quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Conversa quente entre mulheres na espera do autocarro...


O ambiente no Fórum mostrava-se quente...
Na espera pelo horário do transporte, destacavam-se duas mulheres, sem ter onde se sentar por causa do novo buffet no átrio, e pelos velhos assíduos, abanadores de colhões que ali encontram jeito de espairecer olhares, e consolos nas miúdas de calções, sem com isso afete descuido, no poiso das pedras, a fazer de bancos...
Qual cavalheirismo qual quê -, as deixam a elas mulheres da mesma geração, sem poiso aparente, apenas vago o varandim, apesar de nas mãos tropeças pelos muitos sacos com compras...cheirou-me a sofisma!
Altivez e vaidade o ar das pavoas -, na falta de homens enxutos e desempenados em desfile constante no entra e sai -, qual prazer escondido em sentir o gosto, de ser gostosa -, tão pouco dão atenção aos demais  sentados, que se babam afinal por elas -, de as ver incandescestes e ardentes... sem rogo, nem cerimonias as vêem em abanos de leques na pressa de abrir casacos à procura de vento, que as alivie, por via dos afrontamentos...
Uma de aspeto mais jovem e magra mas de rosetas avermelhadas dirige-se para a porta da saída, espreita o tempo, e sem medos de chuvisco avança para a rua -, por entre os vidros a vi levar nas bentas a brisa fresca que parecia, a consolava…
Possível mote despertou a outra -, que em pouco tempo se decide, confesso já me irritava no cansativo andar para trás e para a frente na passarele...
Mulher fogosa de pára-quedas avançado sai desaurida, afogueada, mal chega ao ponto de encontro do autocarro trava conversa com a outra que não conhece" lá dentro está um calor que não se aguenta..."
- Resposta imediata -, pois a menopausa dá cabo de nós, vim para a rua porque  acordei com enxaqueca, apesar de leve, o calor estava a dar cabo de mim, aqui fora sempre se está melhor.
- Responde a loira de olhar azul sem brilho, nem languidez -, um apagão apesar da cor celeste  "e de noite quando me deito dão-me uns calores dos pés que vêem até cá acima…que suplício"
- Olhe, a mim mal me deito também sinto calores -, mas nos pés não, tenho logo de me destapar, o meu marido até se arrepia de me ver quase nua -, só quando o corpo está frio me volto a tapar…
-Sinto o mesmo, e fiz terapia de substituição, antes não tivesse feito, mas a médica insistiu que era melhor para os ossos, estou tentada em desmamar, pior vão ser os calafrios, mas não aguento mais...
- Diz a outra, eu não fiz terapia de substituição, e quanto a calores intensos só os senti aos 50 anos quando em definitivo entrei em menopausa, falaram-me nuns comprimidos à base de soja, que comprei num herbanário, ainda não tinha acabado a caixa, os calores baixaram de intensidade, fiquei satisfeita. Não me aflige sentir calores -, durante o dia mal os sinto, como lhe disse só ao deitar é usual, mas passa rápido -, fora isso não tenho outras queixas de maior.
- " Pelos vistos a senhora não fez nada, e sofre menos do que eu...já o mesmo não posso eu dizer, até perdi o interesse..."
- Sem papas na língua relata a outra "olhe a mim o efeito é o inverso, tenho mais vontade...talvez porque dantes na idade fértil trabalhava muito, e com o acumular de stress, chegava a casa, mal me sentava, adormecia logo, agora disponível, sem chatices, muito menos preocupações que me tirem o sono "desejo é mato" como o foi na adolescência, só lamento é sentir tão forte impulso sexual ao lado de um homem disponível, carente, que sei me ama, mas nunca me soube amar, e olhe que não foi por falta de diálogo -, há muito que desisti de reaprender  a fazer amor  ... não o quero, não consigo usar, nem mesmo só para sexo, só o vejo como amigo e até sinto pena, porque sei sofre, mas não consigo, às vezes até penso fazer o frete, mas logo desisto, já nem isso consigo mais... Cansei-me de ser depósito de espermatozoides... só penso em ser livre, livre para fazer o que me der na real gana, apesar de gostar de companhia -, olhe assunto para psicologia esclarecer ..."
- Espantada  a outra de boca aberta..."mas não gosta do seu marido?"
- Olhe lá e na nossa idade o que é gostar ao fim de 40 anos de vida comum, se casei sem o amar? Se calhar quero mais, preciso de mais, muito mais, do que a rotina do dia a dia, não sou apologista de conformismo, e antes de morrer sonho ainda ser feliz, amar e ser amada, acha mal nisso? ...apesar dos prós e contras, pelo menos nas coisas menos boas, todos nós "arrotamos, ressonamos, damos peidos de meia noite, porque ninguém come sabonetes"...uma das grandes vantagens em viver acomodada -, já na mudança de parceiro há que se ponderar no querer começar tudo de novo, sobretudo na habituação a novos odores e tiques...
Armada de voz efervescente acrescenta, sabe com certeza que os organismos não são todos iguais, nem tão pouco reagem da mesma forma. Fala-se pouco desta  fase na vida da mulher, porque ainda é  tabu, no entanto é mais durável que a do homem, porque a mulher não envelhece, nem tão pouco perde a energia, só por doença. Inclusive há fenómenos surpreendentes, há senhoras com 80 anos, de espírito jovem que ainda ardem de desejo, e se masturbam...conheço algumas!

