quarta-feira, 15 de setembro de 2021

O Curcial de S. Bento na Torre de Vale de Todos!

Crónica resumida publicada no Jornal Serras de Ansião

Lagoa cársica na entrada da Rua de S. Bento defronte do Casalinho

Segundo o meu amigo Henrique Caseiro foi criada há cerca de 30 anos , no meu tempo de
infância, o que lá existia era um morro, com pinheiros que ficou desnivelado em relação aquele cruzamento  que se veio a formar com a abertura do caminho de quem vem Torre e de quem
vem Casalinho, ambas as direções com destino ao Curcial S. Bento.
Creio que foi o m/ padrinho A. Grunho que ajudou na criação Lagoa, o que já devia ter sido feito há muitos anos, pelo menos as Ovelhas e Cabras etc. quando vêm de pastar têm água para beber...Ainda se podem ver alguns Pinheiros no meio da Lagoa, conforme se mostra.

                               

Registo de um casamento  a 6 de agosto de 1757 

 João, filho de João Rodrigues e Ana Rodrigues moradores que foram no Curcial de S. Bento na Lagarteira ,com Isabel Mendes filha de Manuel Mendes e de Luísa Freire do Lugar da Fonte Galega.

Casario antigo defronte da capela, com piais numa janela

                       

 Capela de S. Bento no Curcial

Cuja requalificação lhe retirou toda a traça antiga. Por dentro apenas o altar deve ser de origem e a Imagem .                    

Aguardava-me a surpresa da capela aberta muito bem limpa a ensejo de boas vindas. De criança recordo rasgados sermões, ao sábado, nos degraus da Igreja da Misericórdia com o “ pregador do Curcial“ - a 1ª vez que ouvi o topónimo. O bom homem, pai de família, viveu no sítio do Seminário do Bispado de Coimbra, sofreu meningite depois dos 40 anos mas, lia a Bíblia - alimento à sua vocação de pregador, em tempo de grande incultura, a incomodar alguns... A crónica pretende dar voz aos manos nascidos neste paraíso esquecido- Filomena e Albertino Lopes “ouviam dizer à sua mãe que nas ruínas que ainda existem no quintal houve um seminário onde foram ordenados sete padres, com um lintel de 1763”.

O Dr. Manuel Dias refere o Curcial e a Coelhosa documentados em 1236. Se juntar Carreira – indicia a passagem da via romana- todos, a merecer estudo antes que se percam os vestígios. Da Lagoa do Pito, subindo à Lagoa do Casalinho, com descida à Lagoa do Curcialinho, seguia o caminho para a Ribeira do Açor, julgo perdido e, outro a poente para o Curcial. Os marcos territoriais são testemunhos históricos, pelo que devem ser preservados. O que existia na frente da Lagoa do Curcialinho foi destruído ou reutilizado…

A ocupação no Curcial foi estratégica, a meia encosta do lombo do outeiro, espreitando o sul e a boa água do poço Sobral .

Lugar soalheiro para o local da casa de sobrado com lintel de 1653, ornada de farta escadaria a poente, onde nasceram os anfitriões. Mas, antes, se admita, foi a morada do casal abastado, instituidor da capela a S. Bento – Manoel Jorge e Catarina Simões. O apelido com origem inglesa“ George” aportuguesado em Jorge, de gente que veio trabalhar  para a ferraria real . 

O relato do juiz Bernardo Rodrigues de 1721

Sobre a doação da capela, indicia que o casal não teve filhos e, se alvitre que a casa de morada foi deixada ao Bispado - a ser clarificada com documentação

