quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Casa de Pereira em Montemor o Velho com ligação a terras em Ansião

Correlação de  nobres com  propriedades em Ansião 
Casa de Pereira 
Bispo Conde de Arganil D Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho
Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra Vol. XXX Autor(es): Paiva, José Pedro (Dir.) http://hdl.handle.net/ :https://doi.org/10.14195/2182-7974_30 
“Cartas do Dezembargador dos agravos da Caza da Suplicação João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho…”
«Contém correspondência recebida de seus familiares, nomeadamente sua mãe Helena de Andrade Sotto Maior Coutinho, seus irmãos João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho e Inácio Rangel de Azeredo Coutinho (cartas redigidas no Rio de Janeiro, em 1778), suas irmãs, as religiosas Ana de São Francisco e Maria da Encarnação, seu primo Francisco Teles Barreto de Meneses, de sua prima Ana Cândida de Castro Lemos e Morais, de seus sobrinhos Manuel Inácio, Inácio José de Morais e Brito e de sua sobrinha Maria da Conceição Lacerda. Contem ainda correspondência de outras pessoas, para as quais não foi possível estabelecer laços familiares, mas que pelos apelidos utilizados poderão ser da família. Refiram-se os nomes desses signatários: Luís Manuel de Meneses Mascarenhas, Bernarda Violante Ramalho da Fonseca e Lemos, Fernando Luís, Vicente Pereira de Melo, Grácia Perpétua de Almeida Beltrão, Marcelino Pinto, José Pacheco de Albuquerque e Melo, Damião Pereira, Bernardo Cabral Arez de Belmonte, José Xavier Teles, António Barbosa de Almeida, Monsenhor Freixo de Miranda (João Pedro Freixo de Miranda), Francisco Manso de Canais, José da Fonseca e Silva e Baltasar da Silva Lisboa. As cartas são provenientes de diversos locais, desde o Rio de Janeiro, a Lisboa, Porto, Coimbra, Aguim, Lorvão, etc., sendo em maior número as missivas de seu irmão João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, redigidas em Lisboa, entre 1775 e 1779. Todas estas missivas dão a conhecer assuntos de natureza particular, como o seja o pedido de Bernardo Cabral Arez de Belmonte para que seu filho seja admitido no Seminário de Coimbra (1785); ou o pedido expresso pelo Bispo do Rio de Janeiro para proteção ao aluno António Teles Barreto de Menezes que iria estudar na Universidade (1778). As expressões utilizadas na forma de endereço das cartas, ou nas demonstrações de afeto, são demonstrativas dos laços de profunda amizade, de parentesco, ou de serviço. Refiram-se alguns exemplos, como: José Xavier Teles dirige-se ao seu “prelado, amigo e senhor de toda a minha veneração e afeto” (1819); António Barbosa de Almeida diz “suspiro para ter a honra e gosto de beijar a mão a V. Ex.ª e de reunir-me ao seu serviço doméstico” (1812); Monsenhor Freixo de Miranda [o doutor João Pedro Freixo de Miranda, prelado da Sé Patriarcal de Lisboa] subscreve-se como “muito particular, reverente, afeto, venerador e obrigadíssimo”, depois de invocar “o favor e amizade com que […] me honra” e de pedir intercedência para o seu sobrinho João Gonçalo de Miranda Pelejão, professor na Faculdade de Matemática. Alguma documentação permite conhecer a vida interna da Universidade e os assuntos a tratar pelo seu reitor. Cite-se o exemplo da carta redigida por D. Carlos Maria de Figueiredo Pimentel (em 31.03.1777), quando fala da eleição para vice-reitor: “sabendo V. Ex.ª das intrigas da Universidade”; ou ainda, uma outra do mesmo signatário (em 21.04.1777): “António Lopes Carneiro descompôs da cadeira os estudantes por faltarem às aulas, porém de hum modo muito imprudente […] eles escandalizaram-se muito”. O fundo documental engloba breves apontamentos manuscritos da sua atividade quotidiana, mais concretamente: rascunhos de duas cartas que terá redigido, um dos quais está lançado, curiosamente, no verso de documento de despesa, não datado, contendo o valor de trabalho de costura “pegar botões em duas murças”, “feitio de vestido de pano roxo”, etc., bem como apontamentos, em forma de agenda de trabalho (Foto 3), distribuído pelos dias da semana: “responder a cartas de correio”, “presidir à Junta da Fazenda”, “presidir ao Conselho de Decanos”, “expediente da Secretaria de Estado”, etc.»


Breve análise da correspondência trocada com os irmãos  João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho e D Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho
«As 49 cartas agora apresentadas foram redigidas entre 1775 e 1779, quando João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho se encontrava em Lisboa, residindo no Palácio do Machadinho, na rua do Acipreste, onde viverá também D. Francisco de Lemos, sempre que se ausentou de Coimbra para Lisboa.13 Apenas cinco cartas foram redigidas na designada Quinta das Praias, local ainda não totalmente identificado, para onde se dirigia, em períodos de descanso, para usufruir do uso terapêutico de banhos. Na missiva redigida em 12 de setembro de 1778, na Quinta das Praias (carta n.º 47), diz que retomara os banhos e fazia imersões da cabeça e de todo o corpo “apesar de hir para o mar na cadeira de que uso”. Esta expressão permite localizar a referida Quinta junto ao mar e dá uma informação sobre a sua forma de locomoção, em cadeira. Nesse período, em que as cartas foram redigidas, ocupava na corte o cargo de Procurador da Coroa e por Decreto da Rainha D. Maria I, de 7 de agosto de 1778, seria nomeado Desembargador do Paço, conservando o mesmo lugar que anteriormente exercera. Nasceu no Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1722, tendo sido batizado em casa de seus pais, o engenho de Marapicu, de que era proprietário seu pai, o capitão-mor Manuel Pereira Ramos de Lemos e Faria. Veio estudar para a Universidade de Coimbra, em 1 de outubro de 1739, tendo concluído o doutoramento na Faculdade de Cânones em 19 de julho de 1744 e foi lente substituto da 1.ª Catedrilha, da mesma Faculdade, em 1752 e em 1755, tendo sido colegial do Real Colégio de São Paulo, em Coimbra, enquanto foi professor da Universidade.
(...)Por diversas ocasiões, ao longo de diversas cartas, dá conta a seu irmão D. Francisco de Lemos, destas reuniões em que participava e dos assuntos que estavam a ser tratados. As cartas refletem assuntos diversos, de âmbito privado e público. Assim, estes assuntos podem ser analisados na esfera do foro familiar e privado, como: a compra de propriedades em Pereira (freg. do conc. Montemor-o- -Velho) e Formoselha (freg. Santo Varão, do conc. Montemor-o-Velho), a administração deste património familiar, assim como daquele que fora herdado em Condeixa, como o prazo da Ega, para onde propõe a plantação de amoreiras, para criação de bichos-da-seda, as questões de arrendamentos de propriedades, a notícia sobre a compra do Engenho de Santo António de Jacutinga, no Brasil, por seu irmão Inácio de Andrade Sotto Maior, etc. Quanto a assuntos do foro familiar e privado podem ainda apontar-se, por exemplo: as notícias sobre suas irmãs, religiosas e preladas no Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Marvila, a notícia da vinda de seu primo, José Joaquim da Cunha Coutinho, chegado do Brasil e que se dirigia à Universidade de Coimbra, pedindo o seu acolhimento (cartas de 21.08.1775 e 29.09.1775); a notícia do nascimento de seu filho Manuel e o convite que endereçara aos Marqueses de Pombal, para padrinhos deste filho (carta de 23.09.1775), a “padrinhagem” dos Marqueses de Pombal, como foi referida; cite-se também o “púcaro de água” oferecido pelos festejos deste batizado e a prataria cedida por D. Francisco de Lemos para essa ocasião.
(...)Sendo naturais do Brasil, estes dois irmãos não esquecerem as raízes familiares brasileiras e procuraram ajudar os sobrinhos que vieram estudar para Coimbra e outros familiares e amigos. As cartas testemunham esse protecionismo, podendo referir-se os nomes de Francisco de Macedo Freire de Azeredo Coutinho e Vasco Fernandes Coutinho. O estilo epistolar utilizado oscila, por vezes, entre uma franqueza crua e um distanciamento cerimonioso. Citem-se algumas frases exemplificativas: ”Basta de matraca. Peço ocazioens de vos dar gosto e dezejo-as com o amor e eficácia de quem hé vosso Irmão muito amigo do coração” (carta de 18.04.1776); e também ”já não morrerei sem este sacramento” (ao noticiar a sua nomeação para o Desembrago do Paço, carta de 22.08.1778) ou ainda “Não sey dar as graças que devo a Deus por este próspero passo da minha fortuna” (ao referir-se à mesma nomeação, em 15.08.1778). Nesta mesma carta acima referida revela, curiosamente, como os comportamentos humanos perduram no tempo, sendo tão atual a afirmação: “Tem-se trocado as indiferenças por obzéquios”. Quanto a conselhos fraternais dados por um irmão mais velho (lembremos que o signatário das cartas era mais velho 13 anos) podem ler-se, por exemplo: “Hé necessário não tomar as couzas a peito.” (carta de 17.01.1778); “[…] sempre vos aconselho a moderação, e circunspeção em tudo o que obrares” (carta de 09.01.1779). Por último, registe-se a forma como a saúde e a vida do monarca estavam sempre no centro das suas preocupações, revelando-se os banhos que toma em casa, com a água das Alcaçarias, esperando que fechem a feridas das pernas para os tomar no próprio local de Alcaçarias (no bairro de Alfama, Lisboa), as festas de toiros em Salvaterra, os banhos termais no Estoril, chegando ao pormenor de se dizer: “acha-se tãobem incommodado de hemorroides, e dificuldade de obrar” (carta de 13.03.1776). Desconhece-se a razão de existirem cartas de periodicidade mensal, em 1775 e 1776, enquanto que para 1777 não existe qualquer carta, reduzindo- -se também o seu número em 1778. Apenas existe uma carta em janeiro de 1779, uma vez que a partir deste ano D. Francisco de Lemos vai viver para Lisboa e por isso deixa de se corresponder com o irmão, pois convive diariamente com ele, residindo em sua casa. Atente-se em que todas as cartas se iniciam, invariavelmente, com a saudação “Mano muito do meu coração” e a subscrição é também, geralmente, “Irmão muito amante do coração” ou “Irmão muito amigo do coração e obrigado”. Com esta divulgação permite-se conhecer a dedicação de ambos à causa pública, no desempenho de seus altos cargos, não esquecendo nunca os laços que os uniam e os cuidados com a família e seus conterrâneos.»

Dois irmãos trocavam nas cartas afectos
“Mano muito do meu coração”, “Irmão muito amante do coração” , “Irmão muito amigo do coração e obrigado”.
João Pereira Ramos De Azeredo Coutinho
 Procurador Geral da Coroa


«Nasceu a 03 Agosto 1722 no Rio de Janeiro,  Brasil, filho primogénito de Manuel Pereira Ramos de Lemos Faria e de D. Helena de Andrade Souto-Mayor Coutinho, nasceu  no termo da vila de Iguassú, na província do Rio de Janeiro, em 1722. Partiu para Portugal onde se formou na Universidade de Coimbra, seguiu a carreira da magistratura. Homem de elevado talento e grande saber, foi muito apreciado e estimado pelo grande Marquês de Pombal, que o nomeou ministro da junta de exame do estado e melhoramento temporal das Ordens Religiosas, Guarda-mor da Torre do Tombo, e que juntamente lhe confiou o lugar importantíssimo de Procurador Geral da coroa, lugar que no tempo do grande Marquês duplicou de importância, e que Azeredo Coutinho desempenhou de modo mais brilhante. Era ele o braço direito do Marquês de Pombal, um dos auxiliares das suas grandes reformas, um dos colaboradores daqueles maravilhosos decretos que renovaram a face social e económica de Portugal, e, se alguma vez se viu envolto em tristíssimos negócios, como foi o da conspiração do Duque de Aveiro, muitas vezes felizmente pôde associar o seu nome a medidas verdadeiramente grandiosas, como quando foi nomeado membro da junta da providência literária criada para tratar da reforma da Universidade de Coimbra, de que foi membro também seu irmão, o célebre O 52º Bispo de Coimbra D. Francisco de Lemos. Quando caiu o Marquês de Pombal, João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho não voltou as costas ao sol poente, pelo contrário, ousou ir visitá-lo no seu retiro, e como não tinham ousado demiti-lo do elevado cargo a que ele dera tanto lustre, quando D. Maria I, prosseguindo num sistema de feroz e vingativa reacção contra o governo do marquês de Pombal, quis meter em processo o grande ministro, João Pereira Ramos protestou energicamente contra semelhante pensamento, e ousou dizer face a face à rainha D. Maria I que semelhante acto seria um desonra para o seu reinado. O processo não foi por diante mas o intrépido Procurador-geral foi dispensado pelos ministros do exercício das comissões de que estava incumbido, e caiu como seu irmão no desagrado da corte. Até ao fim soubera cumprir austeramente o seu dever, e impedir muitos actos de vingança e de reacção absurda, que, querendo ferir o Marquês de Pombal, iam muitas vezes ferir mais alto; foi assim que ele se opôs à revisão do processo dos Távoras, ou antes, à publicação e execução da sentença revisora, que, pretendendo condenar o Marquês de Pombal, condenava verdadeiramente D. José. Por isso, quando passou mais o movimento de reacção, a rainha apressou-se, por decreto de 3 de Fevereiro de 1789, a chamá-lo de novo ao exercício activo do seu cargo, dando-lhe de novo entrada no conselho de ministros. Era tarde; nesse mesmo ano de 1789 faleceu João Pereira Ramos com 67 anos. »


Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho
Nasceu a 5 de abril de 1735 na casa de Marapicu, freguesia de Santo António de Jacotinga, termo da cidade do Rio de Janeiro.Freire Conventual da Ordem de S. Bento de Avis.
Reitor da Universidade de Coimbra
52º Bispo de Coimbra 
17º Conde de Arganil e Senhor de Coja
 Faleceu em Coimbra a 16 de abril de 1822
«Filho de Manuel Pereira Ramos e de Helena de Andrade Sotomaior, descende das famílias mais influentes da colónia brasileira como os Coutinho, os Melo, Azeredo (ou Azevedo), Sotomaior e também os Faria (Alves, 2016c, p. 8-58). Aos 11 anos de idade parte para Coimbra para começar o seu percurso universitário em Cânones (iniciado em 1748 e terminado em 1754 aos 19 anos, com a obtenção do grau de Doutor). Durante a sua estadia em Coimbra, Francisco de Lemos fica sob a tutela do seu irmão mais velho, João Pereira Ramos; também ele tinha ingressado na mesma Universidade alguns anos antes. E é através do seu irmão que Francisco de Lemos entra em contacto com importantes figuras da época. Entre elas destaca-se Sebastião José de Carvalho e Melo, então Ministro de D. José. É provavelmente no início da década de 60 que Francisco de Lemos conhece Pombal, tornando-se, pouco depois, um homem da sua confiança, devido ao peso do seu irmão junto do ministro. Prova disso são as primeiras nomeações que Carvalho e Melo lhe concede. Nos primeiros oito anos da década foi apontado como: Reitor do Colégio das Ordens Militares da Universidade; Juiz Geral das Ordens Militares; Deputado do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa; Deputado Ordinário da Real Mesa Censória; Desembargador da Casa da Suplicação; Vigário Capitular do Bispado de Coimbra e Governador da Diocese. Isto de 1761 até 1768. Com a década seguinte, D. Francisco de Lemos continua a ser distinguido e é em 1770 que é nomeado para Reitor da Universidade de Coimbra; dois anos depois vem juntar a este o cargo de reformador (sendo reconduzido em ambos em 1775). Ainda em 1770, chega a Conselheiro da Junta de Providência Literária, onde tem um papel importante na elaboração do Compêndio Histórico do estado da Universidade de Coimbra (1771).e dos Estatutos da Universidade de Coimbra (1772). E, em 1773, o Ministro liga, definitivamente, D. Francisco de Lemos ao bispado de Coimbra, nomeando-o coadjutor e futuro sucessor do Bispo de Coimbra (D. Miguel da Anunciação), e cede-lhe o título de Bispo de Zenópolis. D. Francisco de Lemos acaba por não sair muito prejudicado do período pombalino e continua a acumular funções: Bispo de Coimbra, Senhor da Coja e Conde de Arganil (1779-1822); Reitor-reformador pela segunda vez (1779-1821); eleito Deputado pela Província do Rio de Janeiro para as Constituintes de 1821. Ao longo da sua vida destacou-se principalmente em cargos de administração central e eclesiástica; foi Reitor durante 31 anos (no conjunto de ambos os reitorados) e Bispo de Coimbra durante 43 anos. Mas destacou-se também pela capacidade que demonstrou em conseguir manter-se como um importante funcionário da coroa durante vários reinados, mesmo em situações mais adversas.»
O retrato revela indivíduo de alta silhueta, sem ser muito constituído de carnes, testa alta, olhar e cabelos escuros lisos, nariz afilado comprido, lábios finos e mãos compridas.
O título de Conde de Arganil foi instituído por Carta de 25 de setembro de 1472 do Rei D Afonso V em favor do antigo 20.º Dom-Prior do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra  e 36.º Bispo de Coimbra D. João Galvão, como recompensa pela sua participação na conquista de Arzila e Tânger. 
D. Francisco de Lemos como também se intitulava foi uma personalidade de destaque a quem muito ficou a dever a Universidade de Coimbra e a própria diocese, sendo certo que a sua actuação não terá agradado a todos com quem conviveu. 
Que perdure a imagem que dele nos transmitiu Serra de Mirabeau“Dos homens notáveis que floresceram em Portugal pelos fins do século décimo oitavo e no primeiro quartel do século actual, raros sobressaiam tanto por assignalados serviços públicos e por vida laboriosa e acidentada como o celebrado antestite conimbricense […]. 
“ Também Teófilo Braga o definiu de forma elogiosa, sobretudo pela sua atuação quando já não tinha qualquer protecionismo: “Homem de caracter íntegro teve a coragem digna de não renegar o Marquez de Pombal na sua desgraça, e elle próprio fez as exéquias pomposas ao decahido ministro, na villa de Pombal em 11 de maio de 1782.
O tenha sido porque lhe comprou muito património dos Duques de Aveiro revertidos para a Coroa e comprados pelos Marquês , depois de desterrado para Pombal os vendeu à Casa de Pereira (?).

Foto antiga do palácio de família em Condeixa, o conhecido palácio Sottomayor
Excertos retirados  do Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra Vol. XXX Autor(es): Paiva, José Pedro (Dir.) http://hdl.handle.net
«Correspondência familiar recebida por D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho que lhe foram dirigidas por seu irmão João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho.  As relações de amizade que uniam estes dois irmãos transparecem ao longo de todas as  cartas, permitindo conhecer a intimidade familiar e a forma como os assuntos públicos e privados são abordados. Redigidas  entre (1775-1779) D. Francisco de Lemos vivia os primeiros anos da implementação da reforma universitária e exercia, simultaneamente, o cargo de governador do bispado de Coimbra, durante a prisão do bispo D. Miguel da Anunciação.
«Sendo naturais do Brasil, estes dois irmãos não esquecerem as raízes familiares brasileiras e procuraram ajudar os sobrinhos que vieram estudar para Coimbra e outros familiares e amigos. As cartas testemunham esse protecionismo, podendo referir-se os nomes de Francisco de Macedo Freire de Azeredo Coutinho e Vasco Fernandes Coutinho, o estilo epistolar utilizado oscila, por vezes, entre uma franqueza crua e um distanciamento cerimonioso. Citem-se algumas frases exemplificativas: ”Basta de matraca. Peço ocazioens de vos dar gosto e dezejo-as com o amor e eficácia de quem hé vosso Irmão muito amigo do coração” (carta de 18.04.1776); e também ”já não morrerei sem este sacramento” (ao noticiar a sua nomeação para o Desembrago do Paço, carta de 22.08.1778) ou ainda “Não sey dar as graças que devo a Deus por este próspero passo da minha fortuna” (ao referir-se à mesma nomeação, em 15.08.1778). Nesta mesma carta acima referida revela, curiosamente, como os comportamentos humanos perduram no tempo, sendo tão atual a afirmação: “Tem-se trocado as indiferenças por obzéquios”. Quanto a conselhos fraternais dados por um irmão mais velho (lembremos que o signatário das cartas era mais velho 13 anos) podem ler-se, por exemplo: “Hé necessário não tomar as couzas a peito.” (carta de 17.01.1778); “[…] sempre vos aconselho a moderação, e circunspeção em tudo o que obrares” (carta de 09.01.1779). Por último, registe-se a forma como a saúde e a vida do monarca estavam sempre no centro das suas preocupações, revelando-se os banhos que toma em casa, com a água das Alcaçarias, esperando que fechem a feridas das pernas para os tomar no próprio local de Alcaçarias (no bairro de Alfama, Lisboa), as festas de toiros em Salvaterra, os banhos termais no Estoril, chegando ao pormenor de se dizer: “acha-se tão bem incommodado de hemorroides, e dificuldade de obrar” (carta de 13.03.1776). Desconhece-se a razão de existirem cartas de periodicidade mensal, em 1775 e 1776, enquanto que para 1777 não existe qualquer carta, reduzindo -se também o seu número em 1778. Apenas existe uma carta em janeiro de 1779, uma vez que a partir deste ano D. Francisco de Lemos vai viver para Lisboa e por isso deixa de se corresponder com o irmão, pois convive diariamente com ele, residindo em sua casa. 
Atente-se em que todas as cartas se iniciam, invariavelmente, com a saudação “Mano muito do meu coração” e a subscrição é também, geralmente, “Irmão muito amante do coração” ou “Irmão muito amigo do coração e obrigado”. Com esta divulgação permite-se conhecer a dedicação de ambos à causa pública, no desempenho de seus altos cargos, não esquecendo nunca os laços que os uniam e os cuidados com a família e seus conterrâneos.»
Breve análise da correspondência dos irmãos
Mais uma correlação da minha autoria a enriquecer o passado histórico com raiz nobre em Ansião na Quinta das Sarzedas, hoje Sarzeda, que localizei o seu palco, a Quinta de Martim Vaqueiro, a Quinta  a norte da Sarzedela e outras não descriminadas em Ansião. Carta nº 6 datada de 14 de outubro de 1775 de João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho a seu irmão D Francisco de Lemos escrita em Lisboa, antes do terramoto. «A Sra. D. Teodora Higina Arnaut de Rivo, avó da mulher de João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho me deu uma carta para por ella mandar eu tomar posse da quinta das Sarzedas, e de todos os foros de trigo, que a caza de Pereira tem, em Ancião, como taobem do azeite que lá tem (...) tomo o acordo de vos mandar essa folha com o meu nome escrito para que nella mandeis escrever hum alvará de procuração necessária para aquella pessoa, que vos parecer capaz de ser mandada logo a Ancião, para ahi tomar posse da dita quinta das Sarzedas, e de todos os foros, olivaes, e mais bens, que ali há pertencentes à caza de Pereira. Deve-se cobrar os foros de trigo vencidos,e os atrazados, que se deverem. Deve-se mandar fazer o azeite; para o que se devem por escritos para se arrendarem a quem por eles mais oferecer, sendo sempre afrontado (?) um homem chamado Manoel Ferreira que mora no dito lugar, o qual disse que daria oitenta alqueires não havendo quem mais dê. Pelo lagar, que ahi há, parece que dão (?) 20. Quem há-de dar notícias disso hé o Manoel Ferreira. O que correu até agora com isso hé hum Vital António, que ahi há no mesmo lugar; o qual hé quem há-de fazer a entrega das chaves da[s] cazas da quinta, que estão quaze perdidas pelo total dezamparo em que isso está. Elle há-de declarar os que pagaõ foros, etc., e deve-se lhe pedir o que deverem, abatendo os anos de que tiverem recibo. Hé necessário que me façais o favor de despedir logo para Ancião a pessoa que encarregares do referido, porque a azeitona veyo mais cedo este anno, e se se não lhe acode, logo, perde-se e esta hé a razão, porque escrevo já e com esta pressa. Creyo esses bens todos poderão render 20 ou 25 moedas conforme os anos
Abordam  o arrendamento e compra de propriedades em Pereira e Formoselha em Montemor-o-Velho cuja administração deste património familiar, assim como daquele que fora herdado em Condeixa, como o prazo da Ega, para onde propõe a plantação de amoreiras, para criação de bichos-da-seda.
Fala do seu irmão Inácio de Andrade Sotto Maior, e suas irmãs, religiosas e preladas no Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Marvila, a notícia da vinda de seu primo, José Joaquim da Cunha Coutinho chegado do Brasil e que se dirigia à Universidade de Coimbra, pedindo o seu acolhimento (cartas de 21.08.1775 e 29.09.1775); a notícia do nascimento de seu filho Manuel e o convite que endereçara aos Marqueses de Pombal, para padrinhos deste filho (carta de 23.09.1775), a “padrinhagem” dos Marqueses de Pombal, como foi referida; cite-se também o “púcaro de água” oferecido pelos festejos deste batizado e a prataria cedida por D. Francisco de Lemos para essa ocasião. 
As cartas abordam a D. Teodora Higina Arnaut de Rivo nascida a 21 de agosto de 1701 na Lousã avó da mulher de João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho no tempo que foi administradora dos bens da Caza de Pereira, em Montemor o Velho com  propriedades em Ansião.
A leitura deixa transparecer o grande compadrio com o Marquês de Pombal, na minha teoria todos com origem judaica,pelo aspecto e cariz muito inteligente. O Marquês depois de ter caído no reinado de D Maria I mantiveram-se unidos, sem o desprezar, até o visitando, por interesses em adquirir as terras que tinham sido do Duque de Aveiro na região centro cujos bens depois da morte dos Távoras foram para a Coroa e adquiridos pelo Marques de Pombal com interesses na região centro onde já tinha a quinta da Gramela, por isso a referencia às escrituras estarem em Pombal.

Quadro de genealogia facultado por Henrique Dias
D. Teodora Higina Arnaut de Rivo
Há referencia  a  uma quinta de João Pedro Pimentel, Santo Varão
Não sei se entronca na árvore da quinta as Sarzedas, Pousaflores 
Árvore genealógica enviada por Henrique Dias
 O que mais dissequei nas cartas de relevante 
Cartas com menção à contenda que Luís de Mello, irmão de Pascoal de de Mello Freire dos Reis , naturais de Ansião, então meio presbítero instaurou no Bispado de Coimbra para subir na hierarquia a cónego. «Reprovou a aceitação que fez Luíz de Mello do lugar do secretário, e hé sem dúvida, que o seu espírito não foi, nem hé de que os cónegos meyo prebendados fiquem igualados aos outros.»

