segunda-feira, 25 de março de 2013

Voltar a S. Martinho do Porto no Dia de Ramos na feira de velharias

Saí de casa pelo alvorecer, domingo 24 de março de 2013 pelas seis e um quarto a caminho da feira de S. Martinho do Porto tendo por companhia  aguaceiro fraco. Numa curva apertada antes do aqueduto das Águas Livres deparei-me com um separador comprido de cimento armado arredado do seu lugar por  grande encosto, e que encosto -, apresentava-se desviado da simetria ordeira...um perigo, julgo os dois funcionários da Brisa aguardariam uma grua para o repor no lugar.
     
    Mal chegada a Torres Vedras senti o sol despontar por detrás das eólicas numa de anunciar bom tempo, o que mais almejava.
     
    Chegada a Alfeizerão sempre a lembrar o bom Pão de Ló , também de um antigo colega - , Guilherme Morais nesta terra de sua mãe, depois de regressado de Angola decidiu arquitectar a remodelação da  sua casa em pedra...mais tarde muda de intenção ,  a vendeu  para comprar uma nova. Teimei registar a igreja branca a lembrar o Alentejo, os plátanos do escasso adro bem podados a talão, ainda pormenores  de folhas de palmeira  no anúncio do DIA DE RAMOS dantes usadas no dia de casamento, nesta quadra usual por terras de Espanha.
     
    A partir daqui a  paisagem apresenta-se de cariz  romântico muito pelo choupal em fila ao longo da estrada  disperso deitado, sobrevivente às agruras da ventania em terreno desabrigado, árvores teimosas resistentes, desgrenhados de ramos despedidos , enquadrados em bucólica moldura de lameiros  a fazer jus à  nítida paisagem "Bocage" a perder de vista nos extensos  prados verdes divididos por cercadura mural de canavial...
     
    Aportei ao destino antes das 8 no lugar habitual da concentração.Estranho a  D. Helena -, a senhora organizadora  no seu tardar em dar ares da sua graça...fiz tempo na conversa ao cumprimentar o casal dos Fernandos -, ele cego há 4 anos. Rapidamente constatei que o lugar atribuído via telefone, e pago pertença do colega Peneda -, impossibilitado de comparecer em virtude de doença -, haveria de mo ceder num gesto gratuito que muito me honrou pela escolha e dedicação, infalivelmente verifiquei o mesmo ser pertença há 4 anos do colega Bacalhau...neste compasso de espe entrosei conversa com outro casal também muito simpático -, Sr Domingos e D. Rosa  na sua primeira vez nesta feira esperavam por atribuição de lugar. Mais tarde ao passar na sua  banca vi sinetas de sacristão em latão e um par de sinos com a Cruz em relevo - adornos de uma junta de bois numa quinta em Vila Flor onde o seu pai trabalhou.Fiquei com o som dos chocalhos na cabeça a pensar como aqueles bois no seu andar pachorrento por caminhos de pedras transmontanas chegariam ao fim do dia ...moídos concerteza!
    Na nossa longa e estúpida espera se juntaram mais duas amigas que procuravam por semelhante ajuda. Sem a chegada da anunciada organizadora em cima das nove horas o meu marido arranjou uma vaga - , mesmo que não a houvesse o Sr. Manel da Batalha já se tinha disponibilizado para ceder espaço da sua. Estas atitudes são o melhor destes certames -, encontrar gente boa, haveria de o ouvir dizer mais tarde..."você é muito simpática, não me esqueço a primeira vez  que nos abordou..."  logo rematado pelo Sr. Antero e D. Isabel de Palmela que já não via há meses, outro casal muito acolhedor, teimou reforçar o mesmo elogio. Montei num lugar central quase no início da feira em frente da entrada da praia, do outro lado a Ermelinda de Alcanena, muito perto do seguida da Ti Helena e Ti Manel.
     Claro-, antes arranjei dois lugares - um para a Rosa, e outro para as duas amigas!
    O tempo parecia acordar prazeiroso apesar de ventoso. A feira estava repleta de bancas...a sopeira em faiança com dois gatos junto da pega, e sem tampa havia de ser vendida a um antiquário de Alfeizerão e um belíssimo prato com flores em policromia  dividido por filetes amarelo ocre  que irradiavam do centro para a aba com o tardoz cheio de buraquinhos de massa amarelada, fiquei a pensar a origem do seu fabrico -, Vilar de Mouros, Coimbra ou norte duma qualquer fábrica de Gaia, e com isso estupidamente não registei a foto... quando voltei já só vi o  seu lugar!
    Fui cumprimentar a Fernanda que conheci na primeira feira das Caldas onde comprei umas fronhas de flanela. Confidenciou-me que guardou lugar para mim...como não apareci, cedeu a outro colega. Gente de bom coração, e ainda com pele porcelana!
    Banca do Bacalhau com a sopeira em faiança - fabrico de Caminha(?) e o Prato com o brasão do meu SPORTING
     
    Presentes muitos colegas -, um dos primeiros que estabeleci conversa estava com o seu ajudante um rapaz pacato de olho esverdeado e andar atoleimado -, travei conhecimento com eles nas Caldas quando estavam a içar os leões em pó de pedra que o Pereira Cristóvão comprou no certame, trazia mais dois na camioneta. No seu andar desengonçado vi outro colega alto de pernas a bater nos joelhos que costuma fazer Pombal -, Domingos julgo se chama; a Ana de Vila Franca de Xira está sempre na mesma desde que me lembro que a conheço, e já lá vão mais de 8 anos; ainda a Fátima que arrumava a banca, mais tarde a cunhada Isabel chegou, sentada a vi à beira de uma quebra de tensão e,...segundo o meu marido também foi o Luís e a Isabel Rute, mas esses não vi porque deu-me de estrear uns botins que me aleijaram os dedos mendinhos...
    A baía enchia-se de famílias numerosas sobretudo da parte da tarde que se passeavam pelo calçadão. Fatalmente pareceu-me "o passeio dos pobres"...sente-se a crise que todos falam  há falta de dinheiro por isso não vi marisqueiras, vi antes esplanadas vazias.No dizer do meu bom amigo Manel do Porto muita gente que apelidamos de "parolos", mas que no fundo não têm culpa de o ser, pessoas essas que não sabem distinguir artesanato, velharias, coisas usadas, outras até novas do produto chinês, que só vão passear, em bandos, fazendo lembrar o romance de Batista Bastos - Um homem parado no Inverno! 
    Pela tardinha vi muita mulher  cujo estilo de apresentação me soou na errante procura de  "engate"... pavoneavam-se sozinhas na louca ideia de encontrarem a sua alma gémea ...uma passou por mim vestida para arrasar faltava-lhe contudo  hellan... o corte do cabelo já não se usa há que anos igual o casaquinho branco com franjados...com uma anca de arrepiar...O único feirante que verdadeiramente se "safou sem pagar terrado" instalou-se estrategicamente em frente do challet amarelo onde montou a banca no passeio de costas para a multidão que já está habituada à sua presença...
    Com todos os colegas que conversei e foram muitos, todos se queixavam do fracasso das vendas.E o que se vendeu foi abaixo de custo...para não ficarem a zeros...
    Abeirou-se da minha banca um casal para me perguntar se tinha chaminés para candeeiros pequenos...voltaria para comprarem um candeeiro em miniatura com vidro verde, a senhora ainda regateou o preço ao mesmo tempo que abria o saco de papel para mostrar a vasta  coleção adquirida quase a custo zero...enquanto isso o marido pegou numa nota para pagar, balbuciava por "entre dentes" por hoje  chega de compras... não baixei o preço. claro que o levou por ser gracioso e barato!  
    Feliz com o presente no saco, caminhavam de braço dado,eis que inusitadamente a vejo beijá-lo na boca...sabichona o namorou para levar a bom porto, isso sim!
    O meu marido também apareceu da sua voltinha de cortesia com um prato em faiança vira  há meses, eram uns seis que achei caros na altura ... apenas restou na banca o mais esbeiçado...o que ele comprou. O prato apresenta a particularidade do azul cobalto sobressair no tardoz tal como  no fabrico de Fervença. 

