sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Odemira e o refúgio no Brejão da Amália Rodrigues

Agosto de 2007 de férias em Odemira na redescoberta do sudoeste alentejano, a famosa Costa Vicentina! 
Soberba a vastidão  ao jus de fajãs a entrar pelo  mar a perder de vista, com praias encantadoras para bons banhos, de areia mui fina, bom sol e para almoço peixe grelhado, saboroso e fresco.Desde Odeceixe, Zambujeira, Almograve, Milfontes e outras mais pequenas Carvalhal, Azenha do Mar, Brejão... 
Logo de manhãzinha rumei à Zambujeira atalhei por Montelavado, em passeio a pé no gosto a descobrir a nova arquitectura do casario enquadrada na traça tradicional pese aberrações salvando-se muitas de cunho de bom gosto que teimaram preservar.
No turismo comprei uma pequena carpete redonda em trapologia, bonita decora uma das minhas casas.
De regresso tomámos a estrada para S. Teotónio rumo ao interior, em aventura atalhei caminho, por estrada em terra batida. Coisas e gostos só para quem gosta de grandes desafios, de conhecer contrastes, belezas perdidas em fortes contrastes em aridez e pobreza em enorme isolamento, onde não se vê viva'alma. 
Sabóia,  terra com a doçura do nome aberto, entre confins de serranias e montes abandonados,  aqui chega a  energia nas raras casas habitadas com painéis solares. Chegados à albufeira de Santa Clara a Velha,  já  se chamou Salazar, com  a pousada  sita ao cimo de um pequeno monte rodeada de água a lembrar península, e muito arvoredo onde vivi em plenitude em família, em 2003, na caminhada à aldeia que lhe dá a graça do nome com bons restaurantes, um minúsculo mercado com quatro bancas, uma loja de artesanato e um antigo poço com uma lenda, empestado com a invasão de lagostins...uma praga!
Quis o destino para emprego da minha filha na escola de Odemira que aqui voltasse em 2007 . A minha 3 ª vez com mais tempo para percorrer o concelho. O passeio torna-se doce com a companhia da linha de caminho de ferro de uma via, a dar tanta tranquilidade, contrates e cores em aromas silvestres, torna a paisagem surreal, em idílico excelso cenário a fazer lembrar Rembrandt com destino programado em Luzianes Gare. Na Junta de Freguesia  em edifício de sobrado apreciei no r/c a obra escultórica do seu balcão em trabalho em madeira, uma autêntica obra de escultor. Disseram-me que o escultor, um amador e conterrâneo, mas alcoólico. Pessoas com tanto talento mereciam aposta de recuperação, por serem  criativas e com tanto valor para se enaltecer e deixar aos vindouros. As pessoas são muito hospitaleiras, cheias de garra e unidas. Apreciei esse perfil nas longas conversas no meio tempo das entrevistas a que tinham vindo para as Novas Oportunidades. Admirável, reconhecer naquele fim de mundo onde o " Diabo perdeu as Botas" encontrar pessoas com idades maduras, cheios de vontade para aprender, saber mais, no reconhecimento maior de não deixar perder oportunidades governativas. Sim, porque gente como esta não há, sentiram na pele a ditadura, a miséria e a fome. Nunca nesta minha vida tinha travado conhecimento com gente de tão alto gabarito, na forma em agarrar oportunidades em querer e exercer vontades, não perder o "comboio" afinal passa ao lado o da Refer , falo sentido figurado, o leitor perceberá de que comboio falo, o do progresso!
Chegavam homens em tractores, de carro e ainda a pé. Alguns vinham directamente dos trabalhos agrícolas, vestidos de botas, despenteados, suados, que importava? Importante era não faltar à hora da entrevista. E não faltou nenhum! Bem hajam. Percebi com todos os que falei, e foram muitos, homens e mulheres - os achei melhores do que eu, que nada fazia, mulher vazia , descrédula neles ganhei a força e coragem para lutar e saber estar nesta vida ainda com oportunidades em as agarrar! 
A eles devo a força para mudar. Mudei. Mentalizei-me na viagem de regresso, no expresso, entrosei o estigma e dei corda aos sapatos para me  inscrever nas Novas Oportunidades, afinal só tinha o 9º ano.Por opção frequentei um curso EFA, com canudo à equivalência do 12º ano graças à conta da força daquelas gentes que conheci.Bem Hajam Povo de Lusianes Gare!
O regresso de Luzianes Gare a Odemira de noite foi mais complicado... 230 curvas.Sem luz eléctrica, valetas cheias de erva alta, aqui e ali irrompiam à nossa frente raposas, ginetos, gatos... cheias de medo, um horror a tamanha aventura a percorrer a estrada pela serra. Concelho o maior da Europa, muito rico e tão ímpar com simbiose entre a mística do litoral e a aridez da serrania interior Deslumbrante em tantas tonalidades.Lamento de momento não me recordar da última aldeia antes de chegar a Odemira onde parei para travar conhecimento com o cesteiro Sr Pombareiro, homem na casa de mais de 80 anos, um deslumbre de pessoa a quem encomendei uma cesta grande com tampa, arranjei uns clientes, ofereceu-me uma cestinha feita em cortiça , mais tarde pedi-lhe para me fazer uma tampa para o meu "cortiço" assim chamado às colmeias no centro do país na Beira Litoral, decora a minha casa rural, enriquecido que ficou com a tampa à antiga com espetos de estevas.Ofereceu-ma. Dei-lhe dois beijos, ficou fascinado com a minha alegria e espontaneidade. No turismo na vila comprei um cesto grande ovalado com pequena tampa, decora a minha 2ª casa para as minhas bengalas que comecei a coleccionar há coisa de 30 anos.
O parque municipal na Boavista dos Pinheiros, reporta à frescura de Sintra.Grande a variedade floral de alegrias do lar, a maior que jamais vira. Todos os espaços muito emblemáticos com recantos muito acolhedores onde não falta o riacho a correr apressado por entre calhaus rolados. Há imensas mesas, até para grandes grupos e assadores para os grelhados também não faltam. Visitei o espaço várias vezes, fresco, romântico, simplesmente mui agradável. Um dia levei um piquenique, arroz de coelho.Lembro que nos soube muito bem, depois fomos tomar o café e o bagacinho no parque onde a senhora nos proporcionou uma visita à  típica cozinha alentejana, onde não faltavam objectos que fazem parte do meu imaginário, foi gratificante. Um senão o difícil estacionamento, perguntei aos "Almeidas" do parque com  resposta na ponta da língua "a câmara está em negociações com a quinta adjacente".
Brejão, a margarida  em  ferro na estrada principal a forma de descobrir onde se corta para o refúgio da Diva é dada por uma margarida em ferro- azul e amarela, em tamanho grande cravada no chão no lado direito. Passa-se por terrenos com plantio de morangos, e ao fundo pouco estacionamento em terra batida ao longo dos muros da propriedade da Diva, ao meio o portão banal, o mais simples, no contraste de grandes solares e quintas que os ostentavam grandes, pesados, elaborados com requinte em ferro forjado de formas delicadas que a mim me fazem sempre parar para olhar. 
Entrada do refugio de Amália Rodrigues
O extremo a poente da propriedade da Diva confina com o mar e tem na escarpa escadaria, em ziguezague, que dá acesso à praia outrora privativa. Em grande degradação, sobretudo junto ao mar. O acesso que fiz à praia feito à socapa por um escuso carreiro, na extrema do terreno com um ribeiro que nos acompanha até ao mar, sinuoso, que tem de se ter cuidado, espreitam alguns perigos de pedras, ardósia, canas, mimosas, há que ter cuidado, mas vale a pena sentir este lugar que reporta a Sintra. 
A escadaria de acesso à praia do Brejão
A propriedade é enorme com frente para o oceano. Apenas a percorri a medo ao longo do carreiro a sul onde se encontra a construção primitiva do monte, e a nascente existe a parte nova que a Diva mandou construir em cimento armado, moderna anos 60, com piscina, também com sinais de evidente degradação onde vivem os "caseiros", gente sem qualquer formação e escrúpulos, dito pelos miúdos filhos do casal, que encontrei noutro dia sentados na falésia junto à foz do riacho a tomar conta do rebanho, para espanto meu, reparei que se regulam pelo sol, para saber as horas da merenda. Travámos conversa, putos giros, inocentes, disserem que os pais quando encontram turistas a tirar fotos os obrigam a entregar os rolos, sendo corridos a pontapé. De facto existe uma placa com a menção " Propriedade privada" muito velha meia desfeita...
A parte nova construída convive com a antiga tradicional do monte, entre elas largos passeios em cimento onde adormece uma carroça pintada de cores berrantes.Entrei pela vedação em rede esburacada junto à casa do lavadouro onde vi carpetes, camas velhas de ferro , espelho de fazer a barba ainda em papel prata, corroído pelo tempo, e moldura comida pelo caruncho, tudo jazia em apodrecimento, em cima das pedras de lavar...ao abandono, à mão de semear em estado desprezível, velho, estragado, um caos a perder-se a olhos vistos...
Enquadrado em paisagem de tirar a respiração com praia encravada no meio de duas arribas, que a torna acolhedora, única, neste paraíso místico a contracenar com a escadaria e canteiros semi desfeitos com as intempéries.
A casa tradicional alentejana, baixinha pintada de branco, com rebordos a azul a lembrar o mar, decorada com margaridas a que chamam malquereres pintados pela Diva. Eu por saber da sua amizade com a amiga Maluda, e esta gostar de cores fortes, pensei no imediato que teriam sido por ela pontadas.
Apreciei a casota do cão, o poço tapado tipo mina, o lavadouro e o muro da entrada, em todos o traço de pequenas e grandes margaridas de todas as cores.

