu de mim nem da minha irmã.Então não nos diziam que descia pela chaminé, durante anos acreditámos, era limpa com uma grande vassoura de urze,amante de grandes fogueiras o nosso pai atiçava -a com com ramos de oliveira, aquilo era labareda farta para a limpar da fuligem! O sapatinho todos os anos tinha sempre uma prenda.
Montar o presépio com imagens coloridas em barro compradas na feira de Agosto na tenda encostada ao muro dos Paços de concelho. O cenário era montado em cima da cristaleira coberta de musgo e fetos, o moinho, a fonte, as ovelhas brancas, o castelo, os Reis magos, a ponte no riacho,os pastores, a cabana de palha com o anjinho da guarda de soslaio a sorrir para José e Maria , atrás o burrinho e a vaquinha com o bafo a aquecer o Menino Jesus.O pinheiro de Natal durante anos o cortei ali junto ao hospital a norte, haviam muitos pequenos e maneirinhos, nunca me senti mal em cortar um porque aquilo tinha sido semente farta era um jeito de desbaste.Em casa era coberto com algodão a imitar neve, chocolates presos e bolinhas, por última tinha uma iluminação de luzinhas às cores.
Queixas da minha infância? Não me posso queixar. Na minha casa sempre houve bastante fartura de tudo.As tradições eram cumpridas. Para a ceia de Natal a minha mãe encomendava da Briosa ou do Internacional de Coimbra, o famoso Bolo Rei nos anos 60. Fui alguns anos pelo Natal e pela Páscoa à hora da chegada da camioneta do Pereira Marques em frente da farmácia buscar as encomendas. A melhor? não apreciávamos o bolo rei. Tal a fartura, divertimento maior,esburacar o bolo todo para lhe tirar as frutas cristalizadas, que na altura não gostávamos, nada disso, queríamos era encontrar a prenda que trazia embrulhada em papel vegetal,a fava é que nem vê-la!
Lembranças de lá ver chegar afogueado o meu pai para trazer a encomenda das caves da Mealhada ou Anadia, maleta entrançada de raspas de pinheiro com letras vermelhas e asinha como as malas de cartão.Lá dentro aguardente velha, licores, Lágrima de Cristo e ainda miniaturas de vinho do Porto para mim e minha irmã.
Em 1969 a minha mãe fez-nos pelo Natal uma surpresa inesquecível.Comprou a prestações um Cabaz de Natal.Grande era o camião que parou junto à nossa casa.De lá tiraram uma grande caixa que deixaram na sala de visitas. Verdade seja dita, ali foi logo aberto, tal o fascínio de ver o que trazia e logo o voltámos a fechar.À noite quando os nossos pais chegaram estavam felizes com a chegada do cabaz,à nossa roda disseram para o abrirmos, o que fizemos de assentada sem pestenejar, tão emocionados com a nossa alegria nem se aperceberam que já tínhamos visto o que trazia.Contentes estávamos com a surpresa,no melhor cada uma a tirar garrafas de sumo concentrado, a nossa primeira vez que tal bebemos,ao tempo só mesmo se conhecia por lá a laranjada e a gasosa. Delicioso V5,néctar, além do bacalhau, azeite, nozes, passas, amêndoas,tâmaras,frutas cristalizadas, chocolates, bombons,presunto,goiabada,bolos secos,queijo da serra e da Ilha de S. Jorge picante e miniaturas de cavacas,logo imaginamos fazer delas copos para beber o vinho do Porto,também prendas para as meninas,duas bonecas loiras com o seu carrinho cor de rosa e ainda enfeites para a árvore de Natal, bolas grandes em azul celeste.
Dos Correios nem 1970 começamos a receber também prendas. Nada a propósito de ser para menino ou menina, eram prendas. Lembro-me de uma grande girafa, uma bola colorida aos gomos de plástico fino. A nossa mãe escondia-as atrás da porta do seu quarto que tem um recanto,nós levadas da breca sempre demos conta de tudo, e assim se perdia o encanto da surpresa...
Episódio passado num ano em plenas férias de Natal, teria 8 anos, eu e a minha irmã pegámos nas cestinhas de verga que o nosso pai comprava na feira dos poceiros no 10 de Agosto ao Zé Mau de Além da Ponte, e fomos fazer de conta que apanhávamos azeitona na fazenda da "Vinha". O tempo estava a puxar chuva, de repente pôs-se escuro, convenci a minha irmã, para nos irmos recolher no Mosteiro. Lá fomos andando pelo caminho em terra. Ficava muito perto da fazenda.
Primeira vez que lá entrámos.Ao tempo já me fascinavam casas antigas, ferros forjados, azulejos, cantarias, tudo que irradiasse história, património, tradições.