Carta 44 «Amanhaã hei-de hir aos Snores. de Palhavã,( Referência a D. António e a D. José filhos ilegítimos de D. João V que residiam em Palhavã, no palácio do Marquês do Louriçal. Foram desterrados de Lisboa em 1760, para o Mosteiro do Buçaco, tendo dali regressado apenas em 1777)»

«Vieraõ tãobem dous sobrinhos de João Manuel e hum meyo irmão delles por parte de may. O Vasco , hé claro, e loiro, e não hé torpe. Sabe já construir, e tem capacidade. Os outros dous vão em 13 e 14 anos, são já homens, e tem fortes pernonas [sic], e estão muito atrazados. O pay os manda para o Collégio dos Nobres. Eu tenho vontade de que vão para lá, mas a figura delles me faz receyar, que sejão lá muito metidos à bulha pelos outros. Não sey o que será melhor fazer. O irmão delles há-de hir para Coimbra, e para separá-lo dos outros convirá, que estes fiquem no Collégio»
«Os sobrinhos de João Manoel vêm crecidotes sem embargo de só terem 13 e 14 anos. Estou na rezolução de que vão para o Colégio dos Nobres, e quando lá não aproveitem, podem de lá sahir passado hum anno. Eles vêm mizeráveis em matéria de estudos, porque nada sabem. Vasco há-de uzar dos apelidos de Fernandes Coutinho ( Vasco Fernandes Coutinho, filho de Clemente Pereira de Azeredo Coutinho, só ingressaria na Universidade de Coimbra em 02.10.1782, ao fazer a sua matrícula no 1.º ano Jurídico. Atente-se na referência à cor da pele “hé claro” e a ser filho ilegítimo de seu irmão). Sabe construir, e nada mais; não hé despiciendo de figura, porque ainda que não hé bonito, tãobem não hé hediondo, e hé claro, o que nelle hé mais estimável por excluir toda a prezunção que daria lugar a cor trigueira, suposto ser illegítimo. Ele não pode aprender nada aqui. Para estudar Filozofia, Retórica e Línguas, pode hir, ou para Mafra, ou para essa Universidade se vós o quereis lá, hirá, como e quando mandares. Se porém não gostais que vá já para lá, isso mesmo se fará, como determinares. Elle tem viveza, e talento. A fala ainda está com vícios do paiz; mas como só tem 11 anos com viveza, há-de perder logo os vícios. Com elle veyo hum mulatinho mais novo, que elle bem figuradito agregado a elle a título de criado, mas com o fim de estudar. Hé afilhado das manas do Desterro. Veyo tãobem o preto Calisto, mas este quer voltar com a Liberdade, que tem merecido. Agora direis vós sobre a arrumação de todos os referidos o que vos parece. Estimo, que para se cultivarem as terras do Paúl de Fermozelhe baste a abertura das vallas. A valla real estando aberta em cima acha-se com a água estagnada junto à ponte da Granja do Ulmeiro; se esta estagnação nace de estar entupida, e por abrir dahi para baixo, ou de outra cauza, e se se não cuida em abri-la dahi para baixo para se evitar que por ella mais aberta se não introduza no Paúl mayor abundância de água do rio, como lá dizem, eu o não posso decidir, porque nem passei da dita ponte para baixo. Será muito melhor, que baste a abertura das vallas. As terras, que a caza tem no Paúl são 25 ou 26 geiras, mas não todas juntas, porque entre humas e outras se metem outras alheyas. A inundação em que estava o Paúl quando lá estive não me permitio, senão, chegar à borda dellas. Para se conhecer a verdadeira pozição dellas, e das intermédias alheyas será necessário hum mapa topográfico do dito Paúl, e por meyo delle se poderiaõ ver as que se deverão comprar, e as que se podem trocar com as ditas intermédias. A matéria hé atendível, e tanto mais quanto mais fácil for a reducção dellas a cultura; porque antes della se poderão ajustar com mais conta, e depois o benefício que se fizer para humas aproveitará para todas. Este negócio hé de grande utilidade, e fará avultar muito a caza de Fermozelhe. Quanto à quinta de Pereira parece-me muito bem tudo o que dizeis não só pelo que toca ao muito que avultará com a fazenda de João Pedro Pimentel desse lugar de Fermozelhe, mas tãobem a que necessita de hum feitor separado do de Condeixa por cuja conta corra tãobem a administração das fazendas de Fermozelhe. Tãobem me parece bem a mudança de caza se para por meyo della se gozar da vista do campo, basta edificá-las no sítio do pinhal, ou ao pé delle; porque essa vista hé muito digna de procurar-se; mas se hé necessário sahir para o sítio da Capela de Santiago, aonde hé que se descobre todo o campo de Mondego, e do Paúl de Figueiro do Campo, e Fermozelhe, e onde está tãobem hum pinhal da caza, então não me parece tãobem. O pinhal sempre faz vontade de se conservar pelo tamanho dos pinheiros, que se não crião assim em muitos anos; e porque hé o que defende o pomar, posto que isto seria remediável de outro modo. O alto do sítio, em que está o dito pinhal, dava bom assento para as cazas, e podendo-se lá levar a água, e achar toda a necessária viria a ser grandíssima propriedade; e poderia criar-se nella muito gado. Porém, a base de tudo hé a compra da fazenda do Coelhal. O ponto estaria em ajustá-la; porque como a quantia não pode ser muito avultada, ainda se poderá avançar a ella se se podesse ajustar. Eu toco nisso a meu sogro neste correyo. Queira Deus que não succeda o que aconteceu com a fazenda das Mendes no sítio do Paúl de Anobra, que quando menos se esperava se achou vendido ao escrivão António Ignácio. Se as cazas de novo feitas no alto do pinhal grande não alcançarem a vista do campo, sendo térreas, talvez o alcancem sendo de sobrado. No caminho de Pereira para S. Verão no sítio mais aprazível pela vista está a quintinha, ou fazenda do Matoutinho sobre a qual há as dúvidas com os herdeiros do capitão António Pinheiro que querem valesse mais do que o preço porque se adjudicou para pagamento da dívida que se devia à caza de Pereira. Eu quero pôr fim a isso, consentindo que se ponha em lanços para se rematar a quem mais der, e quando não haja lançador, para ficar com ella pela dívida. Se aparecer lançador, com o preço della se compra o Coelhal, se não houver quem lance, fica a dita fazenda à caza de Pereira. Mas eu quizera antes ficar com a dita fazenda porque gosto do sítio, e na quintinha do dito Matoutinho há humas poucas de árvores de espinho, e tem água. Será bom cuidar do descobrimento de hum bom feitor para a Quinta de Pereira, e caza de Fermozelhe. Estimo que me dizeis, vos escreveu Ignácio; e que os campos do Paúl já se não inundam. O preto Calisto me diz, que no último anno houve mil bezerros de parição. Se assim hé, verifica-se hir o gado em aumento e crecerá ainda mais daqui em diante, visto que se não inundão os pastos, e que consequentemente não perecerá o gado com as enchentes, como em outro tempo succedia. A notícia de se terem feito 64 pipas de aguardente me hé agradável. Isso só basta para encher as fazendas de escravos, se se for repetindo o cuidado de se fazer nos annos seguintes toda a que for possível.
Cartas
As cartas falam dos vários homens com a tarefa de correio ordinário e de correio com destacados cargos na função pública - António Pereira RozaLuís José Foucault, António do Amaral , Jozé Joaquim da Cunha Coutinho Chrisóstomo de Faria e Sousa de Vasconcelos e Sá, Ventura e,..

Carta nº 3 - 1775, setembro, 24, Lisboa 
«Hontem me disse João Chrisóstomo, que terça, ou quarta-feira vos expede o último correyo, e que por elle hão de hir as Provizoens da vossa reconducção;Alusão à recondução de D. Francisco de Lemos no cargo de reitor da Universidade de Coimbra que só viria a ser feita no mês seguinte. Foi reconduzido neste cargo, por mais três anos, ) por que até agora não houve lugar de se expedirem. O Morgado de Oliveira (Trata-se, certamente, de uma menção do 1.º conde de Rio Maior que foi o 16.º administrador do morgado de Oliveira: João Vicente de Saldanha Oliveira e Sousa Juzarte Figueira (1746- 1804) que casou com D. Maria Amália de Carvalho e Daun, filha dos Marqueses de Pombal. As palavras Morgado de Oliveira estão sublinhadas a vermelho, denotando uma leitura desta carta, e o intuito de identificar este nome, tal como aconteceu em outras situações nesta correspondência, desconhecendo-se a data em que foi aposto este sublinhado) me disse taõbem hontem que assistira à abertura da vossa carta, em que remetestes o plano último respectivo à conservação, e florecência da Faculdade de Teologia, fazendo-me elle muito grandes elogios, e repetindo outros semelhantes, que ouvio ao Senhor Marquez. Isto me enche de summo gosto, e para vossa satisfação, e consolação vo-lo participo.(...). Hontem me perguntou em Oeiras, se vos escrevia, ainda hontem mesmo pelo correyo, e me recommendou vos agradecesse da sua parte o generozo mimo das caixas de doce, que erão admiráveis e excellentes.( A referência à oferta de doces será retomada em outras cartas, denotando o uso desta forma de obséquio. Conhece-se a tradição de fabrico de doces, em diversas casas monásticas femininas de Coimbra, estando documentada já desde o séc. XVII. Veja-se, por exemplo, o registo do pagamento de doces conventuais, em junho de 1628, feito pela Universidade de Coimbra a D. Maria Manuel, religiosa do Mosteiro de Celas – documento localizado em Livro da receita e despesa da Universidade de Coimbra, 1627-1628, fl. 89 – (cota AUC-IV-1.ªE-12-3-7). A obra de ALMEIDA, 1972:10, 13, apresenta outros exemplos da mesma natureza. Mais adiante, na carta de 27 de fevereiro de 1776, iremos encontrar a oferta de barris com lampreias, o mesmo acontecendo com uma outra oferta, mencionada na carta de 21 de março e 1 de abril de 1776.)As outras caixas ficaõ entregues aos seos respectivos donos, a saber duas dúzias ao Sr. Marquez, a Manoel Jozé Ferreira, e o caixote com meya dúzia ao P.e Joaõ Baptista, o qual ainda não vi depois da entrega. Pareceu-me que o número destinado para o Sr. Marquez, hé muito bastante e decente. Eu fiquei com a meya dúzia, que me destinastes, que logo teve promta sahida. Hum dos bons prezentes, com que se pode lizongear o gosto do Sr. Marquez hé o de meloens de inverno de Soure, que lhe tenho muitas vezes ouvido serem os melhores de todo o reino, e que por isso diz, que sempre manda fazer provimento deles.O Conde se Sampayo ( António de Sampaio de Melo e Castro Moniz Torres de Lusignan, senhor da Casa de Vila Flor, foi nomeado 1.º conde Sampaio (ou São Payo) em 1764) me encontrou hontem em Oeiras, e depois de perguntar-me por vós, o que nem sempre faz, me recomendou vos mandasse sempre lembranças suas. O Bispo de Aveiro ( Ocupava, então, a cátedra episcopal, como primeiro bispo de Aveiro, D. António Freire Gameiro de Sousa que teve apresentação régia em 29.09.1773 e foi confirmado em 18.04.1774. As questões abordadas nesta carta refletem a recente criação do bispado de Aveiro, em 12.04.1774 e tudo o que envolveu a desanexação de territórios e paróquias do bispado de Coimbra)vos remete essa carta. Elle me disse, que a mesma carta tem por objecto huma reposta sobre elle consentir, em que certo pároco seu continue a comer os frutos da sua paróquia no exercício de reitor do Seminário desse bispado, para que quereis nomeá-lo, e que elle se via hum pouco embaraçado por escrúpulos, que nisso fazia, mostrando querer para isso avizo superior. Na dita carta vereis melhor o que elle responde, Elle me disse, que a mesma carta tem por objecto huma reposta sobre elle consentir, em que certo pároco seu continue a comer os frutos da sua paróquia no exercício de reitor do Seminário desse bispado, para que quereis nomeá-lo, e que elle se via hum pouco embaraçado por escrúpulos, que nisso fazia, mostrando querer para isso avizo superior.(...)Sua Magestade vai passando melhor, mas ainda se não diz, quando se recolhe a Ajuda. O tempo vai por cá invernoso. Huma criada da Sra. Marqueza chamada D. Anna Joaquina tem hum sobrinho nesse vosso Seminário, que hé afilhado da dita Sra. Marqueza, e à vista della me pedio, e por vezes tem pedido, vo-lo recomende, para que o favoreçais, no que a dita Sra. fareis lizonja e obzéquio.»

Carta nº 4 – 1775, setembro, 26, Lisboa
Mano muito do meu coração. Depois de vos escrever sábado passado pelo correyo ordinário, e no domingo seguinte por António Pereira Roza, que veyo aqui saber, se queria alguma couza para vós, dizendo-me que partia no mesmo domingo e que hoje terça-feira à noute lá chegaria o que certamente não fez por chover muito no dito domingo; chegou a esta caza o Amaral na segunda-feira de manhãa, trazendo comsigo a prata, cuja remessa vos agradeço, e logo que tiver servido, voltará.(Referência ao correio António do Amaral que terá levado o serviço de prata de D. Francisco de Lemos, provavelmente para ser utilizado na receção dada por ocasião do batizado de seu sobrinho, como é referido em carta de 14.10.1775: “Houve púcaro de água, e tudo se fez com decência […]”. Trata-se, certamente, da prata de mesa utilizada em banquetes e refeições de aparato.)
Ainda não há dia para o baptizado, porque pende de virem os Snors. Marquezes a esta cidade, mas cuido em que tudo se abrevie, para o que não há outro embaraço. Domingo entrou huma embarcação vinda do Rio de Janeiro. Mas nada sey ainda das notícias que trouxe. Aqui veyo hontem Marçal Jozé Galvão ( Marçal José Galvão de Oliveira Fajardo era juiz conservador da Universidade de Coimbra e também juiz executor das dívidas à Universidade, cargos pelos quais recebia estes seus dois ordenados, num total de 65$850 pagos em cada trimestre –, e me repetio a petição de escrever-vos, para que quizesses dar conta ao Sr. Marquez de ter elle acabado, e do que pertence a sua recondução, dizendo que necessitava muito de saber o fim desta dependência para se rezolver sobre o governo, e arrumação da sua nova caza. Pelo que não posso deixar de repetir-vos a prática, que respeita a este ponto; no qual convém adiantar a sua conclusão, antes que haja algum terceiro que leve o lugar por surpreza, e seja menos do vosso agrado.
Para lá vão vários fidalgos, e entre eles hum filho do Marquez de Penalva, e outro do Visconde de Vila Nova de Cerveira dos quaes o 1.º sey vos escreve, do 2.º nada sey, só sim que veyo a esta caza hoje, mas como lhe não falei, creyo que seria a pedir-me alguma recomendação para vós, encabeçando porém a vizita nos parabéns pelo nacimento do meu filho. Peço-vos, os atendais de sorte que conheção que eu tãobem vo-los recomendei, e muito especialmente o de Penalva por se me ter já feito esta petição.( Referência à vinda para a Universidade de Coimbra dos filhos do Marquês de Penalva e do Visconde de Vila Nova de Cerveira. Quanto ao primeiro, trata-se de José Teles da Silva que estudou na Faculdade de Cânones, entre 1775 e 1781, ano em que obteve a licenciatura; quanto ao segundo, averiguou-se ser Fernando Xavier de Lima Teles da Silva, estudante da mesma Faculdade, no mesmo período de tempo) Aqui se prenderaõ no sábado muitos negociantes portugueses e estrangeiros, dizem que por contrabando de diamantes.

Carta nº 5 – 1775, setembro, 29, Lisboa
(...)O portador desta hé Jozé Joaquim da Cunha Coutinho(Referência às Conferências que se faziam em casa do Marquês de Pombal, sobre negócios do Erário, estando presentes ao Ministros de Estado, o Procurador da Fazenda e o Tesoureiro Mor do Erário Régio) sobre o qual vos tenho já escrito em diferentes cartas, filho de nosso primo Sebastião da Cunha Coutinho Rangel, que ambos conhecemos e tratamos nesta corte. Em todo o tempo, que aqui tem estado nesta caza, tem dado provas do seu bom procedimento, do seu talento, da sua aplicação, e da sua honra, que são superiores a toda exceição. Hé homem já feito e podeis estar certo, de que não há-de fazer couza, que possa dar-vos o menor desgosto, e incómmodo. Tem feito todos os estudos que podia fazer na sua pátria, na qual se aplicou particularmente à jurisprudência por occazião da defeza, que tratou, da cauza da successão do morgado que instituirão os dous Jozés de Azeredo pay e filho que ultimamente se julgou a seu irmão segundo, que o está possuindo depois de grandes trabalhos.Os ditos seos tios quizerão chamá- lo para a dita successão, mas elle não aceitou a vocação, dizendo que a fizessem em seu irmão segundo porque elle queria ser clérigo. Com efeito tem sido constante na sua vocação, e não quer outra couza. Eu tinha-lhe mandado hum Avizo para se ordenar; mas este padeceu a mesma sorte de todos os que passou Seabra (O doutor José de Seabra da Silva, Desembargador do Paço e Ministro de Estado, adjunto do Marquês de Pombal foi afastado de todos os cargos públicos por Ordem régia de 17.01.1774. Daí a referência à suspensão de todas as decisões por si tomadas, que de novo será feita mais adiante, em carta de 29.09.1775). Trata-se da primeira de muitas referências que lhe são feitas, ao longo desta correspondência, e não estavão ainda executados ao tempo da sua depozição. No Rio de Janeiro entrava nas Conferências de Moral, que o bispo fazia em sua caza com o seu clero; nellas fez dissertaçoens próprias com louvor, das quaes vos pode mostrar algumas, e por ellas fareis conceito. Tem duas irmans mais moças, de que espera ser o único apoyo; porque seu pay está exhaurido de bens, e seu irmão cheyo de filhos, para os quaes não bastão as rendas do seu morgado que elle achou decadente, por consistir em hum engenho, que padeceu muito no tempo da administração do possuidor a quem se tirou por demanda. Pela dita tão forte razão se rezolveu a vir estudar tendo já 32 annos de idade. O Bispo do Rio de Janeiro me escreve muitos elogios delle, e me diz, lhe custou, que elle tomasse a rezolução de vir para cá; porque lá queria arrumá-lo. Tudo isto haveis de achar certo; e eu tomo sobre mim o dezempenho desta certeza. Elle vai daqui com Francisco de Macedo( Francisco de Macedo Freire de Azeredo Coutinho, natural do Rio de Janeiro, frequentou a Universidade de Coimbra de 1772 a 1776, tendo obtido formatura em Leis), e com Jozé Maria Mascarenhas (Sobrinho de D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco, 6.º bispo do Rio de Janeiro (1774-1805) sobrinho do Bispo do Rio de Janeiro, e filho natural de seu irmão Fernando Mascarenhas ( Fernando José de Mascarenhas Castelo Branco) Leva cartas, que quiz pessoalmente entregar-vos. Dezeja muito ser admitido a matricular-se em Direito sem fazer logo exames nas disciplinas de Geometria, etc., que não estudou; e se isto tem lugar seja este o primeiro benefício, que façais a quem certamente hé digno de todos.Tenho sentido amargamente as dezordens de António Sodré ( Referência a António Sodré Pereira de Azeredo, filho de José Pereira Sodré, natural do Rio de Janeiro, que apenas esteve matriculado na Universidade de Coimbra, na Faculdade de Filosofia, nos anos letivos de 1774 a 1776 e não prosseguiu os seus estudos) a cujo respeito convenho, em que não continue esta vida, e que o despeçais dessa Universidade, onde tem feito couzas tão vergonhozas e indignas de seu nacimento e dos vossos benefícios O que porém há-de ser delle, eu o não sey. Lembro-me, de que embarque com praça assentada para o Rio de Janeiro em huma nao, que está a partir; porque vai para sua terra, e com a única vida, que pode ter. Encarrego a Jozé Joaquim, e a Francisco de Macedo, que o persuadam a tomar este caminho. Vindo nesta rezolução lhe farei assentar a dita praça, e emquanto a nao não parte lhe mandarei dar crédito em alguma caza de pasto para o necessário sustento; para evitar a vergonha de fazer aqui outras figuras, que cedaõ em dezhonra. Neste sentido podeis lá determinar-lhe por via do mesmo Francisco de Macedo, que pode ser o ministro e oficial dessa diligência. Emfim bem podeis estar certo que eu só quero o que vós quizeres; porque conhecendo o vosso ânimo e sabendo, que hé todo de piedade, e de caridade, fico bem convencido, de que nunca a quereis suspender sem cauza urgentíssima, como reconheço, a que elle vos tem dado.»

Carta nº 6 datada de 14 de outubro de 1775 de João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho a seu irmão D Francisco de Lemos escrita em Lisboa.
«Mano muito do meu coração. Quarta-feira desta semana à noute veyo a esta caza Estevão António do Monte, e me trouxe o título do prazo da Ega (João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho adquiriu mais tarde o paço da Ega e a sua quinta que pertenceram anteriormente à Comenda da Ega. Estas propriedades voltarão a ser referidas nas cartas. No AUC existem livros notariais de Ega, mas o mais antigo é de 1791-1794, do notário Caetano Pimentel da Silva Serrão. Este volume contem, a fl. 109-111, uma escritura de compra de um lagar de azeite, no sítio do Olho, limite do rego do Paúl, feita por João Pereira Ramos, em 23.06.1793, comprovando a forma como continuou a engrandecer o seu património ,dizendo não ter ainda achado os das terras do Campo de Treixede, e Abadinhas, nem taobem os de Alencarse, mas que se ficavão procurando; (...) A Sra. D. Teodora Higina Arnaut de Rivo, avó da mulher de João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho me deu uma carta para por ella mandar eu tomar posse da quinta das Sarzedas, e de todos os foros de trigo, que a caza de Pereira tem, em Ancião, como taobem do azeite que lá tem (...) tomo o acordo de vos mandar essa folha com o meu nome escrito para que nella mandeis escrever hum alvará de procuração necessária para aquella pessoa, que vos parecer capaz de ser mandada logo a Ancião, para ahi tomar posse da dita quinta das Sarzedas, e de todos os foros, olivaes, e mais bens, que ali há pertencentes à caza de Pereira. Deve-se cobrar os foros de trigo vencidos,e os atrazados, que se deverem. Deve-se mandar fazer o azeite; para o que se devem por escritos para se arrendarem a quem por eles mais oferecer, sendo sempre afrontado (?) um homem chamado Manoel Ferreira que mora no dito lugar, o qual disse que daria oitenta alqueires não havendo quem mais dê. Pelo lagar, que ahi há, parece que dão (?) 20. Quem há-de dar notícias disso hé o Manoel Ferreira. O que correu até agora com isso hé hum Vital António, que ahi há no mesmo lugar; o qual hé quem há-de fazer a entrega das chaves da[s] cazas da quinta, que estão quaze perdidas pelo total dezamparo em que isso está. Elle há-de declarar os que pagaõ foros, etc., e deve-se lhe pedir o que deverem, abatendo os anos de que tiverem recibo. Hé necessário que me façais o favor de despedir logo para Ancião a pessoa que encarregares do referido, porque a azeitona veyo mais cedo este anno, e se se não lhe acode, logo, perde-se e esta hé a razão, porque escrevo já e com esta pressa. Creyo esses bens todos poderão render 20 ou 25 moedas conforme os anos.Como o Sr. Marquez se embaraçou para vir pessoalmente ao baptizado,e este não podia esperar mais tempo, mandou a elle seu filho o Conde de Oeiras com procuração; veyo a Sra. Marqueza pessoalmente. Convidei seu filho Jozé Francisco Xavier Maria de Carvalho Melo e Daun; seus 3 genros o Conde de Sampayio António de São Paio Melo e Castro Moniz Torres de Lusignan o Morgado,João Vicente de Saldanha Oliveira e Sousa Juzarte Figueira , administrador do Morgado de Oliveira e que viria a ser 1.º Conde de Rio Maior e D. Cristóvão Manoel de Vilhena. e o dom Prior de Guimarães, e nenhuma outra pessoa.Baptizou o dito Prior Mor de Aviz. Taõbem veyo a Snra. D. Maria Francisca. Armou-se a capella. Houve púcaro de água, e tudo se fez com decência de sorte que se conheceu que tudo era obzéquiar (?) a Sra. Marqueza. Chama- se o menino Jozé em contemplação de seu avô materno( José Ramalho de Oliveira Catana da Fonseca, casado com Ana Teresa Higina de Carvalho Arnaut do Rivo, pais de D. Maria Ramalho Cardal Arnaut de Rivo.(...) A Sra. D. Teodora tãobem está já reduzida a entregar-me a administração de toda a caza de Pereira com a obrigação porém de acomodar-lhe o sobrinho como tio de minha mulher, no que convenho, e lucro muito.
Baptizou o meu filho o dito Prior Mor de Aviz. Taõbem veyo a Snra. D. Maria Francisca Arnaut do Rivo, pais de D. Maria Ramalho Cardal Arnaut de Rivo. Armou-se a capella. Houve púcaro de água, e tudo se fez com decência de sorte que se conheceu que tudo era obzéquiar (?) a Sra. Marqueza. Chama--se o menino Jozé em contemplação de seu avô materno José Ramalho de Oliveira Catana da Fonseca, casado com Ana Teresa Higina de Carvalho.(...) A Deus. Irmão muito amante do coração Azeredo Coutinho »

Alusão ao que hoje se chama copo de água «Houve púcaro de água, e tudo se fez com decência de sorte que se conheceu que tudo era obzéquiar» 

