sábado, 9 de março de 2024

Ensaio à origem do topónimo Ansião!

Resumo publicado  no Jornal Serras de Ansião em março de 2024

Surge em discussão no livro de 1986, do Padre Coutinho; a herdade de Anxion ou Ansion, afeta ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, proveniente de um povoado anterior à nacionalidade, fundamentado no genitivo do nome pessoal hipocorístico germânico Ansilla, em cuja vila Ansillani ou Ansillanae? Se deve prender a origem histórica de Ansião. 

Há muitos anos num programa televisivo de Língua Portuguesa, a Dra Edite Estrela sobre o topónimo Ansião, tinha origem germânica

A Península Ibérica foi ocupada por muitos povos, lusitanos, iberos, celtas, escandinavos e com a queda do Império Romano do Ocidente, os Visigodos permaneceram 150 anos, seguidos dos mouros . Na reconquista cristã, cavaleiros vilães francos, sobretudo germânicos, vindos de países que hoje formam a Europa, ajudaram o rei D. Afonso Henriques, a combater os serracenos (mouros). A quem o rei doou mercês; títulos e terras para povoar. Dando origem a topónimos com raiz assente nos nomes de família desses primeiros donatários 

A região nas proximidades de Penela, Figueiró dos Vinhos, Ansião e Alvaiázere, teve famílias de Coimbra, residentes ou proprietárias. Porém, com uma outra família de cavaleiros provenientes do norte, da região de Guimarães, mais precisamente da freguesia de Santo Estêvão de Urgezes. Família que, por certo, na vassalidade dos de Riba de Vizela, já estaria pela corte. De acordo com a Dra. Leontina Ventura, ambas as linhagens, provenientes do mesmo julgado, Guimarães, e de freguesias próximas (Santo Estêvão de Urgezes e S. Miguel e S. Paio de Vizela), seguindo a corte, agora sediada em Coimbra, haviam-se estabelecido em áreas geográficas próximas: Riba de Vizela para Alvaiázere, Ansião e Figueiró dos Vinhos; Urgezes para Podentes (c. Penela). 

A par perduraram nomes próprios de origem germânica que todos conhecemos:

Odete, Elvira, Guilhermina, Fernanda, Alice, Amália, Eduarda, Carolina, Albertina, Idalina, Clotilde, Ermelinda, Gertrudes, Otília, Zulmira, e masculinos: Alberto, Jorge, Afonso, Eduardo, Henrique, Bruno, Carlos, Adolfo, Aires, Américo, Adelino, Leopoldo, Norberto, Rodrigo, Guilherme, Armindo, Arlindo...entre demais.

A falta documental do passado de Ansião, anterior a 1175

Até hoje ainda não apareceu nenhuma fonte documental do passado de Ansião anterior a 1175, o que impossibilita associar o topónimo ao germânico Goesto Ansur, ou Guesto Ansures, falecido por volta de 871. Tomei conhecimento deste germânico numa nota em rodapé na pag. 138, do livro do Padre Coutinho. E fui ler  on line, dificil pelo português arcaico o livro a Miscelânea do Sítio da Senhora da Luz de Pedrogão Grande, de Miguel Leitão Freyre d'Andrada. Fidalgo das Beiras acompanhou o rei D.Sebastião à batalha de Alcacer Quibir, onde foi cativo em Fez, onde faz promessa a NSGuia, se voltasse a Portugal. Óbvio quis saber o local onde iria cumprir a promessa, se no Avelar (Ansião), debalde, foi na Galiza...O orago Guia, indicia orientação dos navegantes no mar. A origem da família Freire d'Andrada ou Andrade, vindo para Portugal fixando-se em Pedrogão Grande, de certa forma escondidos, por terem morto um homem.

Gusesto Ansur, herói retratado em 1629, cujo enredo dos versos dividiu autores

Reindivicam uns que o local do seu encontro para entrega do tributo de pazes foi em “Figueiredo das Donas “que refuta Miguel d'Andrade e outros, invocam foi no Figueiral, hoje Figueiró dos Vinhos 

No Figueiral Figueiral                                         Mouro que las guarda
A no Figueiral entrei :                                          Cerca lo achei,
Seis ninhas encontrara,                                        Mal la ameaçara,
Seis ninhas encontrei.                                           Eu mal me arroguei,
Para elas andara,                                                 Troucom desgalhara,   
Para elas andei.                                                    Troucom desgalhei.   
Chorando as achara,                                            Todos machucara,
Chorando as achei.                                               Todos los machuquei,
Logo lhes frescudara,                                            Las ninhas furtara,
Logo lhes frescudei.                                              Las ninhas furtei.
Quem las maltarar,                                               La que a mim falara,

Ya tão mala lei.                                                     N'alma la chantei.

