Sobre esta temática vim mais tarde a localizar um relato diferente, que me confundiu.
Em https://archive.org/stream/memoriasdotempop01henr/memoriasdotempop01henr_djvu.txt
Anno de 1679 Nov. 4 53 Ruy Mendes de Abreu, por antonomazia (S.) o Rei Mendes. Malfeitor, vivendo acastellado com ou- tros malfeitores, fazendo se senhor das honras, vidas e fazendas de di- versos. Enforcado na Ptibeira, em Lisboa (5). Sentença da Relação de Lisboa. (a) Sendo-lhes depois restituidos bens e fama, pode controverter- se a justiça da condemnaçào. (b) O Diccionario Bihlirgraphido, e o Be.latorio da Commtssão ' Proj. do Cod. Pen. dizem que fora degolado; mas é equivoco, por quanto a sentença condemna-o a ser enforcado, e depois a cabeça posta no logar da Carapinheira, no sitio em que se lhe arrazem as casas, cm poste alto, e os quatro quartos em Ançâ, Monte-mór, Ten- túgal e Cantanhede. A biographia criminosa d'este rei, constante da sentença respe- ctiva, apresenta multiplicidade de crimes de diversa Índole e na- tureza como nunca se viu, e que, se depòem da sua perversidade, não menos demonstram a criminosa tolerância ou indiíierença das aucto- ridades do tempo. A sentença foi ultimamente impressa em o Conimbricense, n." 2217.
Que se traduz a 4 de Nov. do Anno de 1679 Ruy Mendes de Abreu, por antonomazia Rei Mendes. Malfeitor, vivendo acastellado com outros malfeitores, fazendo se senhor das honras, vidas e fazendas de diversos. Enforcado na Praça da Ribeira, em Lisboa (…) que fora degolado; mas é equivoco, por quanto a sentença condemna-o a ser enforcado, e depois a cabeça posta no logar da Carapinheira, no sitio em que se lhe arrazem as casas, em poste alto, e os quatro quartos em Ançâ, Montemór, Tentúgal e Cantanhede. A biographia criminosa d'este rei, constante da sentença respetiva, apresenta multiplicidade de crimes de diversa índole e natureza como nunca se viu, e que, se depõem da sua perversidade, não menos demonstram a criminosa tolerância ou indiferença das autoridades do tempo. No Relatório da Comissão da Pena com a sentença impressa no Conimbricense, n.º 2217, menciona que fora degolado; mas é equívoco.
Constatei que os dois relatos apresentam contradições: Mas, trata-se do mesmo indivíduo. A quinta da Boa Vista, em Ansião teve um paço com capela ao órgão Senhor do Bonfim, onde viveram os avós maternos do malfeitor. Contudo, as casas arrasadas depois da sentença foram na Carapinheira, e não o paço em Ansião, como por lapso aborda o livro do Padre Coutinho de 1986. Noutra crónica falarei da família nobre que aqui viveu nos meados da centúria de 700 - com um casamento e sepultamentos na capela da família Sequeira Mendanha.
Por último o Sr. Padre Manuel Pinho, na sua página Facebook (…) Ainda o criminoso do Senhor do Bonfim..."Acresceram as minhas dúvidas em deslindar o mistério deste malfeitor, pelo que decidi o questionar , a quem muito agradeço a cordialidade da partilha (…) perante as dúvidas justificadas da D. Maria Isabel Coimbra, e porque há anos, o Dr. Aldo Aveiro, jornalista da Carapinheira, me pediu para que o ajudasse a conhecer mais deste homem, para a investigação da sua história., voltei a contactá-lo para que me ajudasse a conhecer mais deste homem. Logo me enviou cópia do original manuscrito da Sentença e também outros dados com interesse, que me permitiram fazer este “post" que passo a descrever:
1 - Ruy Mendes de Abreu era natural de Santarém. Isto é a própria Sentença que o diz.
E o Dr. Aldo Aveiro acrescenta: «O pai era fidalgo cavaleiro e andou na guerra.... (a mãe deve-o "ter abandonado..."). Foi criado, em Ansião, com os avós maternos, que "velhinhos" não conseguiram dominar o rapaz....e tornou-se um vadio.....Teve um filho ilegítimo.... que foi "chefe" da Torre do Tombo, depois de pedir "limpeza de sangue" por causa dos crimes do pai... Só veio para a Carapinheira, pelo facto de aí encontrar melhor esconderijo e ter muitas propriedades na zona....de familiares ricos, de estirpe fidalga.»
