Tomei conhecimento através dos Cadernos de Estudos Leirienses em 2016 (...) em 1630 ou pouco antes, um contratador de sabão, de Coimbra, instalou uma saboaria em Ansião. Por sentença deste ano, o Mosteiro de Santa Cruz embargou-lhe o intento, para evitar que, no seu fabrico, queimassem os carvalhos com cuja lande se criavam muitos porcos com os quais os caseiros da sua grande herdade lhe pagavam os foros das marrãs.
Em 19.01.2017 sobre esta temática fiz a primeira crónica, com mais de 1300 visualizações. Hoje reformulada.
Como nasceu o Sabão?
Acredita-se que a descoberta do sabão aconteceu por acidente ao ferverem gordura animal contaminada com cinzas produzindo uma mistura tipo coalho branco a flutuar. (...) Os vestígios mais antigos da produção de materiais semelhantes ao sabão datam de cerca de 2800 a.C., numa escavação na Babilónia foi encontrado um cilindro de argila com a descrição de um produto elaborado de gordura animal fervida com cinzas que se transformava em pasta usada como creme para pentear os cabelos. Conhece-se uma tábua de argila datada de 2200 a.C. na qual foi escrita uma fórmula de sabão contendo água, alcali e óleo de canela-da-china. O Papiro de Ebers (Egito, 1550 a.C.) indica que os antigos egípcios se banhavam regularmente numa combinação de óleos animais e vegetais com sais alcalinos para criar uma substância semelhante ao sabão. Os documentos egípcios mencionam o uso de uma substância saponácea na preparação da lã para a tecelagem. Os antigos egípcios e romanos em geral ignoravam as propriedades detergentes do sabão, quando queriam limpar-se, espalhavam azeite de oliva na pele misturado com cinzas e minerais, que depois eram raspados do corpo com uma lamina de metal chamada estrígil.
A palavra "sabão", provém de (sapo, em latim)
Aparece pela primeira vez com Plínio, o Velho(23-79 d.C.) que discutiu a produção de sabão duro e do mole, a partir de sebo e cinzas de plantas, mas o único uso que regista para o produto é numa pomada para o cabelo; em tom de desaprovação, menciona que entre gauleses e germanos os homens costumavam utilizá-lo mais do que as mulheres. O óleo de azeite, como todos os óleos e gorduras, é transformado em sabão quando adicionado e misturado com cinza de salicornia ou soda cáustica. Ao longo dos séculos o processo de fabricação de sabão a partir de azeite foi sendo melhorado. A partir do século XIII o sabão era recomendado pelos médicos, como benéfico para a pele. Desta forma, a sua utilização no banho generalizou-se. Foi introduzido pelos romanos e continuado pelos árabes nos banhos públicos.
O que é o sabão?
(...) Trata-se de um sal e resulta da reação química entre uma gordura e uma base alcalina cujo processo químico é chamado de saponificação. Enquanto produto artesanal é muito mais eficaz no ponto de vista cosmético, medicinal, por ser mais suave para a pele e biodegradável.
O povo em tempos de antanho em casos de acidentes com carroças, queda de escadas, árvores, doenças e na vida doméstica era frequente pedir graças aos seus Santos devotos, quando recebiam essas graças, em geral faziam um ex -voto, um pequeno quadro com uma pintura singela relativa ao caso de fé e milagre com umas palavras a explicar o acontecimento. Existe um ex- voto de alguém que caiu numa panela quando se fazia sabão e ficou todo queimado...
A técnica de fazer sabão foi dominada
(...) Por fenícios, celtas , romanos, e na Península Ibérica julga-se tenha sido trazido pelos mouros,
vindos do oriente do Império da Pérsia. Ou de origem judaica, depois do êxodo de 1492 de Espanha, que se fixaram em Trás os Montes, em Torre de Moncorvo, ainda hoje se faz sabão artesanal, assisti em Adeganha, há anos, nas Beiras, no vale do Tejo e no interior , na nossa região . No Lugar da Arrábida, em Palença, junto ao Tejo, houve uma grande fábrica de sabão branco, fundada no tempo do Marquês de Pombal, um dos patrões era de apelido Macedo.
Na Europa medieval as cidades de Marselha, Génova e Veneza se destacaram como centros de manufatura de sabão – até hoje o sabonete marselhês feito à base de óleo de oliveira, é considerado um dos melhores do mundo como o da Grécia .
