quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Real fábrica do Gelo em Montejunto






Situa-se em plena serra de Montejunto, também designada real fábrica da neve, a escassos 50 km da capital.Vinha eu na Ponderosa, num repente apeteceu-me mudar de rota , conhecer Montejunto.Gosto de andar por estradas do interior,exalta-me o fascínio pelo casario desordenado, as colinas umas verdes de floresta, outras de vinhedos, ainda muito mato, a sinalização quase passava despercebida num entroncamento com semáforos.
Aldeias castiças encravadas nas colinas da serra e dos vales imensos e profundos,inevitável uma pedreira, no ar uma avioneta fazia círculos atrás de círculos....mas que raio faria ali, perguntava-me...
  • A faixa dizia tudo, tudo!" És única, completas-me M ama P Q do Castro".
Percebi melhor quando esbarrei mesmo defronte da quinta de rija e soberba fachada imponente...talvez casamento!
Pragança -, a última aldeia grande antes da serra com cabeços de pedra debruados a vegetação mediterrânica, tipo ramalhete, naquela de continuar a subir ,sempre a subir ,o carro já ia com o ponteiro do aquecimento quase no máximo... Está a ficar velhote!
Um miradouro com muros pintados de branco e um cruzeiro, ao longe o oceano atlântico!
Continuámos estrada acima na companhia de pedras tipo ponte agudas que servem de resguardo à barreira abrupta e logo acima um entroncamento, parque de campismo, centro de interpretação da serra e fábrica do gelo, quisemos continuar até ao cume.
Montejunto -,afinal um sítio mítico outrora povoado por dominicanos que não perderam tempo em se pirarem de lá, tal a agrura do inverno... repleta de um sem número de antenas de todos os canais, de redes de telemóveis e força aérea ...uma loucura, os zumbidos, tantos fios esticadores presos em sapatas de cimento armado, pior as desactivadas, que as deixaram lá inactivas a morrer ao sol...e a destoar no contexto serrano de pedra calcária. Deparei-me com a fachada da igreja de Nossa Senhora das Neves, por detrás dela ainda vestígios de suportes em pedra usados no século XXII, até os caixilhos das janelas são em pedra, ainda ruínas do primeiro convento dominicano erguido em Portugal,uma ermida com muitas velas e ao lado umas ruínas onde ainda se vê o chão em pedras pequenas tipo mosaico e noutra os alguidares encaixados na argamassa de cal, um vidrado em verde, não resisti trazer um fragmento, louca por estes artefactos!
Subimos mais um pouco, aí sim o cume de Montejunto com uma capela de S João e ruínas de um segundo convento ,os dominicanos não queriam desistir da serra, tentaram construir outro, porém desistiram pelo tempo frio que aí se faz sentir deixaram-no por concluir, foram de vez para Santarém. Existe no grande largo que se rasga na frente do aglomerado um lindo painel de azulejo com a menção de todos os pontos de interesse na serra.
Descemos e fomos em direcção à real fábrica do gelo.
  • Tivemos a graça de ter encontrado um excelente funcionário da câmara do Cadaval, simpático, afável,mui bonito e sensível, excelente candidato para este posto, com perfil para comunicar e agradar sem presunção nem favor, simplesmente porque adora o que faz, presentear e encantar o forasteiro. 
A pé caminhamos ordeiramente por entre castanheiros selvagens que escondem um parque de merendas, ao lado um parque de campismo apetrechado -, grátis-
Incrível no meio, uma ilha da força aérea com um enormíssimo radar verde...
Aberto o portão dei conta dos pinheiros seculares arrancados do chão, restos do grande temporal, que passou por Torres Vedras, ao nosso lado direito uma grande extensão de tanques baixos que intercomunicam entre si a água vinda de um grande tanque tipo depósito onde os alcatruzes da nora à força de tracção animal faziam retirar de dois poços contíguos, dia e noite...quando os tanques se cobriam de finas películas de gelo, as pessoas eram chamadas da aldeia de Pragana para as vir retirar e armazenar nos poços , um maior do que outro em pedra, achei fascinante as cúpulas em tijoleira tipo árabe, adorei!
  • Dentro do edifício chamado fábrica cujo chão em lajes grandes irregulares de pedra, ainda vestígios de arcos podem observar-se painéis elucidativos do tempo de oiro do gelo como, "Café do Gelo" em Lisboa ainda em funcionamento e noutro uma placa de mármore a dizer vende-se Fructas, Cerveja, Neve...
Interessante foi saber que a modernice de usar o gelo como refrescante foi trazido com a corte de D. Filipe II, por volta de 1600, julga-se que começou por vir da serra de Estrela, depois das faldas da serra da Lousã, do Coentral, ainda da serra de Sintra,mas rapidamente uma atrás da outra foi perdendo importância pela distância da capital e da génese do produto, o gelo -, não aguentar o tempo da viagem...que derretia... 
Assim nasceu a ideia de fazer gelo na serra de Montejunto julga-se por volta de 1741, e em 1782 inauguram uma nova fase, o gelo também começou a ser utilizado no hospital de Todos os Santos ali na Praça da Figueira. 
  • O armazenamento do gelo era feito nos poços onde era calcado com um maço tipo calceteiro, sendo depois o seu transporte feito em carroças puxadas a jumentos embrulhado em serapilheira e palha para aguentar o calor, as viagens faziam-se de noite quando o calor abrandava até à vala do Carregado onde embarcava em barcaças até ao terreiro do paço, um percurso de 12 horas, aí chegado era transportado para a casa do gelo, não se sabe muito bem onde seria, uns dos donos da fábrica era também dono do café Martinho da Arcada. Ainda no local pude ver um forno de cal em excelente estado de conservação que serviu para a construção da fábrica e também a população.
Fiquei com inveja dos castanheiros americanos, com 10 anos, de folhas grandes, ao invés do que plantei numa courela lá na minha terra, não medram!
Valeu a pena, fiquei com a sensação que já lá estive antes, maravilhoso cenário não me sai da cabeça, o pior é que tenho boa memória...Será do programa do Dr Hermano Saraiva?...
Continuo na minha, já lá estive antes...
Adorei!

