segunda-feira, 23 de julho de 2012

Despedi-me do Prof Hermano Saraiva com traje de vendedora

Quis o destino ditar mais  uma feira em  Setúbal  - sábado- desta vez  além da minha homónima apadrinhei outro colega - António.
Feliz coincidência - no mesmo dia na cidade no Convento de Jesus estava em câmara ardente - um dos meus ídolos televisivos de sempre  -Prof Dr Hermano Saraiva. Felizarda vivi numa vila de província onde a televisão entrou na minha casa em 1962 - o 1º comunicador que retenho na memória - Vitorino Nemésio - apesar do sotaque forte da ilha da Madeira aquele homem de cariz pesado e óculos grandes de massa sentado num maple em frente de mesinha de sala de estar tinha sob o tampo jarra de flores e  um copo de água - estrebuchava com as mãos em gestos alternados de força elevada exasperava a voz forte - sem o entender mesmo assim prendia-me ouvi-lo falar...fazia-se ouvir...se bem me lembro...semelhança haveria de encontrar no início de 70 com o Hermano Saraiva a falar de história, de reis, de terras deste Portugal , gastronomia e...veleidade esta minha de ser genuína em gostar de contar estórias, julgo adquiridas a ouvi-lo tantos anos, houve altura... desejei conhece-lo... empiricamente sonhava em o poder substituir na descoberta e mostra deste nosso Portugal - no mesmo gosto de falar com gente anónima, saber outros saberes em via de extinção, entender a história dos locais, e estórias  que delas no tempo se foram cimentando...veleidades...desculpem. Quem se atreve a não sonhar?
Vesti-me fresca  e colorida para as agruras da feira em terreno aberto. Mesmo assim quis na companhia da minha amiga homónima entrar no convento no atrevimento mayor em prestar os sentimos pêsames à sua querida esposa  vestida de luto - imagem incrivel de beleza , na televisão nas poucas vezes que se fez à fotografia nunca foi tal beleza exaltada...ouvi-a a partilhar emoções com alguém muito especial agachada ambas de mãos entrelaçadas... confidenciava-lhe..." amava-o muito "...fiquei sem pinga de sangue - como é possível amar-se tão fervorosamente durante décadas, e décadas...do Prof, sei a conduta de alto cavalheirismo, e presenteador  à laia de namorado eterno - tal as prendas que constantemente surpreendia a sua amada. Amo este tipo de atitudes - pena não haver homens desta índole e igual  envergadura romântica!
Nas minhas poucas palavras deixei a convição do meu eterno carinho e simpatia por ele e seus programas .Despedi-me - o seu rosto sereno exalava a sono profundo...ao limite das mãos havia um pergaminho atado com fita de seda branca a fazer lembrar tempos de antanho - na minha cabeça imaginei se tratar da despedida dos seus netos ou bisnetos adorados , neles via o continuar da sua descendência.
Tenho o privilégio de ter um livro seu autografado onde estive pacificamente na fila horas...também com ele estive numa exposição na Caixa Geral de Depósitos na João XXI sobre velharias - ali aprendi que a Vista Alegre começou a laborar em vidro por falta de caulino - havia um exemplar que por acaso era igual ao da minha avó paterna - hoje meu - Fiquei exasperada de paixão! 
Resta-me a memória da sua voz eloquente ,e da paixão em falar  para as massas - tivesse eu professores na primária do seu gabarito seria hoje uma mulher mais conhecedora da cultura, dos saberes da nossa terra e da globalização do mundo. Aprendi com ele o jeito de agarrar as pessoas na conversa, na partilha de saberes, no gosto de ir  na louca aventura a calcorrear trilhos para saber, e mostrar - homem nascido em Leiria por mero acaso - ali os seus pais moravam - de pequeno deleitava-se com os irmãos a descobrir o castelo - sorte a dele - igual em Donas - terra com muita história onde o seu pai nasceu - que dizer das filhoses que adorava saborear  aqui , e do calor do madeiro de natal a arder na praça - um nato contador de histórias, com história - jeito simples, cativava todas as faixas etárias de público - longe do jeito pesado que outros historiadores teimam persistir - quando lidos - há  2ª linha desisto da leitura...apesar de muito bem escritos, acredito.
Homem antigo, mais de 92 anos - moderno no estar - apesar de bem vestido de fato, gravata, e colete. Soube como ninguém COMUNICAR!
Sinto-me honrada em ter participado por breves minutos no seu velório, no meu dizer... disse-lhe muda...descanse em Paz e ,... até mais logo ...