Engasgada com tanta informação, mas com vontade de também contar a sua estória desata no enredo  - "olhe faço umas horas no cabeleireiro da minha filha, um dia destes uma cliente que andou comigo à escola no Alentejo, depois disso nem amigas fomos, só conhecidas, estava a tirar-lhe o buço,  quando sem quê nem para quê, fala que não tem nada com o marido há 5 anos…que ele agora só sente tesão pelo c...a senhora nem me diga nada, fiquei para morrer, não estou ali a trabalhar para ouvir coisas destas, mas que velha desenvergonhada…agora nesta idade, não estou disponível para conversas desta natureza, fez-me sentir desconfortável..."
- Responde a outra -, olhe não vejo a coisa por esse prisma, a mulher por ter andado consigo à escola como diz, sentiu em si o apoio sincero e verdadeiro para desabafar sobre um tema que lhe é com certeza também estranho, na procura de auxílio, para poder resolver a situação que a aflige, e pelos vistos muito -, longe vai o tempo das mulheres se confessarem ao padre-, que a gosto das partes se resolveram muitos casos para os quais os médicos não tinham botica … sinceramente é o que eu acho, ela não quer "perder o barco e salvar em tempo o casamento... antes que o marido derreta as poupanças de toda a vida com brasileiras e outras, no pior se infecta com sida, nem imagina as mulheres da nossa idade internadas com a doença transmitida pelos maridos, pior nem conseguem falar do assunto, porque se culpam mutuamente -, os homens na desculpa que só procuram fora de casa o que não tem, na recusa constante em experimentar coisas novas, não usuais ...com isso as mulheres tem de aguentar com o que daí advier... o que me parece é ainda haver muita mulher que não fala deste assunto , não quer ver o que precisa ser visto -, sofrem sozinhas amarguradas, numa altura da vida em que não mereciam passar por esta doença -, muitas delas tiveram culpa na teima perentória da falta de diálogo, em não querer evoluir  nas técnicas do amor saudável, sem tabus, nem limites com os companheiros..."
- Em relâmpago aquele olhar  desmaiado, surdo de palidez -, coroado a dentes amarelos, cariados em descarno gengival, explode em violência nas palavras que até saltou saliva… 
" não me diga que aceita fazer essa nojice ?"
- Digo que o assunto não me choca, minha senhora -, porque entre um homem e uma mulher  que se amam não deve haver limites no sexo, muito menos clichés ou estereótipos, nunca ouviu dizer que uma mulher na rua deve comportar-se como uma senhora, em casa como dona de casa, e na cama como uma p.ta...
Ora aqui o nosso encontro casual na espera do autocarro, outro interesse não teve senão matar tempo -, nem eu, tão pouco a senhora, vamos ou queremos falar das nossas intimidades…
Só que ao abordar este tema iniciado por si, mas que pelos vistos não lhe agradou, apenas me limitei a dar a minha opinião, porque em democracia somos todos livres de a ter, ou não aprendeu isso no  seu partido ? Não disse que era alentejana? Não me vai dizer que ainda pensa como no 24 de abril ,ou prefere o confessionário?
Mas já que falou nisso devo dizer-lhe que tenho lido sobre o assunto, e o que parece é que muita mulher, jamais sentiu um orgasmo numa relação normal,  já o mesmo não se pode dizer na relação anal…
- Desata em fuga apressada sem mais resposta a loira oxigenada, velha ressequida por fora e por dentro, por demais enrugada, de olhos azuis, cor do burro quando foge...
Rasto desarvorado senti  balbucio em espuma ... sussurro, estendível , raiva... 

Prefaciando Saint-Exupéry...ainda que os teus passos pareçam inúteis, vão abrindo caminhos, como a água que desce da montanha. Outros te seguirão...
Sem dúvida, mas aceitar e respeitar quem não nos seguir!


A minha viagem ao Alentejo...Querida amiga Isabel!