Carta nº 7 – 1775, outubro, 17, Lisboa
Pelo correyo vos escrevi, avizando-vos de ter chegado o Amaral, e trazido com bom successo a encomenda, que fielmente entregou. Agora o faço pelo Ventura, que parte amanhãa, e na sexta -feira o tornarei a fazer pelo Amaral, que parte então, e vos há-de levar algumas encomendas, que tem, apromtado o Pe. Florêncio, como elle mesmo me disse. Na carta do correyo, vos remeti huma cópia da conta, que se me deu, e não foi o original, porque tem de aparecer ao celebrar da escritura, o que será logo que voltar o correyo, que se expedio para trazer a certidão de não se dever siza. (...)Pelo correyo vos remeti huma folha de papel assinada em branco para nella mandares lavrar huma procuração minha para a pessoa, que quizeres mandar a Ancião para arrendar a azeitona que lá tem a caza de Pereira, pela qual me dizem, que há quem ofereça já cem alqueires para o que se devem por editais para se arrendar a quem por ella mais der. Adiantei este negócio por assim ser precizo por se ter adiantado este anno a boa sazão da dita azeitona. A respeito do arrendamento da quinta, que por si só hé couza de muito pouco rendimento, e do lagar, hé necessário vêr cá os arrendamentos feitos pela Sra. D. Teodora a Vital António que me parece ainda não estão acabados neste anno, posto que ainda faltando algum se lhe pode tirar por ter deixado cahir parte das cazas da quinta, e nellas não ter rezidido. Pelo Amaral mandarei todas as clarezas necessárias. Por hora hé tempo de acodir logo ao azeite. Quem o arrendar deve dar fiador ao pagamento; ou ser pessoa em si abonada. A Sra. D. Teodora está de ânimo de me entregar toda a caza de Pereira, e todo o obstáculo que tem havido até agora hé o de não querer que fique dezacomodado o sobrinho, no que tem razão, e eu tenho tomado a rezolução de prover a isso inteiramente muito a seu contento, até que possa haver providência que seja para mim de mais alívio. A dita Sra. não quer, que meu sogro administre, nem ponha administrador em Ancião, nem em Pereira. Pelo que para mais a contentar lhe tenho segurado, que o administrador há-de ser posto por vosso mandado, e na certeza de que assim se há-de executar hide lançando as linhas a quem há-de ser, porque pelo Amaral espero mandar as ordens necessárias para a entrega de toda a caza. Todas as terras do Campo, e Monte se devem arrendar. A quinta deve-se conservar em administração por conta da caza para se não perder; mas o administrador, ou feitor, deve ser hum homem de botas, que trabalhe, para o que não faltaõ capazes; e sobretudo hum inspector que vigie sobre elle, e veja de quando, em quando, o que elle faz. Eu tenho tido minha idea de lá dar huma chegada nestes últimos dias de outubro para ver tudo por mim mesmo; pois já hé objecto junto com as fazendas das compras, e não teria embaraço para a jornada; mas não tenho assentado nisso. Ouço, que vem Jozé de Sá, e se diz que para ajudante, e que ficará Ayres de Sá(Aires de Sá e Melo de Menezes Sotto Maior (1690-1786), sucederia no cargo de chefe do governo, em 04.03.1777, após a morte do Marquês de Pombal) com a Secretaria de D. Luís da Cunha( D. Luís da Cunha Manuel, Secretário de Estado de D. José, faleceu em junho de 1775 e foi substituído, em 1776, no cargo de Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra por Aires de Sá e Melo. »

Carta nº 8 – 1775, outubro, 28, Lisboa
Mano muito do meu coração. Recebi pelo correyo a vossa carta de 20 de outubro corrente a que deu matéria a execução da Carta Régia expedida a favor de Luíz de Mello( O meio cónego Luís de Melo era, no dizer do historiador Fortunato de Almeida, um «homem decidido, astuto e intriguista, sem escrúpulo na escolha dos meios para conseguir os fins» - veja-se a citação feita em RODRIGUES, 1986: 3. Na referida obra são dados a conhecer, com publicação de documentos do Arquivo da Universidade de Coimbra, os factos internos que desestabilizaram as relações entre o Cabido da Sé de Coimbra e o seu prelado. Veja-se o que ficou registado no livro dos Acórdãos do Cabido da Sé de Coimbra, vol. 23, fl. 108-112 relativo à questão com o cónego Luís de Melo e a decisão régia a seu favor, comunicada ao provedor da comarca de Coimbra, Dr. Constantino Barreto de Sousa. Por ella sey o modo, com que Luíz de Mello a fez executar, e vejo ao que me parece, que não hé o do real espírito da dita Carta. Por ella foi o dito tratado de cónego meyo prebendado: este hé o modo, com que o capítulo o deve tratar, não lhe dando jamais o nome de cónego simplesmente, mas sim sempre com a adição de meyo prebendado vem a ser o mesmo que meyo cónego, com a diferença somente que o nome de cónego meyo prebendado hé jurídico, e legal, o de meyo cónego não sey que couza seja, e creyo, que nas bullas de criação das meyas conezias há-de achar-se o nome de cónegos meyo prebendados, e não os de meyos cónegos. Seria a dita Carta Régia prejudicial, se passasse a mandar, que os ditos cónegos meyos prebendados se ficassem reputando por cónegos, e como taes tivessem voto em cabido, e gozassem de todas as mais honras, e prerogativas dos cónegos. Mas isto hé o que não vejo, que fosse determinado pela dita Carta Régia. Este ponto deixou ella indecizo. Este ponto por ella mesmo se prova, que ficou indecizo; porque se do espírito da dita Carta fosse que elles ficassem tendo voto, e tudo o mais, como cónegos então era escusado mandar se nella expressamente, que hum cónego meyo prebendado fosse sempre o secretário do cabido, e que houvesse tãobem sempre hum dos referidos, que fosse coadministrador, suposta a igualdade a respeito dos votos, etc., ficava este ponto sem necessidade de decizão.(...)m. Ora sendo a dita carta assim entendida, e executada, não vejo nella couza, que ofenda, nem vos desconsole. Quanto aos excessos de Luíz de Mello, nada posso dizer, se não reprová-los. Para se reprimirem hé necessário excogitar com muita prudência o modo, e o meyo. Huma reprezentação feita em nome do Cabido poderá ser mal recebida, se não principiar pela conta da execução promta do que manda a dita Carta Régia, e depois propozer o duvidoso, aparecer instruída com as bullas da criação das meyas conezias, e declaraçoens do fim dellas; e com essa sentença que os cónegos tiveraõ contra os meyos cónegos contendo a dita reprezentação huma notícia do estado da cauza ao dito respeito. Vindo assim concebida, e bem encaminhada parece-me que não há-de ser dezatendida. Conheço, que mais atenção merecerá vindo feita por vós. Mas para que quereis vós fazer papel nessa scena, de que Deus vos tem livrado? Para expor-vos as contingências do modo, com que o Sr. Marquez tomara essa vossa intervenção? Quanto mais dolozas são as pertensoens de Luíz de Mello quanto mayores forem as dezordens por elle cometidas na dita execução, tanto melhor será para a cauza dos cónegos. Porque o Sr. Marquez hé tão justo, como todos sabemos, e não há-de dezatender ao Cabido. Falar nesta matéria não deve o Cabido sem instruir bem o negócio. Mas eu sou de voto que falle o Cabido, e que vós vos conserveis a capa para seres ouvido, se assim se rezolver; e quando rezulte dezordem na prática dos ofícios divinos poderias declarar-vos depois de terem já soado por outras partes os excessos de Luíz de Mello nos ouvidos do Sr. Marquez. Este hé o meu parecer, e que vós por nenhum modo vos produzaes no teatro (?). A questão não hé comvosco não queirais tomar sobre vós perigo algum por parte della. Sobre esta matéria falei a J. C.( Referência a João Crisóstomo de Faria e Sousa de Vasconcelos e Sá (1732-1803)o qual achei favorável aos meyos cónegos, querendo que tenhão voto, etc. Reconheceu o perigo, e melindre da matéria, e diz que hé necessário muito modo, e geito para nelle se falar, e que elle ainda o não fizera até terça-feira à noute; e que sem se saber a verdadeira origem da criação dos meyos cónegos, e estado da cauza, nada se pode fazer; sempre prometeu porém tocar na matéria, quando achasse ocazião de fazê-lo. Há grande prevenção contra os cónegos. A sua justiça deve provar-se demonstrativamente para ser atendida. Se assim se não pode provar, que quebrem elles as cabeças; e salvemos nós as nossas pelles. Quinta-feira 26 do corrente se efeituou a compra do prazo chamado da Várzea debaixo da Ega; do cazal de Alemcarse junto a Soure, e das fazendas do Campo de Treixede, e Abadinhas, que erão do Snor. Marquez, e se lavrarão as escrituras nesta caza entre mim, e Estevão António de Montes, como procurador do dito A importância dellas foi a mesma que já vos communiquei, convém a saber dezaseis mil cruzados menos sincoenta e sete mil e quatrocentos para o Snor. Marquez, a quem promptamnte entreguei toda a dita quantia no acto das escrituras completando-se com hum dinheiro pertencente às freiras de Cós da Ordem de Cister do Mosteiro de Santa Maria de Cós, Alcobaça irmans de Pedro Dias, que poucos dias antes me havia entregado o bispo de Aveiro, a quem eu tinha incumbido a cobrança della do rendeiro da comenda, que o dito Pedro Dias tem em Lamego, e para o que podesse suceder o havia detido em meu poder.(...) A respeito das outras fazendas assim de Alemcarse, como do Campo de Treixede, e Abadinhas ainda, se não sabe, que natureza tem. Porque o Sr. Marquez não sabe a natureza dellas, nem tem dellas outro título, que não seja o auto das posses, que tomou dellas por morte do Sr. Francisco Xavier de Mendonça( Francisco Xavier de Mendonça Furtado era irmão do Marquês de Pombal e também de Paulo de Carvalho e Mendonça, inquisidor geral que foi elevado ao cardinalato em 1769, pouco antes da sua morte. No acervo documental da Universidade de Coimbra pode hoje localizar-se o processo de emprazamento de dois prazos no Campo de Treixede, dos quais era senhorio direto a Universidade, feito pela Mesa da Fazenda da Universidade a Paulo de Carvalho e Mendonça, em 1758. O processo inclui a vedoria dos prazos feita pelo Dr. Francisco José de Carvalho, sendo reitor da Universidade D. Gaspar de Saldanha e Albuquerque - V. Universidade de Coimbra (F); Mesa da Fazenda (SC); Administração do prazo e renda de Treixede, séc. XVIII-XIX (cota AUC-IV-1.ªE-17-1- 29). Trata-se, provavelmente, das mesmas propriedades mencionadas nesta carta).Só sim sabe, que são por elle possuídas, como livres, e só sugeitas ao vínculo que o dito seu irmão fez de todos os seos bens, sem delles pagar foro, nem ração, e debaixo desta qualidade se fez a compra. O Campo de Treixede hé foreiro a essa Universidade, e nelle tem minha mulher pela caza de Pereira hum ou dous prazos feitos a essa Universidade por sua avó a Snra. D. Teodora Higina. Porém as terras deste prazo são summamente pensionadas.Porque pagaõ à Universidade hum foro pequeno, a Santa Cruz outro tãobem pequeno, e alem disso de cada sinco dous, creyo que para a extinta Caza de Aveiro. As terras porém do dito Snor. Marquez nada pagaõ; pois se buscaraõ os livros do cartório do dito Snor. e não apareceu clareza, nem título algum. Foraõ antes do Snor. Marquez e de seu irmão do chanceler mor Francisco Luíz da Cunha de Ataíde (Significará, certamente, que as propriedades foram herança do Desembargador Francisco Luís da Cunha de Ataíde, que era Chanceler mor do Reino, padrasto do Marquês de Pombal). As de Alemcarse são de menor importância.Segunda-feira mando pagar o laudémio do prazo da Ega, e pelo primeiro portador hirá a minha procuração para vós mandares tomar posse de todas as ditas fazendas para se cuidar no arrendamento dellas; pois hé tempo, a qual posse se há-de tomar com declaração de que hé de tudo o que está incluído dentro dos marcos, que há poucos anos se lhe pozeraõ em virtude do tombo, que o Sr. Marquez mandou fazer pelo provisor que hora hé dessa cidade; e para constar das demarcaçoens das ditas terras se há-de mandar ao Pombal tirar certidoens dos autos originaes dos tombos dellas que estão no cartório de Tomar (?), para o que se hão-de fazer petiçoens ao ouvidor em meu nome para as mandar passar, e Estevão António lhe escreve, que as mande logo passar, e para esta diligência podeis aproveitar-vos de meu sogro que fica mais perto do Pombal, a qual se pode já fazer para adiantar a posse, quando chegarem as escrituras .Duas couzas faltão para dar hum grande valor a esta compra na Ega. A primeira hé o prazo de António Alv[a]res confinante com o do lizeirão de meu sogro. A segunda hé a quinta chamada da Ordem confinante com o dito prazo de António Teixeira Alv[a]res, que tem cazas nobres e boa abegoaria, tudo necessário em huma tão grande fazenda. Há tempos fiz explorar de António Teixeira, se queria vender o dito prazo sem se dizer para quem, e respondeu, que não. Neste correyo me escreve meu sogro, que lhe disse o vosso João Baptista, que elle já o quer vender. Com que fundamento o disse, não sey. A quinta de Ordem hé do capitão do Loureiro, que deve ao meu sogro 9, ou 10 mil cruzados; que elle a opção (?) por ter sido seu fiador. O dito capitão deve 24 contos de réis à Patriarcal,ainda que elle diz, que não hé tanto. Se a dita quinta podesse ficar à caza de Condeixa pela dívida bom seria; quando não, sempre a Patriarcal a há-de vender na praça, e fará muita conta comprá-la; porque depois della comprada tira-se o prazo de António Teixeira por encravado, e fica sendo hum grande fazendão junto, e ao pé de caza.(...)Pelo Amaral vos remeti procuração para mandares tomar posse da caza de Pereira, e já antes o tinha feito para o que tocava às fazendas de Ancião. Sobre isso nada tenho, que acrescentar, senão que a azeitona se perderá havendo demora.

Esta carta aborda o cónego Luís Mello, irmão de Pascoal José Mello Freire dos Reis nascidos em Ansião, o inicio da brutal contenda que ele instaurou no bispado de Coimbra para subir na hierarquia, acabou por a ganhar graças às suas deslocações a Lisboa a casa do irmão, jurisconsulto, na minha teoria o dotou de retórica para se defender, afinal a interajuda e  pagamento do ter em Coimbra ajudado aos 12 anos quando o pai o deixou entregue à proteção deste irmão.

Carta nº 9 – 1775, novembro, 2, Lisboa
Mano muito do meu coração. Há bastante tempo que não tenho carta vossa, não contendo a última que recebi mais negócio, que o respectivo à execução da Carta Régia expedida pelo Ministério sobre a cauza de Luíz de Mello,e as vantagens, que della pertende tirar o mesmo Mello.(...)O Sr. Marquez recebeu conta, que lhe deu o provedor dessa comarca sobre a execução da Carta Régia dirigida ao Cabido. Ficou satisfeito da promta execução, e obediência que della deu o Cabido, e os capitulares exterminados, e mandou por a dita conta de parte. Duvido porém muito que a rezolva com brevidade; e talvez ficara em esquecimento, embrulhando-se taõbem nelle a questão concernente ao cónego mais antigo que há-de hir para o desterro. Reprovou a aceitação que fez Luíz de Mello do lugar do secretário, e hé sem dúvida, que o seu espírito não foi, nem hé de que os cónegos meyo prebendados fiquem igualados aos outros. Ouvi, que sim era de sua mente, que o ficassem taõbem nos actos da purificação (?), e na paz por serem obzéquios christaons que era escandalozo negar-lhes, e por eles haverem estado na posse delles, da qual os expulsou o Bispo D. Miguel ( D. Frei Miguel da Anunciação (1703-1779), 51.º bispo de Coimbra) Nesta certeza se pode estar. Os cónegos que procedaõ com toda a mansidão, e quanto mais o praticarem assim, tanto melhor. O provizor deu conta dos quezitos de Luíz de Mello, e nelles não faz carga ao Cabido. Pelo que não sey, se será melhor dezistir por hora de contas, e deixar esquecer esta matéria, para depois passado algum tempo competente poderes vós falar nella, e até suplicar o levantamento do desterro dos exterminados. Hé porém necessário apromtar os documentos da criação das meyas conezias, e as sentenças havidas pelos capitulares contra eles; porque sem elles e a história desses benefícios, das contendas havidas com o Cabido, e das sentenças sobre elles proferidas não se pode conhecer a verdade. (...) A respeito da caza de Pereira, e dos bens de Ancião não deixo de receyar, que não se lhes acodindo com a promtidão, que eu vos recomendava, haja algum prejuízo nos azeites, e passe o tempo do arrendamento das terras, que por cá se estão lavrando e muitas estão já semeadas. A negociação que ao dito respeito fiz com a Sra. D. Teodora foi muito útil, assim para dahi poder perceber alguma couza, como para impedir a perda e deterioração, em que tudo se hia pondo, e para se poder melhorar a cultura, etc. Deus queira prosperar as couzas.
Em adenda, na margem superior esquerda]: O Dezembargador Manoel Francisco da Silva e Veiga chegou a esta terra, e porque no Rio vos servio com boa vontade e préstimo, lembro que lhe escrevais huma carta de boas vindas; porque elle a há-de estimar. Elle não se tem queixado, nem dado o mais leve sinal de não estar satisfeito, nem eu sey verdadeiramente se lhe escrevestes. Isto hé huma lembrança minha para o cazo de não o teres feito.

Carta nº 10 – 1775, novembro, 5, Lisboa

«(...)Neste correyo entendia que a pessoa a quem quizesses dar a minha procuração para a posse, e administração desses bens de Ancião, e de Pereira, poderia ter já dado algum passo ao dito respeito; suposta a necessidade, que havia de adiantá-los, para se não perder a azeitona, e não ficarem as terras por arrendar. Mas só soube conservar-se tudo no mesmo estado, havendo já muitos dias que tinhão chegado as minhas cartas, e assinados para as procuraçoens; o que atribuo a alguns justos embaraços, que haveria para se não poder fazer o que eu vos pedia, e recommendava. Hoje me chegam as escrituras da compra das fazendas do Sr. Marquez, e tendo eu determinado remeter-vo-las pelo correyo, não o faço por me terem chegado a tempo de eu as não poder mandar segurar. Hirão pelo primeiro portador.Esqueceu-me repetir-vos que fizesses cantar o Te Deum por livrar o Sr. Marquez da conjura forjada contra elle não só na Universidade, mas taobem na Sé; e que depois disso feito o participasses por huma conta ao dito Snr., e que além disso e de felicitares o Sr. Marquez em nome da Universidade fizesses huma deputação por elle cometida a alguns dos lentes bispos que aqui estão para hir entregar a dita carta, e em nome da Universidade fazerem o dito cumprimento a sua Ex.ª. Por cá todos o tem feito. Não hé necessário mandar lentes de lá.»

Carta nº 11 – 1775, novembro, 7, Lisboa
Meu irmão muito do meu coração. Para essa Universidade vai agora hum fidalgo filho da Ex.ma Snra. D. Anna Joaquina de Lencastre, e de seu primeiro marido o Snr. da Caza da Cavallaria,( D. Ana Joaquina de Lencastre e Noronha casou em primeiras núpcias com D. Gonçalo de Almeida de Sousa e Sá, Senhor do Morgado da Cavalaria, donatário da vila do Banho) e enteado do Ill.mo e Ex.mo Governador das Armas( D. João Manuel de Almada e Melo (1703-1786), Governador das Armas e Justiças do Porto, entre outros cargos e títulos, seu segundo marido) do partido do Porto, e governador das justiças daquella cidade, cujo intento hé frequentar, e continuar os estudos, que elle já seguio nella alguns annos antes da reforma, e antes de entrar na religião da Graça, onde esteve alguns anos depois dos quaes deixou por justos motivos o hábito da dita religião, e se acha vivendo no estado clerical com o nome de Jozé de Almeida. Dezeja receber do mano o favor de mandar admiti-lo à matrícula, levando-lhe em conta para o novo curso da reforma os annos que contava já da Universidade antes da reforma, ou pelo menos alguns deles, e da mesma sorte todos os mais favores, que couberem no possível, em tudo o que respeita aos exames que devem preceder ao passe para ouvir a disciplina que lhe competir. Ainda que estou bem certo de que para recommendá-lo muito ao mano bastaõ as circunstâncias que nelle concorrem; comtudo por satisfazer ao preceito de huma pessoa, que pode mandar-me, e a quem muito dezejo obzequiar em tudo o que couber no possível, vou pedir ao mano, queira atendê-lo em todas as matérias, que poderem ser objecto de graça, e favor, de sorte que a experiência mostre a utilidade, e eficácia destes meos ofícios, que na ver ade são muito sinceros, e feitos com verdadeiro empenho, de que lhe sejão vantajozos.

Carta nº 12 - 1775, novembro, 27, Lisboa

(...) Estimo infinitamente tudo o que nessa Universidade se passou no dia do domingo destinado para a acção de graças a Deus( em 18.11.1775, pelos músicos da cidade que foram chamados à Capela da Universidade “para solemnizarem com a devida pompa a Festa de Acção de graças celebrada com a assistência do corpo da Universidade […] pela preservação da vida do Ill.mo e Ex.mo Senhor Marquez de Pombal…” por nos ter prezervado a importantíssima e precioza vida do Sr. Marquez de Pombal das terríveis machinaçoens que contra ella hia urdindo, e tecendo o malvado João Baptista Pelli ( Em 11 de outubro de 1775 foi executado o pirata genovês João Baptista Pell; que havia sido acusado de atentado contra o Marquês de Pombal, por ocasião de inauguração da estátua de D. José, em junho desse ano), e seos infames sócios até agora não descobertos. A abertura dos novos edifícios foi muito bem determinada para esse mesmo dia, e muito bem ordenado, que na ocazião delle se recitasse a oração, que fez o Prof. Dalabella ( Giovani António Dalla Bella (1723-1823), professor paduano que leccionou entre 1773 e 1790 a cadeira de Física Experimental na Universidade de Coimbra. Anteriormente, fora professor no Colégio dos Nobres, em Lisboa, de 1766 a 1772. Os novos edifícios referidos nesta carta são, certamente, o Museu da História Natural, o Laboratório Químico e o Gabinete de Física cuja construção vinha sendo delineada desde 1773 pelo tenente-coronel Guilherme Elsden, por ordem do Marquês de Pombal. Entre outros trabalhos já publicados, leia-se o de BENTO, 1993: 177-219) O Snor. Marquez há-de estar muito contente, e satisfeito, e alem do agradecimento de que elle há-de estar penetrado pelas públicas demonstraçoens do amor, e do reconhecimento dessa Universidade aos incomparáveis benefícios que delle tem recebido (o que toca ao seu pessoal) há-de tãobem achar-se muito gostozo, enquanto Lugar-Tenente de Sua Magestade nessa Universidade, por ver que os novos edifícios estão já com a última mão (excepto somente o Observatório Astronómico) e que delles se começa já a dar princípio à prática dos fins, para que são ordenados, e que prometem grande benefício e immensas vantagens à Nação Portugueza. Elle dezejava ver acabado algum dos ditos edifícios. Agora recebeu junto o gosto de ver ao mesmo tempo completos tantos, como são o Muzeo, o Laboratório Chímico, o Hospital, o Collégio das Artes, e a Imprensa. Para conhecer, de forma mais particular, a construção destes edifícios e obras no Paço das Escolas podem consultar-se as seguintes obras: PIMENTEL, 2000; MORA, 1993 e CRAVEIRO, 1990
(...) por ocazião da chegada do dito correyo. Vi o papel que fizestes, e me mandastes sobre o título de Meyos-Cónegos, e o de Cónegos Meyos Prebendados. E parece-me sem dúvida muito bem feito e que mostra não ser o dito título insignificante, nem questão de nome. Porém como elle ainda quereprezenta bem decidida a denominação de cónego meyo prebendado, dada a Luíz de Mello; por outra parte mostra não ser feito senão para impugná-la e para fazer que ella se lhe mandou dar sem justos, e sólidos fundamentos: parece-me, que se não deve aprezentar ao Sr. Marquez. Porque como hum dos pontos principaes da sobredita decizão consistio no referido título de cónegos meyos prebendados; este se deve reputar o mais sagrado da Carta Régia que ao dito fim se expedio; e certamente não seria tomado bem pelo dito Snor ao menos na prezente occazião, em que elle quer a extinção dessa controvérsia, e enquanto elle não vem a fazer o devido conceito das intrigas de Luíz de Mello. Isto mesmo pareceu tãobem a João Chrisóstomo. O Sr. Marquez o que quer hé que elles se chamem cónegos meyos prebendados, que entrem nos lugares da Secretaria e da Administração da Fazenda, Repartição do Celeiro, etc., mas não quer que elles sejaõ vogaes no Cabido, nem que se lhes incumba o cartório, etc. As novas e impertinentes queixas de Luíz de Mello talvez o ponhaõ em má-fé com o dito Snor. e lhe façaõ desmerecer huma boa parte do conceito, que elle lhe devia. Quando isso se verificar, então será o momento oportuno de fazer ver do dito Snor. as artes, com que elle o veyo surprender [sic] para o melhoramento do título. Sem dúvida o Sr. Marquez não tinha notícia das três sentenças conformes obtidas pelo Cabido contra os meyos cónegos, nem de que os autos delles se recolhem à Secretaria por ordem superior a instância do mesmo Cabido( A questão com os cónegos tercenários e meios-cónegos deu origem a diversa documentação que pode hoje ser consultada no Arquivo da Universidade de Coimbra inserida em Mitra Episcopal de Coimbra (F), nomeadamente os liv. 129, 130 e 131 (1775-1776) – (cota AUC-II-2.ªE). Leia-se, sobre este tema, a tese de mestrado, defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, de GODINHO, Carlos Alberto da Graça (2009) – A Sé de Coimbra em conflito (1758- 1780). Meios Cónegos e Tercenários em oposição aos Capitulares. Coimbra: FLUC).Vi a petição do Cabido, que se vos fez para justificar os artigos, que nella se deduzem para servir de defeza ao mesmo Cabido contra as novas queixas, e maquinaçoens de Luíz de Mello. Parece-me que fizestes muito bem em a não despachar. Como porém ella contém a defeza do dito Cabido, e pode haver prejuízo em ficar suprimida por não ser a primeira vez, em que triunfa a calúmnia; rezultando della não só detrimento do Cabido por indefezo, mas tãobem o poder imputar-se-vos o dito detrimento. Taõbem me parece, que deis conta ao Sr. Marquez da aprezentação que se vos fez da dita petição por parte do Cabido, remetendo-a ao dito Snor; e dizendo-lhe que vos não atrevestes a despachá-lo, nem da matéria della a tomar conhecimento algum sem para isso receberes ordem expressa de Sua Ex.ª que sobre elle mandará o que for servido. E com isto acho ser melhor esperares por hora, até que o mesmo capítulo depois de bem justificado possa fazer a deducção dos seos direitos. Sey que isto não hé o mais conforme ao vosso gosto, mas eu o reputo pelo mais seguro.Luíz de Mello mandou hum prezente a João Chrizóstomo. Mas este o regeitou. Sey que tem amizade com o meyo cónego Campos, mas não me parece, que seja capaz de faltar à razão, e à justiça e que contra ella lhes conceda os seos ofícios. Elle mostra-se-me muito dezejozo de fazer-vos o gosto, e que hé muito vosso apaixonado. O Bispo de Aveiro persevera nos seos projectos de tirar dinheiro do cofre deste bispado. Com este fim, e outros busca algumas vezes o Sr. Marquez, e como tem patrono, poderá pescar alguma couza por surpreza. Já vos avizei, que o Sr. Marquez depois de eu lhe falar na matéria em Junta do Erário ( A Carta de Lei de 22 de dezembro de 1761 criou o Erário Régio presidido por um inspector-geral e subordinado ao Rei. O Conde de Oeiras, depois Marquês de Pombal, foi o seu primeiro inspetor. João Pereira Ramos assistia às reuniões do Erário, como Prourador da Coroa. Pode conhecer-se a documentação produzida por este órgão administrativo pela consulta de MOREIRA, Alzira Teixiera Leite (1977) – Inventário do fundo geral do Erário Régio: Arquivo do Tribunal de Contas. Lisboa) depois de se persuadir de que não tem justiça, me disse se lhe formalizasse requerimento para assim o decidir, e vos pedi mandasses o dito requerimento, mas elle até agora não veyo; e entretanto pode o dito Bispo conseguir algum despacho contrário. Eu não posso suprir esta vossa falta; porque a minha vida hé hoje a mais mizerável do mundo; e nem tempo tenho para responder a huma carta, quanto mais para fazer reprezentaçoens. Elle argumenta com a contribuição do bispado do Porto para o de Penhafiel, mas isso se fez, porque quando se fez a divizaõ, já o bispado do Porto estava vago. Estando provido, há os exemplos do Bispo da Guarda, com o de Castelo Branco; e do Sr. Arcebispo de Évora com o de Beja. Elle quer dar por morto o Bispo D. Miguel valendo-se para isso das Cartas, e Decretos Régios; mas não vê, que Sua Magestade o houve depois por vivo quanto à sucessão do coadjutor. Remeto-vos esse papel, que hé cópia de outro, que pela Secretaria de Estado se remeteu ao Dezembargo do Paço para delle se tomar conhecimento. Pelo Dezembargo do Paço se expedio à Junta das Confirmaçoens (A Junta das Confirmações Gerais foi criada por Carta de Lei de 6 de maio de 1769, estando entre as suas atribuições a confirmação dos privilégios que tivessem sido concedidos a pessoas e instituições. A documentação produzida encontra-se no ANTT e a sua descrição arquivística está acessível em http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4643519. Nesta mesma carta se refere a consulta a esta Junta, para averiguar os privilégios da Universidade de Coimbra) para por ella se haverem as informaçoens necessárias na intelligência de que nella se achariaõ os privilégios e doaçoens da Universidade para se confirmarem. Nada porém se achou, nem consta, que a Universidade satisfizesse a dita Ley das Confirmaçoens Geraes. Não sei como isto passou, nem se se obrou com ordem superior, e de quem. Sey sim, que os ditos privilégios e doaçoens da Universidade vieraõ as confirmaçoens passadas, e assim consta dos livros dellas. Huma criada da Sr.ª Marqueza, que tem ahi hum sobrinho não sey se no Seminário, ou aprendendo para médico, a cujo favor já vos escrevi me deu há poucos dias hum grande ataque na prezença da dita Snr.ª dizendo que nada se tem feito ao dito respeito. A Sr.ª Marqueza interessa-se. Hé necessário satisfazer-lhe. Não há tempo para falar agora nas dependências de Ancião, e da caza de Pereira. Lembro a posse das fazendas compradas ao Sr. Marquez, e que para ellas se mandem primeiro tirar certidoens dos tombos das ditas fazendas, que estão em Pombal, onde se achaõ os autos originaes dos ditos tombos, para o que o ouvidor da dita vila tem ordem para mandar logo as ditas certidoens, e apromtar tudo o mais que a respeito das ditas fazendas se achar nos ditos autos, e cartório; e em conformidade dos ditos tombos se devem agora tomar as posses; o que se faz muito necessário para se arrendarem, e se não perderem os frutos deste anno.»

