sexta-feira, 19 de abril de 2013

Coimbra nas minhas memórias do 1º de maio de 74

O Externato António Soares Barbosa em Ansião foi instalado no Solar, onde viveu o Conselheiro António José da Silva -, apesar de António Soares Barbosa , ilustre ansianense ligado à filosofia das Luzes e à Universidade de Coimbra, ter sido a escolha para o nome. Estreei-me na primeira excursão efetuada à Serra da Estrela no dia 2 de maio de 74 com os Professores: Dr. Cardoso...homem de matemática -, carinhosamente chamava alguns alunos " de cavalgadura" e a esposa a Dra. Mané. 
Quem sabe por influência da liberdade, ou somente coincidência aconteceu o passeio! 
Passados escassos dias do 25 de abril, vesti saia e sapatos abertos de lado em cabedal de cor preta com fivelinhas, no tempo ainda não se usavam calças. Na Torre alguém improvisou escorregas com plásticos, os sapatos queimaram com o gelo. Gostei muito da Lagoa comprida, de ter visto pela primeira vez neve, do silêncio serrano, da Cabeça da Velha, dos rebanhos, pastores e cães da serra andantes na sua transumância por terras altas. 
Adorei a aldeia do Sabugueiro talvez por me fazer lembrar a aldeia com o mesmo nome onde morava na altura o príncipe pelo Alentejo… 
Não sei onde guardo um postal que foi rasgado, depois colado com mensagens dos colegas na excursão comprado em Viseu. 
Sondei a minha mãe para na véspera por ser feriado irmos a Coimbra no carro comprar salgados e bolos para levar de farnel. 
Comemorava-se pela primeira vez em Portugal o 1º de maio o Dia do Trabalhador. 
Mal chegadas à Praça de visitas da cidade no redol da cerca de ferro forjado da estátua do ilustre Conimbricense Joaquim António de Aguiar popularmente conhecido como o “ Mata Frades” por ter sido o responsável pelo decreto-lei que extinguiu as ordens religiosas em Portugal, reparei que os ranúnculos tinham sido arrancados o que me deixou pasmada, sempre o conhecera arranjado e muito florido. 
Nisto interrogava-me que liberdade era aquela que se apregoava! 
Na minha cabeça pairavam tantas dúvidas só via pessoas que falavam e gritavam, papéis no chão num descalabro brutal que jamais tinha visto na minha cidade onde nasci, ao longe ouviam-se lemas reivindicativos do povo oprimido sem “eira nem beira”...” A terra a quem a trabalha” “ abaixo os latifundiários” “ viva a classe operária” “fascismo nunca mais” “ abaixo o fascismo” ” viva o proletariado” “ viva o MFA” “ viva o 25 de abril”… Nada ou pouco havia para comprar...viemos de mãos vazias com a ideia de parar em Condeixa...mas do mesmo nada! 
Em Coimbra quisemos atestar o depósito nas Bombas na saída, por estar racionado tivemos de implorar...às escondidas elas traseiras conseguimos um garrafão com uns litros. 
Finalmente tinha acabado a censura com o regime deposto num ganho maior do direito à liberdade. Uma nova vida que permitiu uma abertura nunca antes vista numa mudança total de conceitos e atitudes -, também de exageros visível na falta de respeito uns pelos outros apesar das melhorias substanciais no ensino para todos, gratuito, com introdução da escolaridade mínima obrigatória. 
O País atrasado abriu-se finalmente para o mundo, para o fenómeno da globalização com o regresso inesperado dos retornados das ex-colónias. Foram repatriados milhares de pessoas de tantas cores... e com ideias modernas de abertura social inovadora para a época em controvérsia com a nossa conservadora e muito fechada, nas atitudes e formas de estar nunca dantes vistas como o simples beijo na boca, a moda de tomar duche todos os dias, nós por cá só só tomávamos banho uma vez por semana, muitos nem sabiam o que isso era... outros uma vez por ano no Agroal...então não levavam o sabão! 
Foram estas pessoas que nos demonstraram saber viver em liberdade, nós até ali vivíamos uma vida cheia de conceitos antiquados ! 
Fácil foi criar estereótipos por atitudes e hábitos arraigados da maioria de nós -, uma maioria teimou em viver integrada, adaptando-se às circunstâncias da própria circunstancia -, ainda alguns se instalaram sem contudo se integrar, pior foram outros morrerem sem ter aceite a perda dos bens, e das saudades do sol quente da savana da sua amada África...onde apesar de muito trabalho tinham sido felizes! 
Na década de 60 já tinha assistido à saída de pessoas à procura de melhores condições de vida no estrangeiro nas célebres “fugas a salto” com ajuda de “passadores” na fronteira espanhola -,perdidos por trilhos de contrabandistas andavam dias pelos montes a fugir da guarda-fiscal a caminho de França.
Acabado o fascismo a saída para a emigração passou a ser legal -, alguns milhares rumaram a novos Países da Europa e do Mundo, alguns retornados também. 
Da liberdade de arrancar os ranúnculos do jardim, dos papéis pelo chão e da gritaria não gostei! 
Acalmei a raiva a pensar na loiça "ratinha"...

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