História que há 20 anos já tinha sido publicada  em 1609, na Monarquia Lusitana: 
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrey,
ſeis niñas encontrara
ſeis niñas encontrey,
para ellas andara
para ellas andey,
lhorando as achara
lhorando as achey,
logo lhes peſcudara
logo lhes peſcudey,
quem las mal tratara
y a tão mala ley.
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrei,
Vna repricara
infançon nom sey,
mal ouueſſe la terra
que tene o mal Rey,
ſeu las armas vſara
y a mim fee nom ſey.
Se hombre a mim leuara
de tão mala ley,
A Deos vos vayades
Garçom ca nom ſey
ſe onde me falades
mais vos falarei.
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrei.
Eu lhe repricara
a mim fee nom irey,
ca olhos deſſa cara
caros los comprarei,
a las longas terras
entras vos me irey,
las compridas vias
eu las andarei,
lingoa de arauias
eu las falarei.
Mouros ſe me viſſem
eu los matarei.
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrey.
Mouro que las goarda
cerca lo achei,
mal la ameaçara
eu mal me anogei,
troncom desgalhara
troncom desgalhei,
todolos machucara
todolos machuquei,
las niñas furtara
las niñas furtei,
las que a mim falara
nalma la chantei.
No figueiral figueiredo
a no figueiral entrei


A canção encerra  a  lenda do tributo das cem donzelas  
Conta-se que no século VIII, Mauregato recorreu ao auxílio do emir mouro de  Córdova, Abderramão I , que lhe forneceu guerreiros para a conquista do Reino das Astúrias, em troca de promessa de vassalagem e de um tributo anual de cem donzelas (50 nobres e 50 plebeias). A população cumpria, ainda que contrariada, com esta pesada cobrança. O romance em questão narra um episódio em que  Guesto Ansur, um cavaleiro cristão, encontra seis donzelas tributadas num figueiral, guardadas por mouros. Este, ao vê-las em maltrato, arriscou a vida para as salvar dos guardas, utilizando até como arma um ramo de figueira quando se partiu a sua espada. Após triunfar face aos sarracenos, casou com uma das donzelas, dando origem à família dos Figueiredos. O local onde ocorreu o resgate recebeu o nome de Figueiredo das Donas em memória do episódio.
No excerto do Livro D. Sebastião e o Vidente de Deana Barroqueiro a forma de diálogo, ao velho gosto humanista, travado entre duas personagens (Galácio e Devoto no livro Miscelanea do sitio de NS da Luz em Pedrogao Grande), segundo a critica de pouco rigor histórico .
De facto já  Teófilo Braga tinha concluído que  Frei Bernardo de Brito não tendo documentos históricos escritos para basear a sua versão da lenda do Figueiredos, aproveitou-se da cantiga, associou-lhe o topónimo Figueiredo das Donas, e inventou a personagem Guesto Ansur  para lhe conferir verosimilhança. Sobre a documento fonte citado, o hipotético “Cancioneiro Marialva”, Carolina Michaelis descarta ter sido real, mas que a existir seria uma “miscelânea” do século XVII, semelhante à de  Miguel Leitão Freire de Andrada .

(...) Veio o cavaleiro cristão germânico Ansur Goestis ou Guesto, da região de Lafões, ao limite de Pedrogos (Pedrõgão Grande), ao limite do Figueiral, hoje Figueiró dos Vinhos, ao encontro dos embaixadores do sultão de Córdova Mauregaho a Abderrhamen para a entrega do tributo de pazes de seis donzelas. Por gostar de uma, as livrou todas, arriscou a vida e as salvou, e quando lhe caiu a espada se defendeu com um ramo de figueira, o que lhe ditou a alcunha Figueiredo. 