...Saí do Porto numa viagem relâmpago direcção Sul, uma viagem à "vol d'oiseau" como dizem os franceses. Uma ida tipo voo de pássaro, mas num automóvel conduzido por um familiar, ás do volante. Gosto de ir ao Sul, gosto daquela gente que sabe dizer bom dia aos desconhecidos e que sabe votar. Gosto daquelas casas pintadas de branco e que não se deixam misturar na paisagem granítica quando não há sol. Convido-os a ir ao Sul, sempre que puderem e de não querer ouvir que o que há de melhor são as placas da estrada que indicam o caminho para o Porto. O Porto é boa gente carago! Mas gente mal habituada e mal aconselhada desde o tempo dos castros. 
Vão ao Alentejo e passem por Almeirim comer a sopa de pedra no "Toucinho". O condutor terá que se abster de repetir...
SAUDADES...
Encantada com o  e-mail do meu grande amigo Manel do Porto que me deixa sempre enternecida, de tal modo deambulei na viagem, cá dentro e aos afetos, que o transcrevo pelo orgulho e carinho, que nutro por este homem com mais de 70 anos, mas tão jovem e meu amigo de tanto saber e doçura.
 "Estive no Alentejo num périplo de 1100 KM, quando entrei na A2 olhei para poente -, vi ao longe a Serra da Arrábida,e logo me imaginei num grande abraço com os meus amigos Isabel e Luís...
Não era eu o condutor, sim o meu cunhado (companheiro da minha irmã) que é viticultor , tem uma empresa de engarrafamento de vinhos, com equipas a trabalhar no Alentejo, e me dirigiu convite para ir com ele fazer a ronda .
A nossa primeira etapa foi Almeirim para comer uma deliciosa sopa da pedra, depois seguimos para Reguengos de Monsaraz onde está um grupo na Herdade do Esporão que pertence como deves saber a José Roquete que foi presidente do Sporting. 

Seguimos por Évora, e descemos para Reguengos, enquanto ele tratava dos assuntos com os seus colaboradores, tive ocasião de visitar a herdade e assistir às operações de engarrafamento e etiquetagem. A herdade tem aproximadamente 600 hectares, na altura estavam a engarrafar dois vinhos: Alhambra e Monte Velho. Admirei as infraestruturas modernas inclusive o aproveitamento dos telhados com painéis solares. A herdade é banhada por algumas enseadas do Alqueva. 
Subimos a Estremoz, passando pelo Redondo e pela linda Serra da Ossa que me fez lembrar a Suíça, pela sua vegetação (deve haver muita gente que vendo uma foto não imagina que é o Alentejo) em Estremoz fomos a um outro cliente... tentei encontrar uma das beldades da telenovela Belmonte sobretudo a Grabiela Schmitt mas estava em Lisboa (aldrabice)...
No dia seguinte seguimos para a Covilhã via Portalegre para estar com um cliente e uma outra equipa. Já conhecia a Covilhã mas no Verão, agora passei muito frio. Valeu-nos à noite um jantar no Mário do Fundão (conhecido restaurante da zona) à lareira comendo
tordos, lampreia à Bordalesa e cabrito, tudo regado com um vinho excelente que o cliente que nos convidou ofereceu. 

Como tínhamos abusado(imagina lampreia à noite) para fazer a digestão decidimos por-nos à estrada via Guarda, Viseu e Aveiro, chegamos ao Porto tarde, mas felizes por uma viagem sem sobressaltos.
 
É por vezes triste passar tão perto dos amigos e não poder dar um salto mas eu não estava self-pendente, tratava-se de uma viagem de trabalho. No próximo mês vou ter que ir a Lisboa ,e aí tenho esperança de poder estar convosco.
 
Como estão vocês, bem espero. E a filhota e marido? Tens feito feiras? Estás no Facebook? Se o utilizarmos com parcimónia é bom mas devemos servir-nos de isso sem resvalar para o anuncio do privado como fazem muitas pessoas.
  • É bom para reencontrar amigos perdidos.
Eu agora estou no face por causa de um amigo que está em Manchester e um outro que esteve em Genebra comigo muitos anos e agora está em Azeitão e já não nos vemos há 20 anos. Ele veio primeiro, depois perdemos contacto,o Facebook conseguiu de novo o reencontro. Vou estar com ele também quando for ao Sul. Recebi também convite de Manchester, mas será para depois da Suíça onde tenciono ir logo que a neve acabe. 

Vocês gostam muito do Porto -, mentalizem-se para vir até cá ficando em nossa casa. 

