sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O milagre da Fonte Santa, em Ansião, celebra este ano 398 anos

Recordo-me em miúda de ouvir falar do milagre e da lenda da Fonte Santa, na Areosa. Em 1984, um grupo de entusiastas da Constantina, reeditou uma versão em panfleto que me avivou as pagelas vendidas por gente vinda de fora nos anos 60, do séc. XX, no mercado da vila, a pregão comovente de desgraças.

Milagre  da Fonte Santa
Cortesia do Renato Freire da Paz
Produzido na tipografia do Pontão Papeltipo 





Quadro a jus de ex voto na capela da Constantina  do pagamento de promessa oferecido pelo avô de Silvina Gomes, José Costa da  Ribeira do Açor em 1910

A Lenda da Fonte Santa descrita por Severim Faria em 1625

«(...) aconteceo, que hum minino do mesmo lugar sonhou que no milho que o pai tinha semeado, nu secco areal lhe dava Nossa Senhora da Paz hua fonte aonde com fé viva se foi pella menham a cauar com asmaõs no lugar em que sonhava e fez verdadeiro, o que todos a quem elle contava o sonho tinha por impossível por ser o lugar em que a fonte saio hum sequíssimo areal e pella mesma razão incapaz de poder ter agoa dentro de si, quis mostrar a Senhora com muitos Milagres que era obra sua por a fama da fonte santa que todos lhe deraõ este nome, acudiraõ muitos géneros de cegos e aleiiados e todos com selavarem com ágoa foraõ saõs, começaraõ todos a fazer esmolaem tanta copia que em menos de hum anno depois do milagre se fez hua Igreja muito grande na qual mandaraõ por as mortalhas muitos que estavaõ para morrer, e outros ia amortalhados, e por intercessaõ desta Senhora forão livres da morte, em sinal de agradecimento da merce recebida, e saõ as que saõ ao presente na Igreja  fora outras muitas vendidas, e outras que estão em casa dos moradores. Succedeo este milagre a onze de Agosto de 1623. Chegamos a Constantina as 8 horas da menham, enquanto se aparelhou a missa fomos visitar a fonte que he hum buraco aberto no areal, e diante tem feito outra pedra, para a qual vem a agoa da fonte milagrosa. Tornaminos a Igreja a sestear aonde ouvimos supicas de vários passageiros feitas a mesma Senhora, depois de passada a calma que naõ foi este dia pequena nos pusemos a caminho, que por ser todo de pedra, e cumprido, chegamos de noite a casa aonde se passou o dia seguinte sê hauer cousa de novo ao outro que foi quinta feira e trese do mesmo mês partimos em Romaria a Nossa Senhora dos Covoes hua legoa distante da Comenda, passase o caminho por Alvaiasere villado marquez de Ferreira pela serra com o mesmo nome Ansiam de trabalhodíssimo caminho por ser tudo rochedo e pedra viva , que nem a pé nem a cavalo se pode andar senão com grande dificuldade» 
Outra versão popular
"Segundo a lenda, se deu a aparição da Virgem, em 11 de Agosto de 1623 junto de uma eira, sob a ardência dos raios solares, estava uma criança a brincar com umas flores campestres, guardando o milho que naquela eira seus pais tinham a secar. Recomendaram-lhe que não abandonasse a eira, mas a criança mortificada pela sede, esquece aquela recomendação e vem a casa pedir água. A mãe irada por a filha ter transgredido as suas ordens, não só lhe não deixou beber água, como a castigou e obrigou a voltar com sede para a eira. A pobrezinha lá foi chorando a sua desdita, e sentou-se na eira junto das flores colhidas já quase secas, como secos seus olhos estavam de chorar. Ninguém ouvia os seus gemidos, ninguém passava que a socorresse, e a infeliz não podendo por mais tempo suportar a sede que a devorava, lembrou-se de Nossa Senhora; ajoelhou, com as mãos erguidas, olhos fitos no céu-, aquele anjo depois de ter pronunciado as primeiras palavras da Ave Maria, vê junto de si, cercada de um resplendor imenso, a Rainha dos Anjos a dizer-lhe: «Não chores filha, procura nessa areia e encontrarás água.» A tremer, a criança, volve com as mãos a areia e encontra logo água cristalina com que matou a sede que a consumia. Poucos momentos depois, passaram por ali varias pessoas que ficaram admiradas de verem a criança a beber água num local onde bem sabiam não a haver horas antes, e interrogando-a, ouvem aqueles lábios juvenis que já sorriam de alegria, contar a milagrosa aparição de Nossa Senhora. A boa nova bem depressa se espalhou por toda a freguesia de Ansião e o povo correu a procurar naquela água remédio para as suas doenças, e levado de santo fervor mandou construir naquele lugar uma fonte de cantaria que é conhecida pelo nome de Fonte Santa em que mandaram gravar a seguinte inscrição: «ESTA FONTE APPARECEU A 11 DE AGOSTO DE 1623» 

