sábado, 17 de julho de 2021

Ermida de Nossa Senhora da Conceição em Ansião

Crónica  a que destaquei excerto para publicação no Jornal Serras de Ansião em junho de 2021

Ermida de Nossa  Senhora da Conceição 

Resta o Portal de arco quebrado/gótico no tardoz da Misericórdia. A herança mayor do passado de Ansião
Infelizmente não se encontra catalogado, e devia!

Ancestral história resumida ao firme portal, em talhe gótico, quiçá o mais antigo testemunho da arte de lavrante, no concelho de Ansião. Descobriu-o em criança, no tardoz da Capela da Misericórdia (então jardim dos Paços do Concelho), em tempo de cerejas. No mesmo ano, nas férias do Natal, com a minha irmã, vimos outro maior que foi da Capela de S. Lourenço, no vulgo mosteiro.

Questionei anos a razão de haver dois portais de ogiva de tamanho diferente, separados 200 metros: um sediado no primeiro burgo e o outro, no segundo, o atual. Favorável resposta nas prospeções arqueológicas de 2010, a concluir que em época medieval, ambos os burgos de Ansião, foram implantados em ruínas de habitats romanos, com reutilização de materiais. De supor que os portais pertenceram a locais de culto desconhecidos, transformados em capelas cristãs. Depois de 1593, o primitivo burgo de Ansião deslocou-se de poente para nascente e a ruína do portal foi requalificada na Capelinha de NªSªConceição, cuja provável datação é anterior ao séc. XII, se atender ao ano de aquisição da herdade de Ansião entre 1175/6, com a fixação dos vendedores das quintas em vivência organizada.

De má memória guardo o desaparecimento de pedras afeiçoadas em Ansião, mostrando-se assinalável a salvação deste portal até aos dias d’hoje - ou alguém se impôs em o preservar ou sorte ao local recôndito, por isso desconhecido. A sua foto a preto e branco participou, em 2016, no concurso de fotografia patrocinado pelo município; debalde continuou ignorado… Descobri recentemente nas faces internas do arco quebrado a gravação de arabescos – as ditas marcas de canteiro, desvanecidas com a erosão.

Correlacionei a vocação da Capelinha na notícia do juiz Manuel Rodrigues nas Memórias Paroquiais de 1721 "A Capella da Senhora da Conceição que servio antigamente para della se admenistrarem os sacramentos nos infermos no Epital" (…) Em 1598 na capela da Conceição o batismo da criança filho de Leonel Roriz e de Maria João do Casal das Pêras. Padrinho André Freire do Casal do Freire da freguesia de Chão de Couce (…) Em 30 de agosto de 1700 batizei Anastácio de baixa condição de criança enjeitada na capelinha de NSConceição de Ansião, foi padrinho João de Barros» Clarifica a sua cabal importância no apoio à Casa da Misericórdia de Ansião, antes jamais aflorada. Mas, era pequena para atender tanto serviço diversificado, até que em 1702, uma nova e maior Capela foi benzida. Mas, em 1706, ficou inoperacional e a Capelinha voltou a prestar serviço até finais da centúria de 800, altura da requalificação da Capela e da sua anexação, sendo bem visível a sul, a ligação de ambos os locais de culto. De referir a falta de sinalética cultural que poderá ser colocada com referência ao arco gótico no seu tardoz.

Em pranto, aludindo ao mais recente orago – Senhora do Pranto da Capela da Misericórdia, reflito a pouca estima ao património histórico da autarquia, no fecho de um portão na parede do portal gótico podendo ser de correr, pelo menor impacto visual a contrastar a medida positiva com a demolição do urinol público - resta a calçada portuguesa do seu adro, de convir, não deve ser uso, a privado estacionamento!

Ansião apresenta-se líder do projeto “Territórios de Pedra” no distrito de Leiria ao juntar-se a Pombal e Figueiró dos Vinhos. Transparece o cartaz projetar a escultura quinhentista e setecentista. Mas, a ignorar a arte de lavrante mais antiga de Ansião, dita desprimor à própria herança cultural dos nossos antepassados, com canteiros no Mosteiro da Batalha, induzindo a provável engano a todo aquele que venha a circuito turístico de visitação!

Adoro a pedra esculpida pela erosão ou pela mão do homem. Se atender à nostálgica perda no concelho: brasões, lápide sepulcral brasonada na Capela do Senhor do Bonfim e do entupimento de um poço (reza na oralidade a ligação a túnel),soterramento da cisterna romana (redonda e telhada, no parque de estacionamento) e, no vulgo mosteiro, a recente demolição de arcos de volta perfeita e, do suposto fuste do inicial Pelourinho. Por fim, a regeneração da Rua dos Mosteiros, com o encanamento do Ribeiro da Vide, sem aparente olhar e estudo ao talhe dos blocos em cantaria - a olho amador, alvitram possível reutilização das paredes da Igreja velha, pela analogia ao curso a sul e a norte, com muros de pedra tosca.

Projetar a vinda de massas em rota turística ao concelho de Ansião, apelando à valorização da pedra no séc. XXI, alvitra coragem de incluir o portal gótico e de remover os blocos de cantaria por carregarem história falante, a englobar em obra emblemática, a perpetuar o nosso passado, no futuro Museu Municipal. Sem dúvida, seria uma iniciativa positiva de líder, em Territórios de Pedra!                

Sendo o portal propriedade da Misericórdia, cabe a esta identidade tomar providências à sua classificação. 
Ermida adoçada a norte por uma escada de pedra  de acesso a uma porta com  janela e grade, falta saber a sua serventia e, o que foi no passado - se alvitre a ligação do jardim do solar de D. Luís de Menezes, à capelinha, que foi anulada e hoje é da câmara. Sendo expectável que a Provedoria atual da Misericórdia, pela primeira vez com pessoas atentas e com abertura para a proteção do património e da sua salvaguarda, o mesmo já não se pode aventar aos provedores anteriores, além do desconhecimento cultural, sem primor pela investigação ou valorização do seu património ancestral.
Nesta ermida onde se deram os sacramentos a enfermos do seu hospital, a extrema unção e até expostos, antes de haver a Casa da Roda - afinal palco com tanta história  a palco ignorante de a transformar em casas  de banho para servir a  morgue na atual  Misericórdia e pela mesma altura ter desaparecido um trono com o Senhor dos Passos, a ser investigado o seu paradeiro .

Já nos finais do séc. XIX  foi aposta a requalificação da Igreja da Misericórdia com anexação desta ermida atabalhoadamente. Perdendo-se ingloriamente vestígios que muito podiam ajudar a esclarecer o seu  passado, quiçá  romano ou visigótico. Por isso a importância em classificar o portal!

A autarquia há muitos anos anulou o urinol público.

Incrível como a autarquia prendeu  o portão à ermida que é da Misericórdia ! 

                    

Portal  gótico virado a poente do que foi a primitiva ermida de NSConceição 
Resultado de imagem para ansião +  vale do mosteiro
Os vários cortes do talhe da pedra
As marcas de canteiro no interior do arco
As marcas de canteiro que antes jamais alguém enxergou
 
Gravura do meu amigo Vítor 


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