       
    Analisando os fretes e outros  pratos que tenho com as mesmas caraterísticas trata-se de fábrica com marca "E" inserida dentro de um triângulo...
    Só um prato foi marcado
    Será  o seu fabrico da zona de Aveiro(?) ...ou Coimbra . Não vejo esta marca nos livros da especialidade.Comprei um frasco de farmácia de tamanho médio em branco.Vinha do cafezinho quando dei com uma cara conhecida de andar apressado na parte da manhã. Uma casal, ele de cabeça alva, não o reconheci, já ela foi minha colega no Sottomayor -,  escanzelada de carnes, continua com o mesmo olhar grande e negro no contraste com o cabelo curto também negro tal o mesmo no vestir, no caso senti lhe confere mais acentuada velhice, se fosse de noite julgo me assustava!
    Adorei o estrelato que se vivia no palco do calçadão de algumas mulheres caducas...
    Desfilavam bem vestidas , tortas do esqueleto, marrecas de "cu metido na barriga" andar à pato com os pés para fora, magras, outras gordas com "queixada dupla de abanico à boi" todas ornadas de cabelos loiros desgrenhados ao vento com a raiz profunda em branco .
    Infalível em todas  elas o carrego excessivo  de vermelho -, seja no vestir, unhas ou beiça!
    Mesmo VERMELHO numa idade para serem minhas mães! 
    Certo e sabido davam nas vistas e de que maneira! 

     cerise, escarlate, carmesim em detrimento do vermelho, rouge, rubi...
    Destingi uma distinta senhora com mais de 70 anos, meio torta de corpo com cremalheira branca escancarada ornada de beiça escarlate -, no caso haveria de lhe conferir um sorriso lindíssimo -, o mais bonito que perdi o olhar -, uma boneca a meu ver deveria ser aproveitada para Desenhos Animados...voltaria a revê-la no regresso do fim do estandarte de feirantes, o marido trazia uma compra embrulhada em jornal na mão, ela já de casaco pelas mãos mostrava o belo casaquinho de malha aderente ao belo peito com losangos em tons de vermelho vivo no contraste com a brancura enorme do sorriso e do rouge...uma graça sem igual, a vontade que tive de a fotografar...gente fina!
    Depois da missa do Dia de Ramos apareceu gente com o raminho de alecrim e oliveira pelas mãos...
    Também uma miúda turista com bom corte de cabelo à " garconne" em louro liso e óculos de sol a imitar os de mergulho guiava uma bicicleta pelas mãos no passeio público na vez de ser atrás das bancas na via circundante -, vestia calças de malhinha aderentes que lhe faziam ainda saltar mais o "cu rechocudo de gordinho das bordas da cuequinha..."na mochila às costas levava de fora o seu raminho de ramos...
    Apareceram casais homossexuais. Gente que compra na generalidade de gosto apurado e requintado na escolha das peças. Mas também ontem senti terem também os bolsos quase vazios...
    Quase no final de feira apareceu um  desses casais.
    Sobressaia um deles de barriga bestialmente obesa a saltar da camisola, louro que  encantado com o brilho da minha mísula dourada, que pegou em mãos  e fazia teatro para o amigo numa de esperar que ele se adiantasse...antes o apreciara na banca da minha homónima com um grande prato nas mãos sob o olhar calmo do amigo inteletual impávido e sereno que não lhe dava cobertura...(fez-me lembrar quando era pequena em Coimbra nas compras com a minha mãe...)
    Pior foi quando  arrumou a mísula, segundos depois a senti cair  partindo um prato de Massarelos com um "cabelo"num motivo oriental.Fiquei no prejuízo!
    • A rivalizar o meu azar antes de começar a montar a banca, o vento deitou no chão um saco que tinha na cadeira com estes patos paliteiros que se partiram pelo pescoço e ainda um pratinho decorativo com motivos do mar...




    Vestal Alcobaça
    Pinheira - Aveiro

    Só no cair da tarde apareceu de imprevisto a D Helena a senhora organizadora do certame.O meu marido ouviu-a falar com a Fernanda, em que lhe dizia que esteve para não vir ...fiquei a pensar como tal seria possível -, ao saber que se tinha comprometido com pessoas para as acolher logo de manhã?
    Continua na sua legendária desorganização estatística  da atribuição dos lugares e na assertividade da palavra...julgo lhe falta atitude e coerência para amenizar situações de melindre. Disse-me que o lugar não era o 17 mas o 23 ou 24... entre o Sr..., e o ...voltaria a instigá-la de novo após ter ido confirmar e reparar que o 24 não podia ser porque era do...ficou calada  -, que voltaria...passavam das seis vim-me embora cansada de tanto ter esperado por ela de manhã. Será que  a altura do porte se perde no contraste da lógica do raciocínio(?) a terrível impressão que me causou!
    Exigi-se eficiência na coordenação da feira com estatutos que os feirantes tem o dever de respeitar!
    Àquela hora já soalheira é costume o desfile de carros na estrada defronte da baía de todos aqueles que não se aventuram a sair, apenas desfrutar da paisagem ...um Mazda laranja muito doce, e um jipe transformado para picadas de altas rodas  enlameadas.
    Desiludida com o fracasso do certame fiquei sem vontade férrea de voltar...apesar do agrado e da oferta de lugar pago do meu bom amigo do Porto, Manuel Peneda!

