segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Entrudo, Sachas ou Carnaval e o jogo do pau em Ansião!


As sachasDança ancestral do uso do pau em jeito de andarilho à pala do Entrudo - ainda hoje se revezam raízes  nele a dança do Fandango do Ribatejo e Pauliteiros de MirandaO nome não sei de onde lhe advêm, será do ato de sachar o milho, no jeito da enxada na roda dos pés das plantas ao acalcar a terra junto do pé ou,  na dança os pés e o pau firme no chão a fazer toada para dar nas vistas a exibição?
Em tempos de antanho era tradição na Moita Redonda, uma aldeia da freguesia de Pousaflores no concelho de Ansião o uso de um "Pau" por cada rapaz na aldeia,  no mesmo ritual nas redondezas. Chamavam-lhe os caceteirosNa Moita Redonda juntavam-se ao domingo rapazes e raparigas em redondel  ao largo do aqueduto do ribeiro com o entroncamento da quelha do Vale onde se bailava-, velhas mulheres vestidas de preto, enfeitadas de lenço surrado pela cabeça e na boca desdentadas, o seu festim era espiolhar os namoricos das filhas, atrevidas chegavam-se  de mansinho aos rapazes e os espicaçavam- "olhe lá vossemecê quer bailar? Puxe aquela ali..."
Quando iam à missa levavam o pau e deixavam-no atrás da porta da igreja, mas houve padres a proibir e assim o deixavam antes de entrar nas vilas escondido.

Paus  e queimbos que foram da Moita Redonda
"O Jogo do Pau é o sistema tradicional Português de combate e defesa pessoal, com origem e principal incidência no combate em inferioridade numérica".
"num país em que, até há pouco tempo, se caraterizava fundamentalmente pela prevalência dos ambientes rurais sobre os urbanos, ocorreu a manutenção do pau / cajado, como utensílio de caminhada e, simultaneamente, como ferramenta de defesa pessoal".
" esta arte, outrora aplicada a toda e qualquer arma medieval e outros instrumentos de fácil acesso, como os agrícolas, veio a ser conotada como exclusiva de paus, ao ponto da recente designação que surgiu para a identificar transmitir essa mesma ideia: Jogo do Pau".
"a origem e história do Jogo do Pau, enquanto tal, baseia-se um pouco numa interpretação lógica da relação entre caraterísticas socais e ténicas de combate criadas mas, acima de tudo, assenta no fato objetivo de, num dos livros escritos pelo Rei D.Duarte no século XV (Ensinança de bem cavalgar a toda a sela), o nomes apresentados para designar as ténicas de ataque, assim como as suas trajetórias, corresponderem aos nomes e trajetórias que nos chegaram pela prática do Jogo do Pau".