Provável morada dos instituidores da capela de S. Bento

                     
Pedra de cantaria reutilizada na entrada do portal da casa
Excertos retirados das Memórias Paroquiais (…) No Lugar do Corsial de Sam Bento da uurisdisam deste Couto de Ual de Todos esta huma ermida da euoquasam de Sam Bento, não tem obriguasam alguma e esta na fregezia de Sam Domingos da Lagarteira termo da uilla de Penella."
No Lugar do Corsial de Sam Bento da uurisdisam deste Couto de Ual de Todos se acha hum testamento em poder e mão de Francisquo Freire o qual testamento istituio hum Manoel Iorge e sua molher Caterina Simois moradores que forão no dito lugar e consta cer feito no anno de mil e seis sentos e nouenta annos 1679 annos, foi feita a uinte e outo dias do mes de maio do dito anno. Neste instituiram outo misas pera sempre e deixaram fazendas obrigadas pera o pagamento dellas as quais oie amdam repartidas pellos herdeiros e pesuidores seguintes"
João Mendes da Mouta da Lagarteira termo da uilla de Penella huma misa.
Joam Rodrigues do Corsial de Sam Bento huma misa.
Framcisquo Freire do Corsial paga simquo misas por si e por fazenda que traz de quatro herdeiros da dita fazenda a quem anda repartida.
Manoel Rodrigues Pisquo do Corsial paga huma misa

A descrição do Curcial nas Memórias Paroquiais (…)“está sitiado entre mato e tem em si dezoito vizinhos (…) Em 1758 tem 22 fogos, no total de 72 pessoas (…) Em 1792 apenas 12 moradores.

Quiçá o sucesso do Seminário Jesuíta, na Granja de Santiago, tenha inspirado o Bispado de Coimbra, para fundar um pequeno Seminário, que não é referido na informação de 1721, do Lic. Padre Manoel dos Santos (...) ” não tem Mosteiros, Misericórdia, Hospital nem Recolhimentos.” 

Expetável que a sua fundação aconteceu após 1721, sendo vivo em 1763, mas, em 1792, já não existia por ali viverem 12 pessoas.

Óbvio que foi adquirido em haste pública, após a extinção das Ordens Religiosas em 1834. Ainda é viva a sua memória, o chão na mão da família “Jerónimo Grunho”, na voz do povo dito no plural Jerónimos Grunhos ( segundo informação do Sr. Henrique Caseiro, dada pelo seu padrinho Alfredo do Casalinho, eram parentes e,  sobre a alcunha "Ti Maria dos folhos ", se deve concerteza ao uso de saias rodadas, pois era solteira e gostaria de agradar a algum pretendente, mas o Lugar foi-se desabitando e morreu solteira, fazendo a doação da sua herança, o sitio onde foi o Seminário com a casa e quintal,  à  Mãe dos meus amigos acima referidos, a quem a crónica é dedicada
Do Seminário restam duas ruínas de paredes cegas, com lintel avulso na porta a norte em frente do antigo caminho. A notável falta de elementos arquitetónicos aventa a hipótese de ter sido implantado no celeiro da quinta e, não construído de raiz .

Fotos retiradas da página Facebook do Sr. Padre Manuel Ventura Pinho

              

                

Padre José Eduardo Coutinho, no seu livro de 1986 durante o bispado de Dom Pedro Soeiro, também chamado Soares, foi Bispo de Coimbra desde 1193 a 25 de maio de 1232, dia em que resignou, muitas pessoas devotas deixaram consideráveis propriedades à Sé de Coimbra. Pelas mesmas razões, também João Joanes, chantre conimbricense , lhe deixou, a 27 de agosto de 1226, a sua quinta de Vale de Todos, e outras propriedades não designadas com obrigação de lhe dizerem uma Missa de Nossa Senhora em cada sábado.

Sobre a Quinta de Vale de Todos  adianta ainda o Padre José Eduardo Coutinho a 27 de janeiro de 1594, Ambrósio de Sá e Francisco Seco, cónegos da Sé de Coimbra, na presença do tabelião António Dias Ferreira, deram a Simão Luís, de Curcial, e a outro homem não designado, a posse das terras do couto de Vale de Todos, os quais logo lavraram alguns matos e sesmarias e lhes semearam cevada, na presença dos empossadores, para, assim,darem maior expressão ao acto que acabaram de realizar.