  • Eu para calcorrear o Porto tem que ser convosco. 
Aqui nasci mas sinto sempre uma felicidade quando rumo a outras paragens sobretudo para Sul, não há sempre sol mas as casas são brancas, aqui quando não há sol as casas e o granito confundem-se com a paisagem e depois o Porto significa para mim fim de percurso e a idade avançando, é angustiante!  
Termino por hoje

Um grande abraço para o Luís.
Beijinhos para os dois da Celeste.
Para ti já sabes aquele grande abraço fraterno
Manel

  • Nem de propósito há dias recebi de outro bom amigo da mesma geração RS, apesar de mais novo, site de belas fotos alentejanas...O Alentejo é lindo!Deliciem-se

https://docs.google.com/file/d/0B3oXX3yOzpT0SGQyejJtNExHdjA/edit?usp=drive_web

Obrigado pela tua apreciação e podes publicar-me porque estamos a deitar cá para fora o que pensamos e deve ser para isso que o face deve servir. Trocar ideias é salutar, democrático e enriquecedor para todos.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Francisco Rodrigues Valente, o meu tio paterno Chico de Ansião

O tio Francisco conhecido por Chico na família e amigos herdou o nome do avô paterno que vivia no Bairro de Santo António. Como o meu avô "Zé do Bairro" casou em 2ªs núpcias, ficamos sem as fotos que haviam em casa, fiquei com esta tipo passe dum cartão do tio.

No dia do meu batizado em agosto de 1957-, na direita o Sr. Zé André do Ribeiro da Vide seguido dele a minha avó Piedade, o meu avô "Zé do Bairro", o padre Freire de Lisboinha, primo da minha mãe, a criada do Alvorge com 14 anos comigo ao colo, a minha mãe e a prima do meu pai a Tina-, o fotografo, o meu pai com o kodak emprestado do retratista Jaime Paz.Curioso onde estão não era nosso, era um lote do Ti Abílio Ferreiro, que anos mais tarde os meus pais compraram a peso de oiro. Em frente da casa a frondosa figueira que dava figos "bosta de boi"...enchavidos, sem sabor que só os porcos comiam!
Mais novo, o único irmão do meu pai -, bom rapaz " pobre diabo, não fazia mal a uma mosca" puxou parecenças aos genes mouros por parte dos avós do Bairro de Santo António de Ansião pela estatura baixa, em contraste com o meu pai muito alto, com genes fenícios por parte da mãe. Destituído (?) para os estudos, não passou do 2º ano no Externato de Ansião...
Padeiro, a sua profissão, no comércio da sua mãe Piedade.
Avó Piedade Cruz a foto era do seu cartão de Sanidade.
Esta foto é muito interessante pelo olhar que nem eu nem a minha irmã herdamos, mas sobrinhas dela como a prima Amélia me faz recordar a minha avó.
A casa onde nasceram o meu pai e o irmão, seguida da casa onde funcionava a padaria.
Na frente o barracão onde se guardava a lenha para os fornos, pocilga e currais-, onde hoje é a minha casa.
Ao tempo andou de carroça e bicicleta a vender pão, muitas vezes com o seu amigo, apesar de muito mais novo, o Toino, o filho mais velho da "Albertina do Pau Preto" tantas vezes foram os dois ao Avelar fazer a venda. O tio cobiçava o seu serviço, e o jeito calmo para atender a freguesia, dizendo-lhe que um dia ainda seria seu padeiro... 
Lembro-me bem do tio Chico, no gosto de usar botas pretas de cabedal feitas à medida no sapateiro do Sr Gaspar. Como bens, tinha uma grande telefonia Blaukpunt e a pasteleira, a sua fiel amiga bicicleta. Fora isso, não tinha mais nada...
 