Desenho do jogo do pau na região de Alfredo Keil do seu Livro Tojos e Rosmaninhos  do século XIX quando se deslocava à região para caçar com o Rei D. Carlos e costumavam ficar na Estalagem de Ferreira do Zêzere.
Confesso não aprecio o Carnaval  dos nossos dias em jeito arremedado dos Brasis...
Em geral naquele tempo de antanho rapaz que se prezasse andava sempre com o seu fiel companheiro -  o pau, servia para se encostar, apoiar e defender, hoje ainda perdura o seu uso pelos pastores. Quando se deslocavam a outras terras tinham sítios para os deixar guardados, nem sempre andavam com eles. Pelo Entrudo, deles faziam uso nos bailes, onde a  traulitada  e o cantar ao desafio era permitido para libertação da alma de ditos e mexericos - as cegadas ou pulhas - testemunhos de vida na essência a declamar acontecimentos cómicos vividos na aldeia no pretexto de os vincarem ,em alto e bom som, a respeito de todas as pessoas, sobre  o que não se aprovava e falava por trás, com eles andavam entalados na garganta durante um ano, no suposto seria -,  não se querer voltar a falar...Os que tinham este perfil e  arte para desempenhar tal papel eram as pulhas-  ao fazerem uso do palco, o terreiro à ponte do ribeiro onde se concentrava o ajuntamento e convívio de gentes, onde a festa acontecia no deixar a aldeia sonza e desnorteada com  tamanha paulitada-, que fazer era coisa que lhes estava na " massa do sangue"...Fosse o jeito do gozo, escárnio, maldizer, e sátira, - sendo que este estar no Entrudo na Moita Redonda era sagrado.Por Lisboinha no lembrar do meu bom amigo João Patrício. Ah!!!As Pulhas na minha aldeia...Iam para o monte da Ovelha dizer bem alto: A Maria tem um amante! E outras tentações do demónio ...
No melhor toda a gente dançava na quelha do Vale junto ao ribeiro ao som da concertina que o meu tio Alberto Lucas tocava - depois dele - apareceram uns irmãos do Pobral, o Alberto e o João a tocar harmónio. Haviam  rapazes bonitos na aldeia: Acácio, Zé Serra, João, Américo, João, José e irmãos das Hortas, João Medeiros, irmãos e, …Também aqui acorriam rapazes vindos das bandas de Alvaiázere, Vale do Rio, Ribeira Velha, Pardinheira, Mó, Lisboinha, Pereiro e, …E as raparigas desempenadas e bonitas: Alice, Ermelinda, Josefina, Hermínia, Maria Medeiros, Maria, Clotilde, Rosaria, Ricardina e, … Bem se mostravam no varandim de madeira da casa da Ti Joaquina onde também se bailou muito com vistas para o sol soalheiro a cair sobre o ribeiro a sul a espreitar por entre os choupos... Acredito se roubavam beijos à conta de ninguém levar a mal...E se comiam os velozes de abóbora, depois da Quaresma de novo só pela Páscoa se as eleitas  " de raça menina" se aguentassem... Deste modo simples, no intuito em não deixar morrer a tradição, contei um pouco do que ouvi do que  foram  as sachas em outros tempos vividas na Moita Redonda, onde  a paulada era de meia-noite quando não dava em zaragata, ou por intriga aguçada e mordaz "partida pregada à laia da má sorte do visado" . A fazer fé no ditado " quem não se pica (ofende) não é filho de boa gente" apesar de dizerem que pelo Entrudo ninguém leva a mal… 
Ora o que mais era senão a ingestão de um copanero a mais de tintol, ou de aguardente, muitos na roda  do tacho de esmalte azul de bolinhas brancas, que serviu no casamento do filho mais velho, o Carlos, com a  cachola repleta de lascas de fígado entalado na brasa, armados de garfo de ferro em punho dele picavam e numa palangana de faiança  na outra borda do balcão havia sonhos, feitos pela Zaira, a loira em corpo robusta, tudo à venda na taberna do meu avô Zé Lucas, conferido pela guardiã das contas a fiado, a Clotilde , porque a minha mãe era ainda cachopa, da escada de madeira de ligação da loja à casa os via  respingões, a dizer asneiras no bater de paus que não largavam, lhe havia de despertar  no seu ver ingénuo, tal espetáculo ao querer espreitar.
Se sobrasse alguma moeda no fundilho dos bolsos alguns em fila ainda se iam "aliviar na mulata" coitada dela e da má sorte ditada pelo pai "Ervilha"que  na ida ao Brasil à procura de boa fortuna, no regresso trouxe dois filhos mulatos, um par de meias de seda, e uns cobres para fazer a casa que era ao tempo boa e grande com um par de janelas de guilhotina , e segura na companhia de Seguros Bonança ...O irmão morreu cedo afogado no poço do quintal na borda do caminho,já ela votada ao abandono sem ninguém nesta vida para lhe acudir, senão os vizinhos sobreviveu a saciar prazeres, sem prazer...Ainda me lembro do seu olhar triste!
Gosto da tradição das nossas gentes ainda vivas nalgumas terras - daquilo que é realmente PORTUGUÊS!
 

