Lembrança feliz d'hoje da Maria Andrade a viver na Bairrada, bafejo que me despertou o apetite para saborear um bom naco de leitoa de pele estaladiça, apimentada, bem regada com um bom espumante. O meu sogro e a minha mãe sempre lhe chamaram - leitoa … esse o jeito assim como era chamada em tempo de antanho pelos mais antigos na Serra de Nexebra. O meu avô José Lucas casou no ano da República, segundo o que sempre ouvi contar o primeiro leitão que assou em casa foi em 1912 no Ano Novo por ocasião do nascimento da sua primogénita Maria da Luz - a minha Titi, além de tia foi avó e quase mãe, amiga a quem nunca ouvi uma palavra mais alta.
Vista do miradouro da a Serra do Mouro sobre o vale e a Nexebra |
A Titi -, irmã mais velha da minha mãe veio à luz no último dia do ano, 31 de Dezembro de 1911. Era sábado ao cair da noite quando os pais vindos de regresso da feira em Ansião onde tinham uma banca de tendeiros se viram aflitos quando irromperam as dores fortes, o certo foi apressar o passo do macho na descida da Serra do Mouro para pedir ajuda na casa de uma amiga na aldeia, onde veio a nascer, sendo que ele foi todo o caminho em rezas a confortar a minha avó para não a deitar em cama dos fardos de fazenda da chita da tabela, riscado de Santo Tirso ou do serrubeco e ali mesmo lhe fazer o trabalho de parto, sem ter prática, jeito, nem maneira na carroça, em terra de nenhures... A amiga foi a “aparadeira de serviço" ajudada pelo meu avô Zé Lucas que usou para cortar o cordão umbilical a mesma tesoura de cortar o corte de fazenda para o freguês, estreante nesta função e feliz nestas andanças servente como pode à mulher cheia de dores em grunhido forte e gemidos, de mãos presas aos varões da cama de ferro ainda assim bem melhor que fosse nos varapaus da tenda da carroça. Sempre me lembro de ouvir falar da tamanha felicidade que sentiu com a sua menina nos braços, a ajeitou como pode no colo da mãe ao aconchego do cobertor fino de algodão do Avelar que foi buscar à carroça, a estrear, e assim as deixou em paz para se fazer ao caminho de casa, à porta assobiou ao macho que se aprontou para seguir marcha… A bebé menina de olhar doce foi-lhe dada a graça de Maria Augusta - Maria da Luz - nunca soube, sempre a conheci e amei tratar por Titi - mulher de pequena estatura, baixinha, graciosa, de cabelo escuro. Enternecedor o gesto do seu pai em querer fazer dela uma menina fina, não hesitou em a mandar para Coimbra estudar, para ser Professora. Aos fins de semana o irmão Alberto a ia esperar na paragem da carreira ao alto de Lisboinha às Alminhas, trazia-lhe a malita, fizesse sol ou caísse chuva vinham todo o Santo caminho desde o Pinhal do Índio a resmungar ( ele achava que ela era uma felizarda por estudar, talvez porque fosse um inteletual, lírico, poeta apaixonado,adorava tocar concertina, e ainda tinha de acompanhar o pai na profissão de tendeiro na rota sazonal do Alentejo tarefa de aprendizado que não abonava). A Titi sofreu na pele anos de chumbos, contudo o pai insistia sempre mais um ano…Apesar de inteligente, nada destituída, tinha azar nos exames, até ela se sentia mal, chegou a confidenciar ao pai para não gastar mais dinheiro, sentia que prejudicava os irmãos. No seu tempo no sótão da casa havia poceiros de abas a transbordar de sapatos e chapéus, aquela tia foi muito vaidosa na sua mocidade. Os pais a dada altura decidem acertar o casório com um filho de uns tendeiros amigos que abancavam ao seu lado nas feiras, gente dos lados de Ferreira do Zêzere, em dia marcado partem com ela para se conhecerem… O rapaz achou-a pequena demais para noiva!