2 - Na Sentença que condenou à morte este facínora, é feito um relato de mais de 40 crimes que este homem cometeu. E quase sempre está em causa o rapto de raparigas para as violar. E faz mesmo esse rapto em frente de familiares ou outras pessoas. Se alguém se opõe, mata-o logo com arma de fogo ou outro objeto que tenha à mão.
3 - «O que tudo visto - lê-se na Sentença - e o mais que dos Autos consta... e como por parte da justiça se prova concludentemente que o Réu cometeu as resistências - mortes - forças de mulheres - rompimento de cadeia - furtos - e mais delitos referidos - e vivia acastelado, feito Régulo, e Senhor absoluto das fazendas - vidas - e honras: condenam o réu a que com baraço e pregão, pelas ruas públicas, e costumadas, seja levado à Ribeira desta Cidade (Lisboa) e nela morra de morte natural de forca para sempre; e seu corpo será feito em quartos, e a cabeça posta no lugar da Carapinheira, no sítio onde se lhe arrasarão as casas, em um poste alto onde estará até que o tempo o consuma; .... o da mão direita - no lugar de Ancião - em que fez a dita resistência e morte; e os outros três em Montemor, Tentúgal e Cantanhede.»
4 - Na parte final a Sentença tem a seguinte adenda:
«Foram recebidos os Embargos na Relação, para que não morra enforcado, senão degolado, como se executou.»
«Foi o Réu preso no Lugar da Carapinheira, para cujo efeito partiu de Lisboa uma tropa de cavalos, e esteve ainda em termos de se frustrar a prisão com a sua fugida. Francisco da Moita Pinto, Cavalheiro da Ordem de Cristo, Tenente da dita tropa, o prendeu ...»
5 - A fama de um terrível salteador, que teria vivido naquela casa a que pertencia a capela do Senhor do Bonfim, ainda hoje continua viva na tradição de algumas pessoas desta zona de Ansião. Esta casa foi arrasada, mas não por ordem da Sentença, pois esta não a manda destruir, mas diz que devem ser arrasadas as de Carapinheira - Montemor-o-Velho onde ele foi preso.Hoje sabe-se que ali havia vivido gente rica, pois nas escavações foram encontrados objetos de grande valor.
Sentença enviada pelo Sr. Padre Manuel Ventura Pinho
Pesquisei a origem da linhagem do malfeitor em Ansião que associei ao excerto https://www.geni.com/people/Miguel-Mendes-de-Abreu/6000000034611754074 localizei:
Alvitra dizer que o apelido Mendes e Veiga, dos abaixo descriminados, com possível ligação com a Quinta das Lagoas, porque a família Mendes era desta quinta e os Veiga tiveram uma casa com brasão na zona histórica de Pombal, como na quinta das Lagoas.
Lourenço Mendes de Abreu nascido cerca de 1570
Filho de Antão Mendes de Abreu e de Brites Baleeiro Castelo Branco
Filhos: Dr. Rui Mendes de Abreu ( nascido em Pombal, matricula na Universidade de Coimbra por volta de 1601) e outros irmãos: Bartolomeu Mendes de Abreu, Antão Mendes de Abreu, Pedro Gomes de Abreu , Miguel Mendes de Abreu, Filipa Mendes de Abreu e Mateus Pegado de Abreu.
Lourenço Mendes de Abreu casou com Ana Gomes da Veiga, pais de Rui Mendes de Abreu .Agora, será o mesmo que viveu e teve a Quinta da Boa Vista ao Senhor do Bonfim, em Ansião? O filho Dr. Rui Mendes de Abreu casou com D. Isabel de Miranda, foram pais de Miguel Mendes (Pegado) de Abreu, nascido cerca de 1610, casou com Maria da Fonseca. Mas, o Dr. Rui Mendes de Abreu, batizado em 1590 - em 1670, data da morte no cadafalso de outro com o mesmo nome, no seu caso teria 89 anos, por isso trata-se de outro individuo.
Brasão retirado de https://www.geni.com/people/Rui-Mendes-de-Abreu/6000000043386886232
Arvore do malfeitor Rui Mendes de Abreu da Geni partilhada por Henrique Dias
O que sabemos é que Rui Mendes de Abreu, herdou o nome do avô materno, que o criou em Ansião. Teve um filho de Domingas Madalena, dos Empiados, de seu nome João Couceiro de Abreu e Castro que pediu “limpeza de sangue” pelos crimes do pai, quando foi chefe da Torre do Tombo e mais requisitos em 1705. Juiz do crime da Mouraria, natural de Ansião, onde foi batizado, filho de Ruy Mendes Abreu, natural da vila de Santarém, batizado na freguesia de Santa Cruz filho de Domingas Madalena de Ansião.Sendo que na altura Ansião pertencia ao mosteiro de Santa Cruz, ou foi aqui batizado ou em Coimbra (...) Cristão velho, limpo de toda a nação infesta...