Na feira da ladra encontrei há tempos um caderno de capa preta de folhas quadriculado comprado na Papelaria Vasconcelos no nº 268 na Rua da Prata em Lisboa, escrito com sonetos em letra elaborada de  Maria Regina , por volta dos vinte anos de idade ...1926.


SONETO

O que é o Carnaval?!Frouxa risada 
D'ironia ao que vai pelo ano fora
Soluço disfarçado em gargalhada
Escuridão mascarada em luz de aurora. 

É miséria vestida de brocado
Alegria fictícia que consome
É aquele garoto esfarrapado 
Que vês a rir para disfarçar a fome 

É a torpe mentira que nos choca
É a própria mentira que a provoca 
É aquela criança quase nua… 

São três dias que duram o Carnaval, eles
Mas eles passam...vão-se...e afinal 
...O Carnaval da vida continua...

O tema retratado me parece tão atual...Incrível já passou quase um século!

Há outro soneto intitulado - P'ra quê ?  com um apontamento a lápis - " lidos por 
Ana Trindade em 3 de setembro de 1947."


P'ra que me deste um coração, Senhor...
P'ra que m'deste assim como este meu?!
P'ra não poder passar alheia a dor...
Para sangrar como sangrou o teu?

Para que foi, Senhor, que tu me deste
A mim,simples mortal, um coração?.
..Olhai aquela flor que o vento agreste
Derruba sucumbida para o chão..

A vossa cruz!eu sei, foi bem pesada
Mas junto a vós, Senhor, eu não sou nada
Por isso que me esmaga a cruz da vida..