    quinta-feira, 21 de março de 2013

    A Quaresma e Páscoa em Ansião no tempo da minha infância

    Os Santinhos...Fazem parte do meu imaginário, assentes em mísulas de madeira minúsculas ao lado de uma jarrinha de flores desde o meu tempo de menina e moça em casa dos meus avós numa viagem de recordação desses tempos vividos. 
    A Quaresma… As tardes de domingo eram passadas no recinto em frente do velho hospital em Ansião -, concentração de rapazes e raparigas casadoiros: Artur latoeiro e o irmão; "Necas Ourives"; "Carlos Parolo" e irmãs Lúcia e Tina; "Carlos Pego" e irmãs Elisa, Fátima; Abílio, Alberto, e Fernanda da Carmita; Natércia, Augusta e Lucíla Murtinho; "Adriano Mocho"; Luzita do Carvalhal; prima Júlia e a Tina Silva; do Cimo da Rua a Mira e Lucinda: Tina, "Isaura Reala" e " Toino Peleiro" da Quelha da Atafona e,...não faltavam os cachopos como eu e a minha irmã. Vinham ao chamamento da conversa, jogar ao lenço, brincar com a macaca que o "Carlitos Parolo" trouxera de Angola um animal estranho e fugidio, ainda se jogava à cantarinha em roda até ela se partir em cacos e não haver outra para a substituir.No pior partia-se a cantarinha de ir à fonte ...Esse ato de ir à fonte era na altura o único momento de liberdade das raparigas nesse tempo -, ocasião para namoriscar quem sabe dar uma escorregadela perigosa... acredito que no caso nenhuma delas teve ousadia para o fazer, nem tão pouco o desfrute de um beijo roubado, tal o recato a que se davam. No entanto a coisa era de tal maneira que a expressão "partir a cantarinha" tornou-se sinónimo de perder a virgindade em muitas terras... Ficaria celebrizada na canção popular infantil "minha mãe mandou-me à fonte e eu parti a cantarinha, óh minha mãe não me bata que eu ainda sou pequenina..." 
    Faz eco dos costumes desse tempo no retrato de memórias irresistivelmente ingénuas. 
    De repente lembrei-me da Adelaide a irmã da Ti Laurinda que vivia com ela no Largo do Bairro de Santo António -, cachopa de idade, coisa de sessenta anos, solteira com evidências de atraso mental, mal se percebia o que falava, com uma mentalidade de dez anos. Ao passar à minha porta com a cântara pequena de água da fonte do Ribeiro da Vide à cabeça ,descansava e dizia "ai cachopa vou tão cançaada…" Chegada a casa depois da escola sentava-me à beira do lume no banco corrido para reconfortar o estômago. Gostava nesta altura sentir o calor do lume que me fazia "chouriças" nas pernas mas aquecia -me aquele doce aconchego, até ao dia que não tinha a costeleta à minha espera, não me apetecia marmelada, doce de tomate, nem manteiga Primor porque sentia no ar o cheiro do fumeiro. Do lume irrompiam aromas a oliveira verde atiçada a dar estalinhos parecia um espetáculo bonito a imitar fogo-de-artifício, naquilo olhei para cima e sobre a minha cabeça estavam paus de loureiro às carreirinhas, nelas em fila chouriças, não sei o que me moveu, tive vontade de saborear "a coisa proibida em plena Quaresma"... mas a vontade de contrariar a religião foi maior, sem meias medidas nem autorização tirei uma chouriça e assei-a ... assadinha no brasido pingava no pão, regalei-me a saborear, para complemento a sobremesa-, com a tenaz no terreiro quente espalhei grãos de milho, para estatelaram em freiras e frades, as minhas pipocas. 
    Refastelada senti que tinha "pecado" ao deitar logo me apressei na primeira reza a pedir desculpa a Deus Nosso Senhor, um hábito antes de adormecer. 

    Bênção do Dia de Ramos...Acontecia na Igreja da Misericórdia com grande chamariz de gentes com braçadas de alecrim florido em azul entremeado, louro e flores. Na véspera ia ao Escampado de Santa Marta apanhar o meu com a comandita de cachopos do Bairro de Santo António a que depois em casa se juntava oliveira, lírios e açucenas do quintal. Folia e vaidade era levar um grande ramo para a bênção. Um ano ainda pequenitas -, eu e a minha irmã ao Ribeiro da Vide fomos interpeladas pela filha do Ti António Moreira a viver em Lisboa que se fazia passear acompanhada de uma amiga de máquina fotográfica na mão e se deixaram ficar a olhar surpresas para nós, pedindo se nos podiam tirar uma foto, a que acedemos ali junto ao aqueduto do ribeiro a seguir à fonte, sorridentes em fato primaveril com meias brancas até ao joelho, lindos eram os ramos! 

    Páscoa no Bairro de Santo António… Tal ânsia tamanha dos preparativos todos os anos nesses tempos, no gosto o cargo das limpezas, de raspar as ervas do carreiro à frente da casa ao adro da capela , depois empoleirada nos varandins de pedra limpava as persianas e assistia do alto ao vaivém de gente de Albarrol, Casal das Peras, Pinhal, Carvalhal e Matos para o ritual da confissão. Na véspera da Páscoa na hora da chegada da camioneta do Pereira Marques de Coimbra tinha a incumbência de ir buscar a encomenda que a minha mãe fazia pelo telefone -, amêndoas lisa cores, de chocolate, licor em jeito de bonequinhos, e um bolo com muitas passas da Briosa. Nessa altura o mercado de Páscoa em Ansião era no tempo muito concorrido pelas madrinhas que pretendiam obsequiar os seus afilhados com uma prenda. Nunca me lembro se alguma vez recebi alguma...os meus padrinhos de batismo -, os meus avós paternos, se deram que me desculpem lá no céu, a impressão que guardo dentro de mim não seriam muito de ofertar!
    Claro que sentia essa tristeza ao ver na feira o frenesim das madrinhas a fazer escolhas de presentes - o folar para os seus afilhados. No dia de Páscoa não faltava à missa, mal acabada esperava por mim o almoço pascal na sala de jantar -, cabrito assado com batatinhas acompanhado com grelos, claro muitos doces, amêndoas, e licores ou Lágrima de Cristo, encomenda do meu pai das Caves da Anadia que encomendava e ia buscar à carreira....