Alertada no livro de 1986 do Padre Coutinho por mencionar com aspas “Milagre” da Fonte Santa (…) Ansião, torna-se centro de peregrinações porque a fé popular divulga aos ventos a discutível aparição de Nª Sª no local que, a partir de tal acontecimento, é designado Fonte Santa (…) À fonte logo acorreram doentes, cegos, e aleijados que, ao lavarem-se com aquela água, ficaram curados, e porque faziam esmola em tanta abundância, em menos de um ano depois do milagre se fez uma igreja.” 

Ora, estando perdido o conceito termal romano na região, com ganho do banho islâmico, ao maior órgão do corpo - a pele. Além de a refrescar, respirava e limpava-a de suores ressequidos matando bicheza, percevejos entre outros, dando a sensação de bem-estar momentâneo, fenómeno estratégico que foi usado à laia de água milagrosa! 

Admite-se que a verdade foi contada distorcida ao Chantre de Évora Manuel Severim Faria, na sua visita ao Santuário da Constantina em 1625 “ num seco e estéril monte brotou água no tórrido 11 de agosto de 1623”. Aos dias d’hoje mostra-se credível que foi um fenómeno cársico que fez exsurgir em tempo seco, a água do vale aquífero do Nabão, nas grutas do Bate Água, por forte trovoada em dias anteriores, enchendo o desnível da cota superior da bordadura do maciço. Em 1758, o Marquês de Pombal solicitou a todos os padres resposta a um inquérito. Está perdido o da vila de Ansião. Sobre o do padre Caetano Rodrigues da Lagarteira “ não nasce água alguma de verão ou inverno, só quando o inverno é grande nascem algumas fontanheiras que fazendo sol em 8 dias finda, e o povo delas bebe de poços e de fontes de fora”. Em 1956, no Jornal Regeneração, de Figueiró dos Vinhos “ chuva intensa, com granizo, o Ribeiro da Vide subiu 1,5 metros.” Ciclicamente há grandes trovoadas e enxurradas. Sem estatísticas, nem o conhecimento dos algares, facilmente caíram na atribuição de milagre, pela água que lhes faltava. Parece-me óbvio, que não fora uma intervenção do poder divino exercido sobre a natureza. Realidade aclarada na visita ao poço romano do Minchinho, a farta escadaria termina na medonha boca do algar. O milagre vingou, sustentado pelas comunas da Constantina e a da vila, aportados de Espanha com bagagem cultural, na centúria de 500. Povo laico que profanou a fé cristã, sem a assumir. O termo laico foi usado no preâmbulo do livro de 1996 - A Confraria de Nª Sª da Paz, do Dr. Manuel Dias. Clãs judaicos, unidos de credo na boca, a intuito e engodo à sua acreditação, encapuçado na fé cristã e, embuste ao poder curativo das águas ditas santas. Na verdade enganavam crentes beatizados, sedentos de curas milagrosas que deixavam esmolas, o produto final ambicionado. Visionários e agiotas credenciaram o milagre na estrada medieval com aproveitamento dos viandantes, quem levou de graça a mensagem e a difundiu, atraindo outros a vir procurar aquelas águas e deixar dividendos. Já a água é vida, sendo bênção de boa oferta a todos. Esta centúria foi propícia a análogos milagres; só alguns perduram. 

O milagre da Fonte Santa foi  descrito  nas Viagens em Portugal de Manuel Severim de Faria 1604-1609-1625 Cf. Joaquim Veríssimo Serrão

No Livro do Sr Padre Coutinho de 1986

E no Livro em 2015, do Engº Ricardo Charters d’Azevedo com raízes em Ansião e Maças de D Maria .