Na saída ...tomámos o rumo transversal para matar caminho - havia a intenção de passar pelo mercado na expetativa de lhe mostrar um espadarte - nunca tinha visto in loco...
No desfilar da feira tabelei conversa com um colega  que antes nunca por aqui visto, nem noutra poisado o olhar - silhueta ímpar de beleza escultural, bem vestido, rabo de cavalo cor d'oiro, olhos pequenos ligeiro amendoado, e sorriso aberto tímido- João de seu nome vive em Mafra- confidenciou ter duas filhas, sendo uma delas linda...olhando ao pai - uma Miss com certeza - catapultou-me para falar sobre as nossas origens sendo eu fenícia ele é de origem celta - que a gosto condiz com o símbolo da t-shirt  . Se fiquei deslumbrada com o style mais ficaria a ouvi-lo falar - de cabeça racional senti apurado estudo de antropologia social  - garra na entoação da palavra , líder, um comunicador nato - senti e apreciei o grande sentido de justiça de tal modo vincado - não tive outro jeito senão perguntar o signo - delirei ao saber que é Touro - 6 de maio - sem qualquer comparação adorei a coincidência lunática - véspera -  do meu!
Tinha muitos bons preços  - móveis, malas de lata e em cabedal - peças belas a fazer jus à sua pessoa ainda algumas peças de José Franco assinadas.
A feira foi estonteante pelas abordagens ao acaso. Ao fim da tarde apreciava uma saboneteira em faiança branca grande  com a D. Isabel... levanta-se o marido - Antero - num relance pega nela, oferece-ma!
Oferta do Sr Antero

Disse-me trouxe-a de França há 15 anos ,era azul, alguém lhe disse que é do século XVII...não creio - apesar de ser muito graciosa - vou ofertá-la à minha filha se a quiser por na sua casa de banho a servir de suporte para vela ou uma flor.
São gestos igual a este que nos últimos tempos tenho sido agraciada  - não é tanto o valor das ofertas, sim o gesto de ofertar - a quem perguntei o porquê - resposta escorreita " a senhora é muito simpática" ...já tinha ganho outro presente logo de manhãzinha do Paulo Filipe - um almanaque de 1982 - ano de nascimento da minha princesa - perguntei o preço..."dou-to, quando te começo a dar coisas logo de manhã é sinal que vendo..."
Havia ao final do dia lhe comprar esta molheira de Alcântara - mui graciosa.
Na minha amiga homónia enfeirei num bule de caldo - o que equivale a dizer que o dinheiro que faturei o gastei, e julgo não chegou!
O Paulo Filipe em tempo de despedias deu-me um fogareiro de cobre a petróleo, um  Cristo em meio corpo em lata que uma das mãos mexe e uma lanterna antiga usada nos barcos que foi electrificada - o companheiro da minha homónima dizia entre dentes - agora percebi - vocês são iguais gostam de lixo - ri-me...porque ele está redondamente enganado. O fogareiro areado fica novo é para mim, o que tenho em latão, mandei-o electrificar em Odemira - fiz dele um candeeiro de mesinha de cabeceira que foi do meu bisavô num quarto com cama de ferro, a lanterna vou oferece-la à minha irmã que sei adora recuperar...raspar e pintar, no seu churrasco acredito irá ficar!
Ainda voltando a falar de lixo - deve entender-se em várias nuances. Nem tudo o que é velho e em mau estado se considera lixo - para mim lixo não tem qualquer hipótese de reutilização, sem contar com  a analogia da palavra a compras desmesuradas por fanáticos...