Ao tempo a casa dos pais era farta, em que só se valorizava o trabalho, labuta nas terras, na padaria, e o avô na arte de pedreiro, com isso havia dinheiro -, mas faltava amor...
A minha avó Piedade foi obrigada a casar com um homem de quem não gostava, nada tinha a ver com ela -, homem de trabalho, grosseiro, e ela mulher de trato fino, prendada de mãos, delicada, na noite de núpcias fugiu para casa dos pais...Difícil acredito teria sido suportar uma vida em desamor... Aprender a abafar os desgostos no vinho, tendo a adega no enfiamento da casa, fácil foi enfrascar-se para esquecer a má sorte ditada pelos pais a quem teve de obedecer...fácil foram os filhos aprender tal vício... Raro o dia que o tio também não se enfrascasse em demasia…Do tio sempre falaram bem as filhas mais velhas da Maria José "a Ilhoa do Casal das Peras, não havia dia que após a venda, no fundilho dos panos do cabaz do alforge assente na bicicleta não levasse pão para elas, nunca se esquecia, se não calhasse do dia, arranjava de véspera, a troco de um copito e dois dedos de conversa".Aquele tio sabia onde havia gente boa, de bom coração, com necessidades-, boas moçoilas de arregalar as vistas, ainda lhes dava uns tostões, gesto que hoje dizem de boca cheia de quem lhe fez bem…Tímida fala dele, envergonhada, a prima "Júlia do Bairro, por se mostrar um atrevidote na escola, às escondidas surpreendia-a para lhe apalpar as mamas"...rapariga de peito generoso, altivo, uma obra de arte, apurado gosto o tio Chico tinha, apesar de pecar, sua prima em primeiro grau.O irmão da prima Júlia -, o Chico quando se casou, disse-lhe "primo, a vida de casado é boa, casa-te também, mas não escolhes uma mulher da vila…"O tio Chico sofreu um acidente trágico… Contou-se o que alguns se lembraram de inventar: bêbado, se desequilibrou e caiu da escada; outros, que foi empurrado pelo meu avô " Zé do Bairro"...De facto não existia corrimão na escada, que fpo mal estruturada a caminho do sobrado, muito perigosa. Aconteceu o pior, partiu a espinha em quatro sítios, tendo sido hospitalizado de urgência em Lisboa. 
Um domingo de manhã, os meus pais vieram no táxi do Germano visitá-lo, eu e a minha irmã ficámos sozinhas, porque a criada do Alvorge, a Lurdes, tinha ido de folga a casa. No momento vivia-se a febre das coleções, nomeadamente de selos.
Éramos de fértil imaginação, aproveitando a ocasião de estarmos sós, tomámos a decisão de arrombar a mala de cartão atulhada de cartas a abarrotar, poemas e telegramas, do namoro dos nossos pais. Meu Deus, o que nós fizemos com a loucura dos selos. Jamais esqueci as lindas frases românticas carregadas de paixão, dos belos sonetos, dos telegramas de amor...Estranho nunca presenciei em casa o que acabara de ler...O meu pai, homem de doença frágil e ciúme doentio, chegou a obrigar a minha mãe a mudar de saia que a modista "Celeste do Marnifas" tão bem as sabia fazer, quando ela se lembrava de a vestir, travada, com pequena racha a evidenciar a silhueta roliça e as bonitas pernas...Lamentavelmente destruímos tudo o que havia naquela mala de cartão.Da valente tareia não nos safámos a fazer jus ao nome de família -, VALENTE.Passado pouco tempo, o meu tio Chico veio para casa, entrevado -, na altura assim se dizia, hoje, diz-se paraplégico. Os meus avós compraram uma cama nova de casal em madeira para maior conforto, fizeram o seu quarto na sala do sobrado, por ser mais espaçosa e receber visitas.Um dia fui visitá-lo com a minha irmã, enfeitavam a alta cómoda bustos do Eça de Queiroz e Almeida Garrett. 
Difícil é esquecer os seus olhos raiados de lágrimas a pedir à sua mãe -, a nossa avó Piedade, que fosse buscar o seu cordão de ouro ( dos dois que havia na casa, sendo um para cada filho) -, ato imediato, em jeito apressado em satisfazer o pedido do filho o vi entregar-lho em mãos...não menos apressado ele o pôs nas minhas, com a voz trémula balbuciou " é a única coisa que o tio tem para vos deixar"...Este gesto de bondade e carinho, marcou-me para toda a vida. Afinal ele tinha coração, gostava de nós, as suas pequenas sobrinhas, teria 7 aninhos...Porventura, um dos poucos de bom coração naquela família. Infelizmente, não resistiu e morreu solteiro por volta dos seus tenros e viçosos vinte e oito anos.O cordão foi dividido em dois fios, na ourivesaria do Sr Anastácio -, um fio para mim e outro para a minha irmã.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Escola do Pereiro por terras de Ansião está à venda

