sexta-feira, 19 de abril de 2013

O meu 25 de abril de 74 vivido em Ansião

O regime político em Portugal iniciado com o golpe militar de 28 de maio de 1926 daria início à Ditadura Militar que culminou no regime do Estado Novo de cariz ditatorial - com o Salazar no governo, que se institucionalizou com a aprovação da Constituição de 1933 e se manteve até ao 25 de abril de 1974, sendo aqui derrubado num golpe também militar premeditado por alguns militares saídos do quartel de Santarém rumo a Lisboa que culminou na revolução contra o regime Salazarista em dia escolhido. 
Na Emissora Nacional foram utilizadas as "senhas" das canções - Depois do Adeus de   Paulo de Carvalho  e  Grândola Vila Morena  de Zeca Afonso,  a escolhida tinha sido sancionada "Venham mais cinco" .
O grande acontecimento aconteceu quase a vésperas de eu fazer dezasseis anos|. 
Durante o fascismo o povo vivia massacrado sem liberdade com poucas oportunidades de empregos nos meios rurais a juntar a falta de ensino e de cultura na maioria da população fez com que vivessem até então em grande escuridão com medo dos “Bufos do regime” por isso afastados do mundo, do progresso e da evolução natural do ser humano que também tinha direitos, e não só deveres. Finalmente via nascer uma liberdade restituída depois de 48 anos de tortura.
O 25 de abril libertou o povo da PIDE, da rede de informadores, pôs fim à clandestinidade, à guerra colonial, e ao isolamento internacional. Vieram à Marinha buscar voluntários para segurança das instalações da sede da Pide ao Chiado. Um amigo meu do Murtal, Alvaiázere, ofereceu-se esteve por lá uma semana nos serviços administrativos. Um dia aparece uma senhora de idade num Mercedes, oferece-lhes boas sandes e muitas de leitão... 
Paços do Concelho
No dia 25 de abril de manhã como todos os dias  a caminho do Externato em Ansião ao chegar à Praça do Município reparei que havia letras gordas escritas a preto nas paredes dos Paços de Concelho junto da sirene e na casa do barbeiro Sr. Júlio Freire de Albarrol.
“ Abaixo o Fascismo” e “Bufo da PIDE”... 
Do lado de fora do portão de acesso ao recreio dos rapazes do Externato havia uma multidão encostados na tasca da "Ti Augusta do Tarouca” de braços cruzados , aproximei-me para saber a razão da concentração, todos falavam da revolução em Lisboa ...
No local depois do 15 de abril a primeira machadada em Ansião com a demolição do solar onde funcionava o Externato, e construído um mamarracho de varandas, inestético descontextualizado no passado histórico da vila e a abertura de  uma avenida.
Muitos anos mais tarde foi colocada na lateral do  edifício um painel azulejar com o solar, para não se perderem as memorias dos locais e na frente outro maior com os nomes dos fundadores do mesmo, este acabou por ser retirado para serem feitos os sanitários públicos. O painel desconheço se está guardado ou foi destruído.
A palavra  Fascismo -, ninguém percebia bem o que queria dizer, assistia-se a um movimento fora do comum na vila onde vi muita gente se juntar para tentar saber o que se passava na capital...Num dos intervalos das aulas da manhã fui à loja do Adelino Pires comprar um novelo de linha e agulha para me iniciar no croché com a minha prima Isaurinda Lucas  -, acordo firmado de véspera, só sabia fazer cordão que aprendi no Colégio Religioso as Salesianas no Monte Estoril, teimosia minha com as Irmãs só para as chatear nas tardes de sábado obrigada a sentar-me nas cadeirinhas da sala de costura, no final do ano trouxe um saco enorme cheio com  quilómetros de todas as cores ... 
A primeira mudança sentida no Externato António Soares Barbosa neste primeiro dia da Revolução do 25 de abril de 74, sem quê nem para quê raparigas e rapazes se juntaram no mesmo recreio que até ai era somente dos rapazes perante o olhar repreensivo da contínua D. Maria Neno, que se escudou em nos dar ordens repreensivas !
