terça-feira, 16 de abril de 2013

Coimbra nos meus tempos de cachopa...

Foto para o meu 1º cartão da saúde, do Ministério da Justiça, com a franja cortada pela minha irmã em brincadeira de crianças a brincar aos cabeleireiros...
Euzinha em adolescente
Foto tirada em Coimbra com a minha querida mãe em julho 2010

Desde sempre visitei amiúde Coimbra -, a cidade onde nasci na companhia da minha mãe. Em véspera do início da escola fomos na carreira do Pereira Marques , ao passar a Cruz de Morouços, bem no alto aonde se começa a avistar o Mondego e a cidade, a  chegada da hora de começar a ouvir reparos e repreensões ...
  • ” se te portas mal em Coimbra, se te perdes de mim, se foges, se começas a pedir que queres isto e aquilo, a ponte vai cair quando a camioneta passar... “ grande trauma em tão tenra idade...
Café Nicola…onde se tomava o pequeno almoço, chegava-se o empregado  à mesa de bandeja  na mão e pano branco pelo braço, delicado perguntava ...
  • “e para a menina o que vai ser? ”… aqui pela primeira vez  bebi galão, abri um pacote de açúcar refinado, comi uma carcaça cozida em forno elétrico e saboreei uma pata de veado dividida por fio de canela...uma delícia de fofura!
Rua Ferreira Borges
Vendedor de loiça decorativa de Conímbriga e Coimbra… durante anos com estandarte na frente da porta sempre fechada nas escadinhas da igreja românica de S. Tiago , um hábito enfeirar -, a minha mãe comprava sempre alguma peça decorativa , fossem pratos vazados com quadras com a  graça da aba aos buraquinhos ou estatuetas de estudantes de Coimbra, cestinho e,...Ainda existem peças.

Igreja S. Tiago
Ao tempo a única loja de chinos... que conheci uma vida instalados numa minúscula cave de gaveto na Praça Velha -, grande desfile na rua de estandarte com as novidades de cintos, sacos, bijutaria, travessões, escovas, chapéus, carteiras, porta-moedas e, …  


Casa Jorge Mendes… onde a minha mãe comprava cortinados, lençóis, toalhas, tapeçarias, uma casa infindável com tudo do melhor na voga para o lar. 
  • Ao meio da manhã a correria para o sanitário público instalado ao meio das escadinhas entre a Praça Velha e a Rua Ferreira Borges. A empregada uma senhora obesa sentada na cadeira tirava o talão amarelinho, cobrava-se de cinco centavos. 
  • Corriam-se os bazares, as lojas de pronto a vestir, a de tecidos , vidros e loiças do Saul Morgado.
Serviço da minha mãe  comprado no Saul Morgado
Claro a visita ao cabeleireiro favorito da minha mãe o Sr Monteiro ainda a funcionar no 1º andar da Rua Ferreira Borges , não era inédito para mim -, já conhecia o Sr Franco do Pontão a pentear senhoras. Uma das manicuras era a mãe do Goucha. A minha mãe distinguia-o com a preferência do seu dom para a pentear, enquanto isso o ouvia dizer  em voz alta com satisfação  " D. Ricardina a senhora é dona de belo e bom cabelo cor d’oiro..." - prazer sentia ele em os moldar na efémera imitação dos penteados da moda que saiam nas capas de revista -, no caso iguais ao da Grace do Mónaco
Pior a minha sorte. Sofria na sala de lavagem de janelas de guilhotina para a Praça Velha com pombos a deambular em círculos que nada me ajudavam a voar... sentada sobre um monte de listas para encaixe da tenra cabecita no lavatório  as "lavadeiras de cabeças" -, mulheres feitas conversavam sobre a vida alheia umas com as outras, enquanto os seus instrumentos de trabalho "unhas de meio metro" dilaceravam a minha cabeçita em movimentos sucessivos de forte violência na esfrega copiosa (sujinha estaria, na altura a lavava com sabão azul e branco, a lavaria mal (? …) de tal forma que condoída de dores sem poder dizer nada, no tempo não tínhamos opinião...manifestava-me rebolando de um lado para o outro, havendo alturas que resvalava das listas...as ditas senhoras nunca se condoeram, perdidas que estavam com as conversas alheias e se esqueciam da criança de moleirinha mole…  "lixada e mal paga" ficava a minha cabeça de pele fina logo ali a rondar sangue… 