Avô Sabino João Couceiro de Abreu, juiz do crime do Bairro da Mouraria. onde é morador, natural da vila de Ansião, filho natural de Ruy Mendes de Abreu, já defunto.Advogado Luís de Freitas de Macedo.
Privilégio e sorte de quem procura acha
Encontrei e coligi o sedutor maquiavélico, no trabalho de Ana Paula Pinto Alves https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/19644/2/tesemestdomjoa 000082154.pdf
D. João em Portugal: de um folheto setecentista a uma leitura de Saramago
De que retirei um excerto (…) a personagem encarna uma dinâmica bruta sem limites. Nunca nada nem ninguém lhe é insensível. Em 1915, Júlio Dantas, descreve o rol sórdido de atrocidades, violações, assassínios, desonras, ofensas e usurpações perpetuados pelo infame que vivera sem honra e sem Deus, desde Ansião, Montemor-o-Velho a Coimbra. As selvajarias deste D Juan ultrapassam os limites da dignidade humana, era uma figura a pôr de pé; ignóbil salteador de estrada; orgulhoso como um grande de Espanha; enfojado, como uma fera, na sua casa solarenga de Ancião, hirsuta de cunhais de armas e apojada de clavinas e de arcabuzes. Os amigos eram malfeitores da terra, acolhidos ao seu caldo e às suas patacas de prata. Uma espada de ferro, um rosário atado no punho com Deus na boca e, o diabo na alma.
A que vim a juntar a crónica de Aldo Aveiro, publicada no Diário de Coimbra
Aqui reproduzida (…) intitulava-se Rei Mendes, ostentava brasão fidalgo de cinco asas de oiro, cortadas a sangue. A virgindade e o pudor foram gáudios nas suas mãos. Das cerca de 4 dezenas de crimes acusados, nenhum negou nem mostrou arrependimento. Com a espada espalhou o pavor por muitos lugares a mulheres e filhas, condenadas ao seu ímpeto de raiva e de lascívia. A abadessa de Montemor quando o pressentia nas redondezas fechava as portas do mosteiro. Em Cantanhede, mal se ouvia o seu nome, as mulheres tremiam e enterravam as pratas. Na estrada de Ansião, caminhava uma liteira, com uma moça púbere e o seu velho pai. O perverso cai em cima do liteiro com a pistola mata o velho, com a espada, leva a moça, que violenta, tem-na uma noite a dormir na sua esteira e de manhã lança-a na estrada, ao desemparo. No outro dia cobiça uma viúva, moça rica do Carrascal; Francisca Gaspar. De noite assalta a casa, assassina os criados, amordaça-a, possui-a pela violência, rouba-lhe dois relicários de diamantes, e deixa-a desmaiada ao pé dos cadáveres. Ao se cruzar com Silvestre Pires, pede-lhe a filha para conhecer, contrariado agarra um arcabuz e vareja-o. Fez o mesmo pedido à mulher de António Roiz, reclamando-lhe uma filha, os pais acedem, a tremer de medo, mas, a rapariga recusa-se a entrar na sua casa de Ansião, o fidalgo procura-a, dá com ela ao pé dos sovereiros, amordaça-a, estropia-a, amarra-a a um tronco e a cantar retalha-lhe as costas com um vergalho dos bois. Na estalagem da Maria Simões em Tentúgal, numa noite dois homens e a irmã, moça bonita que ele seduz e se oferece para a levar por uma pataca de prata. Os irmãos saltam, acodem; o primeiro fica na espada do fidalgo; o segundo cai com dois quartos de arcabuz no peito, a moça é ultrajada nos catres da estalagem. Foi preso por querer roubar a prata da mochila num alforge. Resiste, mata um meirinho a tiro, e evade-se; quer escalar de noite o mosteiro de Santa Clara. Herdeiro no Baixo Mondego fortificou-se acastelado, como régulo na Carapinheira. Onde meirinhos e quadrilheiros o prenderam, e viu a espada de toda a vida lhe saltar para um carvalhal. Quiçá ainda se conserva, tem escrito Alconzo de Sahabon Toledo e, do outro lado Dios y mi honor. O bárbaro chorou e, entregou-se. A sentença é cruel, tal qual ele foi durante a vida inteira: decapitação. Quando lhe lêem a sentença, pálido, ramalhante de resários e de cruzes, balbucia, numa voz apagada: Quero comungar.