Carta nº 13 - 1775, dezembro, 2, Lisboa
«Mano muito do meu coração. Depois de vos escrever pelos três correyos, que partiraõ daqui juntos, soube, que por elles tinha o Sr. Marquez mandado informar de novo o provedor dessa comarca sobre os novos factos, que fizeraõ o objecto das queixas do meio cónego e do tercenário dessa cattedral reprezentadas em huma petição, que ofereceraõ ao dito Senhor. O mesmo Sr. Marquez quando elles lhe falaraõ lendo a dita petição se mostrou enfastiado, e quaze posto em cólera, e lhes perguntou se se atrevião elles a provar os ditos factos, ao que disseraõ que sim. Lendo porém immediatamente a conta do provedor se aquietou alguma couza, e os despedio, dizendo-lhes que se havia de fazer justiça. Sey que dizendo-se-lhe que vós havias de estar sentido por veres o que passava na vossa Sé, elle respondeu que não era nada convosco, e que tendes feito bem em vos não meteres nisso. Daqui tirareis as concluzoens, que se seguem. A nova conta do provedor hé que pode fazer agora muito, tendo elle todo o cuidado em examinar bem os ditos factos e em verificá-los com os documentos; que os provaõ. Se elle vos consultar, como suponho, podeis habilitá-lo com algumas notícias que elle naõ pode ter, e que fallo (?) ao cazo. Luíz de Mello taõbem aqui apareceu, publicando, que se hia logo embora mas parece que ainda cá está. Falou ao Sr. Marquez, e tanto elle, como os seos dous embandeirados obtiveraõ audiência por mediação do Geral dos Jerónimos. Joaõ Chrizóstomo está muito contra o dito Mello porque se diz que quaze lhe tomou satisfação de não aceitar o prezente que elle lhe mandou. Hoje hindo a caza do Sr. Marquez à Conferência do Erário achei lá, como esperava, o Tenente-coronel Elsden com o Livro das Plantas dos Novos Edificios dessa Universidade (em http://www.museumachadocastro.pt/pt-PT/minisitios/ContentDetail.aspx. ), os quaes estavão já vendo o Senhor Marquez e o Senhor Cardial que havia chegado pouco antes que eu. Gostei muito de ver tudo e o Senhor Marquez ficou muito satisfeito. O Sr. Cardial disse que só aquillo bastava para fazer honra a este reinado. Quando se chegou à planta onde vinha a Livraria, explanou o Sr. Marquez o como ella fica, expondo o seu projecto das duas Livrarias e a Capella no meyo, achando-se inteiramente fora do novo plano, que já vinha indicado na planta.(A proposta de remodelação da Casa da Livraria (a Biblioteca) não chegou a ser executada. Pode consultar-se sobre o tema MORA, 1993: 156 e 158). O Tenentecoronel se calou, e taõbem eu, e por hora ficou ainda nelle. Joaquim Ignácio tãobem mostrou ficar satisfeito e gavava [sic] a grandeza das salas etc. O Sr. Cardial vendo que eu sahia ao Jardim, sahio tãobem a elle, e me disse vos escrevesse, que elle me falava nas novas Constituiçoens; e vo-las lembrasse, porquanto elle se vê muito apertado pelo Sr. Marquez, que lhe pergunta muitas vezes por ellas; e dezeja com grande empenho, que vós mandeis alguma couza, que mostre ter-se dado princípio a ellas.
Lisboa 2 de dezembro 1775 [Registado na margem superior, em adenda]: Quarta-feira passada à noute à minha vista disse Fr. Manuel de Mendonça ao Sr. Marquez, que dizião, que nas obras da Universidade se tem gasto mais de hum milhão e quatrocentos mil cruzados e que só estava feito o Muzeo. O Sr. Marquez respondeu, que perguntasse a quem o dizia se esse milhão, se gastara do seu dinheiro, e acodindo eu a dizer que Sua Excelência teria já recebido notícia de que tudo o mais estava acabado etc., me disse elle que sim. Elle na verdade está contente. O Sr. Marquez conveyo em que se tomasse aquelle canto de pateo ou quintal dos Grilos,(Grilos ou Frades Grilos era a forma vulgar como eram conhecidos os Eremitas Descalços de Santo Agostinho. Em Coimbra, tiveram o Colégio de Santa Rita, fundado em 1755, construído acima do local designado por Palácios Confusos – VASCONCELOS, 1987: 280-281. É provável que tenha sido feita alguma permuta de propriedades, ainda não identificada entre o acervo documental do AUC) que quaze toca a Universidade, e que em lugar delle se lhe desse outro tanto em outra parte, que pode ser adiante.»

Carta nº 14 - 1775, dezembro, 9, Lisboa
«(...) Agradeço a diligência de mandares tomar posse da caza de Pereira. Hé certo, que meu sogro fala em entregar a caza de Condeixa, rezervando para si alguma parte della juntamente com a caza de Fermozelhe; vindo porém elle assistir nesta caza os invernos, e passando a essa província nos veroens, e tempos das caçadas. Além disso creyo, que determina venhaõ, ou venha para cá algumas, ou alguma das irmans. Com o que creceraõ talvez as despezas de sorte, que eu da dita entrega pouco, ou nenhum cómmodo tire. Elle ainda não escreveu sobre esta matéria, na qual há-de escrever a Fr. Joaquim para elle me propor os seos projectos, e depois de conferir comigo sobre elles passar a Condeixa com as minhas respostas e concluir o dito negócio, para que na primavera se faça a mudança. Sempre se poderá cuidar em alguma couza, e se comporá pelo menos a frontaria da dita caza de Condeixa. Não me ocorre outra couza. 
Lisboa 9 de dezembro 1775 [Texto acrescentado no final da carta e na margem superior]: Para tomar posse das fazendas compradas ao Sr. Marquez naõ são necessárias as escrituras de compra; huma das quaes ficou preza no cartório por onde se fez o aforamento. Basta tirarem-se certidoens dos tombos, que estaõ no Pombal, fazer petição, etc., porque nenhum impugne e para prova da venda lá estão os assentos da ciza, que se pagou da venda. Hé precizo adiantar a posse por amor do arrendamento das terras, para que não fiquem sem ellas este anno. Hé necessário mandares falar sobre isso a meu sogro, que já mandou tirar as certidoens ao Pombal.»

As cartas revelam que estas propriedades eram da Coroa, adquiridas pelo Marquês de Pombal, por ter interesses na região centro, em Pombal, a quinta da Gramela, e os registos estavam em Pombal.

Carta nº 15 - 1775, dezembro, 16, [Lisboa]
«Sábado passado partiraõ as pessoas reaes, que aqui tinhaõ ficado, para Salvaterra, para onde Suas Magestades passão hoje. Ayres de Sá (Aires de Sá e Melo (1690-1786) – v. notas 66 e 67) fica a partir taobem para lá rezidir, e assistir aos mesmos Snrs., emquanto lá estiverem, ficando aqui só o Sr. Marquez, que sempre hirá ver a Suas Magestades alguma vez. Luíz de Mello se despedio de mim já sem me ter buscado outra vez. Não sei se terá já partido, e me parece, que já não achou as águas tão claras para o seu negócio.(...) O Pe. Sebastião nosso primo pode agora ficar ou vigário de Candelária por ser falecido o que o era, ou Deaõ do Rio( O Pe. Sebastião Rodrigues Aires, cuja mãe D. Maria de Lemos Pereira, natural do Rio de Janeiro, era irmã do pai de D. Francisco de Lemos, foi deão da Sé do Rio de Janeirro – v. CARDOSO, 2011: 68; ali se publica uma carta do Bispo do Rio de Janeiro, D. José Joaquim Mascarenhas Castelo Branco, datada de 1774, enviada ao Rei D. José, sugerindo os nomes dos eclesiásticos mais aptos para exercerem cargos na sua Sé, incluindo o citado nome para Deão) O Deado rende 500 rs a vigairaria [sic] 4 mil cruzados. Poem a escolha nas mesmas maons para a petição de huma das ditas duas couzas. Estou perplexo. Dai-me o vosso parecer»

Carta nº16 - 1775, dezembro, 19, Lisboa
«Mano do meu coração. O memorial incluzo hé de hum criado do Marquez de Marialva( D. José Pedro de Alcântara de Meneses Noronha e Coutinho (1713-1799)), pelo qual elle se interessa a favor do estudante médico João da Fonseca ( Este estudante, natural de Olhão, filho de Mário da Fonseca, encontrava-se, no ano letivo de 1775-1776, a frequentar o 3.º ano da Faculdade de Medicina e o 4.º ano da Faculdade ), de quem hé o dito memorial. Peço-vos que lhe façais algum favor, e esmola, como nelle se pede, para que saiba o Marquez que atendemos às pessoas por quem elle se interessa e interpoem os seos ofícios. Deus vos remunerara a esmola, que lhe fizeres, e por elle vos concederá muita vida e saúde, como sempre lhe peço.
[o referido memorial, em folha anexa a esta carta] Ill.mo Snr. Joaõ da Fonseca estudante matriculado na faculdade de Medecina e natural de Olhão, reyno do Algarve se acha na Universidade de Coimbra na frequência dos seus estudos: mas quazi impossibilitado a frequentá-llos por lhe faltarem meios para isso, sendo seus pais pobres pello que lhe não podem assistir com todo o necessário para a sua subsistência e conservação: razaõ por que Recorre humildemente à innata benevolência do Ill.mo Snr. João Pereira Ramos, para que atendendo com olhos de piedade à sua pobreza queira interceder por elle ao Ex.mo e R.mo Snr. Reitor Bispo e Reformador irmão de V.ª Ill.ma para que o queira tomar entre o número dos muitos que com as suas pias e liberaes mãos favorece dando-lhe pello amor de Deus alguma couza para ajuda dos seus estudos: ficando elle por esta acção obrigado a rogar a Deus pello augmento temporal e spiritual de V.ª Ill.ma E R M [Espera Receber Mercê] Pede o Marquez de Marialva por ser couza de hum seu criado.»

Carta nº17 - 1776, janeiro, 13, Lisboa
«(...)Sobre a dependência dos cónegos não há, nem haverá novidade emquanto não vier a informação do provisor, que de lá deve vir bem digerida, e com a verdade posta em toda a sua luz.(...)o. Pude despachar o cunhado de Pedro Fabião, e parente de minha mulher para o lugar de juiz do crime dessa cidade, que hé o que mais conta lhe faz. Mas não pude conseguir, que o filho do Mimozo levasse huma correição ordinária. Isso mesmo que teve, não o teria, se eu o naõ lembrasse, o que pude fazer por huma cazualidade.(...)Agradeço o cuidado, que tem havido na administração, e entrega das fazendas. Sobre tudo isso se deve consultar meu sogro, que como experiente pode dirigir a João Baptista.Já sabereis, que elle me escreveu, dizendo, que me quer entregar a administração de toda a sua caza, assim de Condeixa como de Fermozelhe, dando-lhe eu huma pensão, que entendo não passa de 600$000, e vindo elle morar nesta caza. A dificuldade está no cómmodo das irmans seculares. Mas se ellas voluntariamente não quizerem hir para Convento viraõ para cá, porque sempre faz conta receber todo o rendimento da caza ainda que seja com estas pensoens quando sempre a rezolução (?) de meu sogro tem poucos exemplos. Fr. Joaquim, que partirá daqui em fevereiro hé quem há-de ajustar este grande negócio que dando-nos Deus vida poderá contribuir muito para o adiantamento da caza.»

Carta nº18 - 1776, janeiro, 19, Lisboa
«(...)Aqui veyo esta tarde, e agora se vai daqui a Sr.ª D. Marianna de Menezes mulher de Ayres de Sá, a qual depois de ter já feito a sua vizita em outro dia, veyo hoje a pedir-me com grande empenho, que vos madasse muitas lembranças suas, e que da sua parte vos pedisse os dous negócios seguintes em que ella tem empenho grande.O 1.º dos ditos negócios hé o bom despacho do requerimento que na petição a esta Junta faz Jozé Francisco de Albuquerque da vila de Annadia, que pede o ofício de escrivão do público, judicial, e notas e câmara da dita villa. O dito hé irmão, ou pay de huma aya muito estimada da dita Snra.; e hé pessoa de bem. O dito ofício há-de ter serventuário, mas parece, que consta, que elle serve muito mal, e que está em termos de se lhe tirar. Neste cazo se há-de entrar outro, quer ella que entre o seu afilhado, e nestes termos hé o requerimento de possível bom despacho. O outro negócio hé de Manuel Gomes de Beça Negrão, que tãobem pertende outro ofício. Mas o memorial este não o acho agora, hirá em outra ocasião. O 1.º hé muito grande empenho. Pelo correyo passado vos escrevi, e agora pouco tenho que acrecentar. Sahirão confessor de El Rey Fr. Mathias Frade Arrábido de S. Jozé de Ribamar(Convento de São José de Ribamar, da Ordem dos Frades Menores, da Provìncia da Arrábida, situado em Algés (c. Oeiras)), que hia a nossa quinta das Prayas, tinha sido Mestre em Mafra, e era parente do médico Payzinho ( João da Silva Moreira Paisinho (Payzinho), natural de Lisboa, filho de João da Silva Freire, estava no 3.º ano da Faculdade de Medicina em 1776; fica a dúvida se é o mesmo, uma vez que não foi localizado outro médico com este apelido), e taõbem sahio deputado da Censória. Para confessor do Sr. Infante D. Pedro o Pe. Maine dos Borras,( Fr. José de Jesus Maria Mayne (1723-1792), da Ordem Terceira de São Francisco, deputado da Real Mesa Censória) que hé deputado da Censória.Ayres de Sá me disse, que vos avizasse, que disfarçasses com hum ex- -jesuíta, que está em caza de Miguel Paes do Amaral, e lhe ensina os filhos, para que podesse pregar, porque falando-se nesta matéria ao Sr. Marquez, pedindo-se-lhe licença para confessar, e pregar, disse, que para pregar sim, porém para confessar não, e que quanto à prédica o melhor meyo era escrever ao Bispo, que o deixasse pregar. Eu verdadeiramente não sey, se o dito hé o mesmo, sobre que elle me disse, que vos escrevesse, ou se hé outro, que esteja na sua caza de Annadia, ou na de Condeixa dos Sás; porque me parece, que me disse, que a exemplo do que eu vi rezolver pelo Sr. Marquez sobre o de Miguel Paes que foi o referido vos avizasse fizesses o mesmo a respeito do outro. Por isto já tereis vindo na intelligência de quem elle hé; e o que for falará.
Lisboa 19 de janeiro de 1776 [adenda na margem inferior]: Hontem se deu a sepultura João Pedro de Souza. Tinhão falecido o Provedor dos Armazens Jozé Felix da Cunha, e Fr. António Cogominho ( Fr. António Cogominho, Eremita de Santo Agostinho).»

Carta nº 19 - 1776, fevereiro, 10, Lisboa
«(...) Aqui andam espalhadas muitas vozes vagas, e notícias que fazem haver grandes estragos na Caza da Suplicação. Dão muitos ministros por apozentados. A mim mandão-me para o Dezembargo do Paço(Só por decreto de 7 de agosto de 1778 Azeredo Coutinho teve a mercê de um lugar ordinário de Desembargador do Paço - V. Estatutos do Instituto historico e geographico brasileiro, vol. 2, p. 122) e tirão a procuradoria da Coroa, que huns dão ao Quintela (Luís Rebelo Quintela foi juiz dos Feitos da Coroa e da Fazenda) e outros a outro. Os que a dão a Quintela, poderão acertar, por que tem amigos que o lembrem o que eu não tenho, pois sempre cuidei mais em adquirir merecimento que padrinhos. Tirarei dahi o grande lucro de poder ter mais algum descanço, e não me arruinar de todo tão depressa. Não poderei queixar-me, se não da minha falta de merecimento, pois todo o mal há-de nacer dahi. Eu não podia dar boa conta de tão grande lugar sendo promovido a elle nec saltum. Tenho a satisfação de que nunca o pedi, . Como sempre dizem, que me dará o Dezembargo do Paço, vinha embora, por que com elle vinha o foro para meos filhos e sobre o mais faça-se o que Deus quizer. Eu só sentirei o que ofender a minha honra.»

Carta nº 20 - 1776, fevereiro, 17, Lisboa
«(...)O Snor. Marquez de Pombal dezeja que Suas Magestades tomem a rezolução de se recolherem para esta cidade e para os convidar a hirem para Oeiras, se quizerem, está ali mandando fazer huma caza, que possa servir para ópera.(...)Hontem me disse João Chrizóstomo, que expede hoje o Ventura. Sobre o negócio principal a que elle veyo, não sey, que tenha havido novidade alguma. Luíz Manoel me disse, que não tinhas Pontificado no dia da Purificação, o que estimei por se ter com isso evitado alguma nova ocazião de figurares na questão, que há entre o Cabido, e Luíz de Mello. Pelo que ouvi não se bole na matéria antes de vir a informação do provedor. Eu tenho sentido que houvesse essa occazião de vos declarares. Mas nem por isso tenho receyo de que ella vos faça mal. Luíz Manoel me entregou seiscentos mil réis para o pagamento das Freiras de Cós irmans de Pedro Dias pela dívida em que eu lhes fiquei pela aplicação que fiz de outra tanta quantia dellas para complemento da satisfação do preço das fazendas compradas ao Sr. Marquez. Pela remessa delles vos fico muito obrigado; porque me vejo livre das perseguiçoens das ditas freiras, que estão esperando a dita quantia com língua de palmo. Das trez fazendas compradas ao Snor. Marquez já lá sabereis, que se tem tomado posse, e que se tem arrendado segundo me diz meu sogro pelo mesmo, em que andavaõ. Ellas são vossas; pois ainda que se compraram em meu nome, e por isso para mim passou o domínio; como foi com dinheiro todo vosso, vossas são. Hé pois necessário que determineis o género de cultura a que quereis aplicá-las. O Sr. Marquez falou em outro tempo, que meyo de fazer ali grande rendimento hé o de pôr amoreiras; pois hé sítio muito próprio dellas. O mesmo tem persuadido ao Sá na quinta da Várzea, mas não sey, se o Monsenhor está nisso. Digo que falou em outro tempo, porque agora já não fala nisso. A pôr amoreiras não devem ser aos centos, porque nenhuma conta faz armar fábrica para criaçoens tão insignificantes. Hé necessário pô-las aos milhares. O Snor. Marquez tem dezasete mil em Oeiras, e na Granja. Ahi se podem pôr quatro, ou sinco mil, ou mais, e em outros sítios. Tem a grande conveniência, de que não embaraçaõ a sementeira do milho nas mesmas terras, e não custaõ a pegar. Para haver as plantas há hoje grande dificuldade. Porque o Raton, que tem feito viveiros para as criar só tem 1.200 pés, que já tem vendido (Referência à plantação de amoreiras, para criação de bichos-da-seda, devido à atividade de Jacome Ratton como produtor de tecidos e de seda. No acervo documental da Junta do Comércio existem diversos licenciamentos de fábricas, incluindo a Real Fábrica da Seda, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, cujo consulta é acessível em: http://arquivohistorico.min-economia.pt/arquivohistorico/details?id=2137. Leia-se também sobre este assunto o que diz RATTON, 1813: 56-59. Refira-se a existência na Praça das Amoreiras, em Lisboa, de um edifício da Antiga Fábrica de Tecidos de Seda, que alberga, atualmente, a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva. Citem-se ainda as obras publicadas sobre instruções para o cultivo de amoreiras e criação de bichos-da-seda: NIRSO, Tomás Sabatino (1772) - Instrucção summaria sobre o modo de cultivar as amoreiras, e de crear os bichos de seda. Lisboa: Regia Officina Typografica; e OSÓRIO, Simão de Oliveira da Costa (1773) - Tratado pratico da cultura de amoreiras, e da creação dos bichos da seda, com huma necessaria instrucção de tudo o que he congruente ao feliz successo deste trafico. Lisboa: Regia Officina Typografica). O meyo de fazer viveiros hé muito vagarozo e não dá esperanças que animem e fação entrar nisso com o gosto necessário. Pelo que só hé bom para se hirem depois ampliando muito, mas não para princípio. Joaquim Ignácio manda agora buscar de França 15 mil estacas grandes, como as que poz o Sr. Marquez em Oeiras, das quaes me disse, que para si só quer sinco ou seis mil, e que as mais são para algumas pessoas, que lhe tem encomendado, ou quizerem ainda encomendar-lhas. Que cada huma estaca, custa posta aqui dezoito vinteins, e cada mil estacas, custão trezentos e sessenta mil réis, e que fora desta ocazião não haverá outra de se fazerem vir de França as ditas estacas. E pelo que me disse, me esperançou de ter lugar a encomenda; que eu quizesse fazer-lhe. Nesta matéria nada tenho rezolvido, nem devo rezolver. As fazendas são vossas. Vós sois o que deveis determinar a espécie de cultura, que ellas devem ter! A das amoreiras se reprezenta muito útil, mas há-de ser em lavoura avultada. O Sr. Marquez já colhe bastante seda e havendo tão poucos anos que poz as estacas, já as árvores destas formaõ bosques. A agradar este género de agricultura poderiaõ mandar-se vir de França nesta occazião duas mil estacas que custaõ 720$000, ou ainda três mil, para adiantar muito esta lavoura, e neste mesmo anno se podem mandar semear para fazer viveiro dellas, que dará plantas para daqui a trez ou quatro annos, com que se pode dobrar o número dellas; e entretanto se poderaõ hir comprando ao Raton, algumas, que puder largar nos anos seguintes que custaõ a nove vinteins, e adiantão trez, ou quatro anos a sementeira dos viveiros, e por isso o Sr. Marquez ainda lhe comprou o anno passado trezentos e tantos mil réis dellas. Se vos agradar esta cultura, avizai logo para encommendar a Joaquim Ignácio as estacas, determinando o número das que devem vir; pois não hé conveniente perder tempo de adiantar a dita cultura, e a resposta deve vir logo; porque como El Rey aforou 15 grandes cazaes em Abrantes, terra própria para ellas, e todos os emfiteutas querem por amoreiras, se se não previne Joaquim Ignácio com a encomenda, encherá o número com as dos ditos novos emfiteutas. Para a criação dos bichos há-de ser necessária fábrica e caza (Em Portugal restam vestígios arquitetónicos do que foi um empreendimento deste género, em Trás-os-Montes. Refira-se o Real Filatório de Chacim (c. Macedo de Cavaleiros) fundado em 1788. A ruinas atuais permitem identificar o que foi o edifício da fiação, a casa dos casulos dos bichos-da-seda, etc). Para esta poderá servir a da quinta, que na Ega tem Tomaz Caetano, que por todos os modos se deve segurar para a caza, ou em pagamento da dívida, que elle deve, a meu sogro, no que se cuida, ou comprada na execução, que ao dito Thomaz Caetano fizer a Patriarcal, a qual não tardará muito. Porque comprada, ou adquirida a dita quinta, e depois o prazo de António Teixeira Ál[va]res, que nesse cazo já se poderá tomar por encravado, unido tudo ao prazo comprado ao Sr. Marquez, ao do lizeirão de meu sogro, e a outras muitas fazendas separadas, que elle tem no mesmo caminho de Condeixa para Ega ficará hum fazendaõ respeitável, qualquer que seja a cultura, a que se quizer fazer a aplicação delle. Hé necessário lembrar-vos taõbem que eu pelo privilégio de Dezembargador não pago jugada; que nas terras da caza de Pereira que pagaõ raçoens à Caza de Aveiro, e reguengos da Coroa, se pode fazer compozição para ficar pagando qualquer quantia certa; porque assim se tem determinado mandar fazer para todos os moradores dos reguengos, que se quizerem compor, para se livrarem de bulhas, e questoens com os rendeiros. Além disto as pastagens das terras quando não estão afrutadas, são commuas a todos os vizinhos; eu como Dezembargador posso rezervá-las para mim, e coutar as minhas terras para nellas só entrarem os meos gados, e não os tendo vender as ditas pastagens, o que faz hum novo ramo de renda: e as terras assim coutadas, ficaõ para sempre, posto que tapadas, e muradas não legão (?); mas para isto hé necessário unir pedaços contíguos, encravados, e intermédios. Huma das melhores couzas, que se podem adquirir para a caza, são huns foros, e raçoens, que os Padres Jerónimos de S. Marcos tem em Condeixa, o que elles poderiaõ largar por algum padraõ de tença. Taõbem o Morgado de Coelheiros possue parte das raçoens dos quintos em dous cazaes do morgado comprado ao homem de Ourem. E seria muito conveniente fazer com elle algum ajuste para tudo ficar unido. Podendo-se fazer as compras do que pertence aos referidos Padres de S. Marcos, e Morgado de Coelheiros, então poderia dizer-se com bom fundamento, que éramos Snores. de Condeixa. Mas tudo isto deveria ser manejado com muito segredo; porque há quem disso muito se doe.»