    Endiabrada de volta das amêndoas sempre a ouvir "ralhos" constantes da minha mãe por causa dos dentes fazia espera da visita pascal, ia para o adro da capela à espreita não fosse chegar mais cedo...Vaidosa já tinha posto na mesinha da sala de visitas o lindo copo de pé alto em vidro de 1854 da Vista Alegre herança da avó Piedade com água benta trazida da igreja com um raminho de oliveira, pratinho de amêndoas e o envelope com a Côngrua. Na hora prevista ao longe sentia-se o cortejo com o aviso da sineta do sacristão na companhia do Padre Filipe Antunes, enquanto outro irmão da Irmandade carregava uma rede verde com galinhas, após o ritual de beijar a Cruz e da recolha do envelope na varanda despediam-se com alegria de todos -, a mim e à minha irmã o Padre fazia-nos uma festinha. Estranho deixavam um cigarro no pratinho, nunca percebi tal significado. O pior é que o Padre deixou a vida de presbítero, agora não faz sentido perguntar mas sei gostaria! 

    Padres que deixaram de o ser… Ano houve de festa especial pela Páscoa com a presença do Sr. Bispo de Coimbra para a benção do Crisma. Igreja apinhada de gente para se confessar, alunos do Externato também. De confessor coube-me o Padre Ramos de Santiago da Guarda na altura meu Prof. de Português. Incrédula me senti ao ouvi-lo no confessionário tais as perguntas a que não soube responder ... grande embaraço, muda e calada só respondia, não, não…bastante incomodada e assustada fiquei. Muitos anos mais tarde numa conversa ocasional no Agroal com um Bernardino casado para as bandas de Santiago -, a talhe de conversa disse-me que o mesmo acontecera com a mulher dele…deste Padre lembro-me de ouvir falar que convenceu as gentes da freguesia a depositar as suas poupanças na Torralta com a retórica de altos juros, com o 25 de abril muitos ou quase todos ficaram sem o dinheiro...ainda teve o sacrilégio de ver a sua igreja de Santiago sofrer um incêndio, anos mais tarde abandonou o presbítero, casou-se, parece já descasou...

    Introspeção sobre religião, Padres ...Há coisas na religião que não entendo, porém contínuo católica, não muito praticante.Os tropeços morais decorreram da intromissão do poder laico na vida eclesiástica e, da falta de vocação de alguns que tomaram esse rumo na vida quer por imposição dos pais, quer para poderem estudar. Fartei-me de andar com missais caducos lustrosos de tanto lhe pegar, da letra pequenina e parábolas difíceis de decifrar. Faltará, digo eu, o mais importante, explicar sentimentos e afetos. Deixei de me confessar quando me apercebi que os padres sendo tranca de tantos segredos ouvidos em confissão, ao deixarem o presbítero digo eu (?) serão livres de os poderem contar, nesse pressuposto acho oportuno confessar-me a Deus…Recordo no final da missa os agradecimentos a favor das obras e benefícios à igreja, nomeadamente da calçada do adro, no meu tempo em saibro batido com sepultura rasa ao endireito do portal, anos mais tarde feita uma calçada pelos Murtinhos, não sei se ofertaram o trabalho, só sei que o saibro para a fazer foi do pinhal dos meus pais onde hoje é a casa da minha irmã, tal agradecimento ficou por dizer na homilia e, tal gostaria… 

    Falar do celibato… Sacrifício grande esse em dominar instintos carnais, qual rebanho de ovelhas tresmalhadas, carentes -, difícil é resistir ao amor, ao desejo da carne. Aprecio no homem regicida -, Manuel dos Reis da Silva Buíça ser filho de Abílio da Silva Buíça o abade de Vinhais no século XIX ter perfilhado os filhos. Homem de grande dignidade em lhes conceder o seu apelido. Em Trancoso onde existem ainda hoje muitos descendentes do Padre Matos, não sei se os legitimou, consta que lhes deu o apelido de família e, são mais que muitos (havia muita fominha de homem fértil para esses lados ao que consta…) . Resta a história feliz do Liberal Sampaio em Chaves Outeiro Seco, nunca deixou de ser padre, mas em 1902 depois da sua amada senhora de linhagem Maria do Espírito Santo ter morrido, perfilhou o filho fruto do seu amor, o bisavô do meu amigo Luís Montalvão. 
    Ribeiro da Vide e a escadaria da capela de Santo António 
    Reflectir sobre a morte…Travei conhecimento com a morte da maneira mais cruel por no meu julgar achar -, só os maus morriam,os anjinhos por serem queridos e doces...não!
    Corria o ano de 1962, não sei qual deles foi o primeiro, talvez a Gracinha,- a Maria da Graça filha do Armando Cardoso escrivão do Tribunal e da Satanela com oito anos morreu de angina venenosa, mais velha do que eu ainda cheguei a brincar com ela pelo Tribunal…Seguiu-se outro muito mais pequenito Zé Carlos Rodrigues, filho do Alexandre e da Helena estabelecidos de taberna na Praça do Município com 22 meses, lourinho de olhos azuis, sorridente, um amor de menino, igualzinho ao pai. Sem quê nem para quê o anjinho começou a ficar roxo, a mãe aflita subiu a escadaria da casa do Ti Domingos a caminho do consultório do Dr. Travassos, infelizmente o menino sucumbiu…Diz o ditado não há dois sem três, a terceira uma menina do Lousal filha da Fernanda e do Zé Carlos Godinho um dos padeiros do Casal das Sousas que namoriscou as criadas da casa, ou seriam os outros irmãos (?) a causa -, meningite, nunca tinha ouvido falar nesta doença. Senti a grande dor dos pais deitados na cama sem forças para ver a filha partir e se curvavam para receber abraços e palavras de pêsames. Grande funeral quão grande a tristeza de se perder um anjinho. 
    Nefasto era ver amortalhar defuntos e a tristeza do velório onde grandes candeeiros de latão de três bicos eram presença habitual igual aos xailes pretos pelas mesas a fazer de toalhas e telhas mouriscas a arder alecrim e louro debaixo da cama onde deitados os defuntos esperavam a urna. Gritos e muito choro, mulheres vestidas de negro com terços pelas mãos, rezas e mais rezas, durante dias andava triste só de me lembrar daquela representação medonha, do aparato, cheiros, lamurias, palavras repetidas, sempre iguais "os meus sentimentos…os meus pêsames…tem de se conformar…foi uma graça de Deus, está a descansar…não merecia que este azar lhe batesse à porta"… 
    O que me custava mais? Sentir a dor da perda anunciada durante dias, da agonia vivida nas casas do agonizante onde na beira da cama se faziam as últimas despedidas com ternura no olhar, se contavam segredos, e pediam desculpas…pior seria quando acontecia a morte súbita na partida para sempre de um ente querido de forma inesperada e as lamurias do que ficou para fazer e dizer…A minha avó Piedade bordou a sua mortalha. Linda toalha em bordado Richillie, um pouco mais larga e mais comprida que as usadas nos lavatórios de ferro, em tempos que a urna era feita em madeira de pinho após a morte…a mortalha servia para cobrir o corpo.