O Mercado D. Pedro V… sentir aquele buliço -, no entra e sai, um corrupio de gente. Adorava desfrutar o colorido da fruta, das abóboras, das hortaliças, do aligeirar das queijeiras do Rabaçal a tirar os panos de estoupa das canastras abarrotar de queijos frescos, meia cura e secos , de ver os alguidares com azeitonas de várias qualidades, ouvir os pregões das vendedeiras - "freguesa compre arrufadas acabadinhas de sair do forno", dos quiosques ao meio das escadarias com broinhas típicas de fruta cristalizada, do pão fino, mistura  e de centeio, pastéis de Tentúgal e de Santa Clara, dos cesteiros com vergas em vários tons, dos talhos em fila com a carne cortada como nunca antes enxergara -, tiras de entrecosto finas que nessa altura chamava costeleta, da boa "passarinha" assada na brasa -, contrapeso das iscas, dos cabritos com a ponta do rabo para caso de dúvidas do freguês… ainda as bancas de roupas e de flores e da praça do peixe -, da peixeira de Buarcos -, senhora alta, formosa de cabelo preto e pele alva igualzinha à minha avó Piedade que nenhuma irmã se parecia tanto com ela como aquela mulher!
  • Gostava do frenesim dos elétricos e dos tróleis na baixa, das tricanas de socas e aventais atados em grandes laçarotes com lenços pela cabeça, dos ardinas e dos estudantes engalanados de batina -, uns doutores , outros fudricas!
  • A caminho da farmácia Luciano e Matos onde sempre íamos comprar cremes, perfumes, e pirexs da América em cor laranja uma novidade.
  • Perdia-me a contemplar a Igreja de Santa Cruz ...sem perceber o porquê do desgaste da pedra do grande portal, anos mais tarde soube que se tratava de pedra de Ançã -, macia de fácil manuseamento que a maldita erosão não perdoa, no seu interior alberga o túmulo do Infante D. Henrique mandado construir pelo rei D Manuel I quando passou em Coimbra a caminho de Compostela em 1502, tal requinte do minucioso trabalho na pedra, almofadas, elmo, armadura, qual bordado na perfeição.
No tardoz o lindo Jardim da Manga fazia-me lembrar a charola do Convento de Cristo em Tomar de cariz romântico com os repuxos a imitar Conímbriga. 


Euzinha no Jardim da Manga


O “Portugal dos Pequenitos” onde fui tantas vezes com os meus pais para voltar com a minha filha. A entrada ladeada de pajens de trompete, no meu tempo fechada entrava-se na lateral da rua da Quinta das Lágrimas.
  • O que eu gostava de entrar nas casas pequeninas, enfiava a cabeça nas janelas com tabuinhas entrançadas verdes, a minha irmã atrás de mim imitava-me até ao dia que voltámos e mal cabíamos na porta - a alegria dos nossos pais na explicação da história de cada monumento nacional aqui reproduzido em miniatura, ainda pavilhões alusivos às províncias ultramarinas onde se apreciava as diferentes culturas do vasto território nacional e ultramarino. 
  • Jardim muito lindo, bem arquitetado numa obra de mestre onde funcionava o jardim-escola Dr. Bissaya Barreto forrado a azulejos com bonecos, frontaria em semicírculo quase na extrema com a Quinta das Lágrimas.

  • Coimbra a cidade maravilhosa dos amores de Pedro e Inês - único romance que devorei numa correria desenfreada -, verdade seja dita julgo por o texto  escrito em letras gordas fez que a leitura fosse rápida… 
Conheci a Quinta das Lágrimas em quase abandono, hoje revigorada em turismo chique e histórico. O mesmo com o Convento de Santa Clara a Velha muitos anos assoreado era incrível ver a terra ao  nível de altares...hoje de novo limpo e restaurado voltou a ter o brilho e fausto do tempo que a Rainha Santa Isabel o mandou edificar.