A Titi não foi professora, acabou por concorrer para os Correios, denotando ser uma extraordinária funcionária nada despojada de atributos para o trabalho, frase que sempre ouvi da boca da minha mãe, sua colega… Melosas as tardes soalheiras com a sua chegada ao portão da minha casa, sendo mais velha vinte e quatro anos que a minha mãe -, para mim foi mais avó do que tia, e a minha mãe sempre a ouvi chamar de madrinha, porque em pequenita ouvia a irmã Zaira assim a chamar e, o jeito em a imitar ficou-lhe no coração. Arte tinha nas mãos e criatividade, em fazer do velho novo, com os lençóis que eu e a minha irmã nos entretínhamos a rasgar com as unhas dos pés -, sendo a minha mãe sua coadjuvante davam nova vida aos lençóis rotos com remendos, faziam acrescentos e peças novas: panos para a cozinha, cuecas, toalhas para a mesa da cozinha, combinações e bibes, que a minha mãe depois aprimorava nas noites de turno da meia noite no Correio velho com picô às cores...Era tão doce a Titi -, tal qual os doces e licores de leite, folha de figueira, tangerina que sabia fazer como o famoso prato de cacholada. Adorava comer na sua salinha com mobiliário em bambu preto e móvel de espaldar em madeira com faiança exposta, grande a janela em guilhotina virada a nascente para o terraço que deixava antever o canteiro da laranjeira ao meio, ornada de escadinhas e a um canto a gaiola do melro. No hall da entrada da casa havia um grande o vaso com o espargo verde a enlear o candeeiro, na cozinha a graça do minúsculo lavatório, ao lado a cadeira com tampo em corda trazida dos Açores da ilha das Flores onde trabalhou no início de casada , onde gostava de me sentar a conversar com ela ou com a criada Arminda. Guardo com carinho algumas peças que me fez para o enxoval, já em fase avançada na idade, com visão enfraquecida, grande a estima apesar de pequenos defeitos.
Conta a minha mãe que do namoro dela, tomou conta ” o Tonito chegava montado na bicicleta e apeava-se ao átrio do pátio, olhava para ela e dizia Dinita vai ao guiador buscar o que trouxe para ti” mote para roubar um beijinho à Titi, enquanto ela saboreava as guloseimas na vez de tomar conta do namoro , até ao dia que ele lhe levou castanhas piladas, e ela não gostou. A Titi foi mulher muito sofrida com a vida que o marido lhe deu num tempo que apesar de ter estudos e de ordenado igual ou mais, era ele que mandava, coitada sofria calada, sem ninguém quase se aperceber. Não reclamava, pacífica com um coração do tamanho do mundo ainda o tratava com carinho por Tonito…
Sempre me acarinhou como uma mãe, meiga era demais a Titi, boas recordações, só comparável ao deguste de um bom naco de leitoa!
QUE DELÍCIA |
Uma tradição assar leitões na aldeia de Moita Redonda levada para a Mó em Chão de Couce , na banda norte da Serra de Nexebra onde a cunhada do meu avô a - Maria , mulher com veia para o negócio, deles fazia criação, mal lhes sentia pessanha os tentava vender antes que morressem por causa do prejuízo...Assim o dizia o meu avô Zé Lucas que depressa lhe conheceu tal engenho e arte, e o dizia em tom matreiro à minha avó Maria da Luz mal a via a subir a quelha do Vale na Moita Redonda “ Luz , cuidado com a lábia da tua irmã cá para mim vem-te impingir leitões ...”
Na Moita Redonda se assou muita leitoa no forno da casa dos meus avós, para dias de festa e piqueniques na Nexebra num tempo sem eucaliptos, só castanheiros, pinhal e flores. Esta arte de bem assar o leitão continua no Bigodes no Pereiro, na casa do primo Agostinho Coimbra nos Palheiros em Maçãs D. Maria, e Ansileitões em Ansião...