Excerto do livro «(...) Manuel Severim de Faria, clérigo nascido em Lisboa(...) Apesar da sua actividade intensa como sacerdote, historiador, arqueólogo, numismata, genealogista e escritor, incide-se especialmente na sua faceta de cronista de viagens, em particular nas páginas 146 e 147 a viagem que fez na companhia do tio Chantre de Évora, de onde partiram e aonde voltaram, para conhecer os santuários da Nazaré, Ansião ( Constantina) e de Nossa Senhora dos Covões em Alvaiázere , sendo que depois de Tomar passaram por Ceiras, narrando a forma como foi recebido em "Maçans de Dona Maria" onde pararam em casa  da sua  irmã alegremente e regalados com contínuos banquetes de diuersas iguarias assi de carnes como de fruitas e pescados" . (...) afirma que a Vila em Agosto de 1625, tem 27 vesinhos e posta em hum pequeno monte donde fica muito descuberta aos ventos, que nela naõ faltaõ. Tem muitas e boas fontes, he bastantemente abundante de fruitas, assi sedo como do tarde, os edifícios são pobres, a comenda della possue hoje D. Cristóvão Manoel, em cuja casa estivemos, 3 feira que foraõ 12 d’Agosto partimos para Nossa Senhora da Paz, que he hua Igreja fabricada de dous annos para qua no termo da Villa de Ansiaão no lugar de Constantina, que será de 50 vesinhos pouco mais ou menos. Era esta igreja antigamente uma pequena ermida  e porque estava falta de imagem pedirão aos d’Ansião lhe desse esta  senhora, que eles tinhaõ na Samchristia, por ser perceito do Bispo, que não tevessem na igreja imagem vestida. Comsedeosele aos da Constantina o pediaõ. Porem  pela muita devoção que os moradores da vila tinhaõ a esta Senhora foi necessário trazerem a Imagem de noite por evitar algûa repugnância, que os  Ansos de Ansião podiaõ fazer se se viraõ despoiados deste tesouro dispois de hum anno, que hauia a Senhora estava nesta hirmida (...) depois de hum anno, que hauia a Senhora estava nesta hirmida acontece, que hum mininodo mesmo lugar sonhou que no milho que o pai tinha semeado, nu secco atral lhe dava Nossa Senhora da Paz huafonte aonde com fé viva se foi pella menham a cauar com as mãos no lugar em que sonhava e fez verdadeiro.


O fenómeno "Milagre" 
(...) Une o povo com a sua fé cristã alicerçada na fé judaica, que também admite milagres.A vida de Jesus é uma sucessão de factos miraculosos, segundo os Evangelhos, desde a sua concepção e nascimento, os milagres realizados na Galileia e em Jerusalém, a ressurreição de Lázaro, a morte e ressurreição de Jesus etc...
Nos anos 90 cumpri a promessa de ir a pé a Fátima que tinha ingenuamente feito em criança...Quando lá cheguei para a pagar é que me dei conta do sofrimento que assisti não pode ser boa paga a Deus e a Nossa Senhora, já basta o peso da Cruz que cada um de nós carrega nesta vida desde que se nasce - porque nuns é de pedra, noutros de ferro,e alguns é de papel ou madeira...Acredito na fé que move montanhas e em coincidências de mão divina, mas longe de dizer e acreditar neste tipo de milagres credenciados desde a centúria de 600...

Para os crentes, as esmolas deviam ter custeado no local uma capela, a perpetuar o milagre

Ainda assim, o foi, mas, na ampliação da pequena ermida da Constantina. Só em 1975, houve o mérito de a erigir no epicentro da Fonte Santa. A capela que se encontra no local a sua execução fica a dever-se ao grande benemérito e amigo, filho da Constantina o Sr. João Santos Pires e sua esposa Graciana Ramos Loureiro que a suas expensas custeou toda a construção em 2008.

João Santos Pires com os irmãos e a esposa Graciana Ramos Loureiro

E, Guilherme da Silva Dias e sua esposa Joaquina Dias, ofereceram para o adro um pedestal com a Imagem de NªSªPaz.

             

Quanto à origem da Imagem de NSPaz, o Chantre relata divergências

(...) O povo da Constantina foi de noite buscar a Virgem à sacristia da matriz para os ansos não se darem conta (…) algumas pessoas mais devotas de NSª, lembraram-se de colocar no nicho da Fonte Santa uma imagem da Virgem e encontrando uma nas ruínas da antiga igreja paroquial de Ansião, em S. Lourenço, mandaram-na pintar e no meio de grandiosos festejos para lá a conduziram e ali se conservou até à construção da capela da Constantina. 

Claro destorcimento. A Imagem da Virgem da antiga igreja de Ansião esteve guardada 32 anos na sacristia da nova matriz. Em roca, não sobreviria a intempéries se tivesse ficado nos escombros, nem cabia no pequeno nicho da Fonte Santa, por não a suportar em altura…A única verdade é que foi pintada. Já antes sugeri que o mentor que a levou para a Constantina, fora o seu juiz, pelo poder detido.