Um comentário:

  1. Anônimo7 de setembro de 2010 04:44

    Adorei este seu artigo sobre a fábrica do gelo!
    Muito bom e óptimo de ler. Os meus parabéns!
    E quanto aos castanheiros, mandou-se plantar uma dúzia lá nas minhas terras da aldeia, junto do Sicó, mas só vingou uma meia dúzia, e ainda assim, custam a medrar.
    Já lá vão uns bons 15 anos e mal ultrapassam a altura de um homem. Aquilo não é terra de castanheiro, é muito ou calcária ou argilosa e pouco fria!
    No entanto os castanheiros lá estão e vão até produzindo fruto, mas de má qualidade. E foram comprados como castanheiros de grande qualidade ... debalde!
    Manel

    M Isa7 de setembro de 2010 06:13

    Obrigado Manel, é sempre com enorme prazer ler os seus comentários
    Deve ser presságio do nome, tenho um amigo também Manel que me diz a mesma coisa...
    Diz ele..."Você tem, de facto muito jeito, para descrever; seja sobre o que for, a sua descrição é muito rica, porque lhe junta sempre os sentimentos e isso dá vida ao que descreve. Fale de flores, de pedras, de património, de culinária, de paisagens ou de pessoas... Pode pensar em publicar um livro, de preferência com descrições sobre a nossa terra, estou a falar a sério (serei o 1.º leitor e se quiser posso fazer a revisão, sem lhe cortar o dom..)"
    Adoramos castanheiros, que bom, agora no outono vestem-se de cores quentes de fogo, são umas das minhas delícias
    Beijos
    Isabel
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    LuisY13 de dezembro de 2010 04:56

    Há muitos anos visitei também uma fábrica de gelo na ilha da Madeira, num daqueles picos altíssimos, que tem neve no Inverno, mas era de dimensões muito mais reduzidas. Claro, já tinha sido abandonado há muito, mas no passado permitia aos aristocratas funchalenses e ricos comerciantes britânicos comerem gelados nos jardins das suas casas.

    Os castanheiros além de terra ácida, precisam de chuvas em Agosto, para poderem dar castanhas gordas. Nas zonas da Terra fria transmontana chove com alguma abundância no verão.

    Beijos

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