Na Memória / António Baião. – Lisboa: Academia das Ciências, 1915. - LIII, 150
(...) Licença a Gonçalo Lourenço, bisavô de Afonso de Albuquerque, para fazer fábricas no termo de Leiria. Onde teria sido, sendo que Ansião também era termo, e pelo apelido Lourenço vivo?
O monopólio geral das saboarias em Portugal pertenceu ao Rei D. Manuel (1495 -1521)
Desde o século XV, pelo menos, que o povo se manifestava contra este monopólio que até impedia o fabrico caseiro para uso doméstico. Na indústria dos lanifícios a importância das saboarias era grande e por isso a existência do monopólio da fabricação e do comércio do sabão na Covilhã. Em 1766, com as reformas políticas levadas a cabo no reinado de D. José I a coroa incorpora no seu património todas as saboarias.
Produção de sabão no Alto Alentejo e Beira Baixa
(...) Aproveitando a abundância das matérias-primas necessárias para a produção do sabão, precisamente em Castelo Branco e concelhos limítrofes, desde a segunda metade do século XVI tiveram decisiva importância nesta indústria saboeira nacional, ao ser criada a Real Fábrica de Sabão em Belver, no concelho do Gavião.
O monopólio do fabrico e venda de sabões só terminou em 1858.
Após o encerramento da fábrica, muitos dos operários, os saboeiros, aproveitaram o saber-fazer adquirido, o (Know how) do sabão criando as suas próprias indústrias artesanais, chamadas Casas de Sabão Mole, pequenas produções familiares que foram passando de geração em geração.
A produção de sabão assumiu uma inegável importância económica e social nesta vila e em toda a região. A alcunha dos habitantes de Belver perdura até hoje – Saboeiros. A distribuição nacional do produto era feita por almocreves, acondicionado em sacas de sarja e serapilheira, transportado para fora do concelho em burros até ao rio Tejo onde era escoado para a capital e outras cidades do País em barcas pelo Zêzere e Nabão. Uma prática que perdurou até à primeira metade do século XX.
Existe desde 2013 um Museu do Sabão em Belver.
O ancestral “pai e mãe” de todos os sabões históricos
O sabão de Alepo feito com azeite e óleo de bagas de louro.
O meu marido quando foi a trabalho a Corfu, na Grécia, trouxe de souvenir uma coleção de sabonetes de azeite, cada um com medalha alusiva a um figurativo deus da Mitologia Grega, além de outros produtos ligados à oliveira; toalhas com ramos de oliveira e azeitonas.
A notícia da saboaria em Ansião, acrescenta a nossa historiografia local
Se a interligar às memorias paroquiais setecentistas de 1769 que nos fala do Padre Domingos Álvares da Paz, da Quinta de Lagoas; " teimozo, com o que tem inquietado o povo do concelho da Sarzedella, e com especealidade, o do dito lugar, por querer que não uzem o costume tam antigo que não há memória in contrario de poderem trazer os seus gados de cochinos abertos, e para mais os vexar mandou samiar hum baldio que hé incapaz de dar novidade para assim ter ocazião de incoimar, os ditos gados,e também,tendo algumas fazendas bem tapadas na forma também do uzo desta Freguesia, tem muitas vezes mandado alagar portais para o dito fim, e funda a sua teima em dizer que quer que a huma capella que tem feito com munta perfeissão asim se conserva por fora,como esta por dentro, o , e que andando os gados abertos se esfregão as paredes, e as sujam;e desta sorte esta aquelle pobre povo em termos de nam criar gados de que lhe rezulta hum grande inconveniente,e já á annos costumava atirar lhe a espinguar, o que ainda fez avera trz annos.
O excerto situa a saboaria na margem norte do Nabão, na Quinta da Texugueira, no baixio do Pingo Doce, onde foi demolida ruína de arquitetura ancestral, que fora curral de bois da Quinta de Cima. O seu tratador deslocava-se a Coimbra com a boiada para levar as novidades cultivadas, aos seus donatários, na voz da minha amiga Fernanda Paz, recentemente falecida.
A razão da saboaria em Ansião não ter ido avante?