Em casa há hora do almoço segui a revolução em direto na TV no Largo do Carmo em Lisboa onde estranhamente vi pessoas empoleiradas nas árvores da pequena Praça defronte do quartel da GNR do Carmo onde estava um tanque apontado ao portão . De altifalante nas mãos o major Salgueiro Maia gritava " se não aceita o exílio abro fogo..." ao fim de algumas horas o refugiado Dr. Marcelo Caetano aceitou resignar-se e partir para o Brasil. A televisão só mostrava desfiles de tanques com militares de cravos vermelhos enfiados nas metralhadoras...Segundo consta uma governanta trazia do mercado um ramo de cravos, de repente viu-se confrontada com a revolução nas ruas para em ímpeto reagiu ao impulso de enfiar um cravo numa  metralhadora  num gesto de excelso valor pela paz,  numa revolução sem derrame de sangue…desta forma tão simples nasceu o símbolo da revolução do 25 de abril “ A revolução dos cravos vermelhos”. 
Em abono da verdade devo confessar que para mim a revolução foi um fracasso...desculpem a sinceridade. Explico. Era demasiado nova, do fascismo nada sabia, apenas ouvi a palavra nesse dia pela primeira vez, até difícil de pronunciar por ser forte, sem entender o seu significado, tive a sorte de ter nascido no seio de uma família que a custo de árduo trabalho já estudou, eram  funcionários públicos tiveram possibilidade de me terem dado a mim e à minha irmã boas condições de vida em relação à maioria, que vivia com dificuldades. Também porque na televisão o que conhecia das guerras a preto e branco no Biafra, províncias ultramarinas e Vietname eram corpos despedaçados com minas, outros mutilados a jorrar sangue, destruição de aldeias, miséria, fome, corpos de crianças desidratados, prisioneiros e em comparação a nossa guerra de cravos (?) não achei que fosse como as por mim até ai conhecidas na televisão...por isso senti um desconforto, uma revolução menor, como tudo o que acontecia e conhecia até essa altura no meu país” longínqua no tempo em que o povo português fora grande no mundo como lia nos livros de história, aquém e além-mar por mares nunca dantes navegados partiram na aventura de conhecer novos mundos em cascos de noz... Santa ignorância o que sabia eu da ditadura? Só relacionei ao lembrar-me de tempos idos numas eleições antes da revolução o meu pai se recusar a ir votar e recordo de ver  a minha mãe de roda dele quase de joelhos a implorar “Fernando tens de votar pelas nossas filhas, queres ser preso…” o meu pai perante tal pedido resignado votou contrariado! As mulheres sem direito a voto no tempo da ditadura ,e já a minha mãe ter tido tanta clarividência . As mulheres nunca deveriam esquecer esta grande conquista de abril 
O DIREITO AO VOTO, EXERCENDO-O INCONDICIONALMENTE! 
O País mudou!
Derrubado o fascismo e a secreta PIDE que aprisionou muitos daqueles que lutaram durante a ditadura  foram presos e torturados, outros enviados para o exílio no Tarrafal em Cabo Verde onde muitos morreram no degredo como Bento Gonçalves e,... 
