quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Isabel não és tu que andas sempre com Ansião na boca?

A minha amiga Maria dos Anjos encontrou um Jornal bimensal de Antiguidades e Velharias  e 2º Mão que me ofereceu  com a lábia a servir  de título à crónica.

O palco do cemitério actual de Ansião foi sito no primitivo burgo de Ansião, a poente.
Depois de 1593 este burgo foi transferido para nascente, onde se encontra ,com os  enterramentos  no adro para o povo e pobres,  dentro da igreja para nobres, padres, licenciados, abastados e frades de caminho.
Com a  instauração da Comarca de Ansião em 1875 foi cumprida a lei que obrigava a locais próprios para enterrar os mortos em cemitérios para nesse ano ter sido reimplantado no mesmo local onde o foi em tempo medieval.
Em 1969 a ampliação  do cemitério
O terreno do cemitério e sua envolvente terreiro da Quinta de S Lourenço, vendido em haste pública a vários, desmembrada  e a nascente  do meu bisavô Elias da Cruz, herança  que veio a ser dividida pela  minha avó Piedade da Cruz e a sua irmã Maria do Carmo - reza na escritura o seu nome -  Ribeiro da Igreja, o ribeiro (Vide) ainda hoje  limite do que resta dessa fazenda  a nascente e a poente o chão do actual cemitério novo que veio a ser comprado para o seu alargamento. Quem conhece o terreno distingue do ribeiro para poente a inclinação com o pico  mais alto onde é hoje o muro do cemitério novo onde foi  o palco da primitiva igreja de Ansião e o seu cemitério medieval.Local avançado pelo Padre José Coutinho como provável, pelos achados, a se credenciar pelo topónimo perdido, atestado na escritura referida da minha avó, e em 1669 a sua ruína a merecer menção na aguarela de Ansião, ao ser distinguida do adro da igreja actual pela comitiva de Cosme de Médicis.
Prefaciando o Padre Coutinho na empreitada do alargamento do cemitério  o caterpillar a remover as terras e as  oliveiras  trouxe ao de cima com as raízes vários testemunhos desse passado ali vivido- moedas, ossadas humanas, pedras esculpidas, lajes sepulcrais, bilhas, cerâmica, imbrices e tegulae e pesos de tear partidos segundo informação do então Presidente da Junta de Freguesia José Capelo que  mandou guardar a base de  uma pequena estátua em calcário e um marco lavrado no mesmo material com 4 letras esculpidas STTL? Este foi abusivamente metido no novo muro do cemitério tendo sido retirada em 1979 e guardada convenientemente (...)Sempre que uma sepultura é aberta  outros achados são encontrados  e moedas da primeira Dinastia e reais e ceitis da Segunda, abarcando 14 reinados e somando 86 moedas. A segunda moeda de Dom Sancho I - Dinheiro Bolhão A/-,REX SANCIVIS, entre dois círculos  granulados. Cinco escudetes triangulares, em Cruz, cantonados por quatro besantes. 
Muitos anos mais tarde num funeral o Padre Coutinho chamou-me para ver na terra de uma sepultura aberta  com as terras na sua volta para distinguir facilmente fragmentos  cerâmicos e em vidro do tempo romano, demonstrando assim que foi chão de um habitat romano e depois medieval.

Numária Medieval do Cemitério antigo de Ansião do Padre José Eduardo Coutinho.
O pequeno livro foi-me oferecido pelo Padre José Coutinho, entretanto perdido, levando-me ao equívoco se não o teria entregue na Biblioteca com outros do mesmo tamanho, do mesmo autor, debalde disseram-me que não, na verdade a casa não tem buracos e o livro desapareceu!

O ANTIQVÁRIO  nº 20 de junho de  1997 
Artigo sobre a   Numária do Cemitério de Ansião pelo Padre José Reis Coutinho