    Páscoa na Moita Redonda… Na segunda-feira a seguir à Páscoa havia o hábito de passar uns dias de férias na casa da avó Maria da Luz na Moita Redonda, a minha mãe levava-me de táxi. Andava a avó de afogadilho com os preparativos para a sua Páscoa, na aldeia o padre passava durante a semana. Tinha a sala da varanda com janelas abertas de par em par para o sol entrar, as begónias de terra mudada estavam sempre bonitas e o soalho lavado colorido com "poses amarelos"...que lhe deixavam as mãos com a mesma cor. Gostava de ir com cesta na mão nos carreirinhos pelos leirões às hortas para apanhar flores dos costados da serra, lírios e trevo cor de rosa do jardim da eira que espalhava à laia de tapete pela escadaria par o Padre Melo passar. O acordar logo ao raiar da aurora com o chilrear dos passarinhos ao ribeiro e nos salgueiros, saltava da cama de ferro, abria a janela sentia a fresquidão da manhã e vestia-me para participar na festa -, em jeito apressado a avó mandava-me colher uma laranja da laranjeira do quintal para de riste em corte entalar cinco coroas -, a sua Côngrua. Pela tardinha apressada subia a quelha do Vale a velhota Ti Joaquina que desatou no seu linguarejar pedir um favor à minha avó …" oh comadre Luz empreste-me aí vinte e cinco tostões para pôr na mensa ao padre, tenho uma galinha que deve pôr hoje ou amanhã e, com os ovos que tenho faz meia dúzia, se o padre tiver vergonha, não levanta a moeda, eu volto a dar-lha, se a alevantar dou-lhes os ovos..."
    Sentia-se ao longe o vento que entoava o som da sineta do sacristão. Fazia com que as pessoas viessem às portas de mãos cruzadas em jeito de abafar barrigas de avental. O sacristão e os Irmãos da Irmandade traziam oferendas de galináceos, garrafões de vinho e de azeite, chegavam ao Vale estafados com a língua de fora, o Padre Melo mais morto que vivo a deitar os "bofes pela boca" depois de subir a ladeira ainda tinha o lanço de escadas, malditas das flores a fazer-lhe cócegas aos pés porque corrimão não havia para se segurar. Benzia a casa em gestos rítmicos sacudia o raminho de oliveira molhado na água benta, olhava para a avó e dizia ... "bons tempos de subir a serra comer os piqueniques que vossemecê fazia Ti Luz...olhe a conversa fez-me crescer água na boca, já comia uma pele de leitoa..." - responde ela "mas eu é que não a tenho para lhe dar, lá vai o tempo senhor prior..."
    A Ti Joaquina mal sentiu o padre de costas aparece em passo corrido para dizer à minha avó " oh comadre Luz, o filho da puta do padre, alevantou-me o dinheiro da mensa... " 
    Sempre me impressionaram os "Registos de Santos"…Designa-se registo a estampa com um Santo. Havia gentes que entupiam as paredes dos quartos com eles, uma vez numa ida ao Sameiro pernoitamos numa casa particular, não consegui dormir tal o envoltório de registos de todas as cores e tamanhos; sépia, rosa, azul e, ainda outros com histórias de coitadinhos que cheguei a ver nas feiras fazer pregão para peditório. Além das razões estéticas e emocionais estes testemunhos são um meio barato de se ter em casa estampas que registam o pagamento de uma promessa ou o cumprimento de um dever religioso, para dizer que as pessoas quando se deslocavam a uma romaria, as compravam na igreja ou Santuário para registar a sua presença ou então as adquiriam como bilhete para ganharem a indulgência registada na estampa, gravuras dos Santos resguardadas em caixilhos de madeira ou papelão, com ou sem vidro e muito enfeitadas com pedacinhos de tecido e, restos de passamanaria, lantejoulas ou contas designam-se por "Verónicas" creio que esta palavra tão bonita a sugerir flores terá talvez tido origem nas pinturas com o rosto de Cristo, que as pessoas emolduravam preciosamente. Infelizmente hoje o termo desapareceu e usa-se "registo" indiferenciadamente para designar estes dois objetos. Em particular simpatizo com os "registos de moldura em lata " com uma imagem. Tenho uma pequena coleção numa prateleira estreita acima do oratório, por me fazerem lembrar essas peregrinações a Santuários pelo País - que a minha mãe comprava. Lembram-se de aparecerem na vila, geralmente no mercado, forasteiros com cartazes com estórias de "infelizes"... 
    Tal destreza e lábia no apregoar das desgraças dos infelizes coitadinhos, certo e sabido arrecadavam esmolas! 
    A maior parte da minha vida não apreciei a imagem de Cristos pregados na Cruz . Nunca aprofundei os porquês, apesar de gostar imenso de Arte Sacra. Há muitos anos visitei exposições na Figueira da Foz, os quadros de Cristos do pintor Artur Bual -,impressionaram-me e aos poucos fui mudando de opinião. 
    O meu marido encontrou um Cristo em latão dentro de um envelope numa gaveta da mesinha de cabeceira da sua avó Rosa da Moita Redonda. Sem cruz, decidimos no seu restauro a título de homenagem. Na rua à procura de madeira encontramos num vazadouro de obras o resto de um antigo estendal de cordas. Enquanto ele fez a cruz, areei a imagem de latão e enfeitei-o como se usa no norte na zona do Minho -, prendi um arame às quatro pontas da cruz onde previamente enfiei flores artificiais, brancas e azuis delicadas, por detrás do fio colei uma fita de seda larga branca, cujas pontas aos pés se entrelaçam em generoso laço que hoje enaltece o meu oratório, adoro-o! 
    Votos de uma Feliz Páscoa para todos que me querem bem...claro, para os meus seguidores e anónimos também!

    segunda-feira, 18 de março de 2013

    O chegar das novidades na vila de Ansião na década de 70...