Recordo como se fosse hoje,lá chegadas tivemos de dar um impulso à pernita para subir para um patamar tipo um rectângulo, talvez o chão primitivo do Mosteiro, a frente em pedra de rebordo trabalhado, ao fundo avistei a cantaria oval em arco de uma grande porta,formato igual à que conhecia por detrás da igreja da Misericórdia quando brincava no jardim dos Paços de Concelho,cheio de buchinhos a delimitar os canteiros, e cerejeiras, resquícios do jardim do solar dos Menezes, apesar desta porta minúscula em comparação com a do Mosteiro, no entanto igual.
A velha portada de madeira semi-aberta, deixava antever à nossa frente um largo corredor, ao longo dele uma passadeira em lages de calcário, grandes, todas iguais imensamente brancas,no final abria-se um grande espaço, talvez igreja ou capela pelas marcas de altares,uma pia e arcos no tecto. O cenário era aterrador,naquele sítio o telhado estava partido, a chuva miudinha teimava em cair,vimos barrotes em carvão a descer em direcção às nossas cabecitas, tudo a evidenciar incêndio recente.
Saímos por outra porta ao fundo e depois na rua por um pequeno portão rematado com ombreira em pedra elegante tipo pescoço encimada com uma esfera.
Incrível, hoje não existe quase nada.Quando foi feita uma vivenda azul estreita, aproveitaram o friso do patamar para os degraus da varanda que viraram ao contrário. Curioso, o espaço para fazer esta casa era muito pequeno, não dava para fazer a cozinha.Boa vontade da dona das ruínas ao lado, Carmita do Bairro ao dispensar precisamente para ela fazer a cozinha o tal corredor de lages brancas onde eu um dia com a minha irmã entrámos como se fossemos duas princesas!
Nesta casa na cave aos cantos ainda são visíveis restos dos arcos.

Outra estória em tempo de férias de Natal, teria os meus 10 anos. Numa manhã quando fui à padaria dos avós buscar o pão, o avô perguntou-me se eu queria ir com ele apanhar azeitona para a Ferranha, respondi que sim.
Passou à minha porta e lá fui com ele, chegados lá, recordo que a primeira coisa que fez foi ir apanhar uns gravelhos no pinhal e no olival fez uma grande fogueira para eu me aquecer. Por volta das 11 H, disse-me se eu queria ir ter com a avó Piedade para a ajudar a trazer o almoço, ao que acedi.
Vínhamos as duas com a cesta da janta, um pouco antes do nosso olival uma sua irmã Luz do Canhoto também apanhava azeitona com o marido numa fazenda à beira do caminho. Hoje sei, que premeditou bater-lhe,ouvindo a nossa conversa,quando eu passava junto ao muro vi-a dirigir-se ao pinhal para trazer um pau que arrumou junto ao muro.Quando passávamos ao endireito da entrada do olival a tia Luz veio em nossa direcção e de pau em punho desatou a bater na minha avó, empurrou-a para cima do muro de pedra e bateu-lhe tanto que lhe partiu uma perna. Eu gritava. O marido dela continuou a apanhar azeitona, nem se moveu.O meu avô veio aos meus gritos, levou-a para a nossa fazenda enquanto me mandou ir a casa telefonar para chamar os bombeiros. Mal tratada foi transportada para os hospitais de Coimbra. Uns tempos depois veio para casa e desta vez o quarto foi feito na sala do r/c. Tinha diabetes, a perna não "colava". Definhava a olhos vistos.O meu pai teve um grande desgosto porque pela primeira vez ela tinha cortado os lindos cabelos,de trança a bater no chão,desde sempre o meu pai de pequenito a penteava em cima de um mocho.Tinha tanto orgulho que depois queria que eu continuasse essa tradição...
Fui esperta, estava no colégio religioso, ao tempo só se lavava a cabeça uma vez por semana. Pior o secador só havia um, caso será dizer que sendo a menina com o cabelo mais comprido era a última a secar. Nas férias do Natal, as minhas primeiras depois de lá ter entrado contei este dilema ao meu pai, o que sofria com frio, as constipações e a desigualdade, porquê a última, até que consegui demove-lo e com grande mágoa disse-me, podes ir cortar o cabelo, mas antes fazes uma trança para ficar de recordação.No Fundo da Rua na cabeleireira esposa do Porfírio lá estive horas à espera da minha vez, linda a trança que me fez para trazer para casa. Andou anos,perdida pelo sótão até que desapareceu.
A avó não viveu muito tempo, veio a falecer pouco tempo depois.