Carta nº 21 - 1776, fevereiro, 24, Lisboa
(...)Depois do correyo revolvendo alguns papeis, achei huma carta, que vos tinha escrito ainda em janeiro, e que entendendo eu ter-vo-la remetido, vim a convencer- -me de que não o fizera; e por isso vo-la dirijo incluza nesta. Tereis o incómmodo de lê-la, por que nella vão humas recomendaçoens da Snra. D. Mariana, e de Ayres de Sá para vós. Já vos avizei de que João Chrizóstomo quiz ler a vossa carta ao Sr. Marquez, e que este por elle lhe dizer logo a matéria sobre que ella versava, lhe disse que não podia lê-la pela muita occupação, com que sabia, que elle andava; acrecentando, que como estavaõ a vir as informaçoens do provedor, então se daria providade a tudo junto. O dito Chrizóstomo não está nos interesses de Luíz de Mello. Não vos persuadais que terias feito melhor se escrevesses direitamente ao Snor. Marquez sobre a referida matéria. Poderia elle entrar em suspeita de que estavas parcial dos cónegos (É abordada novamente a questão dos meios-cónegos e mais uma vez Azeredo Coutinho aconselha D. Francisco de Lemos a não se envolver no assunto. Em causa, estava o interesse dos meios-cónegos e tercenários em aceder a lugares de capitulares da Sé de Coimbra. Esta questão começou a ser dirimida em 1758 e apenas terminou em 1780), assim como lhe occorreu, que estarias voltado, quando lhe falastes na restituição do Colégio de S. Pedro à Universidade; e o negócio prezente hé tanto mais melindrozo, quanto elle já vos tinha insinuado, que nelle não vos metesses. Como a informação do Provedor vem boa, e com as provas necessárias, hé natural que vá ao Dezembargo do Paço e sey, que os Ministros hão-de fazer justiça. O ponto hé, que a dita informação venha logo. Pelo mesmo tempo não seria mao, que viesse huma reprezentação do Cabido, para se juntar, e ver tudo ao mesmo tempo.Manuel Jozé Álv[a]res fez bem em morrer antes do golpe, que o esperava (Manuel José Álvares de Carvalho foi reitor do Real Colégio de São Paulo, de Coimbra, até 1772 e foi lente substituto da Primeira Cadeira Analítica de Cânones, tendo falecido em 16.02.1776. - V. RODRIGUES, 1992: 94. Muito provavelmente, iria ser afastado desta cadeira, a levar em conta a expressão: “fez bem em morrer antes do golpe que o esperava”. He sem dúvida, que a falta de lentes há-de cauzar dezordem grande… Podeis dar conta da necessidade que há de lentes. Na cauza do médico de Condeixa nem meu sogro me tem falado, nem falará, porque já sabe que eu não quero figurar em semelhantes negócios. O médico aqui veyo, mas nem me buscou. Negociou por via do D. Prior huma provisão do Dezembargo do Paço, com que se recolheu a Condeixa. Quando Joaquim Ignácio leu ao Sr. Marquez a carta, em que Foucault lhe pedia beneplácito para fazer as contas do Cabido, eu estava prezente e o Sr. Marquez não respondeu aprovando a eleição delle mas sim, que devia fazer a dita conta por vos ajudar, o que elle tãobem faria se podesse. Hé certo, que elle ainda vos não supoem [sic] parcial dos cónegos. Os negócios da Mitra, que respeitam ao Bispo de Aveiro, não tem dado passo; porque em lugar de huma petição, ou requerimento formalizado, como mandou o Sr. Marquez, veyo huma alegação, que posto que seja muito boa, se deve formalizar em requerimento, o que eu ainda não pude fazer, nem por mim, por falta de tempo; nem por outrem por não ter quem mo faça. Verei porém como hei-de adiantar isso. Desse embargo da renda de Barrô pelo Bispo de Aveiro não sey ainda se hé mais fundamento que o geral (Em todo este parágrafo se alude à questão entre a Mitra Episcopal de Coimbra e o Bispo de Aveiro, pela delimitação de territórios de ambos os bispados e receita de rendas e dízimos, sendo D. Francisco de Lemos, como governador do bispado de Coimbra, um dos envolvidos. Quinta-feira se tomou a rezolução de se vos mandarem remeter dous caixotes dos papéis pertencentes ao Collégio da Madre de Deus de Évora(A documentação referida encontra-se incorporada no acervo do Arquivo da Universidade de Coimbra. A sua descrição arquivística pode ser conhecida em CAPELO, 2010; 
acessível em https://www.uc.pt/auc/fundos/ficheiros/UE_Inventario_Universidade_Evora instituído pelo Dezembargador Heitor de Pina( Foi o fundador do referido Colégio, juntamente com sua mulher D. Francisca de Brito, em 1583 – v. ob. cit. na nota anterior, p. 31. para 13 colegiaes estudantes; com ordem para se fazer a arrecadação dos bens delle para o Colégio das Artes, a que elle se manda unir. Terá 3 mil cruzados de renda. A igreja da Cumieira (Esta igreja e a de Alcafache (a seguir referida) passaram a fazer parte do padroado da Universidade. O traslado das Letras apostólicas do papa Pio VI, de 02.05.1775, de união das duas igrejas paroquiais de Santa Eulália da Cumieira e de São Vicente de Alcafache ao Colégio das Artes, entendo que rende certos de 12 até 15. A de Alcafache, que encontra-se inserido em volume, contendo documentação diversa relativa ao Colégio da Madre de Deus de Évora e ao Colégio das Artes (cota AUC-IV-1.ªE-6-2-9).se entendeu render 5 mil cruzados, dizem que só rende 400$000. Manda-se suprir este engano com a união de huma conezia dessa Catedral. Estou vendo se se tira o encanto (?) da que está vaga querendo, que seja ella a unida. O Sr. Marquez vos ordena em carta sua, que proponhais logo reitor para o dito Collégio. Tinha determinado, que formalizasse os Estatutos regulando-vos pelos de Mafra. Porém João Chrizóstomo lhe fez a aprovação, que elle já fazia do vosso diferente plano; e estando já feita a carta, para vós, e assinada, tomou outra rezolução. O Sr. Cardial diz, que o Colégio deve ter 40 mil cruzados. Há-de ter 100 collegiais e querem que paguem 60 mil (?) cada hum. Toda a demora, que há na expedição do correyo, que leva estas ordens, procede de se estar copiando primeiro na Torre do Tombo o testamento do dito instituidor Heitor de Pina, para ficar nella o original, e hir para lá huma copia authêntica (O traslado deste testamento foi feito em 29.02.1776, estando o documento autenticado por João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, como guarda-mor do Real Arquivo da Torre do Tombo. Foi enviado à Universidade e encontra-se inserido no volume citado na nota anterior. Boa occazião será de accomodar Luíz Manuel porque hé muito capaz para Reitor, e não se achará outro semelhante. Sempre hé huma dignidade de huma Sé. Para ser hum lente, fica sendo o reitorado pendanga. Como há-de hum lente assistir a cadeira, e aos actos, e mais funçoens, e ter ao mesmo tempo cuidado nas couzas do Colégio. A renda deve ser competente.
Lisboa 24 de fevereiro de 1776 [na margem superior, acrescentando]: Por não virar a folha na carta que acompanhou os 14 barris primeiros das lampreas, estive em dúvida sobre o destino delles; e nesta dúvida rezolvi mandar 8 ao Sr. Marquez e seis ao Sr. Cardial. Tendo ido já os 6, soube que vinhão tãobem 3 para João Chrizóstomo, e como não havia de mandar ao Sr. Marquez menos de 6, mandei os dous ao dito Chrizóstomo. Agora se preencherá a conta delle, e direi o que se faz sobre estes últimos.»

Carta nº 22 - 1776, março, 2, Lisboa
«(...)Sua Magestade passou muitas dores, e algumas convulsoens da sexta- -feira passada para o sábado, o que o obrigou a mandar pela meya noute do sábado para o domingo o escaler a buscar o resto dos médicos da câmara que estavaõ nesta cidade: foram os ditos médicos, e da junta, que fizeraõ rezultou mandarem deitar nos caldos sumo de azedas, e de chicórea, e mudar-se dos digestivos, que se aplicavaõ às pernas. Depois disso tem o mesmo Snor. passado quaze no mesmo estado, alguns dias com dores, e convulsoens, e com huma grande vigília, e outros com mais algum alívio, e somno. As chagas das pernas, que antecedentemente estavaõ com má cor e denegridas achaõ-se já com melhor cor, e tem suporado muito, e vão suporando; e nisto consiste toda a melhoria do dito Snor. O médico Alberto de Azevedo(O médico Alberto de Azevedo Coutinho, natural de Lisboa, obteve a formatura na Faculdade de Medicina, em Coimbra, em 1737 e foi um dos médicos da Real Câmara. ainda insiste na sangria que entende será muito útil para abreviar a cura. Mas como Sua Magestade tem repugnância a ella, acha-se só no dito voto. Esta cura há-de ser mais vagaroza do que todos dezejamos. Tudo em Salvaterra está desconsolado porque não aparecem as Pessoas Reaes e só o Sr. Infante vai por dentro do Paço ( Desde o séc. XIV que são conhecidas referências documentais relativas ao Paço de Salvaterra de Magos. Com o terramoto de 1755 o edifício ficou arruinado e foi reconstruído por obra dos arquitetos José Joaquim Ludovice e Carlos Mardel. No reinado de D. José adquiriu grande a hum jogo de bola, que vitalidade, com a atividade musical, no Teatro de Ópera que também lhe estava anexado e no Palácio de Falcoaria Real. O Paço viria a ser destruído num violento incêndio, em 1824, pouco restando do magnífico edifício que ali existiu e onde, nos meses de inverno, a família real passava grandes temporadas - v. CORREIA; GUEDES (1989).(...)Acha-se inteiramente parada a assinatura. Luíz Manuel de Menezes me entregou os papéis incluzos para vo-los remeter com esta carta. Dos barris que vieraõ depois dos primeiros, mandei huma dúzia ao Sr. Marquez, que com os primeiros 6 fazem 18; e ao Sr. Cardial mandei mais 6, que com os 6 antecedentes fazem 12; mandei mais três ao João Chrizóstomo, que com os dous antecedentes fazem 5, o que faz o número de 35. Dos outros tenho gasto dous em caza: e hei-de aproveitar-me da liberdade, que me dais, para facultar a Sr.ª D. Maria, que mande alguns a algumas amigas, que a lizongeaõ com outras semelhantes ( Mais uma referência a ofertas de barris que D. Francisco de Lemos, habitualmente, enviava a seu irmão, como o atestam outras cartas, transportando lampreias, morcelas, etc., referidas também na carta seguinte).»

Carta nº 23 - 1776, março , 13, Lisboa
«(...)Sua Magestade vai passando ainda com dores, que lhe cauzão as suas feridas; as quaes já se achaõ com melhor aspecto, e se vão curando. Porém, está o dito Snor. magro, e por causa do calor da caza acha-se tãobem incommodado de hemorroides, e dificuldade de obrar. Passa com melancolia, e continua em não se querer sugeitar aos remedios que os médicos lhe receitaõ para correger os humores, cujo decúbito lhe tem feito as ditas feridas (São comuns, ao longo das cartas, as descrições do estado de saúde do rei D. José e a manifesta preocupação sentida por Azeredo Coutinho).
Martinho de Mello ( Martinho de Melo e Castro (1716-1795) era então Secretário de Estado da Marinha e do Ultramar, cargo que exerceu até ao seu falecimento) veyo no domingo para cuidar na expediçaõ da nao da Índia e cá se acha ainda. Alguns bispos têm escrito ao Sr. Marquez, dizendo-lhe, que pelo Núncio lhe foraõ remetidas a Carta Encíclica e a Extensão do Jubileo, e que antes de fazerem por ellas obra, querem saber, o que ao dito respeito hé do agrado de Sua Magestade e de Sua Ex.ª. E sey eu, que elle respondeu a alguns, que naõ publicassem a dita Carta e Breve, emquanto o não vissem publicado na capital do reino. Entende-se, que a cauza da dita re[s]posta hé hum reparo, que a Meza Censória rezidente em Salvaterra propoz ao Sr. Marquez por occaziaõ do que diz o Papa na Extensão do Jubileo negando faculdade aos confessores para absolver os complices [sic] dos peccadores de lascívia com elles cometidos, remetendo-se a declaração (?) da Bulla Sacramentum Poenitentioe do Papa Benedito XIV do anno de 1741,( Bula cuja data completa é 01.07.1741 na qual impoz excomunhão mayor ipso facto aos confessores, que o contrário fizessem rezervada ao Papa. Esta rezerva parece, que hé a que deu lugar ao reparo de que se supoem autor Fr. Luíz do Monte Carmelo, cuja religiaõ se tem mostrado contraditória da dita bula. Amanhãa se congrega a Meza (Referência à reunião da Real Mesa Censória da qual era deputado Fr. Luís do Monte Carmelo, da Ordem dos Carmelitas Descalços, consultor do Santo Ofício e examinador das Três Ordens Militares. A carta seguinte continua o mesmo assunto) para nella se propor esta matéria. Porém o Breve da Extensaõ do Jubileo está concebido da mesma sorte, que o da Extensão do (?) anno de 1750, que não consta tivesse contraditor; e parece, que nem este o deve ter. Ouvi, que no Pároco Instruído do de [sic] Penhafiel se toca alguma couza na matéria, mas eu não a li nelle ( Publicado sem autor, mas atribuído a Fr. Inácio de São Caetano (1719-1788), Bispo de Penafiel – Idea de hum perfeito pároco, instruído nas suas obrigações e instruindo as suas ovelhas na sólida piedade. Lisboa: na Regia Officina Typografica, 1772. A Sr.ª D. Mariana de Sá me aperta para que vos escreva que naõ vos esqueçais dos seos dous afilhados. Fico entregue das morcelas (?) e lampreyas, as quaes farei distribuir conforme o vosso gosto e taõbem conforme a liberdade que nos dais. Como veyo Martinho de Mello entrará na partilha. O Cardeal tem estimado a lembrança.»

Carta nº 24 - 1776, março, 16, Lisboa
«(...)O negócio a que fui chamado na quinta-feira à Meza Censória hé o mesmo de que já vos avizei. Sendo questão entre os teólogos se o sacerdote podia confessar os seos cúmplices nos peccados do sexo; segundo a melhor parte delles que não, pelo perigo de peccarem, tendo algum delles alguma deleitação no acto da confissão etc., e sustentando os probabilistas,que sim; sahio Benedito XIV com a bulla Sacramentum Poenitentiae – do ano de 1741, em que tirou aos sacerdotes confessores a faculdade de confessar os seos cúmplices no dito peccado, permitindo-lho só no artigo da morte no cazo de não haver então outro confessor; e rezervando para si a escomunhaõ [sic], que poz aos sacerdotes que o contrário fizessem (...) Ell Rey está melhor com o uzo de banhos de leite, e mezinhas do mesmo, etc., e já ouve contar (?) e conta taõbem a sua história.»

Carta nº 25 - 1776, março, 21, Lisboa
«(...)O dito Amaral chegou aqui no sábado passado, pelo meyo dia, quando eu me achava na Ajuda, donde me naõ recolhi se naõ muito tarde. As lampreas vivas chegaraõ mortas, dizendo elle, que humas acabavaõ de espirar [sic] havia pouco tempo. No domingo de manhãa cedo as remeti logo com oito barris ao Sr. Marquez, contando o cazo, e successo do projecto de chegarem vivas. Disse que havia poucos dias, que o Snor. D. João as remetera vivas de Salvaterra ao Sr. Marquez, e que sem embargo de as trazerem em vazilha com areya metida sempre dentro da água do Tejo, não chegaraõ vivas, mas que sempre se podia aproveitar o sangue, etc. Ao Sr. Cardial fiz terceiro presente de meya dúzia, e a Martinho de Melo, que chegou de Salvaterra a preparar a nao da Índia, e cá se acha ainda, mandei huma dúzia de barris tudo em vosso nome. João Crizóstomo tem tido quatro barris em cada uma das condutas (Nova referência ao consumo de lampreias, desta vez com a acrescida informação sobre a forma de conservação dos seus barris, a crer que fosse feita em condutas de água).O dito João Chrizóstomo me communicou os descobrimentos, que cá se fizeraõ da collusão, que se supoem ter havido no arrendamento das rendas dessa Universidade, que se arrendaraõ por 22 contos de réis, ficando os arrematantes do pé para a maõ com 22 mil cruzados de lucro, que por huma escritura repartiraõ entre si, ficando alem disso salvos aos rendeiros, que subarrendaraõ os ramos partidos da dita massa, os lucros que elles esperavaõ receber dos ditos subarrendamentos ( Alusão ao sistema de arrendamento das propriedades em «ramos». Esta designação reporta-se a parcelas de propriedades que se arrendavam em conjunto. Algumas vezes, ocorria o subarrendamento por parte do principal rendeiro, com o objetivo do lucro. A designação de «massa» era também usual para identificar todo o património, formado por propriedades diversas).Este descobrimento entendo que foi feito por huns sugeitos, que cuido eraõ alhegados, e tinhaõ hido com recomendaçoens para serem atendidos nos termos hábeis, não sei se ao Escrivão da Fazenda, os quaes parece que só pertendiaõ alguns ramos, e naõ os tiveraõ pela razaõ de se arrendar a massa junta. Observa-se que houve grande prejuízo no arrendamento de toda a massa, e que à vista delle não convém, que a Universidade assim arrende as suas rendas, podendo fazer mais renda, arrendando-as com diversos ramos, visto ter facilidade de cobrar por efeito do seu privilégio ( É citado o privilégio da Universidade de cobrança de rendas, à semelhança do património régio. Leia-se o Alvará Régio de 28 de agosto de 1772, pelo qual foi extinta a Mesa da Fazenda da Universidade, tendo sido criada, em substituição, a Junta de Administração ou Junta da Fazenda. O § X deste Aviso refere, concretamente, que nos contratos de arrematações se observam as mesmas condições com que se arrematam os da fazenda real – v. COSTA, 1961: 275-279 e que deve pôr editaes quando arrendar, quando se arrendar em ramos porque entaõ concorrem os rendeiros das próprias terras delles que são os que mais dão, e melhor podem segurar os pagamentos. Observa-se ter-se feito a arremataçaõ a hum João de Araújo Lima homem de negócio taõ conhecido por mao pagador, e pouco seguro, que tendo tomado rendas de muitos contratos reaes nunca pagou algum sem execuçoens, e por isso já se lhe naõ arremata contrato algum. Porém tudo isto me disse João Chrizóstomo, que ainda não sabe o Sr. Marquez. À vista disto faz-se precizo que pela vossa parte haja mais vigilância sobre o referido ponto, e tudo o que pertence à Fazenda e que não descanseis tanto sobre o escrivaõ della, que este possa e venha a ter todo o influxo nessas arremataçoens em que vai tanto como agora se reconheceu; porque ainda que o escrivaõ seja muito fiel, como homem, pode deixar de penetrar alguma traficância, que haja, e hé necessário que haja quem lha advirta, e o faça ser mais diligente, principalmente quando a nação dos rendeiros hé taõ costumada a dolos, enganos, e colluzoens ainda mayores. As notícias de Salvaterra são todas de que Sua Magestade vai continuando a experimentar conhecidas melhorias, e que brevemente se porá em pé.»

Carta nº 26 - 1776, março, 23, Lisboa
«Mano do meu coração. Serve esta taõ somente de acompanhar a carta incluza de António Caetano da Silva Morais Castro Sarmento ( Filho de Lourenço de Silva Sarmento, natural de Vinhais (d. Bragança) estudou na Faculdade de Cânones de 1761 a 1766. Fez formatura em Cânones em 1765 - v. Universidade de Coimbra (F); Processos de carta de curso (SR), 2ª s., cx. 38. opositor às cadeiras dessa Universidade taõ distinto pela sua literatura, e talento, como hé pela qualidade do seu na[s]cimento. Impossibilitado para vos aparecer prezentemente por cauza dos graves dependentes da sua caza, que aqui se acha tratando, e que absolutamente não pode dezemparar [sic] sem muito grande ruina, e perda irreparável, tomou a rezolução de aprezentar-se-vos, e de dirigir-vos por esse meyo as suas reprezentaçoens, e as súplicas, que vos faz. E para lhes dar mais algum pezo, solicita a minha recommendaçaõ, e apoyo, valendo-se para consegui-lo da mediaçaõ de huma pessoa de grande respeito para nós ambos, e que ambos nós dezejamos muito servir. Rogo-vos, que o atendais, e favoreçais em tudo o que for possível; pois me consta ser na verdade muito benemérito, e todo o benefício que lhe fizeres, me deixará na mayor satisfaçaõ pelo grande empenho que tenho, de que meos offícios lhe sejaõ profícuos.»

Carta nº 27 - 1776, março, 27 (?), Lisboa
«(...)Muito estimarei, que se salve o honrado Fr. António Caldeira ( Fr. António Caldeira, monge da Ordem de S. Bernardo) pelo qual eu já fiz fervorozos, e instantes ofícios na ocaziaõ do despacho passado; mas todos infrutíferos. Receyo-lhe porém muito e muitíssimo, porque tem enemigo, que tem trabalhado, e conseguido arruiná-lo no conceito do Snor. Marquez; mas hé sem dúvida, que com manifesta injustiça, e iniquidade. Queira Deus que se não accenda agora o espírito da parcialidade contrária que lhe tirem até o lugar de chronista, do que está ameaçado há muito tempo sem eu poder ser-lhe bom( São comuns as notícias sobre as intrigas na corte e redes clientelares que procuravam influências junto do Marquês de Pombal e este é apenas mais um dos exemplos. A respeito de todos os outros propostos assim teólogos, como médicos, fiat justitia. A proposta, que tem por objecto a assistência dos quatro Padres Camillos nesse Hospital, taõbem tem no meu conceito muito perigoza a sua aprovação. O Sr. Marquez por diferentes vezes tem estado para mandar sahir deste reino os Camillos, que estaõ no Hospital desta corte. Hoje porém está de outro acordo; pois lhes deu lugar no novo Hospital de S. Jozé ( Referência à Ordem de S. Camilo de Lellis, designada normalmente por Congregação dos Clérigos Regulares Ministros dos Enfermos de Portugal e dos Algarves. Em Lisboa, possuíram residência no Poço do Borratém, desde 1759. O novo Hospital de São José a que é feita referência foi inaugurado em abril de 1775, sucedendo ao antigo Hospital Real de Todos os Santos cujo edifício ruiu com o terramoto de 1755. Estava instalado no antigo Colégio de Santo Antão da Companhia de Jesus, tendo sido este edifício cedido pelo rei D. José, razão pela qual recebeu o nome de São José. Poderá conformar-se. O Snor. Cardial pode hoje muito com o Snor. Marquez. Na ocaziaõ da outra consulta das Faculdades Jurídicas fiz-lhe a lizonja de lhe hir mostrar, como couza insinuada por vós, as cópias das contas, que me mandastes [sic], com as quaes elle ficou porque me pedio lhas deixasse naõ me sendo necessárias. Agora será precizo fazer o mesmo para ver se se salva Fr. António Caldeira, e o segundo Crúzio. (...)Tornando ao Sr. Cardial, o seu voto hé, que para se atrahirem estudantes às aulas de Medicina hé necessário diminuir-lhe os annos do curso académico. Porque 9 anos metem medo, aos que podem seguir a Faculdade, que todos são pobres ( Os nove anos de frequência, dos preparatórios médicos e do curso médico, vigoraram até meado do século XIX. Eram constituídos pelos designados anos de preparatórios médicos, estudando no 1º a 3º ano de Matemática e de Filosofia e, posteriormente, durante seis anos na Faculdade de Medicina. Eu naõ sou de parecer, que os Estatutos se revoguem, nem alterem em couza alguma. O Cardial Patriarca ainda naõ publicou a Bulla do Jubilo do Anno Santo. Eu vi o régio beneplácito, com que ella foi restituída ao Núncio. Dos progressos da Consulta da Meza Censória não tenho notícia. O afilhado de Anadia da Sr. D. Mariana hé hum irmão de huma sua criada D… N. , que ella estima muito, e parece, que hé pessoa de bem.»