    As boas lembranças e novidades que vivi por Ansião
    Advento da CUF… Fábrica de alcatifas, tapetes e tapeçarias que foi deslocalizada do Barreiro no início da década de 60, para engrandecimento da vila de Ansião, pela mão do Dr. Vitor Faveiro. Além da fábrica vieram funcionários e famílias que aqui se radicaram: Rainho, Serrano, Milheiro, Salvador, Marques e, …cujos filhos foram meus colegas na escola primária e depois no Externato. Na minha primeira visita de estudo na disciplina de português com o Dr. Prates Miguel -, ao tempo a redação eleita, assim se chamava na altura, foi a do Silvestre do Casal de S. Brás, por se revelar uma composição aberta..."quantos operários fabris ali trabalham, serão dezenas, centenas, homens e mulheres que vejo diariamente a caminho do turno da CUF..." em detrimento dos demais e da minha, num formato fechado... fui com o Dr Prates Miguel visitar a fábrica da Cuf..." Falar do Dr. Prates Miguel, boas são as recordações deste homem alentejano de Montargil que com 25 anos aportou a Ansião como Professor do Externato, ficando acomodado julgo ao Fundo da Rua (?), mas segundo o comentário a Pensão Valente, nesse tempo já não existia, assim julgo o foi na vila algures acolhido em franca hospitalidade (?). Veio a namorar com a filha mais velha do João Valente, que trabalhava com o irmão Eduardo no Café Valente, minha colega de turma no Externato-, a Nídia Maria Coutinho e Valente...miúda irreverente, de signo fogo, na sorte em ter nascido no feriado do primeiro de dezembro, fazia questão de referenciar vivamente a todos o seu nome com -, "e Valente", adolescente morena, gira, inteligente e mui moderna. Casaram sendo ele mais velho, ela com dezoito anos. Professor sensível e humano na véspera do "Dia de Todos os Santos" dirigiu um convite aos rapazes da minha turma -, quem o queria acompanhar no seu Mini a Montargil visitar a campa da sua querida mãe. Homem agarrado às tradições e saudades do passado contou à turma como o moinho que o viu nascer foi arrasado para a construção da barragem .Inegavelmente para mim o Professor que mais guardo boas memórias até hoje, por as aulas serem de cariz descontraído-, imagino ainda vê-lo sentado na quina da secretária a conversar para nos obrigar a raciocinar. Uma vez perguntava o que era um novelo...a turma de ombros encolhidos, alguns gesticulavam ao mesmo tempo que com as mãos tentavam explicar...porque da boca nada saia até que ele a sorrir nos disse..." é tão simples uma bola de fio..."Um professor que nos transmitiu novas formas de abordagem para as redações.Fundador do jornal o "Horizonte" que por razões que desconheço voltou em 82 com sede no Avelar. 
    Na velha cozinha do Externato na copa, o Prof. Prates Miguel ensinou muitos alunos a jogar Xadrez e Damas.Eu era barra em xadrez. Homem de fibra decidiu-se pela advocacia, há anos decidiu em boa hora ser membro fundador da "Associação dos Amigos da Sesta" de renome nacional. A sesta tão enraizada nas Beiras e no seu Alentejo. O que me lembro do "pessoal de fora" fazer uso da sesta quando contratado ao dia em trabalhos agrícolas para depois voltar de novo ao trabalho…
    A vila progrediu muito quando começou a laboração da fábrica -, empregava muita gente com ordenados certos ao final do mês, o que ditou o mote de apareceram também novas ofertas de serviços, porque o poder de compra era substancial em relação até então, nem tinha comparação. Vieram trabalhar pessoas das aldeias e arrabaldes deslumbradas com a possibilidade de emprego remunerado. Algumas raparigas alugaram quartos até arranjar melhores condições de Abiul, Gramatinha, Santiago da Guarda e, … 
    Dos lados de Abiul veio a Odete, bonita, casou com o "Toino Peleiro" rapaz igualmente belo que vivia na quelha da Atafona. Também a Artemísia igualmente bela não teve a mesma sorte, foi na altura mãe de filho incógnito -, a primeira vez que ouvi tal palavra e não consegui perceber... ainda azar maior o cancro a levou tão cedo desta vida, e não merecia!
    Muitos casamentos que esta nova vida de emprego certo, proporcionou... Fernanda filha da Carmita do Bairro com o Arlindo da Sarzedela onde estreei vestido xadrez com babete branco debruado a fita de veludo castanha, na cabeça usei travessa com florzinhas. Os nossos pais convidados para padrinhos lhe oferecem um serviço de loiça de Sacavém comprado no Sr. Chico do Fundo da Rua. Notícia que correu depressa e assim outros convites se fizeram chegar...
    Casamento da Rosinda e do Valdemar na Gramatinha
    Também recordo o casamento da Rosinda e do Valdemar na Gramatinha. Rapariga de farto cabelo louro e bom coração, empregada na fábrica vivia num quarto da casa da tia Maria com a irmã. Lindas fotos na Gramatinha que tirei com o meu namorado Luís, hoje marido... deitados pela serra salpicada de pedras e de flores silvestres...um dia muito primaveril e aprazível. Bom o bailarico, o acordeonista um bom tocador - apesar do meu par de pé pesado -, irritada estava de olhar para outros e nada  de dançar…Na foto acima a malta do Bairro que se fez para a fotografia na frente da casa da mãe da Rosinda. Anos mais tarde uma sua filha haveria de falecer de acidente -, uma pena que não se esquece!
    O casamento da minha vizinha a Fernanda Dâmaso -,à última da hora os meus pais não foram padrinhos...nem sei o porquê, já que a minha mãe adorava a Fernanda.
    Na foto estou de belos cabelos compridos atrás do noivo, a Leonor irmã da noiva ao meu lado direito e do esquerdo o Necas filho da Elisa e o Cunha com o irmão ao colo, a minha irmã atrás de mim -, só se vê a ponta da franja tal como a Dália irmã mais nova da Fernanda atrás dos noivos.Os pais da noiva Robertina e Roberto aqui na foto muito parecidos com o Artur Duque e a mulher. Lindos os ranchos de gente, homens e mulheres que vinham de todos os caminhos, em direção da fábrica para entrada ao apito da sirene, na mudança de turno. Da sua alegria passavam em comandita a pé a conversar conferindo à vila movimento, sem dúvida parecia muito mais alegre e bonita com o buliço do vaivém de gentes a caminho da fábrica ou de volta a casa. A fábrica inovou com regalias sociais -, refeitório e creche para os trabalhadores deixarem os seus filhos -, a primeira na terra, até ao dia da triste notícia da morte trágica de uma bebé dos Anacos, filha da Emília…não faltava a colónia de férias na Praia das Maçãs. Tinham piscina onde os filhos dos trabalhadores tomavam banho, e havia loiça mandada fazer com o reclame publicitário da empresa. Alguns funcionários na mira dos escritórios estudavam de noite no Externato para tirar o 2º ciclo, algumas delas fizeram exame em Pombal comigo; a Isabel Manguinhas da Sarzedela, a Natércia Murtinho do Bairro de Santo António, a Elisabete do Pinheiro e, …
    Culturalmente foi fundado um rancho folclórico com funcionários que se chegou a deslocar ao estrangeiro. Participavam em festas. Recriaram modas antigas tão típicas da nossa cultura. Por razões inexplicáveis o deixaram morrer, tal confusão acabou mal estreado o passo das saias...
    Ainda despoletou a veia negocial em alguns empregados que conseguiam tirar da fábrica a preço de custo os artigos e os vendiam a retalho “por fora” com a sua majoração em rolos de lã, alcatifa e aplicações. 
    Na altura muitas empregadas aprenderam a arte do ponto de Arraiolos em Além da Ponte, em casa de senhora vinda aquando da deslocação para o marido aqui trabalhar. Fizeram bonitas carpetes -, a da Laurinda do Casal das Sousas é muito bonita. 
    Trabalhei em 77 nos Correios em Coimbra quase três anos. Para colmatar o tempo encomendei novelos de lã da CUF à Natércia Murtinho. Trouxe-me novelos de fio grosso e áspero. Teimei fazer uma aposta com uma amiga enfermeira de Miranda do Corvo, hospedada comigo num Lar de estudantes ao cimo do Jardim da Sereia, ao lado da Penitenciária, em “como era capaz de fazer uma colcha num fim-de-semana, desde sexta-feira à noite, pronta ficaria no domingo depois do jantar ”...Pouco me valeu ter ganho a aposta, fiquei com o dedo esfacelado e picado de tantas conchinhas feitas para ganhar um Santo António… uma nota de 20$00. Resistente a colcha em tom de castanho claro, pesada que se farta, hoje relíquia da casa rural no aconchego da cama de ferro, melhor local não há. Na altura muito se especulou das "almas penadas, coisas do outro mundo, fantasmas..." no tempo de laboração da fábrica quando algo corria mal os operários falavam entre si uns com os outros em jeito de provoco " são almas penadas a vaguear"-, mas pior " outros que foram surpresos por uma velha .." outros ainda que " ouviram uma máquina a costurar" ao que se sabe nada mais foi que uma cena perpetuada por uma tal Gracinda, ao que se conta farta do Eng.º que fazia a ronda do turno da noite que em boa hora premeditou na sua malvadez atazana-lo...mulher perspicaz em pôr a ideia em prática até que colegas nada convencidos da vinda dos mortos à terra, julgo a desmascararam...Teria a Gracinda pensado em consequências (?)...também não sei se as houve, parece que surtiu efeito ao dito chefe que "borrado de medo enfiou os ditos cujos entre pernas, e abalou antes que se fizesse tarde, alando a sete pés das rondas…" Desta forma mirabolante a boa da Gracinda viu-se livre do demónio que a incomodava na ronda do turno da noite -, mulher de mente prodigiosa valeu-se dos rumores de ossadas encontradas na desmatagem do local para a instalação da fábrica, no local da fiandeira, supostamente parte do corpo do que foi do dono da Quinta da Boa Vista com a capela do Senhor do Bonfim, Rui Mendes de Abreu que em 1679 foi morto no cadafalso e o seu corpo esquartajado e dividido pelas terras que aterrorizou, e o povo não quis sepultar no adro muito menos na igreja ou na capela e o sepultou aqui(?).
    Uma coisa é certa, denota mulher com coeficiente de inteligência! 