O Povo com o 25 de abril sentia ter o Poder! Acabado o obscurantismo aos poucos os preconceitos também foram derrubados. A torto e a direito fizeram nacionalizações de grandes empresas e herdades no Alentejo. Chegaram magotes de retornados das ex províncias ultramarinas...com ideias modernas nunca antes vistas... Pela 1ª vez vi uma retornada de Ansião a dar um beijo na boca a um rapaz em Pombal ... Na carreira para Pombal ou na vinda vi engates no sopé da Gruta do Calaias a ver o Nabão com senhoras solteiras de família de Ansião... Maus tempos para os polícias da PIDE que regressarem às suas terras, olhados de lado durante tempos em Ansião… 
Excertos de ruralidade no tempo do fascismo…A população nos meios rurais vivia em extrema pobreza, todos comiam da mesma malga ou bacia de faiança em redor do lume, só nos dias de festa se matava o galo ou um coelho, viviam sem quaisquer condições, chegavam a dormir na mesma cama de ferro quatro, dois à cabeceira e os outros dois aos pés, sem água canalizada, enchiam cântaros nos poços e fontes, não tinham casa de banho, alguns retrete feita em madeira, porque a maioria fazia as necessidades a céu aberto “ao Deus dará”… sem rede de eletricidade, iluminavam a penumbra da noite com a luz do candeeiro a petróleo e candeias de azeite, sem estradas asfaltadas e raros transportes andavam a pé ou em carros de tração animal.Com a 2ª guerra mundial, agudizou-se a miséria com o racionamento de bens essenciais, nessa altura muitos fugiram das aldeias recônditas nas serranias dando origem a um movimento chamado êxodo rural encaminhando-se para o litoral. Os vieiros de Leiria vieram para as margens do rio Tejo onde construíram casebres de madeira suspensos por estacas, também para a Costa de Caparica e Lisboa acolheu muita gente na procura de trabalho melhor remunerado: armazéns, construção civil, carpintarias, caixeiros, caminho-de-ferro, refinaria, serviços… As mulheres empregaram-se como criadas de servir, governantas, lavadeiras, caixeiras e, … Portugal ainda era tipicamente um país rural na década de 60 a minha, o uso da bicicleta ficou na história com o nome pasteleira, um bem apenas de gente remediada nesse tempo. Com o 2º ano podia-se ser Regente escolar e com o 5º ano Professor, e havia muitos. Nos Correios foram das primeiras empresas públicas a admitir mulheres com o 5º ano dos liceus, durante décadas o histórico de colaboradores foi maioritariamente feminino, na minha família a irmã mais velha da minha mãe, ela própria, eu e a minha irmã, num tempo que não havia informatização e o telefone  só havia até à meia noite e era de manivela. Enquanto nos países europeus depois da 2ª guerra tinham florescido novas empresas no ramo da indústria, comércio e serviços com apoio estatal à educação, saúde melhorando as condições de vida para as suas populações, e por cá o País estagnou com o regime fascista sendo a discrepância na sociedade entre ricos e pobres abismal. Tive muitos colegas filhos de emigrantes, os pais em países como a França deixavam os filhos em casas de familiares para eles terem um dia uma vida melhor, como poderiam se estavam longe deles? Quem ganhava eram os familiares que com eles ficavam, afinal um rendimento mensal além dos cambistas a trocar notas de francos, ao cambio do cambista ...Os ricos senhores com grandes rendimentos de terras, casas, e fábricas, exploravam a mão-de-obra muito barata, pagavam salários muito baixos, um dia de jornada de um sapateiro que se deslocava à casa do freguês , a jorna, uma broa (pão de mistura de trigo e milho), havia escalões de jorna diferenciados para homens e mulheres, incrível que ainda hoje existe essa diferenciação nos trabalhos mais precários na vida rural e fábricas. Alguns desses senhores com nome de família, fomentavam o abuso de mulheres, algumas delas coitadas para sobreviver a tanta miséria sujeitavam-se à devassidão. Por todo o Portugal nasceu muito filho "incógnito" uma verdade reposta com o 25 de abril -, cada nascimento obriga a paternidade, em alguns casos recorre-se a exames de ADN. Sendo mulher… Não posso deixar de falar nelas, sempre as conheci num papel de escravas…A sina da Mulher antes do 25 de abril era ditada à nascença: aprender os serviços da vida doméstica, para saber governar com mestria a economia do lar com míseros recursos, sendo obrigadas a aprender cedo a ser criativas para o comer abancar na mesa todos os dias, ainda a trabalharem na lavoura de subsistência, donas de parco estudo, ainda criadas de servir, até finalmente casarem. O pai tinha sobre as filhas o poder, a que elas tinham de se subjugar -, tudo mudava com o casamento, nesse dia o mandante