Carta nº 28 - 1776, abril, 1, Lisboa
«(...)Sey que o Sr. Marquez não está pela arrematação da renda dessa Universidade que ultimamente se fez a João de Araújo Lima, e que por occazião disso determina mandar huma Provizão, porque as arremataçoens das rendas dessa Universidade, que excederem a quantia de 400 ou 800 mil réis subaõ por consulta para cá serem aprovadas por Sua Magestade por se conhecerem cá melhor os arrematantes, fazendo-se ahi praticar o mesmo que o dito Snor. tem determinado, a respeito das rendas da Patriarcal, para evitar alguma colluzão dos rendeiros com os oficiaes da Fazenda. E a razão, por que a dita Provizão não vai já, hé porque com ella hão-de hir as condiçoens, que cá se tem determinado, se observem nos arrendamentos das rendas, assim respectivas ao tempo, como a outras circunstâncias, as quaes condiçoens mandou o dito Snor. Marquez se procurassem, e copiassem, para se remeterem, e ficarem constituindo huma regra certa ( Nunca chegou a ser concluído o trabalho de elaboração de uns Estatutos Civis e Económicos que regulamentassem a gestão económica, formas de arrendamento de bens, etc. A Universidade reger-se-ia por diplomas que pontualmente lhe eram enviados. Pode consultar-se a Legislação académica desde os Estatutos de 1772 até ao fim do anno de 1850. Colligida e coordenada por ordem do excellentíssimo senhor Conselheiro Reitor da Universidade de Coimbra (1851). Coimbra: Imprensa da Universidade.Tudo isto procedeu da pouca atenção, que lá se teve com certos recommendados; perde a Universidade a regalia de arrendar livremente as suas rendas, de que até agora gozou; mas como isso hé para mayor rança, e aumento dellas não tanto para agora, como para o futuro, não hé couza, que possa desconsolar-vos. O Sr. Marquez ainda não vio as vossas últimas contas.(...)Lá estará já o Godinho ( Trata-se, certamente, da referância ao doutor José Joaquim Vieira Godinho, professor da Faculdade de Leis, na cadeira de Direito Civil Pátrio, desde 1773. Foi também procurador da Universidade, em Lisboa, que não deixou de ter aqui as suas melancolias. O Sr. Marquez não lhe falou na despedida, nem viu os papéis, que ultimamente lhe foi levar, (porque eu não me quiz encarregar delles, receyando algum cazo funesto, que não pudesse acautelar, e embaraçar) mas fez-lhe dizer, que se podia recolher (o que eu já lhe tinha dito há hum anno), e havendo quem lhe expoz a desconsolação em que elle estava pelo receyo de ter incorrido na desgraça de Sua Ex.ª por algum motivo, recommendou o dito Sr., que lhe segurassem, que não, e que só pelo seu grandíssimo embaraço lhe não falava.(...)Dos 15 barris de lampreas mandei logo 8 ao Sr. Marquez, 6 ao Snor. Cardial, e ajuntando ao outro mais três, que ainda cá tinha mandei 4 a João Chrizóstomo. Martinho de Mello levou só os 12 pela vez que disse. Agradeço a remessa das morcellas.
Hontem veyo aqui Jozé de Vasconcelos e Souza ( Referência a José Luís de Vasconcelos e Sousa (1740-1812) que, pelo casamento, viria a ser 1º Marquês de Belas e 6º Conde de Pombeiro. Era Desembargador da Casa da Suplicação e Conselheiro de Estado) saber como succedeu o cazo dos porcionistas, e empenhado, em que elle se não tomasse de sorte, que houvesse grande castigo, etc. Disse-me, que estava certo, que vós o não havias de pintar com cores mais feyas, e antes vos não havias de esquecer da vossa costumada moderação. Mostrava empenhar-se tãobem pelo Collégio ( A alusão ao Colégio tem aqui lugar por José Luís de Vasconcelos e Sousa ter sido porcionista do Real Colégio de São Paulo, em Coimbra, enquanto estudante).Como o Sr. Marquez não vio hontem a carta, não soube nada até hontem. Hoje poderá vê-la. Fizestes bem em mandá-los prender nas cellas, e dar conta; mas hé necessário inquirir os sócios, e contrários, para se castigarem os culpados.»

Carta nº 29 - 1776, abril, 18, Lisboa
«(...) Deus abençoe o nosso Gabinete, e nos conserve por largos anos a precioza vida do nosso amável e incomparável Marquez de Pombal, em cujas luzes probidade, boa fé, e dexteridade faço tanta confiança, que nada receyo em detrimento da paz pública; emquanto elle conservar os alentos vitaes.
(...)Como meu sogro está mais perto da Quinta de Pereira ( Trata-se da Quinta de Pereira, c. Montemor-o-Velho, onde João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho possuía um considerável património rústico), e entende de agriculturas, escrevi-lhe que fosse vê-la, e cuidasse em mandar plantar-lhe árvores de fruta de boas castas etc., o que elle tem feito em parte. Parece-me porém, que para a dita quinta ficar boa, e nella se unir o útil com o agradável, que sempre rezulta da boa ordem; quandos fores à Quinta da Mitra (Referência à Quinta de S. Martinho do Bispo que tinha também esta designação e era considerada uma Quinta de recreio, já mencionada em cartas anteriores – v. nota 151), deis [sic] lá huma vista de olhos, levando convosco o Elsden (Tenente-Coronel Guilherme Elsden, arquitecto das obras pombalinas da Universidade de Coimbra, já referido anteriormente; que façais tirar huma planta de todo o território della, formar ruas, e repartir o terreno, para horta, jardim, pomar de fruta, de caroço, de espinho, etc., dispôr ruas compridas, em que se ponhã (?) árvores silvestres; e que para isso vá tãobem em todo o segredo o vedor de ágoa, quando vier, para dizer onde se achará ágoa, assim dentro, como de fora da quinta; porque havendo-a fora, e perto, se pode comprar a propriedade, onde a houver. Eu não desgosto do sítio da quinta, e como ella hé huma boa fazenda, por isso dezejo adiantá-la. Os frutos recolhidos de milho, e azeite, hé tempo de se venderem; porque daqui em diante abaterá o preço principalmente do pão, porque o anno vai bem principiado. Do producto dever-se pagar primeiro que tudo todas as despezas que lá tiver feito João Baptista por occazião da administração, direitos dados a João Negrão para a jornada; depois as pensoens, que eu pago ao dito Negrão, à Sr. D. Teodora, e a minha mulher dos seos alfinetes, que tudo importa 87 moedas, que eu dezembolço para isso; e o que ficasse se deve aplicar para os benefícios, de que depende a melhoração da caza; pois ainda que eu necessite para os gastos desta caza, comtudo será mais conveniente aplicá-lo para o restabelecimento das propriedades, etc., pois ainda que agora não renda, passado algum tempo pagará as despezas que agora se aplicarem, e os juros. Esta hé a minha tenção; mas como este anno há pouco, pagas as despezas que lá se tem feito pelo dito motivo; quero que se ficar, sirva para , comprar duas terrinhas encravadas na Tapada de Pereira, huma terra sita acima da Quinta de Ansião, e o mais que for necessário; que havendo abegão na Quinta de Pereira se compre gado, que esterque as terras da quinta para aumentar a producção do pão, e que se vá fazendo o que poder ser, etc., e o que não pouder ser, se rezerve para a producção do anno seguinte.»

Carta nº 30 - 1776, abril, 23, Lisboa
«(...) já, que estamos fora do receyo de guerra e que para mais seguro vínculo de paz se acha ajustado o cazamento do Príncipe com huma irmãa do Rey de França. O Palácio das Necessidades está preparado, e mobiliado [sic], dizem, que para o Duque de Chartres filho primogénito e futuro successor da Caza de Orleans, o qual há-de passar por esta costa em huma armada de Toulon, e se espera que aporte aqui. Sua Magestade vai passando bem em Salvaterra, donde se espera no mez seguinte, huns dizem que a 3, e outros depois. Tem já assinado muitos papeis, e vai correndo a assinatura. Chegou a nao de guerra que tinha hido ao Rio de Janeiro buscar os quintos, e ouço que em ouro e diamantes traz 10 ou 12 milhoens. Nelle veyo o Morgado de Mateus que acabou o seu governo de S. Paulo ( D. Luís António de Sousa Botelho Mourão, 4.º Morgado de Mateus, terminara em 1775 o exercício do cargo de governdaor da capitania de São Paulo. Por sua vez, a referência à nau de guerra tem lugar pela «Real extracção de diamantes das minas do Brasil». Teve a sua administração própria e a documentação sobrevivente produzida pode ser conhecida através da consulta em http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4743744; na qual se pode obter informação sobre o carregamento dos reais quintos e dos diamantes (numa nau de guerra) no Rio de Janeiro. Tenho recebido carta somente do primo (?) Gregório de Moraes, que me pede, lhe mande licença para vir a este reino com sua mulher e filha para a cazar cá, pois a contingência dos bens do Brasil, e o pouco respeito que os villoens ruins tem no mesmo Estado aos fidalgos particulares lhe não permitem cazar lá a dita sua filha. Isto hé sem dúvida efeito de algum ajuste, que já cá tem feito por meyo dos parentes transmontanos, que por lá passarão no regimento daquella província que lá está. Parece-me porém, que ou elle desconhece as despezas, que há-de fazer com hum tal transporte, ou que estará de ânimo de as fazer muito moderadas.Tenho ouvido que o Bispo do Rio está embrulhado com as religioens por querer obrigá-los a que se examinem para terem licenças para confeçar e pregar. Achando-se o P.e Sebastião (Sebastião Rodrigues Aires, V. nota 90 e já referido em outras cartas) provido por encommendação na freguesia de Candelária, a proveu Sua Magestade há poucos dias em hum irmão do Dezembargador Jozé Luis França. Agora hei-de renovar a súplica do deado, antes que haja outro que o leve do mesmo modo. Elle antes quer ser Deão. Sobre os negócios do Bispo de Aveiro não tem havido novidade nem lugar para ella.»

Lisboa, 23 de abril de 1776 
«[adenda, na margem inferior]: Sobre as dependências de Pereira e de Ancião tenho já escrito o que me tem ocorrido. Tinha de escrever-vos sobre o Foucault, e a respeito da necessidade de procederes sem demora a fazer Juntas da Fazenda; seja onde for, e fazer, que lá se saiba que se fazem, e a razão porque não se tinhão feito, não devendo elle ser só a da falta de caza para isso. Porém julgo supérfluo fazê-lo, e a razão vós mesmo a conhecereis por este correyo. Por isso eu vos dizia.»

Carta nº 31 - 1776, abril, 30, Lisboa
«(...) Vai Fr. Joaquim, e elle dará as novidades – vai concluir o ajuste e condiçoens da entrega da caza de Condeixa. Quinta-feira passada vi entregar o Sr. Marquez a Joaquim Ignácio o saco, em que vierão as contas da Universidade, que elle disse primeiro que não lhe pertenciaõ antes de se fazer a entrega sem a declaração do que se continha no saco, e dizendo-lhe o dito Sr., que eraõ as da Fazenda da Universidade para as pôr no Erário, disse, que estimava muito.(...)Está-se esperando o Duque de Chartres. Vão essas cartas do Rio. O primo Gregório pede licença para vir para cá, e que não quer cazar sua filha no Brasil. Primeiro pela incerteza dos estabelecimentos das cazas, segundo para evitar os atrevimentos dos villoens ruins. O menino Vasco (Vasco de Vilhena Coutinho de Melo, segundo informação colhida em carta de Ana de São Francisco, irmã de D. Francisco de Lemos, de 27.05.1778, inserida no fundo documental PT/ AUC/PFM/DFL. Nas cartas n.º 45 e 47 é referido novamente; foi identificado o seu nome usado enquanto aluno da Universidade: Vasco Fernandes Coutinho) virá com o Dezembargador Brandão, e não veyo agora por não haver pessoa de amizade a quem se entregasse. Não sei mais novidades.»

Carta nº 32 - 1776, maio, 9, Lisboa
«(...) sei nada do que obrastes a respeito do negócio, em que interessa o Bispo de Beja. Hontem, que foi o 1º dia de conferência depois da moléstia de Joaquim Ignácio, ouvi ao Sr. Marquez que vos tinha escrito para fazeres todos os cortejos a hum Príncipe da Rússia ( Referência ao Príncipe Nikolai Borisovich Yusupov (1750-1795) que era cunhado do Duque da Curlândia e Saxónia (do ducado da Curlândia e Semigália) pelo casamento de sua irmã, a Princesa Yevdokiya Borisovna Yusupova (1743-1780). O nome do “Príncipe Yossopof” é mencionado em carta do Marquês de Pombal enviada a D. Francisco de Lemos, em 06.06.1776, solicitando-lhe que o acolhesse em Coimbra, como veio a acontecer. A carta está inserida em Universidade de Coimbra (F); Alvarás, Decretos, Cartas, Provisões (SR); Nova Fundação e Reformação da Universidade (1774- 1776), vol. 2, fl. 200 – (cota AUC-IV-1.ªD-3-2-8) que hé cunhado do Duque de Curlândia, que anda viajando e depois de aqui estar há quaze hum mez, partio hoje para Cintra, e vai dormir a Mafra, donde vai a Alcobaça, Batalha, Leiria,Pombal, a essa cidade e dahi para o Porto, donde volta por cauza das estradas a Vizeo, dahi a Almeida e passa então a Castella a continuar a sua viagem. O dito Príncipe hé hum moço muito civil e dizem, que bem instruído. Não anda com fausto . O Sr. Cardial e o Sr. Marquez lhe derão jantares; e o Sr. Marquez o recomenda para todas as partes, por onde elle há-de passar, para o hospedarem e tratarem bem. Em Pombal o mandou hospedar nas cazas da Câmara. Estando elle para passar a Coimbra, e tendo-vos obrigado de o hospedares, pareceu-me que vos faria falta o vosso cozinheiro que aqui chegou hoje, dizendo trazia licença vossa. Fiz dizer-lhe, que viera em má conjuntura, pois vos havia de ser agora necessário; e elle com boa vontade disse, que partia logo, e ouço que vai com o Amaral. Sexta-feira estive em caza do Sr. Cardial vendo a livraria toda a manhãa até às duas horas Domingo passado concorreraõ aqui os dous cónegos com João Crizóstomo, que os animou muito tirando-lhes algum cuidado com que estavaõ. De então para cá não lhes tenho falado; e eu lhes disse, que nesse dia os não rogava a jantar, para que com isso não demos matéria aos seos enemigos. Os papéis hão-de me vir com vista, e hé necessário proceder a respeito delles com toda a cautela. Eu não sey o que elles tem feito de domingo para cá e ignoro se tem conseguido falar ao Sr. Marquez. Elles me perguntaraõ se podiaõ mandar recado ao Sr. Marquez de que traziaõ huma carta vossa para entregar a Sua Ex.ª, e eu receyando, que esse recado não produzisse o efeito dezejado, lhes disse, que como a sua comissão só era do Cabido, e tinha hum objecto, que não vos tocava, não me parecia bem, que elles se encabeçassem na vossa carta, quando esta sómente lhe fora entregue para a entregarem quando falassem ao dito Snor. As couzas estão bem assombradas (?); e parece, que não há que temer; mas o Snor. Marquez entendo que considera o Cabido como réo e não quer mostrar que o favorece antes de lhe constar da justiça de sua cauza. O que hé de receyar, hé que depois de feita a consulta não vá embarrancar para sempre na Secretaria de Estado porque os muitos negócios do Sr. Marquez a podem fazer ali parar. Os conégos hão-de ter-vos dado notícias do que tem feito. As senhoras de Condeixa têm escolhido hirem todas para Santa Clara. Pelo que entendo que se concluirá o grande negócio da entrega de Caza de Condeixa. Peço-vos, que não vos esqueçaes de mandar o engenheiro (Guilherme Elsden, já referido anteriormente, terá participado na construção da Quinta de Pereira à Quinta de Pereira, e se vós fosses estar na Quinta da Mitra ( Trata-se, certamente, da Quinta em S. Martinho do Bispo, igualmente citada em diversas cartas), alguns dias, seria bom, que chegasses lá alguma tarde, e que então o mandasses lá hir, e que nessa ocazião lhe desses as vossas ordens. Eu dezejo, que reparta o terreno em ruas, fazendo lugar para todas as partes de que se deve compor huma quinta, como são jardim, horta ajardinada, , pomar, etc., alameda e bosque, para se mandarem plantar árvores, que o façaõ. Gosto do sítio, e quero delineado tudo o referido para o hir fazendo devagar, menos o que toca à aberturas das ruas, e plantação das árvores para hirem logo cre[s]cendo. Hé certo, que o jardim não pode ser cultivado com flores, etc., não estando eu lá; mas pode chegar e a fazer-se de bucho [i. e. buxo] e ficar assim. O negócio principal hé o de achar água de fontes, de que tenho esperança e dezejo desenganar-me.»
«adenda (...) Hé necessário que neste verão cuideis nisso, para o que entendo será muito conveniente que venhais abaixo, visto que já o anno passado não viestes: e a haveres de vir seja immediatamente depois de fechada a Universidade. Para largares a comissão seria melhor tê-lo feito mais cedo. Pensai sobre este ponto. Eu dezejo chegar a Condeixa e Pereira e se vieres, vos acompanho na volta para Lisboa que sendo em princípio de outubro me cahe em bom tempo.»

Carta nº 33 - 1776, maio, 11, Lisboa
«(...) Por cá não há novidade de consequente. Sua Magestade já aparece em público em Salvaterra, e assistio ao divertimento dos touros, que ali se fizerão nos primeiros três dias desta semana ( Alusão às habituais corridas de touros em Salvaterra (c. Salvaterra de Magos, d. Santarém). – v. nota 125). O dito divertimento se há-de ainda repetir, porque todos os fidalgos, que têm criaçoens delles, os querem dar das suas raças para o dito fim. Com isto se vai Sua Magestade entretendo ainda ali; e como o tempo vai fresco, ainda se não fala no regresso para esta cidade.»

Carta nº 34 - 1776, maio, 18, Lisboa
«(...) Queira Deus que se não malogre com algum incidente contrário o fruto, que me faz esperar o estado, em que se acha, e que tenha desta vez tão bom sucesso, como da segunda ( Referência ao estado de gravidez de sua mulher, em gestação do 3.º filho, João Ramalho de Azeredo Coutinho. Ainda dura a moléstia de Joaquim Ignácio, mas está já quaze bom e só necessita de hir convalescer alguns dias na quinta. El Rey recolhe-se a esta cidade sábado 25 do corrente, e vem bom»

Carta nº 35 - 1776, junho, 16, Lisboa
«(...) Tãobem ouvi cá queixarem-se frades de que estão alguns religiozos seos, e tãobem alguns seculares, que se querem graduar esperando occazião de o fazerem; e que tendo-se passado tantos annos depois da reforma, ainda não são admitidos a isso, pelo que alguns querem deixar-se disso, e tomar outra vida. Dizei-me tãobem o que há a este respeito, para que eu saiba rebater estas accuzaçoens e queixas. Lá tereis recebido ou recebereis agora providências sobre o provimento das becas dos colegiaes, das quaes fica inteiramente dezembaraçado o Reitor da Universidade, segundo o que me disse João Chrizóstomo, de quem tive esta notícia. O Bispo de Beja ( Fr. Manuel do Cenáculo Vilas Boas (1724-1814) foi nomeado Bispo de Beja em 1770 e depois Arcebispo de Évora, em 1802. As Constituições do bispado de Beja não chegaram a ser impressas está a sahir com as suas Constituiçoens e isto cauza sentimento ao Sr. Cardial, que queria sahissem primeiro as suas para servirem de modello a todas as outras. As Senhoras de Condeixa escolhem hir para Santa Clara, e entre ellas há a Sra. D. Antónia ( Antónia Rosa Ramalho, filha de João Ramalho de Oliveira Catana e D. Antónia Luísa da Fonseca, natural de Condeixa-a-Nova, ingressou aos 18 anos no Convento de Nossa Senhora que é freira de Sandelgas, e quer passar para o Campos de Sandelgas, em 1751 convento de Santa Clara dessa cidade, que hé da sua ordem, concorrendo para facilitar este trânsito a futura extinção, de que se acha já ameaçado o Convento de Sandelgas ( O Convento de Nossa Senhora de Campos de Sandelgas (c. Montemor-o-Velho) apenas seria extinto em 1891). Vós como executor da Bulla da extinção e união dos Conventos Franciscanos tendes jurisdição para determinar este trânsito; mas parece que só o deveis fazer quando proveres aos mais, e não para prover somente a huma religioza. Dizei-me tãobem alguma couza sobre esta matéria porque não havendo outro meyo, nem esperança próxima delle, recorrerei ao Sr. Marquez, a quem não dezejo lembrar este negócio por pender da execução do dito Breve, que elle dezeja concluído por qualquer modo que seja. Pelo que vos peço muito, que atendais a isso sem demora, assim como tãobem ao negócio das Constituiçoens, pondo de parte tudo o mais, que vai já correndo o seu caminho. Hé o que me occorre por hora dizer-vos, e tãobem que para isso seria não só conveniente, mas necessária a vossa vinda a esta corte pessoalmente pelo que pertence ao negócio das freiras.
[em adenda, na margem superior da fl. 2 da carta]: Há dias que não tenho notícia dos cónegos. Sey somente que falaraõ a Jozé Pereira de Brito ( Riscado “Snor Marquez” e substituído por este nome) para ser seu advogado, e que este lhes não quiz aceitar procuração sem licença do Sr. Marquez, e que pedindo-lha, o dito Sr. lha concedeu. »


Carta nº 36 - 1776, julho, 3, Lisboa
«(...) Finalmente mandou o Sr. Marquez que se publique a Bulla do Jubileo do Anno Santo. Assim mo disse o Arcebispo de Lacedemónia,( D. António Bonifácio Coelho, arcebispo de Lacedemónia apresentado em 13.03. 1770) do que cuido já vos avizei; e depois disso assim o disse o prezidente da Meza Censória;( Fr. Manuel do Cenáculo Vilas Boas (1724-1814) foi presidente da Real Mesa Censória, criada por Alvará de 05.04.1768, sucedendo a D. João Cosme de Cunha, o Cardeal de Cunha) mas não sei, se com efeito está já aqui publicado. Sempre podeis já dispor a publicação para assim que tiveres notícia della se ter aqui publicado. A questão, que havia, ainda continua, e vai tomando humas alturas, que muito me tem enfastiado. Tem-se gastado muitas conferências em se lerem os papéis feitos sobre a mesma matéria, e ainda se não concluio a leitura delles. Como porém se tomou a rezolução de separar della a publicação da Bulla do Jubileo, por isso ella se vai a publicar. Aqui se achaõ algumas naos de guerra castelhanas que são parte de huma esquadra, que anda cruzando nas costas deste reino, onde tãobem cruza a do Duque de Chartres. Deste ainda não entrou nao alguma, nem elle tem ainda aparecido a receber a hospedagem, que lhe está preparada. Sua Magestade continua com a sua moléstia de perna; mas não padece por hora dores, que o vexem, e que impossibilitem ao divertimento do jogo, que tem no quarto da Sra. Rainha. Acabou finalmente Fr. Dionísio de Deos ( Fr. Dionísio de Deus (1716-1797), do Convento dos Eremitas da Serra de Ossa, fora lente de Teologia da Universidade de Évora e veio a ser lente substituto de cadeiras de Teologia Dogmática e Teologia Litúrgica, na Universidade de Coimbra, de 1780 a 1793) o seu segredo. Está restituído ao seu convento com todas as suas honras; e Fr. Joaquim está com projectos de que saha [sic] lente de Teologia para huma das cadeiras dessa Universidade.»

Carta nº 37 - 1776, julho, 6, Lisboa
«(...) y tenho commissão para vos agradecer, e retribuir muito as vossas memórias. Hontem foi dia de annos do Sr. Infante D. Pedro,( Infante D. Pedro Clemente (1717-1786) irmão do rei D. José que viria a desposar sua sobrinha e depois rainha D. Maria I) e não houve beija- -mão por cauza da moléstia de Sua Magestade que vai passando menos mal; toma em caza banhos da água das Alcaçarias, ( As águas de Alcaçarias, também designadas por Alcaçarias de Alfama (Lisboa) eram águas termais com diversos usos terapêuticos) e está esperando, que se lhe fechem humas feriditas, que tem na perna para os hir tomar nas mesmas Alcaçarias.Falei com o Póvoa sobre o trânzito da Sra. D. Antónia Roza de Sandelgas para Santa Clara, e disse-me que a reforma e reducção dos conventos da sua ordem, estava a fazer-se, e pelo que colhi, ou por elle com aprovação do Sr. Marquez, ou pelo Sr. Marquez insinuada aprovar e publicar; e tanto hé isto assim, que até me disse, que esperasse eu por ella, porque então com menos trabalho fazia eu o que queria. Creyo que o Sr. Marquez tem disposto isso, e quando a dita reducção e reforma estiver arrumada, vos avizará, que visto as vossas occupaçoens não vos permitirem ser executor de Breve, que tem esse objecto, hajais de vos escuzar da execução delle para se fazer a subdelegação em outrem. Pois isto mesmo hé o que elle já vos disse aqui o anno de 1774, em que aqui estivestes. À vista do que, e na certeza de não poderes vós fazer isso dessa Universidade, e do movimento, em que estão as couzas, que não permitem mayor demora neste ponto; parece-me que podeis escrever sobre esta matéria ao Sr. Marquez, para que elle não entenda que vos esqueceis. Se viesses abaixo, cá falarias sobre isso. Não vindo parece-me, que deveis escrever, e propor a vossa escuza, se for do agrado de Sua Ex.ª, para fazê-la (?) depois de aprovada. Quanto à vossa vinda, ou para dizer melhor, a vossa rezolução de não vires, hé sem dúvida, que a dita rezolução hé muito contrária ao meu gosto. Mas a vossa saúde está primeiro que tudo. Como já o anno passado não viestes, discorria eu, que seria bom vir este anno porque quem por muito tempo não aparece, ou esquece, ou insensivelmente se vai pondo em termos disso, e ainda que os vossos grandes lugares não permitem que de todo esqueçais, contudo a longa auzência sempre faz alguma brecha. Tãobem poderias concluir algumas couzas pertencentes à Universidade e não continuará certo amigo a fazer os ofícios que quer. Porém não deixo de reconhecer os incómmodos que há por outra parte. Amanhã 7 do corrente se publica aqui o Jubileo do Anno Santo. A outra questão vai correndo o seos termos. Sobre os negócios do Bispo de Aveiro hé claro, que elle não tem direito a rendas seculares, pois são da Mitra de Coimbra e não se lhe tirarão. Hé precizo fazer requerimento ao Sr. Marquez para declarar huma couza, e outra, e não basta fazer hum papel. O que vós me mandastes, vinha excelente e hia cavar na raíz. Mas em semelhantes papéis quer o Sr. Marquez menos especulação, e factos mais palpáveis. Eu principiei a formalizá-lo em forma de requerimento. Mas parei; porque vos confeço [sic] que para tudo me falta o tempo; e não sei quando o acabarei: e creyo que será melhor vir formalizado de lá, em duas contas diferentes, huma sobre a pertenção da porção pecuniária, e outra sobre as rendas da coroa. E não seria mao escreveres ao Sr. Cardial, para completar a obra que principiou; pois hé Ministro de Estado, e de caminho lhe falavas nas Constituiçoens. Gostei muito de ver as conclusoens de Luís António Furtado. Hontem vi na Meza Censória a dissertação de Monstris de Vandelli (0 Esta dissertação de Domingos Vandelli (1730-1816) foi publicada pela Imprensa da Universidade. v. Vandelli, Domenico – Dominicu Vandelli... Dissertatio de Monstris. Collimbriae: ex typographia Academico Regia, 1776).
Estimo que o vedor das águas fosse à quinta de Pereira. A água que ella dá sahe em boa parte; mas o ponto hé, que a haja com certeza. Estimarei, que os engenheiros vão lá quando houver lugar (Certamente, nova referância ao tenente-coronel Guilherme Elsden que estava em Coimbra, trabalhando na construção dos novos edifícios pombalinos da Universidade). Mas será bom, que seja quando estiveres na quinta de S. Martinho em dia que possais alargar até ali o vosso passeyo. As Senhoras de Condeixa escolheraõ hir para Santa Clara e para isto inclinava mais meu sogro.

