terça-feira, 21 de janeiro de 2014

"Bom dia nos dê Deus" na boca de gentes de Albarrol

Em tenra idade com sete anitos quando subi à charrete pintada em verde ervilha que era dos meus avós paternos “Zé do Bairro” e Piedade da Cruz  recordo as desmesuradas altas rodas.O avô vestido de colete, a estoirar botões, atravessado pela corrente de oiro e relógio no bolsinho, a avó de xaile de seda preto de oito pontas dos teares do Avelar  a brilhar na sua pele alva  e formosa,  a reivindicar genes fenícios.
Naquele tempo nos anos 60, o alcatrão acabava rés vez à  fonte do Ribeiro da Vide. 
Pois não tenho desse tempo fotos nem deles nem da charrete... 
Fotos com a minha querida mãe neste Ribeiro da Vide
                    
                   
Tinhamos como destino a festa de S Sebastião em  Albarrol a 20 de janeiro, e fomos todo o santo caminho a ouvir o barulho ensurdecedor das rodas de ferro no maquedame, sempre no mesmo passo  a mula lustrosa com belos arreios de cabedal nas mãos do avô, todos os três  sentados no banco com o cobertor de papa sobre as pernas no dia vinte de janeiro, o dia da festa de S. Sebastião. As lérias do avô que ouvi todo o caminho..."Esta fazenda é minha, chama-se a Barroca, a estrada real antigamente passava por baixo, quando fizeram esta nova a propriedade ficou dividida ao desirmanar esta língua de terra com oliveiras  que lhe pertencia, ainda temos um bocado com duas". À frente no Pinhal diz-me “queres beber água da Lagoinha, a fonte fui eu que ali a pus, também fiz a da Fonte da Costa” e outras. Mais adiante chamava a minha atenção, " aqui corta-se para o Carril ,a caminho dos Matos, onde temos um grande olival". Vês este caminho " é o atalho dos peregrinos a caminho de Fátima e do Barranco onde mora o courrieiro e a Olívia. Ao ramal de Albarrol  " esta estrada que tu aqui vês, a minha última obra com o empreiteiro o Sr. Margarido de Santiago da Guarda dantes tinha que se descer ao Ribeiro de Albarrol passava-se na Ferranha que também é uma grande propriedade com mais de 60 oliveiras"... Avistei casario e ao longe uma lagoa diz ele " restos do mar quando aqui esteve há muitos anos, li nos livros do teu pai "... Mais tarde percebi que o avô queria dizer que se tratava de uma Dolina  - uma bonita geoforma, que conserva um lençol de água durante todo o ano, e servia para os animais beberem e até se lavar a roupa, debalde não resistiu ao progresso por estar na entrada da aldeia  e foi  assoreada . Existe outra muito mal estimada na saída ao pé de uma capelinha. 
Chegámos perto da escola  e pára para me mostrar o seu chão " este terreno também é meu, a estrada dantes passava mais por abaixo, agora a nova, mais larga, dividiu a fazenda semeada de cascalho, o bico do terreno que pega com a escola também é nosso"…
Os avós leiloaram uma fogaça com chouriças, uma tradição e ferraduras de canela e erva-doce.Deram-me uma nota de vinte escudos para pôr na caixa de esmolas em honra do Santo.
S.Sebastião
Na capela o S. Sebastião no pequeno altar arrepiei de ver o Santo trespassado com setas, coitadinho...ate aí nunca tinha visto a Imagem deste Santo.E os avós não me souberam explicar porque tinha setas...
A tarde caiu cedo com  homens a entoar música com canas rachadas, ao despique.jamais conheci gente tão reinadia e de festa como as gentes de Albarrol.
Viemos de volta a caminho de casa,  cansadita, aninhei-me entre os dois no banco da charrete, nas franjas do xaile da avó entrelacei os deditos, tão macias e delicados eram, adormeci!
A recordar esses tempos de antanho logo de manhãzinha como era bom  acordar ao som da voz aguda da Ti Rosa de Albarrol no seu cumprimento genuíno a todos que com ela se cruzassem no caminho "Bom dia nos dê Deus"…Mulher de passo corrido, no rancho de gente a fazer-lhe confraria com o marido Marcolino, Ti Maria Freire, Ti Manel Martins, os Cancelinha e, …Em arraial na jornada a pé ao sábado ao mercado, voltariam no domingo à missa da manhã, de novo em abalada até casa, antes ainda tempo de enfeiram no Zé Júlio seu conterrâneo, bom amigo do meu ano 57, sempre o mesmo, prazeroso conversar com ele, então não me lembro quando começou a trabalhar na loja do Carlos Antunes…
Sinto a cada dia o rancho mais pequeno, nas vezes que venho de fim-de-semana, ainda estou na cama, os oiço a passarem na mesma estrada um nadita mais à frente a caminho da vila, onde assentei arraiais.
Continuo na adoração em  querer ouvir aquelas vozes fortes, inconfundíveis.Mas a idade não lhes permite, e são cada vez menos ...Lindos eram os ranchos de antigamente quando vinham às festas pela estrada fora os sentia em cantorias à desgarrada, os homens de cana rachada em punho ornada de laço, a batiam com força, dela faziam sair zoada musical. Foliões sempre foram as gentes de Albarrol, a falta que fazem para animar as festas da nossa terra , sem a sua presença e carisma festeiro acabarão por morrer…
A Matriarca de Albarrol…Certo e sabido, não havia sábado nenhum que não visse a viúva Ana Neves, conhecida pela “Carriça” a caminho do mercado, quedava-se da carroça junto à casa dos cunhados Zé André e Elvira ao Ribeiro da Vide. Mulher de cariz sério, cabelo grisalho, fino e ondulado, com malinha preta de braçado e bigode a fazer jus ao ditado ”mulher de bigode não é para pagode” difícil lhe ver soltar um sorriso, ao invés dos filhos todos amáveis e simpáticos sem exceção: António; Emília; Elvira; Carlos e o Silvério -o  único que conheci na altura melhor por ser solteiro, lindo rapaz alto, loiro, com muitas parecenças quer no aspeto, quer no trato e conversa franca como o tio Zé André.
Mais gente de Albarrol: Sidalina de nariz a tirar parecenças ao da rainha Cleópatra; Almerinda cachopa bonita; Zé Júlio e irmão; Odília, Olinda; Arlindo e Laurinda Cancelinha; Fernando e Ezequiel Freire; Marcolino e Rosa; Ti Angelina de olhos zuis que andou comigo ao colo e de cesta à cabeça na venda do pão; Ti Júlio; Ti Manel Martins; Sizaltina e Leopoldino; Fernanda e Abílio; Pedro e os filhos: Diamantino, Augusto e Marcílio; Zé Maria, irmãos Matias e, …

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