Deste-me um coração;p'ra quê Senhor?!
Se eu sou a própria imagem dessa flor
Que ao menor sopro, cai desfalecida...
O Jogo do Entrudo no Bairro de Santo António em Ansião nos meus tempos de miúda… 
A minha  prima Júlia Silva corria às arcas de onde tirava saias compridas, grossas e rodadas para jogarmos o Entrudo -, naquele dia tirou o vestido branco do casamento da sua irmã Tina, e o vestiu a fazer de noiva que nunca quis ser - apesar dos belos atributos de peito farto em altar e altura desempenada. Não me lembro quem fez de noivo -, acho que foi o "Carlitos Parolo" ou o "Toino da Ti Peleira". Cortejo abrilhantado com música que saia dos foles da pequena concertina do Ti Inácio que a tinha comprado na feira da ladra onde foi feirante anos a fio. Convidados foram todos  os cachopos do Bairro: "Eu e a minha irmã; os Trinta; os Cunha; os da Alice do Pego; os da Augusta do Chico; os da Robertina; os da Carmita; os da Mavilde, Mocho e,..."à mistura  com graúdos no desfile pelo Ribeiro a Vide, a caminho do Cimo da Rua e da vila no auge o Fundo da Rua onde se concentravam a nata da sociedade ansianense... Ano houve que joguei ao Entrudo vestida de padeira. No armário do vestiário da padaria dos meus avós  fui buscar a indumentária e vestida de branco, armei o cesto de alforges de verga de fundos rotos na pasteleira, e de corneta na mão desfilei pela vila até ao Fundo da Rua numa de apitar para chamar à atenção... Coitada de mim julgo os rapazes não me reconheceram...Ou sim e para tristeza minha não me deram atenção -, seria por ser magrinha sem dotes de arregalar o olho?
Ao tempo não havia máscaras tapava a cara com uma meia de vidro, no caso uma da minha mãe nº 8,5, e a sua maquilhagem  fez milagres..e a boina branca rematou a cabeça.
Pelo Entrudo sempre gostei muito de ir até aos Escampados com a comandita da cachopada no atalho pela quelha do Vale no endireito da ladeira , e às  Almitas  direitos ao Escampado Belchior à casa do Serra, depois na direção de Santa Marta sentados nos muros da capela de Santa Marta a conversar e a rir -, em seguida no caminho da Lagoa, com nova paragem na casa da avó da Arminda e da Gracinda ,de caras para  a lagoa que lhe deu o nome, brincadeira farta à  sua roda ,e a apanhar canas para varejar nas águas -, claro e a brincar no  molha molha...
Cansados, a comandita seguia  para o de  S. Miguel onde na casa da Elvira André junto à capela  de S.Miguel e da casa dos avós do Carlos  Cotrim havia de novo alarido. As pessoas gostavam de nos ver pelos caminhos cheios de  alegria e o descaramento de pedirmos alguma coisinha para comer, como se fosse no tempo dos Santos na cantilenga - "Ti Maria dá bolinhos por alma dos seus Santinhos"  as mulheres ofereciam ovos, chouriças, pão escuro de trigo e centeio, laranjas, passas de figo e nozes. 
De regresso a casa o redondel  fazia-se no Largo do Bairro onde a festa acontecia, todos comiam e bebiam, se faltasse alguma coisa alguém ia  buscar a casa, ou comprava-se, se para tal tivéssemos recebido moedas! 
Recordações tenho da azáfama nas vésperas do Carnaval no Correio velho de Ansião, no turno da meia noite,  de ver a  minha Titi com a minha mãe -  mais pareciam mãe e filha, e na realidade eram irmãs com diferença de 24 anos -, na folga dos assinantes no dar à manivela para pedir chamadas locais e interurbanas, matavam o tempo a remendar fatos  guardados anos a fio no sótão do solar da D. Maria Amélia Rego que a traça não perdoou. A bondosa senhora os emprestou a contento, tinham sido  usados pelas suas filhas, já senhoras. Belo, era o  traje madeirense e outro de cigana , de saia rodada até aos pés puxada na roda por flores cerise, com  cesta na mão com elástico e fita de nastro fazia de vendedora de retrosaria. Vestida com eles me passeei até aos Olhos d’ Água onde rebenta o Nabão, por aqui em dia de Entrudo a água jorra em fúria da gruta pelo poço aberto nos anos 40, e segue viagem sempre  a fugir em pujança da eira pela porta aberta repleta de agriões floridos...
Deleite maior sentir a água correr debaixo da pequena e linda
Ano houve que pelo Entrudo na vila enxerguei cabeçudos altos de grandes beiças esfaceladas, e saias de chita rodadas, que abrilhantavam as ruas com a  comandita de zés-pereiras, foguetes, e gente à sua beira…
Tempo de troça, de gozar com tudo e com todos, extravasar alegrias, rir à gargalhada com humores carregados de sarcasmo, de fazer o que durante o ano não era permitido. Atrás dos cabeçudos os cachopos faziam  corrupio -, para nos assustar davam corridas largas, as saias voavam, as cabeças grandes batiam umas nas outros...Risada, muito rir descontraído, solto e aberto de folia.Na véspera tive o privilégio de os ver chegar em cima de uma camioneta e a serem acomodados na casa onde funcionavam no início os Bombeiros antes do quartel - agora a casa do António dos Munhos, ainda assisti ao despique dos homens que os queriam vestir para  rodopiarem pelas ruas!  
A última vez que o joguei ao Entrudo foi com a minha grande amiga Lála da quelha da Atafona, ela vestia camuflado da tropa, eu fazia de madrinha de guerra  grávida, vestida de saia que ela fez enquanto aprendiz de costureira de uma colcha de seda azul-bebé da minha mãe a que pôs um elástico na cintura, a fazer de barriga uma almofada presa com um lenço, de braço dado fomos até à vila desfilar, na placa  do Município encostado a um banco esperava um táxi o Zé Emídio Moreira para ir até à Serra do Mouro namorar… O nosso estar era premeditado de o atazanar com escolha em tantas escolhas!

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