A origem das Quinas de Portugal
Segundo o Padre Coutinho remonta ao reinado de Dom Sancho I, época em que se começou a generalizar o uso de armas de nobreza como símbolo heráldico. Entretanto, a primeira referencia textual ao Escudo Nacional data de 1380, quando o bispo de Lisboa, Dom Martinho, evoca, a Carlos V, de França, a História de Portugal, desde D Afonso Henriques, e onde, igualmente, descreve a origem das armas nacionais, dizendo representarem os cinco escudetes, ou Quinas, os outros tantos ferimentos que o Fundador recebeu durante a batalha de Ourique, em 25 de julho de 1139, as quais ficaram no corpo do Rei dispostas em cruz. Esse facto, bastante discutível(que para uns, foi tido como determinação dos desígnios divinos, para outros, como ocasional coincidência, para uns outros,m acção polémica acesa por ardor crítico(cf Alfredo Pimenta, Fontes Medievais de História de Portugal, Lisboa 1948, 10 e 70-71; e Manuel Gonçalves Cerejeira, Vinte anos de Coimbra, Lisboa MCMXLIII, 113-19) tem certo paralelismo na vida de S Teotónio, primeiro Prior do Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra, onde é salientado ter o Rei combatido contra cinco reis mouros, que venceu com auxilio divino: devicit auxilio sibi facto divino, aspectos mais tarde retomados pelos frades daquele Mosteiro a fim de identificarem os ferimentos do monarca com as Chagas de Jesus Cristo.Simultaneamente, o culto das Cinco Chagas do Senhor, as feridas que Cristo recebeu na Cruz e manifestou aos Apóstolos, depois da Ressurreição, foi sempre, uma devoção muito viva entre os Portugueses, desde os começos da nacionalidade. São disso testemunho a  literatura religiosa e anomástica referente a pessoas instruídas. Os Lusíadas sintetizam (1,7) o simbolismo que, tradicionalmente relaciona as armas do estandarte nacional com as Chagas de Cristo. Assim, os Romanos Pontífices, a partir do Bento XIV, concederam para Portugal uma festa particular, que, ultimamente, veio a ser fixada a 7 de fevereiro.
O Autor da Cartilha da Numismática Portuguesa, 1, 266-67, assim, o fundamental acerca de tal problemática: A Heráldica portuguesa surge por ocasião do casamento da Infanta Dona Teresa, filha de Dom Afonso Henriques, com o conde da Flandres, em 1184; a representação das Quinas aparece em inícios do reinado de Dom Sancho I , a partir de 1185; a analogia às feridas de Dom Afonso Henriques é perfeita nos documentos diplomáticos, esfragísticos, e numismáticos de D Sancho I; as feridas, representadas por golpes desenhados, passaram a pontos aglomerados dentro de uma formação amendoada;evoluíram em alinhamento e fixaram-se em número de cinco, em casa escudete, no final do reinado de D Afonso III, antes de 1279;possivelmente, em atenção à determinação heráldica de ser colocado em número de cinco em sautor peças, de número e posição indeterminada; e tomaram essa disposição já no reinado de Dom Dinis.
Por conseguinte, tratando-se de matéria heráldica, é perfeitamente lógico que a simbologia seja baseada, principalmente nas gentes mais admiráveis dos cavaleiros medievais, com particular incidência para os feitos de armas praticados em combate, onde se situa a origem dos ferimentos recebidos por Dom Afonso Henriques, na Batalha de Ourique(?).
Portanto, as Quinas traduzem a honrosa evocação das feridas causadas e assinaladas em cruz, inerentes à paradigmática batalha ganha aos Muçulmanos, e imortalizariam a ideia de ter sido a espada e o escudo os agentes efectivadores da defesa e vitória da Cruz sobre o Crescente. Isso é peremptoriamente manifestado no dinheiro nº 9 de Dom Sanho I ( cf J.Ferraro Vaz e Xavier Salgado, op Cit.22;e Pedro Batalha Reis, op Cit., I, 268) e nos morabitinos do mesmo monarca, neles representado a cavalo, galopando, à direita, com o ceptro crucial levantada na mão esquerda, e, na direita, a espada erguida, numa atitude guerreira e outra tanto expressiva da Cruz defendida pela Espada.
Um tanto comum aos morabitinos, também os dinheiros permitem encontrar a representação figurativa do Escudo com as Quinas. Os exemplares de Dom Sancho I exprimem a difícil execução bem patente na incipiente monetária medieval.porque perdeu a tradição de elevada perfeição alcançada nas cunhagens clássicas dos moedeiros da Grécia e de Roma -, apenas indicando os escudetes através de cinco pequenos escudos triangulares, dispostos em cruz.
No reinado de Dom Sancho II, verifica-se um duplo processamento:inicialmente o escudo arredondado na parte inferior- cujo formato definitivo desde então se estruturou em evolução  no sentido do arredondamento, vai gradualmente, sendo acentuada até final da Dinastia Avizina -, com cinco escudetes, em cruz, ou menos, pela dificuldade de os colocar num espaço tão limitado, sempre mantendo algum dos eixos da cruz;e, ulteriormente, os cinco ou quatro escudetes , vazios, em formação crucial. 
Assim, começaram os escudetes por aparecer carregados de um só besante; depois, totalmente vazios e em número de quatro, por vezes com um besante entre eles. Com Dom Afonso III, a formação alarga-se até cortar as legendas, e cada escudete recebe mais besantes, desde logo fixados em cinco e dispostos em sautor, disposição essa que, a partir de Dom Dinis, é tornada representação comum regular nos reinados seguintes.
Poe último, a presença dos castelos apenas surge no séc. XV, com as cunhagens monetárias doe Dom Duarte, provavelmente ligada ao alargamento territorial, pelas campanhas ultramarinas do Norte de Africa, das quais Ceuta marcou o primeiro momento e início.
Ápice da impugnação de argumentos inerentes ao feito de Ourique, é a intrépida publicação de Alfredo Pimenta, Ainda a Batalha de Ourique, Lisboa 1945, de aliciante leitura.

