quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Abiúl atesta a primeira festa dos toiros em Portugal

Abiúl, vila do concelho de Pombal…Foi vila e sede de concelho constituído apenas por uma freguesia, entre 1167 e 1821,  os duques de Aveiro já tinham construído um hospital, albergaria e a capela da Misericórdia. Entrou em declínio com a morte trágica da família dos Duque de Aveiro, por crime de lesa pátria acusado no atentado contra o Rei- teria sido perpetuado pelo Marques de Pombal, visionário , odiava o poder da nobreza e dos Távoras. Corria o ano de 1758 quando o rei D. José, regressado de mais uma escapadela com a sua amante Távora levou um tiro no ombro. Acabado de regressar da Índia o Vice- Rei Luís Bernardo Távora, marido traído quis repudiar a mulher, mas o rei não permitiu que a sua amante favorita fosse humilhada publicamente. Começaram os insultos e as ofensas, aos poucos nasceu um ódio de morte entre o monarca e a família Távora, atiçada pelo Marquês de Pombal que não gostava da alta nobreza, em especial dos Távoras, pelo poder que tinham no reino. A casa de Aveiro foi um ducado desde o século XVI, título conferido por mercê de D. João III, o duque de Aveiro, também fidalgo Távora foi considerado implicante na tentativa de assassinato do Rei D. José, homem pouco inteligente, confessou (?) a tentativa do crime na esperança de absolvição, preso, torturado e acusado de regicídio.
“ O Jurisconsulto Pascoal José de Melo Freire dos Reis nascido em Ansião com 19 anos foi quem bateu o martelo na sentença perpetuada pelo Marquês de Pombal nesta tramóia...”
O Marquês de Pombal ambicionava o poder, o trono, em ser rei, porque a sucessora real era uma mulher, filha de uma espanhola, e nunca até ali houvera uma rainha a governar Portugal, sendo o Marquês um homem sem escrúpulos, não olhou a meios para atingir os fins, dizimou os Távora com a ajuda preciosa do Pascoal de Melo que ditou a sentença e assim foi avante o plano maquiavélico de assegurar a extinção dos Távoras-, os mais novos escaparam à morte foram encarcerados nos conventos de Chelas e Rilhafoles. 
Rezam as crónicas da altura "às quatro da tarde não restava um Távora vivo em Belém, os seus corpos foram cobertos de alcatrão e queimados lentamente , nesse dia treze de janeiro de 1759, o nome Távora era tão mal visto que o chão por baixo do cadafalso onde morreram foi salgado para que ali nada nascesse, nem sequer uma erva daninha. Os seus bens foram confiscados pelo reino".
Felizmente a família dos Távoras não foi totalmente extinta, porque existem hoje muitos Távoras. 
D.Manuel I  deu novo foral a Abiul a 14 de julho de 1515, dotada de câmara, cadeia e tabelião
Resta pouco do fausto da vila  do século XIII a meados do século XVIII. Outra machada final de Abiúl  aconteceu com a passagem da 3ª invasão francesa em 1810.
Soube em tempos de antiquários desde sempre bateram a região à procura de tesoiros do tempo dos duques, do espólio que foi roubado, falaram-me de uma cómoda em pau santo e,...Outro episódio passado há anos quando a autarquia andou com obras de saneamento e abastecimento de águas tendo do largo retirado o fontanário em pedra com carranca ao centro ladeado por dois sóis, tendo-se oferecido para seu fiel depositário um vizinho já velhote que alvitrou para o guardar no seu pátio até ao dia que soube que na vila  andavam os antiquários logo os chama e lhes diz que tem uma pedra antiga... Pobre homem, mas astuto, não teve pejo em vender o que não era seu, património de um povo, do tempo dos Duques. Lástima  a falta de cultura, pobreza e ambição quiçá com genes judaicos/mouriscos?
Um dia os descendentes de quem o comprou a viver algures o vão vender de novo ...sem saber a sua estória com história!
O certo era o fontanário regressar à terra de onde nunca deveria ter saído!
As pistas do fontanário foram dadas...De qualquer das formas a Junta de Freguesia de Pombal  devia ter o mérito de mandar fazer uma réplica, basta ver na faiança como se fazia o sol, ou até pode haver ainda alguém que se lembre e o saiba desenhar.