    Pastelaria… Numa tarde apareceram na minha casa o Adolfo e a mãe Lúcia Neves da Sarzeda, para falar sobre o aluguer da padaria que tinha sido da minha avó Piedade Cruz. Na carteira profissional tinha o curso de pasteleiro. Ambicionava estabelecer-se nesta arte com a esposa Olinda. Assim foi durante anos a primeira pastelaria com as melhores bolas de Berlim e os Mil folhas na vila de Ansião -, nunca mais devorei pastelaria superior. Tal e qual difícil será esquecer a Marta a única filha do casal, que a vi nascer, era uma bebé doce e linda, e um delírio na festa do S. João de Brito -, vaidosos os pais com ela ao colo a mostravam orgulhosos a todos. Criança esperta cheia de genica, aprendeu cedo a arte para gerir o negócio. Um dia ainda pequenita abeira-se ao balcão um fornecedor que a instiga se pode chamar o seu pai -, "sem papas na língua responde - lhe naquela altivez de vozinha estridente " ele não está, mas estou cá eu, é a mesma coisa". 
    Consternados ficámos todos com o desaparecimento precoce da nossa Martita. Ficará para sempre no nosso coração aquela voz de liderança e mãos de trabalho, já agora uma pele de porcelana a fazer inveja a muitas outras mulheres. Tão formosa se vestiu no dia do seu casamento onde fui convidada!

    Cabeleireiras… No meu tempo de miúda não existiam. Quem me cortou a primeira vez o cabelo foi o barbeiro “Ti Júlio de Albarrol”.
    Julgo à quarta-feira se deslocava depois do jantar à cadeia cortar barbas e cabelos aos presos-, estava eu de nariz encostado ao vidro da janela no Correio velho quando o via passar de maleta na mão. Nesse entretanto ia ter com a filha Odília para brincarmos as duas no sobradito da casa de esquina junto ao correeiro. 
    Havia no Pontão o Sr Franco a pentear senhoras onde a minha mãe foi amiúde.
    Anos mais tarde apareceram as primeiras cabeleireiras -, Ermelinda no Fundo da Rua, e mais tarde se mudou para a nova casa comprada que foi dum ilustre Figueiredo do Avelar(?).
    O salão nas 3 janelas seguidas de caras para o adro
    A Aciolina começou a trabalhar por cima da mercearia do Ti Domingos até comprar uma vivenda que foi do Adolfo Paz (?).
    Fátima Godinho, conheci o seu salão no prédio novo mandado construir pelo Bernardino, até aí eram uns casões altos onde começaram a funcionar os Bombeiros.