Conclusão
A avaliar pela abundância dos referidos materiais achados onde, desde 1875, se situa o cemitério da freguesia, podemos chegar à existência de uma relação de simultaneidade, por ter sido ali uma estação arqueológica romana, posteriormente usada em local cemiterial, e é provável localização do primitivo centro da vida religiosa de Ansião medieval, pois, ao que inicialmente ficou enunciado, junta-se, ainda, a exumação de um tambor de coluna, em calcário amarelecido pelo tempo, e a base de uma ingénua imagem de S Sebastião, no mesmo material, a qual conserva visível o cuidado deposto da escultura, como evidenciam os pés; é datável do séc. XV e, certamente, deixada nos escombros porque está muito danificada (...) que sentido traduz o pedaço de imagem quatrocentista, entretanto surgida entre outros materiais arqueológicos da época e ulteriores?(..) assim à luz dos numismas deixados aquando de sepultamento, os quais abrangem um período de quatro séculos, trata-se de um cemitério medieval, e atendendo ao contexto  situacional em que aparecem os vários achados, necessariamente podemos inferir a proposição lógica consequente das premissas; 
a primitiva ou velha igreja de Ansião estava situada no local presentemente ocupado por parte das propriedades pertencentes a José da Fonseca Lopes, de herdeiros de Maria do Carmo Cruz e de sua irmã Piedade da Cruz, actual cemitério e terrenos limítrofes, a Norte (...)Além do exposto, os factos permitem estabelecer três momentos circunstanciados: inicialmente, a igreja medieval situava-se naquele planalto do lugar de Igreja Velha, e aí foi o primeiro e antigo cemitério, desde o séc XII a 1593; seguidamente, com o séc. XVI, o núcleo medieval estendeu-se para nascente, edificando-se, naquela data a actual igreja matriz , e para ela o adro envolvente passou o moderno cemitério, como testemunham os registos paroquiais, bem como algumas lápides funerárias, das quais apenas subsiste a de André Fernandes  e mulher, Catarina Fernandes, na sua capela lateral, seiscentista;finalmente, desde 1875, o local de enterramento é o cemitério contemporâneo, regressando, portanto, ao antigo local onde estivera do séc. XII ao séc. XVI.


Pese a aguarela de Pier Maria Baldi de 1669 retratar a primeira referencia sobre a vila de Ansião publicada no Livro do Padre José Coutinho em 1986, o facto de ser pequena, a preto e branco,onde apenas se permite distinguir uma torre de igreja, para o autor se ter referido se tratar da actual igreja - porém não o é, em verdade.Graças à réplica da aguarela, ampliada, num carro alegórico dos Netos em 2014, onde vim a identificar a ruína da primitiva igreja. A chave dada pelo óculo de iluminação para nascente, num tempo que a frontaria era obrigatória para poente.Diz-nos ainda que a comitiva não passou pela estrada real ao Vale Mosteiro,onde teria visto a sua ruína de frente, abrindo a investigação por onde deixou Ansião a comitiva . Foram  5 anos para interpretar a aguarela. O seu todo tem vários núcleos. Jamais alguém, além do Padre Coutinho, já mencionado, o tentou e apenas à igreja . Pela simples razão - é extremamente difícil. O artista no todo deixou retratos de sítios diferentes que distinguiu na chegada e na partida. Como cheguei a esta conclusão? Por paixão, por tenacidade afincada, a cruzar textos, a perceber como era Ansião naquele tempo medieval,  na vantagem de o conhecer como ninguém, por ser curiosa e observadora enxergo pormenores que aos demais passam despercebidos, e sim esta característica a me distinguir com apresentação de resultados.
Facto importante para credenciar finalmente o palco da igreja primitiva entre a junção do cemitério velho com o novo, no sitio onde o planalto é mais alto e por isso distinguida do adro da igreja actual onde a comitiva ouviu missa antes de deixar Ansião, a caminho de Coimbra. O autor teimou deixar  imortalizada a brutal ruína da igreja e seu casario associado ao burgo primitivo, ao jus de  lição - na sua visão devia ter sido recuperado e não mudado...O recado deixado a Ansião - não retratou a actual igreja em prol da ruína da primitiva , é um facto! Na perspectiva de uma amadora!

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