Actual Capela da Fonte Santa e na frente com a estrada a Fonte Santa em pedra


Mina da Fonte Santa , evidencia um poço de chafurdo romano pelos degraus, onde a água brotou em agosto de 1623...
 
Pedra  encastrada num muro de extrema a sul com inscrição coberta de líquenes, difícil lê-la...
Confraria de Nossa Senhora...1937?

O painel azulejar em policromia moderno que achei descontextualizado neste local histórico, a meu ver deveria ter sido pintado em azul sobre branco.
Fonte o lado da escadaria da capela da Fonte Santa

Admite-se que os blocos em cantaria da Fonte Santa e o lintel sejam possível reutilização da antiga igreja por o talhe se assemelhar aos muros do ribeiro da Igreja, a nascente do cemitério – a merecer estudo.

De todas as fontes no concelho, o exemplar mais elegante e bonito retrata-se na fonte de espaldar da Fonte Santa. Apresenta no lanço superior um pequeno nicho ladeado por motivos vegetalistas. Sem manutenção o lado norte há anos em ruina, onde não falta o letreiro (água não controlada) … 

Contraste entre a foto acima e esta
Falta a parte lateral à direita do cruzeiro da fonte conforme a foto documenta. 
A Constantina ainda terra de Canteiros e cantarias deveriam apostar em repor o mural em falta, bem o merece para dignificar o lugar de devoção.
Em Junho de 1905
(...) Devido aos esforços da Confraria de Nossa Senhora da Paz e por meio de subscrição entre o povo da freguesia de Ansião a fonte foi reparada e hoje como outrora na Fonte Santa, corre a água cristalina com que os doentes vindos de toda a parte se curam dos seus padecimentos..., e aos pés da Virgem da Paz, na sua capela da Constantina, todos encontram consolação para as suas mágoas, alívio para as suas dores e a esperança de pela sua intercessão alcançarem a felicidade eterna.
O nicho mostra-se muito pequeno para ter abarcado a Imagem e ainda sem haver proteção... 
 
A base do Milagre foi a falta de água que tanto faltava ao povo
A região é muito seca e árida de verão, a maioria dos poços eram de chafurdo e as ribeiras só correm com chuva de inverno até meados de junho.
Em 1906, a obra foi do mestre de obras, o meu bisavô Francisco Rodrigues Valente do Bairro de Santo António. Houve intervenção no poço e mina, sem prospeção arqueológica, sendo adoçado à fonte um pequeno reservado, onde julgo existe uma banheira em pedra para o banho privado. Ao não caber na porta atual, reporta a reciclagem do culto termal romano.
Não distingui  gota d'água!
A vontade de anos para  conhecer este Lugar que foi importante no passado de Ansião. Lamentavelmente aqui passei uma vez, mas nem há espaço condigno para estacionamento (?). Neste finado mês de setembro teimei parar, ainda bem, pois gostei muito de o conhecer.Desculpem a franqueza mas achei o sítio pequeno, atrofiado pela estrada de ligação aos Netos com outra variante a passar no seu tardoz. Fiquei com a má impressão (?) que no tempo os vizinhos se foram apoderando na largueza dos quintais em detrimento do adro, ao qual já não acorriam peregrinos...Seja o espanto pelo facto de ter vivido a minha infância e adolescência defronte do adro da Capela de Santo António que se mostra muito grande em todo o seu redor e antes foi pertença dos quintais da casa da Câmara e nem por isso na posterior venda alguém do espaço se apoderou...
Inevitável na saída do adro no tardoz da ermida com algumas manobras...
A história de Ansião deve premiar heranças de dolinas cársicas (vulgo lagoas), na maioria assoreadas, poços de chafurdo, fontes, tanques de banho, marcos territoriais e varandas de grade em pedra. O nosso património obriga-nos ao seu estudo, catalogação, preservação e salvação, sem perda de mais exemplares, nem adulteração. Ricos testemunhos do nosso passado a deixar aos vindouros, com clarificação da nossa história e raízes, valorizando o nosso futuro. 

Fontes

file:///C:/Users/HP/Downloads/Ana%20Helena%20da%20Silva%20Delfino%20Duarte.pdf
http://www.ansiao.net/
http://www.geocaching.com/ Reedição Grupo de Jovens da Constantina 1984 (Transcrição do documento original)
Renato Paz com envio do folheto
https://www.academia.edu/10230102/Manuel_Severim_de_Faria_e_a_sua_ida_a_Ma%C3%A7%C3%A3s_de_D._Maria

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