quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Os Bombeiros Voluntários de Ansião nas minhas lembranças...


Prefaciando D. Quixote... Ah, memória, inimiga mortal do meu repouso! 
Eis chegada a hora  de chamar ao consciente todas as memórias que me perturbaram e incomodaram no passado. A decisão de as relatar , sem as aceitar, retiro-lhes o poder nefasto que sobre mim tiveram.
Em criança sentia aflição ao apito forte da sirene, então na frontaria dos  Paços do Concelho de Ansião. Quantas vezes sentados à volta da mesa da cozinha, ou da sala, a tomar as refeições quando irrompia aquele toque ensurdecedor, ato imediato o meu pai se levantava e em passo de corrida saia a caminho do quartel. Descuidado, muitas vezes nem mudava os sapatos, o pior é que na sapataria do Sr. Gaspar o seu número, quarenta e quatro, tinha de ser encomendado de propósito, na vila ninguém calçava um número tão alto. 
Sempre conheci o meu pai Fernando Rodrigues Valente como funcionário Judicial e bombeiro voluntário. Tantos fogos combatidos por terras de Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pera, Pedrogão Grande, Ourém e,… 
A  escritura da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ansião foi despoletada pelo grande incêndio em 1957 ocorrido no solar de gaveto da D. Alice Veiga, sito por detrás da Praça do Peixe, hoje Biblioteca,  onde vivia com o seu filho Armando Cardoso, escrivão no Tribunal. Telefonaram para os Bombeiros de Pombal, ouviram mal o nome Ansião, que foi deturpado por Ançã . Chegaram tarde a Ansião, o fogo foi apagado pelo povo, no tardoz da casa, onde ainda é visível a reconstrução com novas janelas. A Ti Augusta Tarouca, ainda se lembra de ver as roupas queimadas... Grave incidente originado pela deficiente transmissão desencadeou num grupo de bons homens de Ansião, apostar na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ansião a 19.12.1957. Funcionou provisoriamente numa casa alta na vila doada aos Bombeiros pelas manas "Gloritas", adoçada à casa da "São gorda", imóvel mais tarde comprado em leilão pelo Sr. "António Bernardino dos Munhos". Ainda recordo desse tempo, pela altura do Carnaval, de lá saírem os cabeçudos contratados para o entrudo no desfile pela vila. 

A 1ª pedra para a edificação do novo quartel ocorreu no dia 07.08.65 
Houve grande festa com pompa e circunstancia onde estive presente. 
Foto de Ricardo Jorge
Dei os meus primeiros passos neste carro dos Bombeiros, hoje património da Instituição .
Parado ao Ribeiro da Vide, os  Bombeiros vinham ao chamamento do meu pai para nos aprovisionar de água em casa, ligando mangueiras do poço camarário do Ribeiro da Vide. Enquanto decorria o enchimento do tanque das uvas, petiscavam e bebiam bom vinho , até se ouvir gritos  do transbordo de água ...  
O maior incêndio que assisti …  
No termo da vila, para sul, a 22 de julho de 1973 pelas 14 horas. A sirene não parava de tocar...era aflição e grande! Falava-se de quatro frentes , de fogo posto, dizia à boca cheia o povo, avançava desde as Alminhas do Escampado, Fonte da Costa, Pinhal, Barroca, Carvalhal, Casal das Peras, Barranco, Matos, Carril e, … Os mais velhos davam ordens aos cachopos para distribuíam leite pelos Bombeiros, nesse dia aprendi os benefícios -, combate à intoxicação provocada pela inalação de fumos.
Carvalhal do Bairro 
Grande o aparato na estrada ao Carvalhal, em frente à casa da "Maria entrevada", mãe das minhas sempre amigas Idalina e Helena Carvalho, ainda do irmão Júlio, boa gente quando reparei no Mercedes, o carro da chefia dos Bombeiros, julgo oferta de um benemérito emigrante da terra. Sentado ao volante o Sr. Fernando Silva, visivelmente inquieto pelo descomunal fogo de grandes proporções e fundados receios de cerco pelas altas labaredas crepitantes a rondar por perto, sem vontade de dar tréguas... assistia ao aparato do vaivém da multidão… com baldes, caldeiros, barris de água nas mãos ... incrédulo, apático, o Sr. Silva parecia eletrificado, não reagia como eu esperava, tomando as rédeas do controlo da situação! 
Senti um impulso repentino -, um chamamento de clarividência, ao jus do meu pai num fogo idêntico em Vale do Rio, que rondava os cabos de alta tensão, perante o embaraço total do comandante Artur Paz, não se coadunar com medidas urgentes a serem tomadas, o meu pai pediu  aros de dorna, que jogou alto contra os fios para provocar curto-circuito, e assim se livraram de outros males maiores . Episódio que o "Carlitos Parolo" seu colega voluntário no mesmo incendio me contou. 
De fato, a minha personalidade foi herança do meu querido pai,  pese os meus dezasseis anos, o momento exigia tomar posições e, sem me dar conta abeirei-me e soltei a voz " Sr. Fernando Silva se não pediu ajuda a outras cooperações tem de o fazer imediatamente -, Alvaiázere tem de travar o fogo do lado das Cavadas para não alastrar mais, é o momento de virem...". O bom homem segurava um retransmissor de contato ligado ao quartel, em ato instantâneo solicitou ajuda, tomando energicamente o comando das operações. Do mal, o menos, todas as ajudas foram determinantes. 
Grande susto e grande a vasta área de floresta ardida e casas -, mais não foram porque o povo juntou-se, todos ajudaram como puderam em as manter bem regadas, o fogo em labaredas altas rondava a casa do Augusto Lopes no Carvalhal, de mangueira na mão ajudei a regar paredes e telhado, outros faziam regos à volta do pinhal para circundar as chamas, as minhas oliveiras ardiam na Barroca do Bairro, com baldes de água do poço do Ti Narciso as salvei, a casa do Manuel Borralheiro pegou fogo. Ardeu completamente a casa do cunhado Ti Jacinto -, o azeite fervilhava em descida rápida pelo caminho, o pai da Adelaide, teimava não arredar pé da sua casa, apesar do esforço dos Bombeiros em o querer retirar... em vão, enfiou-se no tanque de pedra do quintal, também ardeu a casa do "Ti Américo Pau Preto"... Estas pessoas depois foram viver para o Salgueiro.
Incompreensível  é o facto do nome do meu pai e do "Carlos Parolo" não sei se de outros, terem sido esquecidos para sempre, ao não constarem na estela de mármore patente no átrio do quartel...
Alguém me sabe explicar a razão e o porquê? Tantas as vezes que ficámos sem a sua companhia, horas de "coração nas mãos, roupa queimada, cansaço, preocupações a troco de ajudar os outros" sinto que não merecia tal esquecimento! 