Os foreiros que não sabemos quem eram, apresentaram queixa ao Mosteiro de Santa Cruz, a quem pagavam foros anuais, em virtude da produção de sabão queimar muitos carvalhos, vitais para engorda da vara de porcos a bolota e lande , a sua fonte de rendimento para pagar o aforamento e subsistência .
Presume que a saboaria recebia água em queda livre do tanque do fontanário da Bica, sito a uma cota superior . A mancha de carvalhal propiciava a criação de varas de porcos de raça ruiva, em Ansião , até ao 1º quartel do séc. XX . Tradição de um passado de Senhorios com interesses no Alto Alentejo, onde se deslocavam a pé, e julgo assenta o apelido Ganaio, na Lagarteira . À ribalta de outro guardador de porcos aportado de Gouveia; António Prudente de Oliveira, dizia o povo que passou a perna ao patrão, ao lhe tomar as propriedades na Ribeira do Açor. Conheci-o, homem de estatura baixa comerciante na rua do correio velho, onde a Misericórdia detinha casario aforado, no tempo que foi o seu Tesoureiro. Alegadamente tenha tomado algumas casas, pelo que se ouvia dizer; a rua era metade dele. Dado o negro passado na Ribeira do Açor, e o verso na récita aos comerciantes da vila, dos irmãos Valente, nos anos 40, do séc. XX ; o Prudente de Oliveira também tem o seu pecadinho. Urge a transação do seu casario averiguar espólio documental a ser entregue para estudo no Arquivo Municipal. Dado o incêndio de 1937 nos Paços do Concelho, se revelar hoje ter sido intencional, para destruir os livros do tabelião (notário) dado o conluio no assalto ao casario e prédios rústicos da Misericórdia, que também não detém os livros de arrematações nem de escrituras. O que impossibilita confirmar a sua transação para terceiros, mas, dados novos, permitem presumir alegada usurpação de muitos. Até porque em 1902 para fazer o segundo hospital da Misericórdia sem chão, a opção de o fazer no promontório da capela de Santo António, desirmanado, para o implantar numa faixa inóspita paralela ao baldio do Ribeiro da Vide, que ninguém reclamou...
Crónica à laia evocar a criação de porco ruivo em curral pelo meu avô paterno ”Zé do Bairro”. E a minha avó materna Maria da Luz Ferreira na Mouta Redonda, na foto do meu batizado em agosto de 1957, que fazia sabão .

Recordação de miúda em períodos curtos de férias na casa desta minha avó materna Maria da Luz na Mouta Redonda, a via ir ao fundo da talha tirar uma remeia (no seu falar), no meu, uma malga de borras de azeite, que punha a derreter ao lume na panela de ferro, juntava a olho água a ferver e cinza branca de vides ou de oliveira, no seu dizer a melhor cinza, sem carvões, depois de tudo assentar coava e juntava pozinhos de soda caustica que comprava na farmácia. Continuava a mexer com um pau comprido até se despegar do fundo. A mistura de sabão era posta numa lata comprida onde moldava a barra de sabão. No dia seguinte tirava o sabão do molde e punha-o ao sol a secar de um dia para o outro. Também fazia barrelas (restos de sabão com água quente para a roupa branca de linho desencardir) depois era esfregada na pedra calcária trazida da serra da Ovelha no ribeiro da Nexebra, e por fim corava na ribanceira sobre abrigotas. De novo lavada e batida na pedra para enxugar ao sol e brilhar branquinha a jus das abrigotas.
A cinza tem um alto poder branqueador para clarear as toalhas põem-se de molho ensaboadas com uma boa porção de cinza, no dia seguinte a roupa é lavada normalmente. Naquele tempo as mulheres eram muito asseadas com a roupa da casa. Dizia ela que este sabão não dava para lavar a roupa preta, onde a via misturar na água de enxaguar vinagre, para não perder a cor.
O sabão da minha avó Maria da Luz era assim escuro, porque não peneirava a cinza.
A avó fazia o seu sabão rudimentar, herança de povos vindos do oriente e de mouros com óleo das bagas de loureiro e por fim com borras de azeite. Não sei como aprendeu a arte, possivelmente o meu avô Zé Lucas, nas suas deslocações sazonais como paneiro pelo Alto Alentejo, na passagem por Belver, rica em saboarias tenha trazido a receita?