Em miúda recordo a capa da revista "O Século" defronte da piscina a Diva vestia um traje árabe castanho comprido rasgado de lado e debruado a rendas. Ir ao local tantos anos depois, sentir o mesmo perfume que a Diva tantas vezes e na véspera de morrer saboreou, é sentir uma exaltação maior num Apocalipse sem igual.
Pá de madeira que jaz pendurada na minha cozinha velha em madeira afeiçoada em jeito de pá, quem sabe se seria da azenha na fraga a sul da casa da Diva.
Veja-se como escrevi Brejão...Não resisti a trazê-la comigo estava pendurada num ramo de uma pequena figueira à minha espera possivelmente teria servido para encher as sacas de farinha na azenha em ruínas, destelhada , com Mós prostradas pelo chão, entre a falésia e o riacho que comanda o carreiro até ao mar.
Voltei novamente ao local, não resisti a fazer uma necessidade fisiológica no mesmo lugar onde a Diva se passeou...coisa de vontades e reparei num monte de lixos de onde retirei uma tela de platex velhíssima que restaurei, ganhou com a moldura ao estilo de outra que vira no CCB.
Adorei Odemira e as suas gentes. Esta é a verdade. 

Um comentário:

  1. Olá. Descobri este seu blogue por acaso. Presido a Uma Associação a "Associação Diva Brejão", criada em Dezembro passado que tem como objectivo precisamente recuperar a casa da Diva no Brejão. Gostava de trocar umas impressões consigo. Poderá contactar-me através do mail adivabrejao@gmail.com
    Obrigado.

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