Lisboa 6 de julho de 1776 [na margem superior da 1.ª fl., em adenda]: Eu ainda me não sangrei para me preparar para os banhos. Estou entalado, como sempre me succede com grave detrimento meu. Escrevi a Fr. Joaquim que faça remeter para a Louzaa a João Negrão Arnao (Trata-se, provavelmente, de João Negrão Arnaut, capitão-mor da Lousã) trinta mil réis, para o que vos peço deis ordem a João Baptista.»

Carta nº 38 - 1776, julho, 9, Lisboa
«(...) Hontem segunda-feira houve sessão plena da Meza Censória. Nella se acabou de ler a proposta ou censura do Bispo de Penhafiel ao voto de Fr. Francisco Barba, a qual acabou denunciando o dito Bispo a Meza (?) dita re[s] posta, e a pessoa do autor della. Finda porém a re[s]posta, e antes de se votar, intimei eu a Meza, que o Sr. Marquez me chamou, e me ordenou intimasse da parte del Rey hum perpétuo silêncio na questão, que a ella havia dado cauza, e que os escritos se recolhessem pelo secreto [sic] della. Com isto se terminou falar muito a dita controvérsia que muito cuidado me deu. Mandou o mesmo Snor. que sobre ella se observe hum profundo segredo. Debaixo da obrigação delle vos dou esta notícia. Chegou navio do Rio, e dizem, que houve acção entre as nossas tropas, e as de Castella no Rio Grande. Mas ainda o não sei com certeza. O portador leva em huma caixa huns pedaços de pratos, que manda Fr. João de S. Francisco para amostra. E vão acompanhados com a carta incluza.

[em adenda]: Jozé de Lemos e Nápoles irmão mais novo de Filipe Xavier ( Filipe Xavier de Nápoles Telo de Meneses) está destinado para Ministro de alguma corte estrangeira e com este destino passa brevemente a Inglaterra para se instruir com Luíz Pinto, e de lá seguir o destino que se lhe der. Hontém mo disse o Sr. Marquez, mas não sey se o disse a outrem, nem se está já publicado.»

Carta nº 39 - 1776, julho, 20, Lisboa
«(...) O gosto que tenho de aliviar a minha saudade e de vêr-vos; pois há dous annos que vos não vejo, e tãobem de conversar comvosco sobre a mesma matéria, e de explorar os vossos sentimentos a respeito della; me tem feito entrar no projecto de tomar os meos banhos até 15 de setembro e partir então daqui para Condeixa com ânimo de estar por lá todo o mez de outubro; e depois disso voltar para cá, tendo visto tudo com os próprios olhos. Ainda não pedi licença; mas estou certo que ma não hão-de negar. Esta minha hida há-de ser depois de se terem recolhido a Santa Clara as tias de minha mulher, que não quero saibam deste meu projecto. Minha mulher não quer ficar cá só. A sua hida faz-me incómmodo, mas não há outro remédio. Entretanto vou cuidando em dispor a arrumação das tias. Sua Magestade continua com dores, e vigílias; mas não há moléstia de perigo. Aqui me veyo hoje falar hum homem, dizendo-me, que se fala em prover bibliotecário dessa Universidade, e que hé hum irmão do corregedor dessa cidade; e que quem o patrocina, hé o Dezembargador Pissarro ( António Ribeiro dos Santos viria a ser nomeado bibliotecário da Biblioteca da Universidade por Carta Régia de D. Maria I de 09.10.1777; era irmão do dr. João Ribeiro dos Santos,formado em Leis pela Universidade de Coimbra, em 1755. É de sua autoria a “Minuta para o Regimento da Livraria da Universidade de Coimbra”, localizado no cod. 4676 da Biblioteca Nacional de Lisboa. Este texto foi já publicado por MOTA, 1991: 197-228.: 2. )(...) Chegou navio do Brazil que traz a notícia de termos tomado o Rio Grande, e alem disso algumas missoens, que foraõ nossas. Está a chegar de França hum navio, em que Joaquim Ignácio mandou vir dez mil estacas de amoreiras, sinco mil para si, e outras sinco para algumas encomendas que tem, e as mais para quem as quizer comprar. Se tendes alguma idea de plantação de amoreiras para criação de bichos de seda no prazo da Ega, que dizem ser sítio próprio; não será fácil haver outra occazião de provimento de estacas, que vem muito mais cedo; pois não hirá mais navio a buscá-las; e feita a primeira plantação, por cá se hiraõ depois com mais vagar adquirindo mais plantas ou fazendo sementeira. Este género de plantação faz muita conta; mas há-de ser havendo fábrica grande (O Filatório de Chacim (c. Macedo de Cavaleiros) é um dos exemplos de sucesso da instalação das fábricas de seda. O séc. XVIII foi fértil na criação de unidades de produção de seda que pressupunham a plantação de amoreiras.- v. notas 113 e 114) Os Sás querem plantá-las na quinta de Várzea. Anticipo esta notícia porque assim o pede a occazião, mas somente para o cazo, em que tenhais algumas ideas dessa espécie de agricultura. O abalo das sangrias não me permite mais escrita.

[na margem inferior, em adenda]: Se ahi estiver o P.e Mestre Fr. Joaquim dai-lhe lembranças minhas e que as mande tãobem para Condeixa, para onde não posso escrever por estar sangrado, ainda que com bom successo.»

Carta nº 40 - 1778, janeiro, 17, Lisboa
«(...) Tem-se tratado sobre alguns negócios da Universidade, e sey que alguns forão remetidos ao Dezembargo do Paço para consultar ouvido o Procurador da Coroa, e estes são os que respeitaõ às conezias das Sés Novas, e o Visconde ( Deve tratar-se de referência a D. Tomás Xavier de Lima e Vasconcelos Brito Nogueira Teles da Silva, Visconde de Vila Nova de Cerveira (1754-1781). As alusões às conezias das Sés têm aqui lugar por a Universidade de Coimbra nomear os que ocupavam os cargos de cónegos magistrais e doutorais de diversas Sés, em todo o país) disse ao Godinho que fizesse de procurador delles. O das igrejas de Braga não está bem assombrado. O Visconde dezeja, que vença a Universidade, e o mesmo quer o Bispo de Penhafiel, que foi, e hé prezentemente Arcebispo de Tessalónica com 10 mil cruzados de renda, o Palácio de Penhafiel, e a Quinta da Mitra. Porém sem embargo disso vai o dito negócio a perder-se. Apareceraõ final [sic] os requerimentos sobre a igreja da Cumieira, hum em nome do Arcebispo, e outro do Cardozo. Mandou-mos o Visconde hontem para para que eu os veja, e lhe vá segunda-feira falar sobre elles. Ainda não pude vê-los, mas parece-me, que vi, que quando o Ministério mandou sustar a renúncia, já o Papa tinha feito a graça da aceitação della, e se havia posto o fiat na súplica, o que basta para dar o direito, que na Bulla depois concedida à Universidade se rezalva. Isto porém ainda hé dito quaze de cor. O modo, com que se trataõ os negócios não hé bom. Mas que remédio! Todos padecem, e os primeiros, que padecem, são os mesmos Ministros de Estado. Hé necessário não tomar as couzas a peito. Tudo isso, que me dizeis, vos aflige, não deve fazer-vos impressão, e merece ser tratado com hum ar de ridículo, porque não hé injúria feita a pessoa; hé sistema do prezente governo, e não há quem não passe por ahi. Agradeço a promessa de remessa dos Mapas. Hoje escrevi pedindo a re[s]posta, que esperava sobre o prazo de António Teixeira Álv[a]res. Hé digno de não esquecer. Farei as recomendaçoens para o Brazil. Estimo se doutorasse o irmão do demonstrador (Era então demonstrador da cadeira de Anatomia, da Faculdade de Medicina, o brasileiro José Correia Picanço (natural do Recife), mas não foi identificado qualquer irmão que tivesse sido doutorado na Universidade).Suas Magestades vão depois da manhã [i. e. de amanhã?] para Salvaterra. Não tenho lembrança de outra couza, que tenha de dizer-vos.

[em adenda, no final da carta, na margem inferior]: Pelo que vejo, ainda Jozé Joaquim Vieira Godinho ( José Joaquim Vieira Godinho (natural de Ouro Preto, Brasil) – v. nota 147, referido ainda em outras cartas)não partirá tão depressa.»

Carta nº 41 - 1778, agosto, 8, Lisboa
«(...) Por cá tenho de participar-vos a grande novidade de me ter Sua Magestade feito a mercê de Dezembargador do Paço conservando o lugar de Procurador da Coroa. O Decreto está já lavrado, mas ainda se não publicou, nem se publicará se não talvez por toda a semana, que vem, porque o despacho hé grande, e involve muitos despachos que querem que sahão todos juntos. Hoje se deu o mesmo despacho do Dezembargo do Paço a João de Oliveira Leite ( João de Oliveira Leite de Barros, desembargador do Paço, deputado da Mesa da Consciência e Ordens) por decreto singular em atenção a ser secretário del Rey. Está feito outro decreto em que se faz a mesma mercê a Jozé Alberto Leitão, Manuel Gomes Ferreira, Jozé de Vasconcelos e Souza, e João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho. Não me canso com dizer o que sey dos outros despachos, porque hé tarde e chego da caza do Marquez, onde soube o que digo. Dou muitas graças a Deus, porque não faltarão sustos já de não entrar no despacho, e ficar Procurador da Coroa, já de ser Dezembargador do Paço, e não ficar Procurador da Coroa. Tudo porém se venceu com a ajuda de Deus. A Sr.ª D. Maria passa sem novidade, e se vos recomenda. Os Meninos passão bem, e Manoel já está em caza da estrangeira. Pelo correyo passado não pude escrever-vos e por isso não vos disse que tinha hido ver os Senhores de Palhavãa, ( Referência a D. António e a D. José filhos ilegítimos de D. João V que residiam em Palhavã, no palácio do Marquês do Louriçal. Foram desterrados de Lisboa em 1760, para o Mosteiro do Buçaco, tendo dali regressado apenas em 1777) que me receberão com muita honra e agazalho, encarregando-me de vos mandar da parte delles muitos agradecimentos aos muitos obzéquios, que lhe fizestes, e dizendo mil bens de vós. Eu ainda não fui lá segunda vez; mas brevemente vou. Sey que dizem muito bem de vós. Chegou Seabra muito magro e queimado ( Referência ao regresso a Lisboa de José Seabra da Silva. Fora Secretário de Estado do Marquês de Pombal desde 1771 até 1774, ano em que foi afastado da corte, tendo sido desterrado para o Brasil e depois para África. Na origem do seu afastamento tem sido aventada a incompatibilidade e intrigas palacianas do cardeal patriarca de Lisboa, D. João Cosme de Cunha (1715-1783), Cardeal de Cunha). Porém veyo bom. Tem sido tratado de Excelência pelos Ministros de Estado. Foi logo a Queluz, onde foi bem recebido de Suas Magestades. Tem sido buscado de todos e o povo o recebeu com o mayor alvoroço possível. Não se duvida da restituição de honras, e creyo que tãobem de ordenados. Duvida-se porém do exercício do lugar. Espero por carta vossa para elle.

[em adenda, na margem inferior]: Por occazião do despacho não fui ainda para as Prayas. As manas de Marvila ( Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Marvila (Lisboa), da Ordem de Santa Brígida, onde residiam, como religiosas, as irmãs de D. Francisco de Lemos) acabarão as suas prelazias: mas o Patriarca nomeou Micaela (Micaela Joaquina Pereira de Faria e Lemos) vigária in capite para continuar, e a Helena ( Helena Josefa de Andrade Sotto Maior Coutinho ) também Prioreza. Estas as novidades. Não há notícias do Rio.»

Carta nº 42 - 1778, agosto, 15, Lisboa
«(...) o. Tomaremos posse quarta ou sexta-feira. Não sey dar as graças, que devo a Deus por este próspero passo da minha fortuna.Não tenho frequentado muito a Seabra porque as minhas occupaçoens não o permitem. Tenho-o porém buscado algumas vezes, e estado já com elle devagar. Disse-me, que tinha recebido huma carta vossa, mas não sabia por quem, e eu lhe segurei, que não fora por minha via. Não me perguntou por vós nem me falou mais a vosso respeito, e nem do meu cazamento, filhos, etc. Falla pouco, e mostra viver bastantemente possuído de melancolia, ainda que elle trabalhe por disfarçá-la querendo uzar do seu génio festivo. Não lhe observo porém falta, nem deterioração alguma de juizo, antes sim a mesma viveza antiga; e as faltas de civilidade ou podem provir de melancolia, ou de alguma frialdade, em que tinhão posto o seu espírito para comnosco. Elle sempre me faz entrar logo, como em outro tempo. Os grandes obzéquios, que teve, o fizerão entrar com ar de Secretário de Estado, e no mesmo se tem posto a sua família. Porém como o despacho se demora; muita gente vai desconfiando, já não tem tantas vizitas, e se lhe observa bastante melancolia. Antehontem foi com toda a sua família para as Prayas, onde a Sr.ª vai tomar banhos ( Novamente, são feitas referências ao regresso de José Seabra da Silva, após o seu afastamento da corte em 1774, bem como a referência aos banhos de mar, já então muito comuns, referindo-os novamente em carta de 19.08.1778).Está provido o canonicato do Porto no Cacheta ( Francisco Pereira Cacheta, cónego magistral da Sé do Porto). Hé necessário que cuideis em informar o requerimento dos frades para aumento do ordenado das cadeiras, sobre o que direi mais devagar, e dirá tãobém João Crizóstomo, que tem recado do Visconde para vos dar. Escrevi ao Marquez de Angeja, ( D. Pedro José de Noronha Camões de Albuquerque Moniz e Sousa (1716-1788) foi 3º Marquês de Angeja e 4º Conde de Vila Verde. Após a queda do Marquês de Pombal, ascendeu a presidente do Real Erário, em 1777 e a chefe do governo, já no reinado de D. Maria I) ao Visconde ( Poderá tratar-se de referência ao Visconde de Mesquitela, D. José Francisco da Costa de Sousa e Albuquerque (1740-1802) que recebeu o título de 1º Visconde de Mesquitela, concedido pelo rei D. José, em 1754, mas também pode ser referência ao Visconde de Vila Nova de Cerveira, já mencionado em outras cartas anteriores ) e ao Bispo de Penafiel, dizendo-lhe que eu vos referi quanto lhe devo no meu despacho, e agradecendo-lhes a todos o fazerem desterrar as dificuldades, que havia contra elle, etc. Porque tudo isto agrada. Escrevi tãobem a Jozé de Vasconcelos, e não fique sem carta Luíz de Vasconcelos, ao qual podeis dizer, que pelas infinitas occupaçoens do vosso reitorado não poderes até agora satisfazer a essa diligência, e rezervastes para agora. O Colégio de S. Paulo requer se lhe declare o modo, porque hão-de fazer os exames para os colegiais que entrarem nas becas, e anda nisso Luíz António Furtado, pedindo, que interinamente se lhes deixe seguir o mesmo método antigo. Seria bom prevenir esta negociação, assentando lá nas Congregaçoens das Faculdades ( Referências às reuniões dos professores de cada Faculdade designadas por congregações. Existem no Arquivo da Universidade de Coimbra as diversas séries documentais de Livros de Atas das Congregações de cada Faculdade, que foram publicadas em 1984, por iniciativa de Manuel Augusto Rodrigues, por ocasião do II Centenário da Reforma Pombalina, pelo menos as que dizem respeito ao período cronológico até 1820) no melhor modo, e dando conta. Sobre o modo parece-me, que assim como o que quer doutorar-se, defende no respectivo tezes de todas as disciplinas do curso; o mesmo exame se deve fazer ao que se habilita para as becas, que abrem a porta para o magistério, pensando-se no modo mais próprio do dito exame. Estimo, que haja quem tire a planta do Paúl de Fermozelhe. Hé necessário ver, se o rio fica mais alto que a vala, e neste cazo até onde se deve continuar a valla para se meter no rio mais abaixo porque sem isso não se pode enchugar [sic] o Paúl, e será bom comprar algumas terras vizinhas.

[em adenda]: As manas Micaela, e Helena tornaraõ a ficar Preladas de Marvilla. Lisboa 15 de agosto de 1778 [na margem superior da 1.ª fl., em adenda]: Se vos rezolveres a hir tomar banhos em Fermozelhe, ou sem esse fim lá estiveres alguns dias; hi-de alguma vez à Quinta de Pereira, lançai os olhos sobre aquelle sítio, e fazei o vosso plano para a abertura das ruas, e de algumas em que se plantem árvores silvestres, e sítio para cazas. Na abertura do poço para achar água; parece que só se deve cuidar na primavera.»

Carta nº 43- 1778, agosto, 19, [Lisboa] 
«(...) Nesta casa a novidade Manoel está já há 17 dias em caza da estrangeira, onde vai dando provas da sua esperteza, e do seu talento.Ante hontem segunda-feira 17 do corrente baixarão ao Dezembargo do Paço os despachos, de que vos remeti a lista pelo correyo passado, e entre elles baixou tãobem o meu para Dezembargador do Paço conservando o lugar de Procurador da Coroa. Immediatamente fiz expedir a carta que actualmente está na assinatura de Sua Magestade. Duvido, que hoje se ponha corrente para tomar posse por lhe faltarem ainda os registos da Chancelaria, e das Mercês. Pelo que me parece, que tomarei posse no sábado, por ser amanhãa dia feriado, e o dia seguinte, de beija-mão pelo anniversário do nascimento do Príncipe ( Alusão ao aniversário de D. José Francisco, nascido em 21 de agosto de 1761. Este primeiro filho de D. Maria I, o Príncipe da Beira, faleceu em 11 de setembro de 1788, permitindo a ascensão de seu irmão, o futuro D. João VI).Não sey louvar bastantemente a Deus por me ter auxiliado neste tão substancial passo da minha vida, e da minha fortuna, e concorrido, para que nelle se salvasse tão visivelmente a minha honra, e a minha utilidade, apezar da numeroza multidão dos meos émulos, que tantos vaticínios publicavaõ em dezabono da minha reputação, e contra os meos interesses. Tem-se trocado as indiferenças em obzéquios. Deus me dê vida, e saúde para poder tirar do dito despacho os interesses e conveniências lícitas, que delle podem rezultar em benefício da nossa família, e de vossos sobrinhos. Não tem sido pouco chegar a Dezembargador do Paço com o lugar de Procurador da Coroa em menos de 9 anos de Dezembargador da Suplicação e juntamente com ministros que já erão agravantes há muito anno, quando eu fui nomeado extravagante para a mesma Caza e chegar ao referido despacho quando os enemigos formavaõ diferentes juízos, e levantavaõ horóscopos contrários. Tomada a posse do dito lugar marcho logo para a Quinta das Prayas, a aproveitar o pouco tempo, que ainda me resta para o uzo dos banhos. Remeto as Gazetas Portuguezas ( 1 A “Gazeta de Lisboa” que retomara a sua publicação em 4 de agosto de 1778, depois de ter sido suspensa, em junho de 1762, por decisão do Marquês de Pombal) que podem hir com regularidade o que não succedera com as de Amsterdão, porque me vem sem ella; mas se tãobem as quizeres, hirão à proporção do tempo em que eu as receber.Há muito tempo que não falo a Martinho de Melo ( Martinho de Melo e Castro, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros). Mas hontem lhe falei, e vos manda recados. Hé muito vosso apaixonado, e tãobem me faz muito favor. O Cardeal de Cunha ( D. João Cosme da Cunha (1715-1783), Arcebispo de Évora, Inquisidor geral, elevado ao cardinalato em 1770) fica sangrado por huma efervecência [sic] de sangue, mas não há couza de cuidado.Vai essa petição de António de Abreu, que hé afilhado do P.e Fr. Bernardo companheiro do Bispo de Penhafiel, e muito empenhado pela feliz concluzão desse negócio, o qual parece estar em termos de se poder fazer. Mandai logo examinar esse negócio, e tomar as informaçoens necessárias para elle, e avizai com alguma re[s]posta para eu dar ao dito P.e. Hé certo, que a Universidade não convém conservar quintas de renda, e hé melhor aforá-las, e segurar o foro , e dizem, que essa se tem já deteriorado muito e vai arruinar-se. Eu tenho sido obrigado ao Bispo de Penhafiel, e Fr. Bernardo tãobem me faz seos agazalhos e se mostra vosso apaixonado, e amigo.

em adenda]: Jozé Pimentel Nogueira de Fermozelhe hé quem sabe as terras, que tem a caza em Fermozelhe, e no Paúl do dito lugar. Nada que acre[s]centar sobre Jozé de Seabra, o qual está nas Prayas para acompanhar a mulher, que toma banhos. Dizem, que está melancólico e assim me parece, posto que elle faz, quanto pode para disfarçar a melancolia.»