    Escola de Condução…Outra novidade instalada numa casa a seguir às bombas de combustível a caminho do Moinho das Moitas. Era moda as senhoras tirarem a carta, a minha mãe também, tal a premência para se deslocar mais facilmente a trabalho nas redondezas por força da informatização telefónica -, não um luxo.
    Corria o ano de 72. A Leiria fui com ela comprar o carro novo comprado a prestações com sinal emprestado a juros no escritório do Sr. Américo Gaspar -, no tempo vinte contos. De regresso às Meirinhas o carro não desenvolvia -, atrevida atazanava a minha mãe para acelerar a fazer fé na lembrança que me ditara quando me telefonou a dizer que tinha passado no exame, e me descansou dizendo " nunca iria usar a 4ª mudança"...Demora foi chegar a casa e sem delongas fui chamar o mecânico -, o " Carlos Pego" que abriu o capou no adro e analisou o filtro de ar -, possivelmente digo eu, raro ao tempo se abrir um capou de carro acabadinho de sair do stand... Nisto vemos chegar ao adro o filho do empreiteiro que fazia o saneamento na vila, de estar atrevido abeirou-se e disse, " isto é um carro em 2ª mão" defendi tal despropósito que no imediato reformulou " é, depois de sair do stand, é ou não é? "…
    Pensámos que o melhor seria voltar a Leiria ao stand porque estava na garantia. Assim, no dia seguinte quando chegámos vi que a montra de onde tinha saído o carro estava outro igual, mas em creme. Explicamos o sucedido -, eu ainda disse, gosto mais da cor do carro da montra, o vendedor não foi de modas tirou-o e nele viemos de volta. 
    Muitas senhoras da vila e dos arredores também foram aprender a conduzir, uma novidade, no pior, a maior parte nunca deu uso à carta. Deste tempo quem também tirou a carta e gostava muito-, a Augusta Maria conhecida por Augusta do Ti António da Olinda. Viria a falecer num brutal acidente de viação. Grande o funeral a passar à sua porta, a sua mãe gritava da janela, qual mãe não sente a perda para sempre de um filho!
    Num tempo de poucos carros…Grande o fascínio em conhecer o ruído dos carros que durante anos a fio tanto passarem à minha porta...A Prof. Fernanda Antunes, no seu BMW 2002 azul-bebé a caminho da escola na Bairrada e de volta a casa sempre no mesmo horário, o mesmo com o Sr. Nogueira que servia de motorista à esposa a Prof. D. Maria José, fosse a entrar ou a sair ao Ribeiro da Vide, a caminho da Sarzedela; igualmente motorista o Teixeira do Marquinho a caminho de Albarrol levar e buscar a esposa também ela Professora; sendo o primeiro de sempre o Sr. Adriano Marques e a esposa D. Lúcia, que durante anos e anos os senti no caminho da sua loja de tecidos e roupa confecionada na vila ou da sua casa nas Cavadas; e do Dr. Travassos que não havia dia nenhum que não passasse no seu Ford para ver mais um doente, até mais de uma vez, e das carreiras a caminho de Coimbra e de Tomar, da camioneta do tio Russo e do Adelino do Fundo da Rua, ao sábado a carrinha do sacristão de Pousaflores a caminho do mercado, do carro do Prof. Reis de S. João de Brito e, … Fatalmente foi uma época de mais carros pela vila!

    Chegou a informatização telefónica a Ansião…O correio velho funcionou nesta casa que antes tinha sido de um padre.Entrei vezes sem conta nesta porta, o mesmo me mostrei na janela, lembro a tranca de madeira que a fechava, enorme, igual à chave da porta.

    Por força da modernização o posto de trabalho da minha mãe ficou em supra numerário no novo edifício cujo local foi escolhido na Pensão Melado, no grupo que ali se reunia com o então padre Filipe.Deveria ter sido construído no gaveto camarário onde foi construído o prédio do Tarouca...na vila sempre houve gente a puxar investimento e empreendedorismo para as bandas do Fundo da Rua, o que me chateia francamente!
    Um tempo que passou a percorrer outras terras para fazer férias, partes de doente, ou fluxos de trabalho sazonal no verão. Tempos que tanto eu como a minha irmã vivíamos de coração nas mãos com medo de ela poder vir a sofrer algum acidente. Alguns sustos sentimos. Uma tarde vinda de Figueiró dos Vinhos encontrou-se no meio de um incêndio que atravessara a estrada, remédio não teve senão fazer inversão de marcha e voltar pela Arega...num tempo sem telemóveis, a hora prevista de chegada tardava, e nós sem nada saber e de coração aflito com o Turco, o nosso cão, à espera de um sinal do carro ao alto da padaria da D. Piedade...valeu-nos o forte ouvido do cão que mal sentiu o trabalhar do motor se pôs de abanico com o rabo e se encaminhou para a esperar na entrada do adro e assim acalmámos!
    Saudade da D. Maria Augusta Morgado, a chefe da estação de Correios, vestida de bata de cetim preta reluzente sempre de caixinha comprimidos Saridon na gaveta, um dia eu e a minha irmã fomos "descobrir" a casa de habitação no sobrado da estação, de tão meiga e delicada foi incapaz de nos chamar a atenção … Foi o seu filho Antero que nos chamou a recato em boa hora!

    Falar dos carteiros do meu tempo de menina e moça -, uns mais alegres do que outros. De todos guardo boas memórias, sempre me trataram com carinho quando os via a distribuir a correspondência nos cacifos logo de manhã, depois de arrumada a mala de cabedal, cada um partia para o seu giro de bicicleta, outros de motorizada.O mais carismático talvez por ser o mais velho, o Zé Carteiro das Manguinhas, uma vereda do Casal de S. Brás; António Duarte do Moinho das Moitas, músico e sentimentalista esteve no Caramulo a curar-se da (tuberculose(?) nesse tempo escrevia todos os dias à mulher; Hingá , recordo que fumava muito, dono de uma voz forte da Sarzedela; o Zito Coutinho de Além da Ponte, primo , também fumador, homem alto muito pacato; o João Luís dos Netos tinha duas filhas que andaram comigo na colónia balnear, um bom homem matou-se a trabalhar para ajudar um filho numa doença que conseguiu debelar, fazia negócio de velharias para ganhar mais uns trocos ; o Albertino do Cimo da Rua, casado com a prima do meu pai a Clementina, de todos o mais tímido e reservado; João Lopes de Ansião e Parente do Escampado os mais recentes igualmente boa gente. Houve um deles que num momento de depressão por achar que tinha muita correspondência para entregar a escondeu na desativada serração do Carlos Antunes, no início de 80, com as consequências que tal procedimento daí adveio para muita gente, nem sei se teve processo disciplinar...havia um que era sem dúvida muito boa pessoa das Vendas do Brasil , o Ferrete(?) se a memória não me atraiçoa.
    A Ti Olímpia do Bairro de Santo António foi carteira da Mala Posta quando eu era ainda criança. O seu giro a pé fazia-se pelas Cavadas ao Pessegueiro.Gostava de levar notícias, não sei se sabia ler!
    Dizia a minha mãe que ela lhe confidenciou que do seu salário mensal poupava 20$00. Mulher simples, honesta, gostava de partilhar as suas ideias -, com orgulho contava à minha mãe o seu método de poupança, certo com ela aprendeu a poupar algum dinheiro, na continuidade eu por acréscimo para tal ensinamento ser platónica com a minha filha. Resultou o ensinamento da poupança e do valor do dinheiro, graças à Ti Olímpia que Deus tem, e era tão boa pessoa, vestida de negro sentada nos bancos corridos de pedra na frente da sua casita ao cimo do meu quintal, ano mais tarde na sua casa os cachopos encontraram nas paredes notas enroscadas entre as pedras, seriam as suas poupanças? Nesses tempos a carteira da Moita Redonda foi a Ti Albertina das bandas da Serra do Mouro. Havia outras como a do Levi do Moinho das Moitas no seu giro para os lados de Santiago da Guarda.

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