Também bem me lembro dos que a tia Zézita assava no seu forno a lenha no Pereiro, tinha um buraco na parede ao fundo da cúpula para cravar o espeto de loureiro, passava o tempo a roda-lo para as orelhas não esturricarem.Deu-me a receita que escrevi numa folha de 24 linhas azul...
Na Moita Redonda se assou muita leitoa no forno da casa dos meus avós, para dias de festa e piqueniques na Nexebra num tempo sem eucaliptos, só castanheiros, pinhal e flores. Esta arte de bem assar o leitão continua no Bigodes no Pereiro, na casa do primo Agostinho Coimbra nos Palheiros em Maçãs D. Maria, e Ansileitões em Ansião...
Também bem me lembro dos que a tia Zézita assava no seu forno a lenha no Pereiro, tinha um buraco na parede ao fundo da cúpula para cravar o espeto de loureiro, passava o tempo a roda-lo para as orelhas não esturricarem.Deu-me a receita que escrevi numa folha de 24 linhas azul...
É sabido que os romanos já apreciavam este repasto, há documentos que falam dele no século XVIII no Mosteiro do Lorvão e no da Vacariça. Sendo que o convento do Lorvão tinha um pequeno em Almoster, Alvaiázere, relativamente perto num raio de 15 km(?) e como os frades fecharam o convento, se perderam(?) é possível que este repasto tenha no tempo nesta região ficado assim conhecido.
Faltou visão nos meados do século XX ao meu avô Zé Lucas para não ter apostado na sua propriedade no Bairro, numa sucursal da sua taberna, casa de panos e mercearia, tendo pela frente a estrada a caminho de Coimbra ou Tomar, de
grande movimento, onde a iguaria da leitoa se
pudesse saborear, comprar, e assim afamar a região.
De maior olhão o foram na Mealhada décadas depois a dar cartas no leitão.Nos anos 40 um homem perto da Anadia vendeu o negócio de sandes de leitão que tinha à borda da estrada Nº 1, onde alguns automobilistas paravam para o saborear…
De maior olhão o foram na Mealhada décadas depois a dar cartas no leitão.Nos anos 40 um homem perto da Anadia vendeu o negócio de sandes de leitão que tinha à borda da estrada Nº 1, onde alguns automobilistas paravam para o saborear…
Gostava de saber onde a tradição de assar o leitão nasceu primeiro -, só investigando !
Contei a história da minha Titi e da tradição de comer leitão na Moita Redonda. Conta-me a minha mãe que se recorda dos pais presenteavam amigos com piqueniques saboreados na aba do costado da mina de S. João no outeiro do Cuco. No forno da casa da avó Brísida assavam-se dois leitões para dias de festa -, o cheiro deambulava em fuso aberto pela Cova da Raposa até ao Penhasco...O Zezito, o criado que adorava beber uns copitos mas deles tomava conta no virar do espeto de loureiro para a pele dos pobrezitos não esturricar -, um dia a minha mãe surpreendeu-o a pôr pazada de cinza sobre as orelhas pretas de ardidas… AS mulheres da aldeia contratadas à jorna carregavam cestas brancas à cabeça cobertas com toalhas de linho, o criado Acácio de garrafão de vinho nas mãos, e o Zezito com as mantas de tear. Tantas vezes a presença do Padre Melo, do médico D. João e do Dr. Quintela de Chão de Couce, caminhando pelos carreiros de frondosos e belos castanheiros e chão coberto a tapetes de murteiras, campainhas amarelas e colónias de abróteas -, as abrigotas flores brancas em cachos composto na extremidade de uma longa haste, as raízes de tubérculos de uso medicinal, na sabedoria popular o seu suco serve para o tratamento das impinges.
A serra da Nexebra, infelizmente eucaliptizada há mais de 70 anos, num tempo que a Quinta de Cima optou por cortar o pinhal nórdico, sendo que os vizinhos depressa se aperceberam do negócio rentável...