A cooperação de Bombeiros e do staf em frente dos Paços do Concelho 
                              
Incómodo do passado ainda a marcar-me negativamente. Porque uma Instituição Humanitária devia ter privilegiado o seu arquivo , devia ter igualmente estela com quem lhes fez doações.
Registo negativo o desconhecimento de quem foi voluntário, de quem agraciou monetariamente a cooperação, que pagava quota, mas, na hora da listagem, foi esquecido, com  visibilidade a outros, acaso eram melhores? A ser um dia rica, por causa deste lamentável lapso, em falta a registo de memoria para o presente e vindouros, jamais serei filantropa.

Retirado de https://agc.sg.mai.gov.pt/details?id=633082Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ansião

Nível de descrição

Documento composto   Documento composto

Código de referência

PT/SGMAI/GCLRA/H-B/001/02468

Tipo de título

Formal

Título

Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ansião

Datas de produção

1957-12-19   a  1958-04-18  

Dimensão e suporte

11 f.; papel

Âmbito e conteúdo

Sediada na freguesia e concelho de Ansião. Estatutos aprovados por alvará nº 28 do Governo Civil de Leiria em 1958-04-18. Natureza da Associação: humanitária. Data da constituição da Associação: 19 de dezembro de 1957.

Condições de acesso

Livre

Cota descritiva

34

Cota original

Ansião

Cota antiga

Ansião

Idioma e escrita

Português

Características físicas e requisitos técnicos

Mau

Unidades de descrição relacionadas

Relação completiva: Portugal, Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, Governo Civil do Distrito de Leiria (F), Inspeção, Licenciamento, Fiscalização e Segurança (SC), Associações, Atividades lúdicas, Espetáculos (SSC) Processos de aquisição, alteração ou extinção de personalidade jurídica de associações (SR), Processo nº 01882 (PT/SGMAI/GCLRA/H-B/001/01882) e Processo nº 01912 (PT/SGMAI/GCLRA/H-B/001/01912)

Data da constituição da Associação

19 de dezembro de 1957

Natureza da associação

humanitária

Sede

Avenida Dr. Vítor Faveiro

Freguesia

Ansião

Concelho

Ansião

Distrito

Leiria

Congratulo-me do presente Comandante da Cooperação ser o meu bom amigo António Neves Marques, sempre tratei por "Toino Trinta" - um dos heróis da cachopada do Bairro de Santo António do meu tempo. 

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