segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Queijo denominado Rabaçal em terras do Maciço de Sicó!

Rotulado Rabaçal, no tempo do Senhorio do Duque do Cadaval
O duque do Cadaval, no século XVIII, recomendava ao seu foreiro, mais tarde Visconde de Degracias que lhe enviasse “uns queijinhos do Rabaçal”.
A meu ver a designação correta passa por ser identificado por  Terras de Sicó ou Ladeia, porque o seu palco afinal se estendeu do Rabaçal, Pombalinho a Formigais.

 
Queijo dito do Rabaçal 
Denominação comum que perdura nos tempos compreendida nos concelhos das abas da serra de Sicó: Alvaiázere, Penela, Ansião, Pombal, Soure e Condeixa a Nova .
É um queijo curado de pasta mole, semi-dura a muito dura. A arte em reconhecer este queijo com bastante qualidade com fabrico nas regiões antes assinaladas de terra rossa,  calcária, pobre, onde predomina um tomilho por aqui chamado erva de Santa Maria  ao ser ingerida pelos animais, o leite absorve o seu  travo especial  que vai caraterizar o queijo na mistura certa de leite de ovelha (3/4) com o de cabra (1/4) e o uso do cardo seco este o fabrico artesanal  bem cinchado com poucos ou nenhuns buracos  na massa branca  Salgados os queijos devem ser lavados dia sim, dia não, durante alguns dias, no meu tempo era com uma folha de figueira seguindo-se a cura por um período mínimo de 20 dias em tábua em arejamento.
Trata-se de alimento completo, rico em gordura, proteína de alto valor biológico, ácidos aminados, ácidos orgânicos, elementos minerais, cloro, sódio, cálcio, fósforo e vitaminas A, B2 e B1.
O melhor queijo é o do mês de abril.

Origem do nome deste queijo ?
Segundo o Dicionário Enciclopédico, Lello Universal, editado pela primeira vez na década de 1930, com uma amostragem de uma foto de queijos, entre os quais o do Rabaçal, envolvido em corpo de cestaria.

Eça de Queiroz, tão atento a dimensões de identidade  pontua o queijo do Rabaçal na sua obra “A Cidade e as Serras”.