Sem a entrega do tributo deu-se o rompimento de pazes na batalha de Aledos em 791, que o avô de Miguel Andrada, de Pedrogão Grande, então alcaide-mor de Penamacor, contava histórias da participação de avoengos. A família Diogo de Andrada com 40 padres da Companhia de Jesus, chefiados pelo provincial padre Inácio de Azevedo, embarcaram na nau Santiago, um dos 3 navios da frota que levava o governador Luís Fernandes de Vasconcelos para o Brasil. Mestre de noviços nessa expedição de mais de 70 religiosos de várias Ordens, para cuidar das almas dos índios acabaram mortos pelos corsários, que a memória do povo os consagra - quarenta mártires do Brasil.

Se a batalha foi travada em 791, onde teria  sido o seu palco para os avoengos terem participado?

Ansur Goestis casou com Dona Eleva, persistem as ruínas do seu paço em Vouzela. Fizeram doação em 871, de várias rendas ao mosteiro de Arouca. 

Além deste herói, Goesto Ansur, preteri outras hipóteses: 

Na antiga Gália, no norte dos Pirenéus, os berberes combateram os romanos drogados com liamba, dando origem à palavra assasin, significa assassino. 

A palavra latina Ancill, significa criada, escrava. 

O nome próprio árabe Amselam

O conde D. Henrique de Borgonha, de origem francesa, pai de D. Afonso Henriques. 

As palavras ; Ansion e Ansiaume.  

Na Corografia Portuguesa do padre Cardoso, 1706/12

Menção ao apelido Anian ou Anião, fidalgo das Astúrias, que ajudou o conde D. Henrique, a povoar Góis, por volta de 1170...Graças ao excerto de Goismnemosine.weebly.com , percebemos que o padre se enganou , em 1170, o Conde D. Henrique já tinha faleido (…) D. Teresa de Portugal em 1114, regente do Condado Portucalense, e seu filho Afonso Henriques, de cinco anos de idade, fazem a doação das terras de Góis e de todos os seus termos a Anaia Vestrares ou Anian ou Anião de Estrada, fidalgo das Astúrias, e a sua mulher Ermesinda Martins, para a povoar e desenvolver”. A sua filha Maria Anião casou com Diogo Gonçalves e foi Senhor de Góis. Onde Vasco Pires Farinha fundou um morgadio vindo por casamento aos Silveiras, foram Condes de Sortelha, D. Luís de Alencastre, Conde Vila Nova de Portimão

O tombo de Góis abre perspetiva aos apelidos aportados depois da centúria de 700 a Ansião; Lemos, Lima, Veiga, Carneiro, Monteiro, Paredes, Figueiredo, Silveira etc. E ainda ao padre João Crisógono Figueiredo Perdigão Villas-Boas Amaral, nascido em 1797, em Celavisa, Arganil, foi capelão da Capela da Misericórdia de Ansião, onde se encontra sepultado, cuja lápide brasonada tem as armas do seu pai.

Voltar aos cavaleiros germãnicos

Contribuintes  de rica toponímica na Galiza, e no norte, a exemplo  Sandiães e Guimarães, genitivos germânicos, do nome Sindila, e de Vimara Peres, evoluíram no plural, em ães. Segundo o padre João Pinto de Morais o topónimo Ansiães, em Amarante, deriva de Anciaens ou Anciam. Avesso a pobreza, antes cifra abonatória, corrobora a teoria creditícia do Padre Coutinho, pela comunhão do baixo latim da mesma raiz; villa de Ansilanis, quinta de Ansilano, ou Ansilanem, com a variante Eixião e na Galiza Anseán, e do germânico Ansehelm (Anse+ ansi), deuses da mitologia escandinava, e helm, “capacete, proteção”, "aquele que está sob a proteção dos Anses". Vivos, genes escandinavos na região, aportados na proto-história. Ansos, em 1625, chamou Severim Faria aos do burgo de Ansião…Presume um povoador aportado de Ansiães, Amarante, o fundador do esmoliadouro e da primeira estalagem, no vulgo mosteiro, requalificando ruínas romanas. Assenta o topónimo do burgo de Ansião na sua alcunha “ anciam ou anssion”. À laia da prática assistida no tempo a todo aquele chegado de fora, passava a ser conhecido pela alcunha da sua terra de origem. Constatei há anos a duplicação de topónimos do norte na região, ou com a mesma raiz, na marcação de itinerários de férias: Rabaçal, em Valpaços e em Penela. Almofala, em Castelo Rodrigo e Figueiró dos Vinhos. Mogadouro, em Trás-os-Montes e Santiago da Guarda. Cabaços, em Moimenta da Beira e Alvaiázere, Rapoula, no Sabugal e Avelar, Cotas, em Alijó e Soure. Com a mesma raiz: Constantim em Vila Real, e Constantina em Ansião, Pai Penela, na Meda e Penela, a culminar Ansiães e Ansião. A padroeira NSª de Moreira de Ansiães, patronímico português de Sta. Maria de Moreira, de Celorico de Basto, tinha por honra o fidalgo Pedro Pires Moreira. Apelido ramificado a Penela, Espinhal, Avelar e Ansião, nos meus netos, a quem instigo, jamais esquecer são Valente! 