Sabão de álcool
Receita: numa bacia pôr 4 litros de água fria, 4 litros de álcool ( álcool de farmácia ou supermercado) um 1 kg de soda cáustica e misturar bem. Juntar 2 litros de óleo usado, de soja ou outro que já foi utilizado na cozinha. Juntar 4 kg de sebo de bovino derretido e quente.
Mexer cerca de 40 a 50 minutos com cuidado para não respingar para a cara, pois a soda cáustica pode causar queimaduras.
Deixar descansar cerca de 10 horas até ficar sólido.
Produto de mistura amarelo escuro em contraste com o produto final, parece pudim...
Receita que trouxe da Adeganha, Trás os Montes em 2011
Sabão artesanal
1 kg de azeite,120 gramas de soda caústica,315 gramas de água e 5 mililitros de óleo de alfazema.
O tempo de cura do sabão em local ventilado deve ser de 3 a 6 meses para o sabão de azeite.
Para neutralizar a ação da soda cáustica bastam 40 dias.
O sabão de cinzas é um sabão multiusos a usar tanto na cozinha para lavar panelas e superfícies inox, vidro e nos tecidos de grande eficácia para tirar nódoas sem deixar aureola em todo o tipo de tecidos e outras limpezas.
Cinzas
Numa panela colocar meio por meio de água com cinzas de vides ou de oliveira, as melhores para fazer sabão, previamente peneiradas para lhe retirar os carvões, de verão faz-se ao sol e de inverno no lume . Depois côa-se o líquido que fica de aspeto amarelado, por isso há gente que hoje lhe chama lixívia de cinzas.
Óleos
Colocar dentro de uma vasilha de plástico ou de vidro pedaços de plantas escolhidas; alecrim, salva, cascas de citrinos etc, para aromatizar cobrem-se completamente de óleo usado e decantado. Revestir o recipiente com papel ou plástico escuro, põe-se ao ar livre ao sol, à janela dentro de casa ou em banho maria umas horas, para que o óleo adquira os aromas e propriedades.
A minha experiência de fazer sabão em vésperas do Natal de 2016
Em outubro nas sessões de fisioterapia, uma das técnicas - a Sandra, ia fazer um workshop sobre sabão. Dei-lhe a receita que trouxe de Adeganha. Pelo Natal pensei fazer sabão pela primeira vez tinha a matéria prima- borras de azeite. Teimei fazer a produção de sabão a frio com receio da soda cáustica libertasse gazes irritantes, poder respingar para a pele e fazer queimadura. Armada de óculos de sol velhos, no chão do terraço, ao ar livre, numa bacia fui juntando os ingredientes a olho, confesso que fui um pouco aldrabona nas medidas das borras de azeite a que fui juntando os demais ingredientes, não segui a receita à letra, lembrei-me da minha avó pôr cinzas, fui à lareira, peneirei mal as cinzas, e como não tinha aroma nenhum para lhe juntar inventei raspa de limão e sumo. Mexi com um ramo do plátano que tinha trazido do jardim do Ribeiro da Vide. A emulsão ficou com um aspeto escuro, feio. Depois de mexido despejei para um tabuleiro de esmalte antigo que deixei a repousar no chão, resguardado. Passadas horas já estava a começar a solidificar, passados dias parecia sal grosso branco, afinal parece que não o mexi bem porque a solidificação não era homogénea, mais alta ao centro, o azeite separou-se da gordura vindo ao de cima como se vê na foto, sendo que se notam os pontos negros da cinza e da borra do azeite.

Então o meu sabão?
Pois "saiu-me o tiro pela culatra" até tinha comprado duas folhas de papel de seda encarnado para fazer os embrulhos e oferecer pelo Natal, com quadrados de sabão . Debalde, só pelo Carnaval é que vou verificar o meu sabão!
Debalde, quando cheguei estava IMENSAMENTE BRANCO, contudo por baixo apresentava-se em líquido, revela ter sido a sua produção com cálculos aldrabados, resulto de lixo!
Porque os valores das receitas são para se respeitar e não fazer a olho!
FONTES
ACADEMIA eduhttps://estudogeral.sib.uc.pt/jspui/bitstream/10316/32178/1/In%20perpetuam%20rei%20memoriam...pdf
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sab%C3%A3o
Henrique, Lisboa, Livros Horizonte, 1991, pp. 199-203