Pereiro-, Lugar da freguesia de Pousaflores no concelho de Ansião.
A Escola Primária  que a minha mãe frequentou na 1ª classe em 1940.
O edifício encontra-se actualmente  à venda . 
Romances perdidos do seu tempo de criança...Naqueles tempos foi para a escola a pé da Moita Redonda a subir ou descer por atalhos, até à escola no Pereiro, tinha por companhia  rancho de cachopos da sua geração.
Azar não bastasse no primeiro dia ao Pensal, ao entrar no atalho para o Pereiro, ao passar o ribeiro perdeu os óculos que tinha comprado com o pai em Coimbra...
Havia  vezes  que atalhava ao  Portelinho e Vale Cego
Outra casa de fausto por onde passava que está em ruínas.
Isto só durou quatro meses, porque depois foi para a escola de Vale Senhor em Maçãs de D.Maria  onde a irmã Zaira era Regente escolar.
No primeiro dia de aulas  a minha mãe -, russita, assim a chamavam por ter cabelos fortes cor d'oiro, maneira de formas mas baixita, amuada, por ter perdido os óculos na levada do ribeiro -, eis que se deslumbra com o lápis de carvão da colega de carteira -, a Maria
Pelos vistos atrevida, não perdeu tempo em lhe o pedir -, tal frenesim no desenho incutiu a ver a mina a reluzir no papel até que o bico se entalou e partiu no rasgo da madeira da carteira ...A pobre Maria desatou a chorar, queria que ela lhe o voltasse a pôr como era...
Coitada da Profª,  ao tempo armada de canivete em mãos, à falta de afiadeira , fez o que pode, mas a Maria, de olho vivo, esperta, grita alto...o bico não está igual! 
O primeiro arrufo que a Professora enfrentou, e teve de resolver, difícil foi calar a  boa da Maria no continuado carpido, choro " o bico não é o mesmo" , mas que remédio teve, senão se resignar...
A Maria -, era filha da Ti Lucinda do Pereiro de Baixo -, mulher genuína ,de olhar sereno e amiga de dar . Sofreu cedo com a morte repentina desta  filha aos 13 anos, e do marido, Ti João Marques  ao tempo acometidos de febres, sem nunca se saber o porquê de tão malvado mal -, julga-se ter sido água inquinada. 
A Ti Lucinda teve outra filha Emília , que veio a ser minha tia por afinidade de casamento, de quem sempre gostei muito, tal qual do marido o tio Zé Serra Veríssimo, e dos filhos João e Rui, netinhos e noras, tudo gente muito boa.  

Lembro-me bem da Ti Lucinda, mulher de estatura baixa, vestida de preto, as vezes que fui à sua casa ao Pereiro de Baixo, onde me obsequiava com o que tinha, também me recordo de a ver pela Moita Redonda a falar com familiares, os Medeiros e outros.
O peso da idade e dos infortúnios da vida fizeram da Ti Lucinda uma mulher  "morta por dentro"  e já com idade, num ato desesperado, apesar de premeditado, suicidou-se...isso deixou-me imensamente triste!
A minha mãe identificou a retrete ao fundo como sendo da época . No canto do muro, hoje com grade que na altura não existia, degustava o parco farnel aviado de casa.
Junto da escola o que resta da casa em ruínas onde brincavam com outra amiga que ali vivia.Das janelas  da escola avistavam a casa da (Maria?) onde tinham um cemitério de bonecas, em caixas de fósforos... 
Emocionante foi ouvir a minha mãe, a recordar o local, junto da porta que se vê entreaberta na foto.
  


Os meus avós maternos tinham aqui no Pereiro de Cima uma grande propriedade de muros com extrema com a casa onde vivem outros tios -,João Veríssimo e a Zézita de quem também nutro muita simpatia tal como do filho, o João Luís que o meu marido é padrinho de batismo.
Final de maio deste ano em passeio a quatro com os tios do Pereiro de Baixo: Emília e Serra, emigrados em Élancourt em França e o  Zé Manel Ribeiro, meu cunhado, apesar de há anos divorciado, mas sempre mantivemos amizade sádia ,com encontros anuais a quatro ou a cinco,com  o meu marido quando tinha disponibilidade. Infelizmente passados quatro meses  depois destas fotos, veio a falecer, sem explicação plausível, a ex esposa, não nos deixou despedir dele, por ordem emitida no Lar...

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Batalha La Lys celebra 96 anos