Carta nº 44 - 1778, agosto, 22, Lisboa
«(...) Hoje sábado 22 do corrente tomei posse do lugar de Dezembargador do Paço e já não morrerei sem este sacramento. Fica-se passando a carta do Conselho, e amanhaã vem aqui o Holbeche ( Duarte Alexandre Holbeche (ca. 1730-1787), filho de José Vitorino Holbeche, natural de Lisboa, foi professor substituto da Faculdade de Leis, entre 1772 e 1778. Foi Desembargador da Relação do Porto e também da Casa da Suplicação) para se tratar do filhamento. Meu sogro me diz, que até o dia de hontem sexta-feira passavas a descançar [sic] dos trabalhos do anno académico nas cazas de Condeixa. Estimarei, que a liberdade do campo, e a respiração de hum ar mais puro, vos communiquem novos alentos para as fadigas do anno próximo futuro. Pelo que infiro, não vos rezolvestes a uzar do remédio dos banhos. Queira Deus que vos não façaõ falta. Eu fiquei aqui parado primeiramente pela necessidade de promover o meu despacho e depois pela necessidade de satisfazer aos cumprimentos, que elle faz necessários. Amanhaã hei-de hir aos Snores. de Palhavã,( Referência a D. António e a D. José filhos ilegítimos de D. João V que residiam em Palhavã, no palácio do Marquês do Louriçal. Foram desterrados de Lisboa em 1760, para o Mosteiro do Buçaco, tendo dali regressado apenas em 1777) e até terça-feira seguinte vou infalivelmente para as Prayas, onde está Jozé de Seabra, em cujos despachos se não fala por hora. Hontem entraraõ as naos de guerra, que estavaõ no Rio de Janeiro, e sahiraõ com outros navios, que se separaraõ depois e ainda não chegaraõ. Trazem a notícia de estarmos de posse da Ilha de Santa Catarina (Depois de ter estado ocupada pelos espanhóis, entre 1763 e 1777, a Ilha de Santa Catarina, no Estado de Santa Catarina (Brasil) foi reconquistada pelos portugueses, em 1778.Entendo, que em algum dos referidos navios virá Vasco, e os filhos do irmão de João Manoel. Porém nada sei ainda. Só sim recebi huma carta de 8 de março, que me certifica viverem os nossos. Vão as Gazetas ( Referência à Gazeta de Lisboa cuja publicação fora retomada em agosto de 1778) últimas, portuguezas, e se quizeres as de Amsterdão ( A Gazeta de Amsterdam foi fundada em 1675 por judeus de origem ibérica e publicou- -se até 1699, em espanhol, de acordo com BARATA, 1975: 287-288, pelo que não é a publicação que aqui está em causa. Deve tratar-se da Gazette d’Amsterdam, de títutlo semelhante, publicada em francês na data em questão), hiraõ com a mesma irregularidade, com que me vem. Vai a petição do afilhado do P.e Fr. Bernardo, companheiro do Bispo de Penhafiel, que esqueceu na carta que levou o Amaral.

em adenda]: São cá muito necessários aquelles papéis todos, que Tomaz de Freitas entregou ao mano pertencentes a aquella [sic] matéria, que sabe. Lá escrevo hoje ao Colégio de S. Paulo dando-lhe parte de meu despacho. Dezejo saber se faz alguma demonstração, como a colegial(Era habitual o Reitor e colegiais do Real Colégio de São Paulo, de Coimbra, enviarem as saudações pela tomada de posse, em cargos públicos, dos seus antigos colegiais. João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho fora colegial deste Colégio enquanto residiu na Universidade de Coimbra, como professor)»

Carta nº 45 - 1778, agosto, 29, Quinta das Prayas
«(...)Neste correyo me diz meo sogro, que fostes na sexta-feira a Condeixa, e que no sábado vos retirastes a Coimbra. E Gaspar Honorato ( Referência, certamente, a Gaspar Honorato da Mota e Silva, secretário da Universidade) me nicou, que seu irmão lhe avizou, que ficaras com um defluxo, que vos tinha cauzado dores em todo o corpo. Queira Deus que não tenha sido alguma espécie de reumatismo, porque costumaõ ser impertinentes. Para me livrar do cuidado, que isto me cauza, dezejo com impaciência a vinda do Amaral. Por cá não há novidade em saúde. Terça-feira vim dormir a esta quinta das Prayas, quando já o tempo não corre próprio para banhos, porque já tem chovido, ainda que pouco, e tem havido trovoadas, sendo fortíssima huma, que houve na quarta-feira em cuja manhaã houve tãobem um terremoto pelas duas da madrugada, que poz em agitação muita gente em Lisboa. Hontem, e hoje porem tenho tomado já dous banhos. Quinta-feira entrou hum navio do Rio, no qual veyo o nosso Vasco filho do mano Clemente,( Clemente Pereira de Azeredo Coutinho e Melo, governador do Maranhão) acompanhado de hum preto chamado Calisto, e de hum mulatinho pequeno forro, que vem a título de seu criado, e hé afilhado das manas do Desterro, ( As irmãs de D. Francisco de Lemos e de João Pereira Ramos, religiosas no Convento de Nossa Senhora do Desterro (Rio de Janeiro) depois designado Convento de Santa Teresa e antes apenas Recolhimento do Desterro, fundado na Chácara da Bica, adquirida por seu pai o capitão-mor Manuel Pereira Ramos de Lemos e Faria) que se empenhaõ comnosco, para que no serviço de Vasco estude, e se forme em Medicina. Vieraõ tãobem dous sobrinhos de João Manuel e hum meyo irmão delles por parte de may. O Vasco , hé claro, e loiro, e não hé torpe. Sabe já construir, e tem capacidade. Os outros dous vão em 13 e 14 anos, são já homens, e tem fortes pernonas [sic], e estão muito atrazados. O pay os manda para o Collégio dos Nobres. Eu tenho vontade de que vão para lá, mas a figura delles me faz receyar, que sejão lá muito metidos à bulha pelos outros. Não sey o que será melhor fazer. O irmão delles há-de hir para Coimbra, e para separá-lo dos outros convirá, que estes fiquem no Collégio. Remeto as cartas, que trouxe Vasco, o qual pelo correyo seguinte vos renderá a sua obediência. Ignácio não tem adiantado cousa alguma no seu grande negócio. Diz-me, que Gregório tem ajustado a filha com o João Correa militar, que lá foi servir no regimento do Porto, e que isso ficava para se declarar. Cuido, que este militar hé filho de Sebastião Correa de Sá, e que tomou o Dom do avô materno; mas não tenho notícia alguma certa. Diz-me que está disposto a cuidar nas novas plantaçoens. No mais não me diz couza notável. De mim não posso dizer mais; porque me tomaraõ a tarde. Seabra não tem feito couza alguma, nem tem esperanças. Tenho por certo, que se quizer hir por Ministro para alguma corte, poderá ser atendido. Elle esteve aqui hontem comigo toda a tarde, e grande parte de noute.El Rey teve terça-feira e quinta duas cezoens, pelo que se espera, que se recolherá com brevidade ao seu Palácio da Ajuda.

Quinta das Prayas, 29 de agosto de 1778 [na margem superior, em adenda]: Lembro o negócio da petição de António de Abreu afilhado de Fr. Bernardo companheiro do Bispo de Penhafiel. O Cardeal Reg. (?) teve hum pequeno ataque, que lhe entortou hum olho, mas foi pouco forte. Uza dos banhos das Alcaçarias. Estive terça-feira com os Senhores de Palhavã, que me tornaraõ a repetir o muito que vos saõ obrigados.»

Carta nº 46 - 1778, setembro, 5, Quinta das Prayas
«(...)Estimo, que tomasses a rezolução de sahir de Coimbra, o que há mais tempo deveras ter feito, por ser o prezente mez de setembro; que só resta já das férias, hum mez, que costuma em muitos anos ser invernozo. Já agora muito poucos banhos tomareis, mas sempre vos há-de servir de muito hir respirar novos ares em Fermozelhe ( Antiga designação de Formoselha, lugar da freg. de Santo Varão, c. Montemor-o-Velho. Pertenceu aos bens da Mitra Episcopal de Coimbra, tendo estado integrado no Couto de Santo Varão. Foi igualmente couto, antes de ser anexado a Santo Varão). Eu aqui continuo a estar no Sítio das Prayas, onde tenho tomado sete banhos; hontem porém, e hoje interrompeu-me o uzo delles o dezabrimento do tempo ventozo, e chuvozo. Cedo começou o inverno, mas espero, que não durará muito a invernada, e que ainda poderei continuar com os banhos, que tenho principiado. Toda a família passa bem; e a Snr.ª D. Maria se recomenda na vossa lembrança agradecida às vossas atençoens. Já vos avizei que tinha chegado Vasco, e os sobrinhos de João Manoel Pinto Coelho, e que todos aqui estão nesta quinta, onde tãobem se acha Jozé Joaquim da Cunha, ( José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho (1742-1821) era primo de D. Francisco de Lemos. Estudou na Faculdade de Cânones, desde 1775, mas só conclui a licenciatura em 1785. Viria a ser Bispo de Pernambuco (1795) e depois nomeado Bispo de Bragança-Miranda em (1802), cargo que não chegou a ocupar, tendo sido posteriormente Bispo de Elvas (1806) que diz parte para essa Universidade até 20 do corrente; e Francisco de Macedo, que afirma estar para embarcar para o Rio de Janeiro.(...) contispado nelle duas vezes; e porque a mulher depois do 11.º banho teve o ataque de hum defluxo, que a obrigou a suspendê-los. Tenho notícia de que continua a passar com alguma moléstia em S. Sebastião. Elle anda muito melancólico. Assenta-se geralmente que não entra no emprego, que largou. Entende-se, que o único meyo de remir-se hera o de alguma missão para as cortes estrangeiras. Mas para isto mesmo hé necessário que elle peça ao Marquez de Angeja, que o ajude, falando em geral, e esperando que elle lho proponha, petição que elle ainda não fez. Elle esteve aqui comigo huma tarde, e parte da noute e não mostra estar mal comnosco nem terá razão para isso. Será boa ocaziaõ de tomares conhecimento das terras que há no Paúl de Fermozelhe. Lembro o negócio de António de Abreu afilhado de Fr. Bernardo, o qual quinta muito me perguntou por elle, e me encarregou de dar-vos recomendaçoens suas.

Quinta das Prayas, em 5 de setembro de 1778 [na margem superior, em adenda]: No correyo passado recebi por Fr. Damião huma carta de Jozé Innocêncio, na qual me diz, que elle condescendera com a nossa vontade nas cartas de 6, e de 7 de julho do anno passado, que as nossas occupaçoens erão tão notórias, que nos não dava lugar a que nos lembrássemos do que disséramos nas ditas cartas, e que por isso elle lembrava o seu negócio. [Na margem superior da 1.ª fl., em adenda]: O Colégio de S. Paulo respondeu-me com huma carta muito atenta; mas não fala em que fizerã as demonstraçoens, o que pode ser mayor atenção porque hé fazer sem dizer. Eu sempre devia dar parte.»

Carta nº 47- 1778, setembro, 12, Quinta das Prayas (1.ª carta)
«(...) Estimo, que tomasses a rezolução de hir para Fermozelhe, porque o sítio não hé mao para os passeyos do campo, de que tanto necessitais. Sinto porem que a chuva viesse fazer suspender, ou dar fim aos banhos que apenas principiastes a tomar. Ainda que se hei-de dizer a verdade, sabe Deus o que hé melhor; porque se haviaõ de vir atacar-vos algumas cezoens, melhor terá sido preveni-las não os tomando. Ellas têm sido neste anno muito geraes até por cá, e as atribuem aqui à excessiva abundância de melancias e meloens no meyo de huma grande falta das outras espécies de frutas. Eu suspendi os banhos depois do sétimo, porem passados os três dias do tempo invernozo, continuei o uzo delles, e conto já doze, uzando de repetidas immersoens da cabeça, e todo o corpo, as quaes não prejudica o modo de hir para o mar na cadeira, de que uzo. A minha família passa bem e sem novidade. Para a Universidade vai hum rapaz meyo irmão dos sobrinhos de João Manoel para cursar a Universidade. Este creyo, que ficara companheiro de outro novato do Pitangui ( Trata-se, certamente, de José Joaquim Carneiro de Miranda, que faria a sua matrícula no 1.º ano Jurídico em 18.12.1778 filho de hum paulista homem de bem, e este hé por hora o meu parecer. Os sobrinhos de João Manoel vêm crecidotes sem embargo de só terem 13 e 14 anos. Estou na rezolução de que vão para o Colégio dos Nobres, e quando lá não aproveitem, podem de lá sahir passado hum anno. Eles vêm mizeráveis em matéria de estudos, porque nada sabem. Vasco há-de uzar dos apelidos de Fernandes Coutinho ( Vasco Fernandes Coutinho, filho de Clemente Pereira de Azeredo Coutinho, só ingressaria na Universidade de Coimbra em 02.10.1782, ao fazer a sua matrícula no 1.º ano Jurídico. Atente-se na referência à cor da pele “hé claro” e a ser filho ilegítimo de seu irmão). Sabe construir, e nada mais; não hé despiciendo de figura, porque ainda que não hé bonito, tãobem não hé hediondo, e hé claro, o que nelle hé mais estimável por excluir toda a prezunção que daria lugar a cor trigueira, suposto ser illegítimo. Ele não pode aprender nada aqui. Para estudar Filozofia, Retórica e Línguas, pode hir, ou para Mafra, ou para essa Universidade se vós o quereis lá, hirá, como e quando mandares. Se porém não gostais que vá já para lá, isso mesmo se fará, como determinares. Elle tem viveza, e talento. A fala ainda está com vícios do paiz; mas como só tem 11 anos com viveza, há-de perder logo os vícios. Com elle veyo hum mulatinho mais novo, que elle bem figuradito agregado a elle a título de criado, mas com o fim de estudar. Hé afilhado das manas do Desterro. Veyo tãobem o preto Calisto, mas este quer voltar com alLiberdade, que tem merecido. Agora direis vós sobre a arrumação de todos os referidos o que vos parece. Estimo, que para se cultivarem as terras do Paúl de Fermozelhe baste a abertura das vallas. A valla real estando aberta em cima acha-se com a água estagnada junto à ponte da Granja do Ulmeiro; se esta estagnação nace de estar entupida, e por abrir dahi para baixo, ou de outra cauza, e se se não cuida em abri-la dahi para baixo para se evitar que por ella mais aberta se não introduza no Paúl mayor abundância de água do rio, como lá dizem, eu o não posso decidir, porque nem passei da dita ponte para baixo. Será muito melhor, que baste a abertura das vallas. As terras, que a caza tem no Paúl são 25 ou 26 geiras, mas não todas juntas, porque entre humas e outras se metem outras alheyas. A inundação em que estava o Paúl quando lá estive não me permitio, senão, chegar à borda dellas. Para se conhecer a verdadeira pozição dellas, e das intermédias alheyas será necessário hum mapa topográfico do dito Paúl, e por meyo delle se poderiaõ ver as que se deverão comprar, e as que se podem trocar com as ditas intermédias. A matéria hé atendível, e tanto mais quanto mais fácil for a reducção dellas a cultura; porque antes della se poderão ajustar com mais conta, e depois o benefício que se fizer para humas aproveitará para todas. Este negócio hé de grande utilidade, e fará avultar muito a caza de Fermozelhe. Quanto à quinta de Pereira parece-me muito bem tudo o que dizeis não só pelo que toca ao muito que avultará com a fazenda de João Pedro Pimentel desse lugar de Fermozelhe, mas tãobem a que necessita de hum feitor separado do de Condeixa por cuja conta corra tãobem a administração das fazendas de Fermozelhe. Tãobem me parece bem a mudança de caza se para por meyo della se gozar da vista do campo, basta edificá-las no sítio do pinhal, ou ao pé delle; porque essa vista hé muito digna de procurar-se; mas se hé necessário sahir para o sítio da Capela de Santiago, aonde hé que se descobre todo o campo de Mondego, e do Paúl de Tigueiro (?), e Fermozelhe, e onde está tãobem hum pinhal da caza, então não me parece tãobem. O pinhal sempre faz vontade de se conservar pelo tamanho dos pinheiros, que se não crião assim em muitos anos; e porque hé o que defende o pomar, posto que isto seria remediável de outro modo. O alto do sítio, em que está o dito pinhal, dava bom assento para as cazas, e podendo-se lá levar a água, e achar toda a necessária viria a ser grandíssima propriedade; e poderia criar-se nella muito gado. Porém, a base de tudo hé a compra da fazenda do Coelhal. O ponto estaria em ajustá-la; porque como a quantia não pode ser muito avultada, ainda se poderá avançar a ella se se podesse ajustar. Eu toco nisso a meu sogro neste correyo. Queira Deus que não succeda o que aconteceu com a fazenda das Mendes no sítio do Paúl de Anobra, que quando menos se esperava se achou vendido ao escrivão António Ignácio. Se as cazas de novo feitas no alto do pinhal grande não alcançarem a vista do campo, sendo térreas, talvez o alcancem sendo de sobrado. No caminho de Pereira para S. Verão no sítio mais aprazível pela vista está a quintinha, ou fazenda do Matoutinho sobre a qual há as dúvidas com os herdeiros do capitão António Pinheiro que querem valesse mais do que o preço porque se adjudicou para pagamento da dívida que se devia à caza de Pereira. Eu quero pôr fim a isso, consentindo que se ponha em lanços para se rematar a quem mais der, e quando não haja lançador, para ficar com ella pela dívida. Se aparecer lançador, com o preço della se compra o Coelhal, se não houver quem lance, fica a dita fazenda à caza de Pereira. Mas eu quizera antes ficar com a dita fazenda porque gosto do sítio, e na quintinha do dito Matoutinho há humas poucas de árvores de espinho, e tem água. Será bom cuidar do descobrimento de hum bom feitor para a Quinta de Pereira, e caza de Fermozelhe. Estimo que me dizeis, vos escreveu Ignácio; e que os campos do Paúl já se não inundam. O preto Calisto me diz, que no último anno houve mil bezerros de parição. Se assim hé, verifica-se hir o gado em aumento e crecerá ainda mais daqui em diante, visto que se não inundão os pastos, e que consequentemente não perecerá o gado com as enchentes, como em outro tempo succedia. A notícia de se terem feito 64 pipas de aguardente me hé agradável. Isso só basta para encher as fazendas de escravos, se se for repetindo o cuidado de se fazer nos annos seguintes toda a que for possível. Eu me temperarei com elle na primeira ocazião; porque já no anno pretérito vi algum fruto das minhas pregaçoens. O dito mano ( Inácio de Andrade Souto Maior cujo filho, Manuel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho, seria o 1.º Marquês de Itanhaém. Também usou o nome de Inácio de Andrade Souto Maior Rondon, 1.º senhor da Casa de Mato Grosso, Senhor de Engenho, Mestre de Campo. Este Engenho de Santo António, em Jacutinga, agora citado, e adquirido em 1778, é referido, entre outros bens patrimoniais desta família, em RODRIGUES, 2013: 89, 114; acessível em http://cursos.ufrrj.br/posgraduacao/ pphr/files/2015/05/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Ana-Paula-Souza-Rodrigues.compressed.pdf) comprou mais hum engenho, que hé o chamado de Santo António. Quanto ao cazamento, nada tenho a acrecentar ao já dito. Pelo que toca ao foro, parece-me que se poderá armar (?) com os serviços de mestre de campo e as occupaçoens, e diligências extraordinárias de que o encarregou o Marquez de Lavradio, e a oferta que elle fez de servir com 50 homens à sua custa. Isto auxiliado com os serviços dos avós (?) para atenção, e alguma comtemplação vossa, e tambem minha poderá talvez bastar. Os bispos despachão-se com o foro para seos sobrinhos, mas não são todos os bispos. Hé necessário escrever-lhe, que peça ao Marquez de Lavradio certidoens de tudo o [sic] em que servio, e que com ellas se trabalhará o negócio; no qual e em todos os mais eu não tenho dúvida, nem farei reparo, em que façais com que se diminuão os despachos dos vossos serviços. Se o noivo da filha do Gregório vier para cá, haverá mais essa aliança próxima, que não será má. A respeito de Seabra não tenho que acrecentar ao já participado. Eu o não vejo há tempos. Sey, que tem estado doente em S. Sebastião, e que há poucos dias sahe de caza. Creyo, que não tem adiantado os seos interesses. Elle vos respondeu já, e encarregou da entrega da carta a Tomaz de Freitas, que hoje partio de Lisboa. Fr. Bernardo ficou muito obrigado com a promessa de aforamento da quintinha, que pretende o seu afilhado António de Abreu, e me disse vos participasse, que o rendeiro da dita quintinha a tem tratado muito mal, e até cortado árvores; que por isso está nos termos de se lhe não continuar novo arrendamento; e até de se despedir antes de findo o tempo delle; e que então dezeja elle, que o seu afilhado entre logo na dita quintinha, como rendeiro; em quanto se não conclue o aforamento, que há-de levar tempo pela dependência que tem de prévias diligências, e exames. Estimo, que escrevesses a estes senhores, que remetesses a vossa informação sobre os ordenados das cadeiras de Teologia, e que desses conta de ter acabado o vosso terceiro triénio. Luíz Manoel está há tempos no Estoril com a Marqueza de Angeja. Para lá lhe remeto a vossa carta, e quando elle se recolher, que não será daqui a muitos dias falarei no tom da vossa carta. Tãobem cuidarei em falar a João Chrizóstomo para saber do que há. O Bispo de Faro, que há tempos está doente em Sacavém, escreveu huma carta a D. Diogo, na qual lhe dizia, que por ter notícia do Decreto, que vos foi para dar a razão, porque se não tinha executado o que se mandava no outro respectivo ao pagamento das proprinas dos canonicatos ao Secretário da Universidade, queria prevenir a Sua Ex.ª contra tudo o que vós dissesses contra elle; porquanto Sua Ex.ª bem sabia as razoens que havia para vós lhe seres seu pposto, e enemigo, e que pedia não se vos desse crédito em couza alguma, que dissesses contra elle. D. Diogo mostrou esta carta a Luíz Manoel fazendo della o cazo, que merece. Amanhãa se sagrão no Convento dos Remédios, o Bispo de Cochim ( D. Frei Manuel de Santa Catarina Soares, OCD, Bispo de Cochim (1778-1785) e depois Arcebispo de Goa, (1784-1812)), o de Portalegre ( D. Manuel Tavares Coutinho e Silva, Bispo de Portalegre de 1778 a 1798), e mais outro. Faleceu o célebre Pedro Teixeira criado e valido del Rey D. Jozé. Vai a gazeta última. Fr. Joaquim passa melhor. Luíz António escudeiro da Sr.ª D. Maria está atacado de hum estupor, que lhe poz leza toda a parte esquerda. O O ataque foi domingo, e até agora apenas começa ter algum alívio, mas pouco.»

Carta nº 48 - 1778, setembro, 12, Quinta das Prayas (2.ª carta)
Mano muito do meu coração. Hoje partio daqui o nosso bom e verdadeiro amigo Tomaz de Freitas, com o qual conversei largamente sobre o novo descobrimento, que elle fez, e sobre tudo o mais, que convém fazer ao dito respeito, o que elle pessoalmente vos referirá. Hé muito necessário que vós procureis o instrumento, em que já vos toquei nas minhas cartas passadas. Porque nenhuma conta faz que elle se conserve entre os vossos papéis, e se veja. E sobre este ponto não tenho mais, que dizer-vos. A gravidade da matéria basta para a fazer bem recomendada. O P.e Fr. Damião confessor da Sra. D. Mariana de Sá me remeteo essa carta de Jozé Innocencio, que repete o seu negócio, por ver o pouco fruto da sua condescendência praticada há mais de hum anno. Eu dezejo vivissimamente acodir a isso; porque até hé vergonha saber-se disso em caza de Ayres de Sá, e por toda a sua família. Peço-vos que olheis para isso, e que penseis no modo de se poderem haver de empréstimo quatro ou sinco mil cruzados para pagar a esse homem; e que entretanto lhe respondais, ou faleis sobre essa matéria ao menos para o aquietar por alguns mezes. Os juros vencidos são avultados, porque só paguei os primeiros dous, ou três annos. Eu se tivera meyos por cá, bem podeis estar certo, que vos não falaria e que só o faço porque todos os que posso ter me são necessários para o meu sustento, e trato. Porém estou para fazer, quanto apontares, e poderes aconselhar-me. Lembra-me porem huma couza, e hé: que o amigo Thomaz de Freitas acaba de recolher huma pingue herança e que auxiliado della, e do seu crédito pode procurar esse dinheiro com o segredo e cautela possível, ou tomando-o sobre si e obrigando-nos nós a elle com hipoteca de fazendas para elle ficar seguro, e que deste modo pode-se tapar essa brecha, mudando a dívida de hum para o outro, e ficando agora com hipotecas, que até agora não tinha. O dito amigo há-de estar agora comvosco alguns dias. Se vos parecer, falai-lhe nisto, pois pode ser, que seja providência estar elle ahi nesta ocazião para vos livrares de procurar esse dinheiro em vosso nome. O mesmo amigo me inculcou huma boa parelha de machos, de que eu muito necessitava, e com o seu costumado primor a mandou logo pagar sem eu lhe dar dinheiro para isso, e continuando com o dito seu excessivo primor até recuzava receber o pagamento de 300$000, que custaraõ, mas cedeu às minhas instâncias, e recebeu-os.

Quinta das Prayas 12 de setembro de 1778 [em adenda]: Não vai a carta de Joze Innocêncio porque não a acho nesta occazião de fechar a prezente; e não há tempo para procurá-la.»

Carta nº 49 - 1779, janeiro, 9, Lisboa
«(...) Na minha presença se assentou, que a ley, que abolio o judaísmo, está em toda a sua força, e vigor, e que por isso se deve cumprir e observar como nella se contém (1 Lei de 25 de maio de 1773, de abolição da distinção entre cristãos novos e cristãos velhos). Nessa matéria não há mais novidade do que huma consulta feita, , pelo D. Prior de Thomar pelo que pertence às inquiriçoens dos seos frades fundado em não ter havido Bulla contrária à que elles têm para se não poderem habilitar os judeos. A qual consulta não pode servir de obstáculo à execução, e observância da dita ley. O Visconde diz, que vos escreva, que procedais afoito nessa matéria, e na execução das leys, obrando o que entenderes, e fazendo-as observar, e que não tenhais medo. Sem embargo disso porem sempre vos aconselho a moderação, e circunspecção em tudo o que obrares. A papelada respectiva ao negócio da igreja de Papízios ( A igreja de São Miguel de Papízios (c. Carregal do Sal) do bispado de Viseu fez parte do padroado da Universidade) já cá chegou, e por via particular. Ouço, que vos há-de ser remetida para informares sobre ella. O cazo dos embargos à colação do apresentado na dita igreja hé novo. Aqui houve tãobem quem ultimamente embargou huma carta de hum lugar de letras dado a hum bacharel depois de assinada pela Rainha, não se tendo ainda visto outro semelhante dezaforo. Como nenhum delles se cohibe, hão-de hir crecendo, e subindo cada vez mais de ponto. O Visconde me disse, que tem cá muitos papéis da Universidade, e que tem já pedido muitas vezes audiência para os propor sem a ter podido obter. Não me falou por hora na vossa vinda. Disse-lhe que a Universidade necessitava muito de que Sua Ex.ª lhe ponha os olhos, e que concorra pelo provimento dos lentes, ao que me respondeu, que ainda não tem vindo as informaçoens dos concursos. Tãobem me falou em hum requerimento, que fazem os Teólogos, para que se peça de Roma huma nova Bulla a respeito das rezidências dos que têm canonicatos; sobre o qual me disse se lhes ordenava, que se explicassem declarando a razão, com que se fundavaõ para o pedir. Tãobem me disse, que tinha vindo informado o requerimento do Bispo de Elvas, e outros mais sobre conezias. O Godinho ainda se não despedio de mim; elle veyo emtabular o requerimento do seu ofício; e me disse, que assim que o puzesse em via, partia. Com elle há-de hir o vosso Vasco, que por falta de boa companhia não tem já partido. Jozé de Seabra tomou parede ( “Tomar parede” era expressão usada na corte, no momento do beija-mão real, significando a presença em lugar de destaque, para determinadas individualidades, durante essa cerimónia protocolar) no dia do beija-mão por ser essa huma das honras de que gozaõ os Ministros e Secretários do Estado, de que elle devia participar, visto estar já restituído a todas as de que elles gozaõ. Está bem aceito [sic] do Marquez de Angeja e tãobem do Visconde, mas não sei, se tornará a ser Ajudante. El Rey não hé desse voto. Mas tudo vence o tempo, e conseguem as muitas instâncias. O Duque de Lafoens chegou, foi ao Paço, e adoeceu logo, dizem que de cezoens. Fala-se muito em Prezidentes de Tribunaes, o Penalva para o Paço, Villaverde para o Senado, Valadares para a Consciência. Mas eu só o ouço ao povo. O negócio das igrejas de Braga não vai bem. Favorecerei aos Terceiros para a igreja que querem, e expedirei os cónegos. A Deus

Em adenda]: Lisboa 9 de janeiro de 1779 A Marqueza de Angeja vai melhor. Morreu um hirmão de Jozé Federico Ludovici ( (João Pedro Ludovice, natural de Lisboa, frequentava então o 4.º ano da Faculdade de Leis. O Livro de Matrículas, vol. 7 (1778-1779), fl. 27v, apresenta a informação lançada à margem “Falescido” – (cota AUC – IV-1.ªD-2-3-74). Era neto do arquiteto João Frederico Ludovici e seu pai, João Pedro Ludovice, foi igualmente arquitecto). Secretário das Justiças do Dezembargo do Paço, que actualmente cursava essa Universidade.»
Bisneto do Bispo Dr João  Pereira Ramos Pereira Ramos de Azeredo Coutinho Senhor da Vila de Pereira

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