Em plenitude dissecar nos séculos várias menções evolutivas do topónimo Ansião: 

[1220.JUNHO – 1223.MARÇO] – Inquirição sobre os direitos régios detidos em diversas freguesias da diocese de Coimbra, acrescidas de um rol dos bens detidos pelas instituições eclesiásticas e pelo rei em Coimbra e na sua região, a egreia d’ Amssyom dez librras, e no séc. XV, in Anssyom. casalia, et dant inde deciman

Curiosa divergência da grafia do topónimo com M e N, à exaltação relevante, antecipa a fundação da primitiva igreja de Ansião, sita no atual cemitério, evocada por historiadores antes de 1259, sendo efetiva antes de 1220. E só por esta nota já é importante a crónica. 

                                       

No censo de 1320, pagava a igreja de Santa Maria de Anxion, 25 % da colheita. 

Excerto de AHMC/ Pergaminhos Avulsos, nº 10 de 1344, Abril, 17, Coimbra: Eygreia d’Ansyom dez soldos

Cortesia do Leonel Morgado :Censual da Diocese de Coimbra no elenco de igrejas, mosteiros e capelas no séc. XIV "It. Sancta Maria d’Ansiom de Sancta Cruz" Séc: XV in Ansiom. xxx. casalia, et dant inde deciman 

                     Ansiaon, num mapa de 1561 partilhado pelo Dr. Manuel Dias

Anciam, no 1º Livro de Registos Paroquiais de 1578

Anciano, num mapa de 1780, cortesia do Dr. Paulo Alcobia, de Ferreira do Zêzere

Quiçá, fonte ao Slogan Coração de Sicó

O "Mappa Topographico para a nova organização do concelho de Ancião desenhado, em 1862, por José Joaquim Serra, Professor de Instrução Primária, arquivado na Torre do Tombo”, que se ilustra.

Grande abalo caí por terra a origem de Ansião na boca de muitos. Porém, jamais afirmação, em alusão direta do topónimo associado ao chavão Rainha Santa Isabel dando esmola a um ancião. Certeira a sua deslocação pela estrada de Conimbriga, por Soure, ou pelo Zambujal, Ateanha, Avelar, Pontão, para as suas terras de Dornes e Alentejo, por onde passou o seu cortejo fúnebre, vindo de Estremoz.
Em 1937, os Paços do Concelho atearam fogo, sem encontrar culpados. O novo telhado a poente, foi impresso a letras garrafais, em branco ANCIAO. Quiçá, alegado mote à criação verseja folclórica humorística e sarcástica, sem respeito à verdade histórica, cujo autor jogou com a palavra homógrafa Ancião, que significa velho, em antítese à idoneidade ancestral do topónimo, à pala épica, da Rainha Santa Isabel!

O topónimo Ancião sofreu a última evolução, ao mudar o C por S, pelo acordo otográfico de 1948. 

A contínua dificuldade burocrática, à digitalização do arquivo municipal, à que devia ser a sua principal dinâmica, de o pôr ao serviço da investigação – inércia descarada lança repto a outros à procura da ata e da publicação em Diário da República! 


FONTES
Livro de 1986 do padre Coutinho
Corografoa Portuguesa do padre Cardoso
Goismnemosine.weebly.com 
Leonilde Ventura
Miguel Leitao Freire de Andradae e o seu livro de 1629
Wikipédia texto publicado na página 196-v do capítulo IX do sétimo livro da segunda parte da Monarquia Lusitana

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