Batalha de La Lys travada entre 9 e 29 de abril de 1918 no vale da ribeira da La Lys na região da Flandres na Bélgica, este ano vai fazer 96 anos. Desconheço os soldados do concelho de Ansião que participaram,  há poucos anos foi desterrada uma escultura na frente do Complexo Monumental de Santiago da Guarda em mármore de um Professor e seus alunos -  blocos austeros cujas inscrições com os líquenes e a agrura do tempo não permitem a sua leitura...Em pequena ouvia falar do "Calais" o povo pronunciava "Calaias" aportuguesado. Sempre julguei que tinha ficado perturbado depois de participar na  1ª Grande Guerra no norte de França. O Manuel Teixeira tinha algum problema cognitivo que impediu  aprovação para seguir para a frente e sentindo-se  transtornado por não ter sido escolhido encetou caminhada solitária, em que a fome, frio e cansaço, sem contudo perder o sentido de orientação chega a Calais , sem se saber se aconteceu antes ou depois de abril a data da maldita  linha de combate em trincheiras quase inexistentes onde pelo menos 400 homens padeceram para sempre em terras de França. sendo feito prisioneiro e devolvido até à fronteira de Portugal, com o recado " se tentasse voltar a França , ser-lhe -ia cortado o pescoço"... Chegado à sua terra, não se conseguiu reintegrar  ao ambiente da vida de casa, tão pouco conviver com os familiares fruto dos medos que sentia, para nunca mais quis morar nas Louriceiras, e dado o seu cariz solitário decide procurar refúgio ermita longe de tudo e de todos no costado do cerrado da  Mata da Mulher, aos Poios,  a olhar o Nabão no adeus a Ansião a beijar o Marquinho,  onde segundo reza a lenda viveram  moiras nas grutas da costa deste serrado da Mata da Mulher onde as grutas se localizam na arriba abrupta,. A Ti Eufrofina do Carvalhal que conheci, carinhosamente tratada por “Porfina” pelos cachopos ali pastoreava o gado nesta sua propriedade dizia que via o "Calais" na borda da ribeira, espiador do sol... E outro o viam a subir por uns altos paus ao jus de escada com um cântaro de água da ribeira às costas para dentro da gruta, onde se acoitava e fazia fogueira  Hoje a altura do penhasco dá a errada sensação de ser mais alta porque desterroaram bastante o morro no sopé da escarpa. Aos buracos da escarpa alta ainda hoje se chama o "Buraco do Calaias " a sua alcunha deturpada pelo linguarejar que muita gente assim o pronuncia, até eu até perceber a razão desta alcunha com que se afirmou de soldado que não foi, e a fobia , o medo de uma nova guerra, virou mendigo . Lembro-me vagamente dele em Ansião com ar de mendigo, desmazelado...como o Graxa e o Pelaralho...
Porque razão se assumiu com a alcunha de Calais, quando na verdade se chamava Manuel Teixeira? A alcunha foi ganha  na terra onde chegou - Calais,  sem ter ido à guerra, a viu de longe para se sentir  herói! Segundo a Elisabete assim passou a assinar o seu nome - Manuel Calais e  falava umas palavras de francês...

Poios ao Nabão e o buraco do Calais

                                                          
Testemunhos do Sr Padre Manuel Ventura Pinho em 2018
"Conheci um homem na minha aldeia que esteve nessa batalha. Mas veio e fez uma vida quase normal .Ouviu-o algumas vezes contar coisas macabras que aconteceram nessas horas. Mas dizia: "o que me valeu foi a minha fé, se não dava em doido!"
" Já conversei várias vezes com pessoas que conheceram esse Calaias e diziam-me que era uma dó como ele vivia, com medo de tudo e de todos.
O atual sacristão, Sr. João Dias, que era dos Nogueiros, diz que o viu algumas vezes a vir das Louriceiras onde ia buscar mantimentos que lhe eram dados pelos pais e, depois dos pais morrerem, pelos familiares. E diz que ele queria mesmo pagar a renda aos donos da propriedade onde estavam as grutas que ele usava. Os proprietários eram os pais da Professora Olívia e irmão Armando da Piedade Mendes. Ele pensa também que ele foi apurado para a guerra contra os alemães e teria estado na França e eventualmente na batalha de La Lys, perto de Calais, mas pode estar enganado. O que sei é que muitos morreram nessa batalha e muitos outros vieram em muito más condições psíquicas, até porque o governo da altura se desleixou no apoio aos sobreviventes. Mas a D Maria Elisabete pode ter razão, pois os pais devem-no ter conhecido bem.
Testemunho da Maria Elisabete em 2018
"Conheci o Calaias, aparentado materno.Visitava a casa dos meus pais tratava a minha mãe por senhora prima que lhe deu um cântaro feito de barro,tinha partido o dele ao subir pelos grossos paus de pinho que lhe serviam de escada para a sua "gruta". Portador de doença psicológica,não foi apurado para servir o rei,viu partir os amigos para a guerra de França,desapontado com isso decidiu ir também , e foi a pé até ser interceptado em Calais, e devolvido até à fronteira,sendo-lhe dito que se tentasse voltar a França ,ser-lhe -ia cortado o pescoço,e assim voltou a pé para as Louriceiras de Santo António onde fora nado e criado,chorava ao contar esta sua pena por não ter servido o seu REI... 
Testemunho de Isidro Freire Leal em 2018
" Ouvi algumas vezes os seus guinchos lançados das fragas do Marquinho. Não era nada agradável ouvi-lo!"
Testemunho do Artur Mendes"A sua mãe que era do Caniço o viu muita vez com um molho de lenha ás costas para levar para a gruta"
Testemunho do Dr João Bicho 20
"sempre ouvi falar no Calaias, que muito puto cheguei a ver à saída da missa de Santiago da Guarda, tipo pedinte, mal vestido, e a apanhar papéis e tudo o que via no chão..."
Foto da cidade devastada pelos combates
 