Só mais tarde percebi o porquê da sova. Tratava-se da divisão de bens, a máquina de costura nas partilhas tinha ficado em sortes para a irmã Ermelinda radicada há anos no Brasil, a minha avó decidiu levá-la para sua casa,porque enquanto solteira só ela bordava nela, bordadeira de mão cheia,presenteou cada irmã com os adereços de núpcias. O seu enxoval era lindo e rico, tenho alguns exemplares em bordado Richelie, bainhas abertas, bordado de Castelo Branco.E bordar à mão? A sua colcha de núpcias simples em abertos e fechados de costura ao meio muito comprida com bordadura ondulada e rabinhos de porco. Encantadora. As coberturas das arcas em croché delicadas também.
A minha avó Piedade, mulher de mãos muito prendada!
Uma prenda de Natal inesquecível, do meu pai. Um caniche. Foi de táxi a Coimbra comprá-lo. Quando chegou com ele ao colo, fazia lembrar o "franjinhas" dos desenhos animados, todo branquinho, de pêlo encaracolado ,uma doçura.
Logo eu e a minha irmã afoitas decidimos dar-lhe banho,Dezembro, muito frio, apesar da água tépida, o animal não resistiu, ficou paralítico das patas traseiras,o nosso pai ligou para o veterinário Dr Mateus que depois de o ter observado, sorriu com um redondo não..."não há nada a fazer, tenho de o abater" deu -lhe ali uma injecção.
Desgosto imensurável para ambas. Funeral na "Vinha". Sepultado debaixo de um grande pereiro mesmo na extrema com a fazenda da tia do Alto. Cobrimos a pequena sepultura com muitas flores.
Assiduamente lá íamos visitar o nosso caniche que tivemos apenas três dias!
Nem todos os anos se fazia o ritual da matança do porco, algumas vezes a minha mãe optava por vendê-lo na feira do quinze,ali no largo do Ribeiro da Vide.
Tudo porque o meu pai era um "mãos largas". Dava tudo. Esquecia-se do trabalho que lá em casa se tinha para os criar e engordar. O curral ficava ao cimo do quintal, carregar os baldes com a lavage pelo carreirinho acima , fizesse frio, chuva ou calor.
Só me lembro de uma vez do ritual da matança. Pior do chiar ensurdecer do animal deitado amarrado na banca, momento da estucada a frio, sem dó nem piedade, directo ao coração. No chão, um enorme alguidar para se aparar o sangue. Sempre a ser mexido com uma colher de pau para não coagular, com ele se faziam as morcelas.
Chamuscado e raspado o cheiro exalava a carne queimada. Na loja pendurado num chamaril de madeira, a que eu chamava de cabide,enfiado pelos tendões das pastas dianteiras aberto de alto a baixo.
Desmanche das carnes. As vísceras eram tiradas para um tabuleiro de madeira, com elas confeccionavam-se pratos típicos,sarrabulho, cachola e iscas com elas.
As tripas eram lavadas no rio Nabão, ali junto ao canil municipal. Cenário macabro de ver, ficavam branquinhas, viradas com a ajuda de um vime. Acabavam em morcelas, chouriças, farinheiras e paios.
Para as morcelas misturava no sangue do porco farinha, entremeada, salsa fresquinha que eu ia apanhar no rebordo do poço e cominhos.
As farinheiras levavam gorduras frescas do porco misturadas com farinha, alhos, pimenta e sal.
Os presuntos eram salgados. Mais tarde barrados com colorau e por fim iam para o fumeiro acabar de curtir. O entrecosto, cabeça, chispes, pernil, toucinho da barriga ia tudo para a salgadeira, arca de madeira com pés altos, eu ajudava a espalhar o sal.
No dia da matança comia-se a fressura, que nós chamávamos a "passarinha", assada na brasa.
Acontece que o meu pai deu toda a carne num virote aos amigos. Desesperada, a minha mãe fez uma promessa de nunca mais fazer a matança. Assim foi!
Nos anos seguintes comprava lombo e fazia as chouriças.Na cozinha em cima do banco de espaldar em frente ao lume cortava o lombo para o alguidar.A ciência era cortar em pedacinhos muito pequeninos, esfarelar sobre a carne o colorau doce do cartuchito de papel e depenicar folhas de louro,regar tudo com vinha d'alhos e deixar marinar.
Fazê-las? era uma festa.De funil em punho enchia-se a tripa seca já demolhada,comprada na mercearia da Ti Carma. A minha mãe com guita ia atando dando a forma de ferradura às chouriças.
Gozo maior a tarefa de enfiar os enchidos nas varas de loureiro tipo estendal por debaixo do chapéu da lareira, ali se curavam com o fumo das cavacas de carvalho.
Na véspera do Natal,o Ti Narciso e o genro do Pinhal trouxeram a pia em pedra para o azeite.Então não me lembro de a ver fazer na eira atrás da casa quando ia à Barroca,fazenda de extrema com o ribeirito e o quintal dele.
Espero que esta não lhe ponha ranço como a outra...dizia a minha mãe!

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