De estirpe fidalga, pelo pai João Ferreira Couceiro, recorreu ao
desembargo que lhe confirma a morte por degolação, na madrugada de 6 de novembro de 1679. O
corpo foi dividido: parte da mão direita em Ansião e as outras três em
Montemor, Tentúgal e Carapinheira com a cabeça.
O Padre Coutinho, encetou escavações no Bonfim, confirmando o local do paço onde viveu, pelo rico espólio de porcelana chinesa, brasonada e de ricas ferragens que ali descobriu.
No séc. XX, ainda corria no Escampado na voz da tia do meu pai - Júlia- a má fama de assaltos a carroças para violar as noivas vindas da igreja e, em Santiago da Guarda, a alcunha do terror era “carapinheira”.
O relato fala de um assalto no Carascal, que logo associei o topónimo a Abiul, onde roubou dois relicários com diamantes, porque foi terra de muito nobre e dos senhores Coutinho e Silvas. Depois de publicar a crónica encontrei a Rua do Carascal, a norte da Venda do Brasil na subida à esquerda para o lado da Fazenda onde há uma capela. Bom, aqui foi a
Granja dos Jesuítas e de nobres na Guarda. Portanto, ou foi aqui ou em Abiul, que mais tarde noutra investigação se pode mais vir a apurar. Não tive êxito em localizar o registo do óbito do malfeitor, para saber onde foi sepultada a parte que coube a Ansião na sentença. O corpo a ter sido esquartejado em Lisboa, entrou logo no processo de decomposição pelo que tinha de ser rapidamente entregue nos destinos ditados na sentença . Das duas uma, ou no meio do caminho lhe deram sumiço, ou não, e ao chegar a Ansião, de cheiro nauseabundo, teria sido entregue à família no Bonfim? Quem trabalhou na CUF, ouviu falar de ossadas aquando em 1962/3 foi a desmatação e terraplanagem no chão da quinta da Boa Vista, da família do avô materno no local onde foi feita a Fiandeira. Podia à partida indiciar o local do adro da igreja velha, debalde, é equivoco, o palco da primitiva igreja foi sito na junção do cemitério velho com o novo. Acontece que o topónimo Igreja Velha, foi digamos roubado, para norte, logo abaixo do ligeiro planalto do atual cemitério para o casario formado, sem morador criativo o suficiente, para criar um ...
Já sobre as almas penadas, foi esquema de uma operária da fábrica que aproveitou e bem o ensejo para se livrar dum encarregado que andava sempre a fazer a ronda de fiscalização, até ao dia que arquiteta um plano para o acagaçar. Meteu-se escondida a costurar no escuro, com um lençol a fazer parede pela frente, mal ele ouve a trepidação da máquina sem ver vivalma, lembrou-se do boato de uma velha - a alma penada, que por ali corria por causa das ossadas, que estaria ali a costurar...pois seriam as muitas que morreram às mãos do malfeitor...O esquema surtiu o efeito desejado, o encarregado deixou amornar a ronda, a fazendo mais espaçada ...
A capela e terreno são hoje da Igreja e dos Bombeiros
Na altura da reabilitação da capela, ouviu-se falar que os bombeiros fizeram descida ao poço onde por um pequeno túnel, enxergaram outro poço com ossadas - quiçá reclamam os crimes do malfeitor... Imperou a falta
de cultura ao passado do local a ditar o seu entupimento, que a expectável
reabertura mais aclarará!
Capela do Senhor do Bonfim
O que resta do paço
Desconheço onde se guarda o rico espólio encontrado pelo Sr. Padre Coutinho
Interior da capela do Senhor do Bonfim
A porta na parede a norte, não se inicia ao nível do lajedo ,como se verifica na foto. Dava acesso a um poço para norte.
Depois do 25 de abril ,após a doação à Igreja e Bombeiros de Ansião, já só existia o poço, e esta porta desconheço se foi fechada nessa obra de requalificação. A capela e julga-se o paço, foram incendiados na passagem dos franceses em 1810.
Mais uma investigação de anos...
Fontes
Livro do Padre José Eduardo Coutinho
http://arqueologia.patrimoniocultural.pt/?
https://www.geni.com/people/Miguel-Mendes-de-Abreu/6000000034611754074