O nome  dado ao queijo Rabaçal  quando era produzido noutras terras limítrofes?
Julgo, sob melhor opinar que a celebrização do nome Rabaçal  depois do Senhorio do Rabaçal  foi continuado no século XX pelo itinerário da carreira do Pereira Marques, partia todos os dias de manhã da garagem em Chão de Couce, a caminho de Coimbra, durante décadas o único transporte destas gentes por onde ainda hoje o percurso passa, para as queijeiras das imediações do Rabaçal , sobretudo do Zambujal, souberam tão bem aproveitar como modo de escoamento o seu  queijo para suprir o seu sustento na venda no mercado diário de Coimbra. Tantas foram as vezes que também apanhei a carreira, mal chegada ao Largo do Zambujal havia sempre fila de mulheres em pé com canastras no chão tapadas com panos brancos de estoupa e  apressado o cobrador subia com as canastras  nas mãos para o tejadilho da carreira - difícil esquecer os cheiros dos queijos frescos, meia cura e secos até Coimbra...
Fotos retiradas de de http://astiascamelas.blogspot.pt/2015_09_01_archive.html
Portagem em Coimbra a Carreira na Portela 
Mal chegadas à baixa Coimbrã as mulheres com rodilhas à cabeça carregavam as canastras em correpio apressado no abanico de ancas a graça ao laço do avental na direção do mercado onde montavam a banca e começavam os pregões ...
" bom queijo curado e meia cura do Rabaçal" 
" oh freguesa veja os meus queijos".
" queijinho fresco" a clientela questionava a proveniência delas, de onde vinham - as queijeiras respondiam a pensar no paladar, no travo que as pastagens de tomilho confere ao queijo uma distinção especial e de boca cheia respondiam "queijo do Rabaçal minha senhora" por ser a terra mais sonante em detrimento doutras: Santiago da Guarda, Junqueira, Alvorge, Ribeira de Alcalamouque, Penela, Pombalinho , Cotas e,…
                                      Gosto de saborear o queijo em fatias finíssimas...  
A fermentação
Tem uma série de rituais de que, ainda hoje, existem vestígios: devem ser sempre brancos os panos que com os queijos contatem, fresco o local onde repousa o leite, frias, bem frias mesmo, as mãos de quem lhe toque no momento de o fazer , assim reza o ditado. 
No pote assado verde, também chamado açucareiro do almece, côa-se com o pano de estopa a mistura dos leites de ovelha e cabra a que se junta o coalho, flor de cardo ou de compra onde fica a coalhar à roda de uma hora junto à quentura do lume. Pronta a coalhada é despejada para uma bacia de faiança, há quem use a francela de madeira, recebi uma de herança, pasta bem espremida com as mãos para retirar o excesso de soro para a massa ficar mais compacta, por fim é enformada em cinchos ou acinchos em folha-de-flandres com buraquinhos por onde escorre o soro. Deixa-se o queijo repousar duas a três horas, por fim são cobertos de sal pelos dois lados e colocados a secar em lugar arejado e frio à roda de dois meses.
Ordenha
Recordações de ver a  minha tia Maria e a filha Júlia Silva no Bairro de Santo António diariamente  no curral de porta encostada a mugirem as tetas das ovelhas e da cabra para o açucareiro  e logo o punham na beira do lume a coalhar com o cardo que apanhavam junto ao poço velho do quintal e secavam. Adorava na cozinha assistir quase todos os dias ao ritual da sua feitura. Com os frangalhos de leite de ovelha faziam o almece que se comia com açúcar amarelo ou na malga em sopas com pão duro. Havia dias que a empreitada surdia mais, faziam um queijinho pequenino para nos regalarmos ao fim da tardinha -, gostava de ir buscar o sal à taça de esmalte, com os dedos esfarripar os cristais no queijinho e sentir na boca aquele sabor puxado a sal - os queijos maiores  punha-os na queijeira em fila sobre numa tábua de cantos arredondados suspensa com cordas presas no teto do hall de ligação da casa de baixo a caminho do sobrado. Dia sim, dia não os lavava com uma folha de figueira, depois secava com um pano de estopa e os punha de novo na queijeira, por fim já só os virava para curarem bem.  A minha mãe gostava de os comprar  às mulheres de Albarrol e da Portela de S. Lourenço - os mais afamados da região em meia cura no mês de abril - o ponto alto para o melhor  queijo do ano, os conservava com uma mistura de colorau doce e azeite,  quem também tinha uma mão divinal para os fazer como outra nunca conheci igual era a prima Albertina Lucas do Escampado Belchior , durante anos nos oferecia uma dezena pelo prado da Ferranha - queijos de forma redonda, limpissimos, alvos, e textura fina sem rendilhados...a derreter manteiga em 72 no colégio salesiano do Monte Estoril recebi uma encomenda pelos meus anos em maio que trazia um exemplar - mal chegou para aguçar o paladar das bocas em meu redor que se abeiraram, tal iguaria desconheciam, e se fartaram de tecer elogios...
Antigamente também havia gente que os guardavam depois de secos no mosqueiro, e se conservavam em talhas de azeite, a avó Rosa do meu marido os misturava na  arca do milho, que tinha na sala - ainda cheguei a enfiar o braço arca dentro à procura de um queijo do Rabaçal. 
Tempos de antanho via as mulheres na tosquia nas tardes quentes recolhidas na sombra de alpendres - as ovelhas, uma a seguir à outra, a todas elas tiravam o casaco à tesourada. Os animais eram dóceis, apesar de afogueadas queriam ver-se livres da lã. Vaidosas, e aliviadas davam saltos de contentes a passearem-se no adro de casaca nova, branca, com rasgos profundos de cortes desniveladas à toa disseminados pelo dorso, coisa da conversa  ... também das ovelhas  que não gostavam de estar amarradas na tosquia. Também é deste leite de ovelha que se faz o requeijão que adoro comer com doce de abóbora. No Carvalhal, na Nexebra e noutras aldeias de Sicó havia quem fizesse a sua produção caseira de queijo à base de leite de cabra, por ter mais cabras e menos ovelhas no rebanho. Estes queijos com mais mistura de cabra ao ser tragado " chia na boca ", sente-se no corte, parece mais plástico.
Maravilhoso desde o fresco, meia cura, e o seco que adoro, "rijo que nem corno" em sopas de café como a minha avó da Mouta Redonda comia, por não ter dentes assim o amolecia, eu tomei-lhe o gosto e ainda faço e adoro.