No tempo que trabalhei na cidade nas telecomunicações de Portugal como assalariada a prazo em 78 ficava com o coração apertado com o corropio de ambulâncias a caminho dos Hospitais da Universidade...num tempo sem telemóveis...
  • Um final de dia depois do trabalho de volta a casa passava por mim a de Ansião -,num impulso forte subi a correr a grande escadaria, sem fôlego cheguei às urgências, tinha sido um acidente com um rapaz da Sarzedela o Mercantil (?) lembro-me dele dos bailaricos...
  • Pior foi ao sair do hospital ver o aparato de gente atrapalhada junto de uma rapariga que estava no átrio em cadeira de rodas,  - a coitada tinha-se masturbado com uma garrafa, com o vácuo que se gerou -, a malvada não saia... ninguém se lembrou de a partir…(dizia por entre dentes um enfermeiro)...
  • Estupefacta nada sabia sobre masturbação, a primeira vez que ouvi o termo...desta forma tomei conhecimento de assuntos tabus que nunca antes tinha ouvido falar.
Boas as recordações ir de táxi do Sr. Estrela ao Calhavé na companhia da minha mãe, que aqui se dirigia a consultas de nome caricato “ Médico das doenças das Senhoras”...
  •  Adorava passar junto ao lindo “arco em “U” virado ao contrário defronte do estádio que hoje lamentavelmente não existe mais. 
  • O que eu gostava de percorrer o Jardim da Sereia, apreciar a cascata cheia de avencas e o ar fresco e sombrio que me reportava para o Buçaco ou Sintra. 
O Penedo da Saudade com vistas  sobre o Mondego onde os  penedos com versos escritos a negro de poetas portugueses fazem o encanto do lugar. 
Decorei um nesse tempo que reproduzi vezes sem conta nas fitas de finalistas de filhos de amigos...
  • Se recordar é reviver todo o nosso mal e nosso bem é vontade de ter toda a sorte que ninguém tem!
A minha primeira vez sozinha a Coimbra…aconteceu após a  inauguração da Estação de Correios em Ansião. O almoxarifado -, pelouro atribuído à D. Maria Augusta Morgado da limpeza e manutenção do mobiliário apresentava sinais de dificuldades em ter de se contratar uma empregada -, atenta ofereci-me para fazer a tarefa da limpeza depois das aulas no Externato até contratarem alguém.De ordenado recebia 1.980$00 para ajudar nas despesas da casa -, o meu pai falecido, a minha mãe não recebia reforma, tinha 16 anos vivíamos as 3 com o seu ordenado. 
Entristeceu-me na altura ouvir por entre dentes pessoas  comentarem..."coitada da cachopa a limpar o correio" ora essa, coitadas elas que o falavam da boca para fora, desde quando trabalhar era desonra? Que eu saiba o trabalho nunca fez mal a ninguém, muito menos a mim e à minha irmã que de tudo em casa e na agricultura nos empenhamos em aprender e fazer, pelos vistos teimamos continuar!


Foram três meses, no último a minha mãe deu-me 20$00 o que perfez dois contos -, com a minha "pequena fortuna" na mão decidi ir sozinha pela primeira vez a Coimbra na camioneta do Pereira Marques. Embarquei na vila numa segunda-feira com o Toino “Tarouca” a atazanar-me a cabeça, andava na altura no quartel de Santa Clara na tropa, também quem era passageira -, a Fátima sobrinha da Isaura “Reala” que se sentou ao lado dele numa de conversa de disputa de interesse em o namoriscar … aquela era esperta enganou-me bem...
Comprei lembranças para todos, ainda me fascinei na  loja de novidades e bijutarias dos chinos onde comprei um cinto branco para a minha irmã e para mim uma fita para o cabelo , na loja da frente comprei umas botas de camurça e na Briosa saquinhos de bombons para a minha mãe e prima Isabelinha que adorava, na altura dava-me explicações de francês.
  •  Bom foi sentir dinheiro no bolso, ser livre para viver um dia de recordações inesquecível em Coimbra na minha primeira vez... sei podia ter aproveitado melhor se tivesse aceite o convite...que declinei!
Gosto de entrar em tabernas ou tascas ainda tradicionais engalanadas à antiga com o ramo de loureiro a chamar a freguesia para comer uma boa  sandes de leitoa .
Nesta numa viela estreita da baixa Coimbrã.
    Taberna ou tasca em Coimbra
Chego sempre a COIMBRA morta de saudades e parto com desejo de voltar para ver de novo o Mondego , as ruas e vielas, a arquitetura, a torre da cabra, a muralha, reviver lembranças dos meus tempos de cachopa...amo Coimbra!
  • Boa terra para se  namorar... sempre assim dela se escreveu. 
  • No dia que aqui fiz o exame do 5º ano fui abordada por uma cigana na ponte que me leu a sina, disse que casaria com um Luís...acertou pois ainda não o conhecia e à minha amiga Fernanda Carvalho da Sarzedela também acertou com o marido Bernardino!
Sinto a cada dia menos gente na cidade e disso tenho muita pena!


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