Arco manuelino
Nas minhas lembranças recordo a festa brava no concelho de Pombal  em Abiul cuja origem se deve aos Senhores de Abiúl -, os Duques de Aveiro, ele um Távora e a esposa do reino de Leão da família dos Ponce Leão, amante da tradição espanhola do toureio e toiros os mentores do gosto da lide para Portugal
Nesta terra receberam de herança o palácio que dele existe este arco Manuelino e teriam mandado fazer um  palanque para assistirem à tourada no redondel no terreiro do burgo no ano de 1561, onde se correu toiros em Portugal pela primeira vez, como promessa por se ter erradicado a peste desta Vila . Sobre a sua origem sempre a conheci como sendo a praça de toiros mais antiga de Portugal - até em concursos televisivos essa pergunta saiu por duas vezes, no entanto fala-se que Sousel, também poderá a par dela, receber tal menção...Conheço um aficionado de Setúbal com livros editados que me disse que a primeira corrida de toiros não foi aqui nem Sousel e sim Atouguia da Baleia- até me disse que me oferecia o livro, debalde nunca mais o vi.Achei estranho até correlacionar que um genro do Duque de Aveiro era Conde da Atouguia , tinha de renda casas e a fazenda que hoje é a Quinta do Conde, do Mosteiro  de S Vicente de Lisboa.Fala-se que quando vieram prender o Duque de Aveiro ao seu palacio de Azeitão levaram também o genro.

Praça atual
No dia da reinauguração da praça em cimento armado havia muita gente na maioria vestida de preto, outros de cor garrida, todos acorriam à novidade da reportagem -, o repórter Fernando Pessa da Emissora Nacional, tinha eu doze anos, no primeiro domingo de agosto de 1969. Recordo o eco forte daquela voz sonante em ênfase  para o grande microfone preto: "seria aqui, aqui, neste preciso lugar onde me encontro, o varandim do palácio dos Duques de Aveiro, de onde avistavam o boi"...
 
Palanque do paço dos Duques de Aveiro
Do palanque restam três arcos em tijoleira . Em miúda ainda conheci a praça de toiros em madeira vermelha queimada pelo sol edificada em 1951, até aí fora um redondel murado a pedra firme, estando os curros e os alçados das bancadas seguros por grossos troncos de pinheiro. Vezes que aqui vim assistir às touradas, sentada numa das bancadas onde o sol batia forte com o toldo circular em lata e rendilhados ainda assim teimava em não nos dar sombra. De táxi  de Ansião, com o meu pai, grande aficionado, recordo os cavaleiros emblemáticos Gustavo Zenkel no começo da sua carreira vestido de casaca azul, Mestre Baptista envergava casaca vermelha debruada a oiro a mais reluzente de todas, António Ribeiro Teles já de mais idade... Lindo o bailar das vacas charolesas a que sempre chamei chocas, com grandes chocalhos presos ao pescoço na dança e andança pela arena para o toiro cair no engodo e assim o encaminhar para o curro, e “dos perrotes” - forcados vestidos de meias brancas em croché até ao joelho com borlotas vermelhas, barrete verde enfiado na cabeça produzidos na fiação de Castanheira de Pera com mãos fincadas nas ancas na dança de traseiro – em grito atiçando o boi para a “pega de caras”…ah toiro, aferro de força, batiam o pé na arena, sem medo!
Palanque
 
Curioso nestas terras do Maciço de Sicó, o povo chama os toiros de bois… 
Episódio pitoresco que nesse dia assisti . De repente duas mulheres castiças vestidas de preto, traje típico à época das vendedeiras de barros dos Ramalhais enfeitadas de grossos cordões de ouro, medalhões ao pescoço, arcadas pesadas nas orelhas e saia dobrada de serrubeco pelas costas em jaez de casaco -, uma dizia para a outra, anda ver o boi... e abalam em passo corrido em cima de pernas tortas ao mesmo tempo que elevaram mãos em ajeitar do lenço da cabeça para baixar em guisa de palas aos olhos,  esgueiradas em bicos de pés , curiosas, espreitavam pela guarita, o curro!
Este tipo de traje único desta região, as chamadas "saias das costas", ainda hoje é possível ver algumas vendedeiras mais velhas assim vestidas pelas feiras de antanho, vendiam os típicos barros verde azeitona e amarelo forte da Bidoeira, aldeia do concelho de Pombal. Este tipo de traje sempre presente em mim, nunca visto noutra região deveria ser mote para um trabalho de pesquisa -, uma monografia, porque na realidade foi típico em Ramalhais. 
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O Forno 
Como nota etnográfica existe o forno que ainda hoje se conserva, no qual se registava uma cerimónia que atraía muitos forasteiros como veio a acontecer mais tarde no Avelar, no concelho de Ansião, de igual simbolismo e cariz medieval. O povo acendia o forno com umas boas carradas de lenha, era amassado grande bolo ou fogaça com alguns alqueires de trigo e o punham a cozer. O ritual  consistia em que o homem que o retirava do forno tinha de comungar e levar na boca um cravo e de chapéu armado na cabeça dava três voltas dentro do forno, só depois retirava o bolo ou fogaça para os forasteiros comerem...O que me deixa a pensar, como seria que o conseguia fazer sozinho, se era tanta massa, a pensar nos alqueires de trigo e não levava pá? Como o agarrava, se escaldava...porque o cravo na boca o ensejo da física para não se queimar?
Citar um comentário  da crónica " homem que entrava no forno com um cravo na boca..."
É o bisavó da minha esposa . O seu nome é José Lopes Domingues.