As tropas portuguesas, em apenas quatro horas de batalha, perderam cerca de 7500 homens, a 2ª Divisão foi completamente desbaratada, sacrificando-se nela muitas vidas, entre os mortos, feridos, desaparecidos e capturados como prisioneiros de guerra -, ou seja, mais de um terço dos efectivos, entre os quais 327 oficiais.
Esta batalha viria a marcar negativamente a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial porque os exércitos alemães provocaram uma estrondosa derrota às tropas portuguesas, constituindo a maior catástrofe militar  em Portugal depois da batalha de Alcácer-Quibir em 1558.

A moral do exército português era tão baixo que houve insubordinações,  deserção e suicídios. A frente de combate distribuía-se numa extensa linha de 55 quilómetros, comandada pelo general Gomes da Costa.
A ofensiva alemã ficou designada por "Georgette" visava a tomada de Calais. 
No meio do caos no campo de batalha -, distinguiram-se vários homens, anónimos, na sua maior parte. 
Porém, um nome ficou para a História, deturpado, mas sempre eterno: O soldado Milhões.De seu verdadeiro nome Aníbal Milhais, natural de Valongo, em Murça, viu-se sozinho na sua trincheira, apenas munido da sua "menina" -, uma metralhadora Lewis, conhecida entre os combatentes lusos como a Luísa. Munido da coragem que só no campo de batalha é possível, enfrentou sozinho as colunas alemãs que se atravessaram no seu caminho, o que em último caso permitiu a retirada de vários soldados portugueses e britânicos para as posições defensivas da retaguarda. 
Vagueando pelas trincheiras e campos, ora de ninguém, ora ocupados pelos alemães, o soldado Milhões continuou ainda a fazer fogo esporádico, para o qual se valeu de cunhetes de balas, que foi encontrando pelo caminho. Quatro dias depois do início da batalha, encontrou um major escocês, salvando-o de morrer afogado num pântano. 
Foi este médico, para sempre agradecido, que deu conta ao exército aliado dos feitos do soldado transmontano.Regressado a um acampamento português, um comandante saudou-o -, dizendo o que ficaria para a História de Portugal como  "Tu és Milhais, mas vales Milhões!".
Foi o único soldado raso português da Primeira Grande Guerra a ser condecorado com o Colar da Ordem da Torre e Espada, a mais alta condecoração existente no país.
A sorte deste soldado Milhões foi ter salvo um médico, sendo instruído, e agradecido o mencionou a quem de direito para o agracia e assim ficar narrado nos anais da História.

Calais, de Louriceiras, Santiago da Guarda, Ansião, 
Homem que se apresentou voluntário, sem ter sido apurado para soldado,desgostoso avançou a pé tendo acabado sobrevivente nesta grande odisseia, por isso  o considero também herói pela vontade em participar, debalde a pouca sorte, tenha sido acometido de um surto de loucura em querer  rivalizar o soldado Milhões, e ser deportado e posto na fronteira... Segundo o testemunho da minha boa amiga Elisabete do Pinheiro, ele voltou a França. Interessante se questionar a vontade em voltar ao palco da guerra, ao que parece se apoderou dele o medo de outra guerra igual à que viveu também acontecer por cá...Nunca ouvi que o Calais ermita, tenha feito mal a ninguém.Morreu com idade avançada, tão pouco sei onde foi sepultado. A paisagem que ele via da gruta.
Poios ponte sobre o rio Nabão


O meu estar fatigado pelo puxar da bicicleta que se mostrou perra...outrora aqui feliz no batismo de mota com a minha irmã, neste dia com o meu marido.

Cemitério de Richebourg  no norte de França onde repousam muitos dos portugueses tombados nesta guerra.
No concelho de Ansião, em Chão de Couce, houveram vários soldados que passaram a adoptar a alcunha de Calais, para no linguarejar os chamar de Calaias, o que vem credenciar, algo aconteceu de bom em Calais aos soldados que ali se reencontraram, no meu opinar.


Fontes
 http://geopedrados.blogspot.pt/2013/04/a-batalha-de-la-lys-comecou-ha-95-anos.html
 Graças ao testemunho simpático e disponível da minha querida amiga Maria Elisabete do Pinheiro , do padre Manuel Ventura Pinho, Isidro Freire Leal e Artur Mendes e Dr João Bicho