Domingo - o vento afastou-nos da praia. O inusitado aconteceu na feira de velharias de Algés. Trocava impressões com a D. Maria uma feirante que conheço há tempos - apreciava na sua banca belos pratos de faiança - Coimbra e havia um em especial do norte - nisto reparo num belo homem, jovem de sorriso pasmado a deleitar-se com o ouvir da conversa - segundo seguinte percebi comungarmos os 3 a mesma paixão por pedras, e no meu caso e dele também por faiança...convidou-me a ir ao seu restaurante "Touro Ibérico" a dois passos onde fui com o meu marido - mostrou-me o espaço - amei pela eloquência  da mistura onde o mobiliário antigo brilha e se destaca do moderno - apreciei tampos de mesa que outrora foram portadas com grades e fechaduras agora assentes em postes dos telefones e tampo de vidro - lindas, havia outra igualmente bela com pés de azinheira que apanhou na estrada cortadas à pressa numa dessa ventanias sem explicação...mostrou -nos com orgulho o livro da - Quinta Vila Vitória - sobranceira à praia das Maças construída de raiz ao gosto antigo com pedras, madeiras, azulejos e afins comprados em demolições e antiquários. Fabulosa. Golpe de pasmo haveria de me transportar para a infância - sempre existiram homens fascinados pelo belo - hoje conheci o Jorge Figueira noutros tempos fui ao local ver o que restou depois da morte do Dr Bacalhau no Espinhal nas faldas da Lousã - também ele um visionário adquiriu em demolições do hotel Sherton e palacetes na Linha do Estoril  -  pedras e construiu uma estância de luxo...fatalmente a morte chegou-se sem herdeiros - ficou ao abandonado - incrível como gente sem escrúpulos assaltou o espaço arrancou mosaicos do cimento, surripiou estuques, azulejos...pedras, vasos enormes...um desatino de mau gosto!
Despedimo-nos com vontade de voltar aqui para um jantar com sevilhanas ao fim de semana - julgo que será no aniversário do meu casamento no principio de setembro. 
O melhor? O êxtase era comum ao meu marido. Nestas andanças apresenta-se sempre mais distante - julgo foi a 1ª vez que lhe senti ver admiração por mim ao constatar que outros me admiravam no passar da mensagem sobre faiança - sentimos que portas foram abertas, sem ser esperado - uma abertura para outros conhecimentos...a minha explicação!
Tudo por causa do mesmo fascínio, vício  - pedras e velharias - lancei o mote - se quisesse comprar havia  dois pratos maravilhosos, e de muito valor: um covo pequeno marmoreado com o brasão das Armas de Portugal da Fábrica Bandeira  cercado por filete azul, na aba motivos de flores com pássaros. O brasão não se apresentava delimitado a azul como se vêem noutros do tempo que o reino estava a ser disputado por Miguelistas e liberais. O outro maior será  -Fervença ou Santo António do Vale da Piedade - exuberante o esmalte e as cores que delem exalam -  verdes a preenche -lo no todo, salpicado por laranja, e raminhos revirados do grande ao pequeno em vinoso quase preto, no rebordo filete fino laranja - amazing!
Mais tarde voltaria a passar  - congratular-me ao ouvir dos vendedores o  agradecimento na minha ajuda par as vendas - com o remate - pena a senhora não ter ficado com ele - sendo que são dois vendedores distintos, e disseram -me  o mesmo - elevo o pensamento para o conhecimento com que amavelmente me distinguiram...
Adorei ter tido este privilégio, na feira conhecer assim do quase nada um homem como é raro ver-se em Portugal - trabalhador, e com muito talento na preservação do património ao dar-lhe nova vida para desfrute de outros - eventos, casamentos, e dele próprio que ama o espaço sendo que a  sua família prefere viver num apartamento...a vida não é perfeita! Podendo viver num palácio nunca viveria em propriedade horizontal...
Bem haja Jorge Figueira pelo prazer que me deu na mostra gratuita dos seus tesouros!
Havemos de nos voltar a encontrar!
O dia prometia - com a Isabel de Carcavelos conversei mais de meia hora - na minha espera o meu marido tabelou conversa com um novo vendedor de cerâmica - de todas as peças a mais emblemática - um canhão assente em estrutura de madeira  - tal perfeição achei barato para decorar um jardim.
Deu uma "seca" sobre religião ao meu marido - notoriamente  lê muito , explicou a diferença do homem para a mulher - nos cromossomas - que estas vão comandar o mundo - pior os homens estão a ficar efeminados... justificou!
Ups!!!!
No início da feira perdi-me de amores com este prato, comprando os dois o preço foi muito convidativo - o vendedor é porreiro - faz-me sempre bons preços. O 1º gateado lindo o 2º num esmalte cor de grão  de pintura exuberante - marca uma época (?) ultimamente tem aparecido alguns.


cacos de faiança encontrados no Castelo de Guimarães
A minha amiga homónima fez deles alfinetes - oferta em plena feira.
Amei os broches de faiança!
 A minha amiga homónima apresentou-me a um colecionador....de boa carteira viciado em loiça de Sacavém ornada com publicidade - falantes...no meio de uma banal conversa partiu em demandada, viu uma peça que passava despercebida, em tempos custava mais de 200€ , a comprou no momento por 35€...estava delirante!
Já em casa tinha uma mensagem " tou farto das feiras"...respondi  - eu não, amo cada vez mais...resposta - desiludes-me...julgo a forma de me fazer ver que me esqueci do seu recente aniversário...sendo assim tem toda a razão - facto que no momento ressalvei!
Foi um fim de semana estonteante!

2 comentários:

  1. Olá Isa

    Gosto da sua maneira de escrever e expôr as suas ideias. Escorreitas e desenvoltas. Também sempre admirei o Dr. Hermano Saraiva. Grande Homem, na sua singeleza e simplicidade. Gostei ainda mais dos dois alfinetes feitos a partir de fragmentos de faiança.
    Cumprimentos.
    if

    ResponderExcluir
  2. Cara IF muito obrigada pelos elogios que tece à minha escrita.A minha intuição dita que tem costela transmontana - ao usar o termo "escorreita" tão intrínseco nas suas gentes, que aprendi com o meu bom amigo Arnaldo de Torre de Moncorvo.Atrevo a acrescentar que na minha falta de modéstia estarei a melhorar em relação ao início das minhas crónicas, por motivos profissionais a escrever pareceres técnicos, dei-me conta que não conseguia fazer um texto corrido...vale a teimosia, a audácia de querer escrever - fetiche que adoro - muito graças a pessoas como a IF que me incentivam no continuar.
    Bem haja pelas suas palavras nesta fresca manhã de julho, acredito será mais tarde, tórrida.
    Abraços
    Isabel

    ResponderExcluir