Em crer, o topónimo Consial, ou Concial  - o primeiro conhecido da Quinta de Vale de Todos, topónimo que nos aparece identificado em 1162, segundo o Padre José Eduardo Coutinho.Inspira a sua origem em  homiziados - a quem D. Afonso Henriques, perdoou crimes graves, fugidos à justiça  - de retomar a  liberdade, desde que povoassem o sul do concelho do Germanelo, que entestava  a sul com Ansião,  depois de 1142 a 1185 - nada mais que  "carne para canhão" na defesa da cintura sul da cidade de  Coimbra das algaras mouriscas vindas de Santarém. 

O Foral de 1142 do concelho do Germanelo

«Sob a condição dos seus habitantes cultivarem a terra e a defenderem dos inimigos. Nessa altura o concelho sofreu uma forte colonização e o sistema defensivo foi alargado com a construção da Torre de Vale de Todos. 

Porém, o concelho foi perdendo nomeada com a expulsão dos mouros de Santarém,  Lisboa e Alentejo e sendo o terreno agreste e  margoso, deu-se o encaminhamento das gentes para sul onde se achou no Vale de Todos, a ditar no meu opinar - a união e consenso desses povoadores a ditar a origem do topónimo , pelos genes que ainda se mantém; cariz  ambicioso em penhorar chão alheio, sendo público, a exemplo de baldios, como da Fonte do Carvalho, de caminhos, desaparecimento de marcos o que me apraz dizer, em tristeza. 

Já era Couto antes de 1561, pela notícia do Padre José Eduardo Coutinho “ em 1561 a instância para demarcar os limites do Couto do Bispado de Coimbra de Vale de Todos, tinham todos os dias “contendas e debates” entre senhorios nobres e eclesiásticos.” 

Couto da Torre de Vale de Todos veio a integrar o concelho de Ansião em 1878, detém a Universidade de Coimbra um tombo de Vale de Todos, Sesmarias e Curcial. Mas, é preciso que alguém o traga à ribalta.

Com a perda da fonte de rendimento do Bispado, serviçais e moradores foram obrigados a sair e procurar alternativas, dando-se o gradual despovoar após a República, que se mantém. Existem duas casas em pedra bem recuperadas, como outras devolutas. Uma nogueira secular, carvalhos e oliveiras.

Segundo o Sr. Padre Manuel Ventura

“ (...) na sacristia da Igreja da Lagarteira guarda-se uma página da imprensa - Bibliog A. Franco, sobre um padre nascido no Curcial de S. Bento - Manuel de Almeida, religioso da Companhia de Jesus, pregador e confessor, muito conhecido e venerado pelas caridades de acudir aos mais necessitados e os visitar nos cárceres, sendo conhecido “procurador dos presos”. Pedia esmolas na Ribeira (Lisboa) e em casas. Faleceu no Convento de S. Roque em 01-01-1691. Houve outro padre António Freire, aqui nascido que terá falecido na 2ª metade do século XVIII.”

O Curcial no séc. XVIII aglutinou o orago da capela - S. Bento, para não se confundir com o Curcial Pequeno, atual Curcialinho.

                                                      
Abençoado e belo lugar altaneiro, agraciado de vistas panorâmicas e rico de história. A estrada beneficiou de asfaltamento recente, sem a continuação até à Ribeira do Açor. Já outros caminhos a reivindicar limpeza antes que se percam. Todos a carecer catalogação, manutenção e sinalética, pela Junta de Freguesia de Ansião. Pela utilidade para trilhos e trails de bicicleta.

O maior anseio dos filhos do Curcial de S. Bento é vê-lo renascer com gente nova que valorize o passado, ame as pedras, a capela e, as tradições a recriar nas eiras, como saciar a boa água do poço Sobral. A mina a merecer intervenção com nova canalização para os fontanários e retirado o letreiro (água não controlada).

Endereço votos de um bem-haja e imensa gratidão, aos meus bons amigos pela franqueza e disponibilidade, estendida a Henrique Rodrigues Caseiro, pelo bairrismo e, gosto pela história de Ansião.

Depois da capela a saída para a Ribeira do Açor por caminho de terra batida

Onde a ladeira é mais evidente notei umas pedras de calçada...quiçá romnana.

O Poço Sobral

Julgo que foi alterada para fonte em 1964


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