passava a ser o marido, incumbida no dever de ser esposa fiel, cuidar dele e dos filhos, sem outros direitos, o marido é que mandava e esta devia-lhe obediência, só podia sair do País se ele o autorizasse, não tinha direito a opinião, não exercia o direito ao voto, não podia ter contas bancárias, a violência doméstica era abafada, as vezes que foi exercida, o homem acabou por ver a justiça a seu favor com penas suspensas, porque o sistema era fechado, machista -, a mulher como não tinha quaisquer direitos, a lei era escura em relação a ela, o homem podia ser adúltero, porém ela se o fosse via a sua imagem denegrida, enxovalhada, tratada como uma prostituta, sem serem apuradas as razões porque praticara tal atitude... à mulher era proibido tudo, até de sentir prazer...muitas, acredito pariram sem nunca sentirem um orgasmo...nem conheciam o termo...só sabiam termos do calão... ouviam dizer que era bom(?), sentiam que para eles o era...sendo elas em muitos casos “depósitos de espermatozoides” coisa que faz pensar… A rede de escolas não cobria todo o País, não se valorizavam muito os estudos, porque eram dispendiosos … as famílias geralmente numerosas levavam uma vida muito difícil, havia muita pobreza e fome, os pais viam nas crianças uma ajuda nas tarefas da lavoura, muitas não iam à escola, geralmente as raparigas eram precisas para ajudar a cuidar dos irmãos mais novos e fazer as tarefas de casa, na maioria das famílias só aos homens era dado hipóteses de estudar, alguns rapazes saiam da escola com o exame da 3ª ou 4ª classe, poucos eram aqueles que continuavam os estudos, até porque só existiam liceus nas grandes cidades, nas aldeias quando algum deles se destacava na escola o padre o encaminhava para o Seminário, muitos aproveitaram esta mais valia de estudos quase gratuita -, raros foram os que continuaram no presbítero, também poucas foram as mulheres que estudaram e se licenciaram antes do 25 de abril. Sinto orgulho de dizer que o meu avô paterno José Lucas Afonso da Mouta Redonda, mandou para Coimbra para ser professora a sua primogénita nascida em 1911, a minha Titi, ao seu tempo a minha mãe e pai também estudaram. As mulheres toda a vida abnegadas e injustiçadas com a vida que Deus lhes ditou durante séculos, com o 25 de abril aconteceu o inevitável no marco decisivo de viragem -, de dizer chega, quero mais. Muitas com os maridos obrigados a ir para uma guerra no Ultramar sem saber se tinham bilhete de volta, viram-se obrigadas a procurar trabalho fora de casa, inicialmente nas fábricas, outras apostaram na sua formação na década de 60, vivia-se um novo tempo-, chegada da hora com premente urgência de se emanciparem, de procurar trabalho fora de casa, de ganhar para o seu sustento, de serem independentes. Noivas, algumas casaram-se por Procuração enquanto outras desencadearam vontades de derrubar amarras em ultrapassar conceitos, mudar atitudes e tradições, apostando na mudança em decidir por si, valorizando-se, enveredaram na continuidade dos seus estudos,  na grande maioria era do domínio dos homens. Estando a sociedade em mutação constante, um dos grandes desafios das mulheres no mercado de trabalho baliza pela aposta maciça nas Faculdades, o fenómeno indicia que num futuro próximo as mulheres continuarão na sua ascensão a mais e melhores remunerados cargos de chefias nas mais diversas profissões. Imprescindível observar a mulher integrada na sociedade conquistando o espaço que merece, ajudando e participando na construção de um país sem descriminação, onde homens e mulheres se deveriam completar na procura de um bem-estar conjunto, fazendo força nessa união. Cargos de responsabilidade em empresas com histórico de homens no comando tem vindo a inverter-se, são cada vez mais mulheres que tem vindo a ocupar lugares de chefia e a alcançar o sucesso num mundo que sempre fora dos homens. As mulheres além de femininas, mulheres, mães, donas de casa, são na vida laboral um exemplo de profissionalismo, desempenho, criatividade, perspicácia, audácia, rigor e poder de iniciativa invejável, conseguindo coordenar várias tarefas em uníssono e executa-las com sucesso, por serem práticas. As mulheres têm conseguido enfrentar as adversas dificuldades, tendo em conta os preconceitos formais da sociedade machista que ainda vigora, mas todas as suas vitórias são uma conquista de abril com a implementação da democracia, não há profissões fechadas às mulheres. Viver em democracia é ter igualdade de direitos e respeitar os outros, sendo que muitos desses outros tenham culturas diferentes, não esquecer que somos todos humanos!

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