A certificação do queijo 
Qualidade na Produção
Desde os primórdios o fabrico familiar para governo da sua  casa , a venda servia para suprir a compra de açúcar, café, bacalhau, arroz, petróleo etc.  No meu tempo via aos sábados as mulheres chegarem com cestas de queijos e os vendiam por atacado em Ansião ao Sr Daniel, à irmã do Casal de S Braz e ao Sr Margarido de Santiago da Guarda,  intermediários que os traziam para Lisboa.
Hoje o que existe são marcas registadas com nomes de variantes de queijos ditos Rabaçal. 
O que falta? Denominação deste queijo. O rigor das qualidades do leite, uso de cardo e ritual de feitura. Claro de outros queijos também, sendo mais baratos, apelativos para quem tem menos posses.
Nos programas televisivos onde se mostra a produção de queijo Rabaçal nas várias fábricas o que se constata é a chegada de camions cisterna com leite trazido de outras origens, de vaca, essa a verdade.Numa reportagem na Feira dos Pinhões, em Ansião, uma produtora de uma fábrica afirmou gastar diariamente entre 10.000 a 11.000 litros de leite, o que explica a mistura de outros leites vindos de fora, e isto não é que seja mau. A falta de leite de ovelha e cabra da região, para se perceber a chegada diária de excedentes de leite com outra origem  às  fábricas,  para a confecção de queijos variados. Apesar da ostentação de nomes  de marcas certificadas quase toda a produção com derivados do puro queijo do Rabaçal, para mim que o conheço desde sempre, o sei reconhecer . Há contudo queijeiras certificadas que produzem o queijo em pequenas quantidades e o vendem a retalho, mas até esse pode ter falsificação porque só pensam no lucro, em faturar, querem lá saber da tradição e do preceito na mistura certa dos leites, fiquei horrorizada ao saber há  anos chegaram a misturar leite em  pó...Pior é as queijeiras certificadas darem uso a bacias de plástico em detrimento de recipientes em barro vidrados. O certo!
O plástico com o uso vai libertando partículas que se entram no leite e claro nos queijos...
Em rigor devem existir várias qualidades de queijo na relação  preço/qualidade. O  verdadeiro, o genuíno, o mais caro com outros até ao mais barato com mistura de leite de vaca, aliás como outras congénitas fazem, em que o consumidor não deve ser jamais enganado.
Por fim a meu ver não foi ganha a  aposta  do genuíno ao falhar a angariação de grandes rebanhos para pastoreio com produção suficiente de leites para a feitura do queijo. Na região existem por volta de 1000 animais, nitidamente insuficiente e rebanhos deviam ser aposta  na região a  incrementar o turismo, além da produção do verdadeiro queijo, a ser  certificado, o novo título - Terras de Sicó ou Ladeia! 

Há anos que não apanho um verdadeiro queijo do Rabaçal! 
Os que apresento comprei-os a uma queijeira certificada no mercado de Ansião que os tinha frescos e meia cura, deles tenho andado ocupada com lavagens para secarem - porque adoro o queijo bem rijo - não é "mau", pelo menos é de pasta compata sem rendilhados, cujo travo para quem reconhece, não é genuíno. Não julguem que é só por aqui que se aldraba a feitura do queijo - pensem em todos os outros queijos neste nosso Portugal . Houve um tempo que o excedente de leite de Trás os Montes era escoado para a Serra de Estrela, para fazerem dele o queijo mais caro de Portugal, até ao dia que os transmontanos se lembraram de o certificar como queijo Terrincho e fizeram muito bem.
Acaso continuasse a  especular, outras descobertas acredito me espantariam!
Pior é o preço exorbitante à roda dos 16€ no mercado de Ansião - Francamente é roubar.
  • Numa das fábricas no Rabaçal  a caminho do Pombalinho ronda os 11 € o dito genuíno de mistura cabra e ovelha.
  • O queijo de 2ª escolha tira-se a 5 €, é francamente bom.
  • O fresco a unidade custa 3€ e é grande e o requeijão 1€!
  • Os queijos da 1º escolha  custa o quilo 6,50€.
  • Por estas terras do Maciço de Sicó oferece-se queijo -  o meu  amanteigado foi comprado na fábrica do Rabaçal, o aprecio com bom pão, também se come chouriça e um bom copo de vinho a quem apareça de surpresa, por sorte ainda Pão-de-ló , os lesmas, as fazem sempre ao domingo.

4 comentários:

  1. É de apreciar a forma franca, conhecedora e bem intencionada como está tratada a questão do queijo Rabaçal. POR ISSO, estou totalmente de acôrdo, pois na verdade, a maioria dos atuais fabricantes, foge do DOP como o diabo da cruz,caprichando rótulos tendenciosos, tais como "terras de Sicó", "serras de Penela", etc. etc. Quem aprecia o "RABAÇAL" está pronto para pagar mais, mas não o encontra.

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  2. Caro anónimo muito obrigado pela cortesia da visita e pelo elogio deixado em comentário.Lamentavelmente é como bem diz em rodapé - "Quem aprecia o "RABAÇAL" está pronto para pagar mais, mas não o encontra."

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  3. Onde posso encontrar o original? Meu email: mstomaz@sapo,pt

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  4. Boa noite,
    Por favor, onde compro o rabaçal original e o amanteigado? Meu e-mail é aretrosaria@gmail.com.
    Muito obrigada!

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