Não digo que não tivesse acontecido e não acredite.Na realidade tem de existir um fenómeno, que ainda ninguém explicou-, ou iam de roupa molhada com o chapéu de aba larga para não queimar a cara, o que levariam calçados, tamancos? Faltam respostas que deviam ter ficado escritas ou terem sido passadas na família para hoje se saber com maior fidelidade como decorria o ritual.E também se morria, o que parece em Abiul assim aconteceu com o último e mais ninguém foi dentro do forno. Há anos em Ansião numa feira de velharias veio à baila a conversa com uma senhora que me falou sobre ele...  
Falta um elemento da FÍSICA para explicar o fenómeno do abrasador calor não molestar o homem!
Na verdade as bocas dos fornos são em tamanho bem diferentes aqui mais pequena  em contrate coma do Avelar de porta. De qualquer das formas ninguém explica como era possível alguém entrar dentro dum forno depois de cozido o bolo ou a fogaça, e não se molestar, porque o facto de comungar e levar o cravo na boca são rituais dum tempo em que as gentes eram fortemente beatizadas.
O forno de Abiul parece mais um forno comunitário  em prol de apenas ser usado para o bodo aos pobres na devoção ao Divino Espírito Santo criado pela Rainha Santa Isabel - tradição que ainda hoje existe no concelho com as Festas do Bodo e os bolos tradicionais, as fogaças
Recordo alguns colegas de Abiul e redondezas que andaram comigo em Pombal onde se deslindavam genes de judeus,  francos de olhos claros e cabelos loiros e também mouriscos.
Abiul, terra com tantas estórias e história sem ser dignificada hoje como o foi no passado, e bem o merecia!

6 comentários:

  1. Muito interessantes as suas memórias sobre a Praça de Toiros de Abiúl.
    A minha avó não perdia nenhuma faena! Deslocava-se quer fizesse chuva ou sol e levava com ela todas as comadres! Ela não era rica, tempos houve em que teve mesmo muitas dificuldades, mas faltar à toirada em Abiúl é que ela não faltava!
    Maria Isabel, quanto à casa de Aveiro, ela é um ducado desde o século XVI, título conferido por mercê de D. João III.
    Um bom final de semana e obrigado pelas suas memórias
    Manel

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  2. Obrigado Manel pelo seu comentário.
    Tomei nota sobre a casa de Aveiro.
    Bom fim de semana também para si
    Beijos
    Isabel

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  3. olá.
    gostei de ler.
    não conhecia essa do fontanário.
    sei sim de uma pedra de uma campa funerária que foi retirada de campos agricolas no vale do milho,abiul. umas pesquisas na net e facilmente se encontra algo sobre isso. vou tentar encontrar o ficheiro que falava quem foi o "antiquario" que a guardou e a levou para terras alentejanas. guardei nos favoritos.

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  4. Caro Luís muito obrigada pela cortesia e pelo elogio à crónica.
    Interessante essa da pedra funerária, supostamente romana(?). Veja se sabe mais para completar a crónica, que a enriquece concerteza.
    Cumprimentos
    Isabel

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  5. Interessante
    Pois, lenda do homem que entrava no forno com um cravo na boca...
    É o bisavó da minha esposa
    O seu nome é José Lopes Domingues

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  6. Caro anónimo, muito obrigado pelo comentário que acrescentei na crónica. Se mais souber como se vestiam, se iam molhados, o que calçavam, enfim tinham de se refugiar em alguma coisa para não se queimarem. E o bolo era um ou vários, tudo o que mais souber, partilhe, E o último morreu, foi ele?
    Obrigado
    Isabel

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