sexta-feira, 19 de abril de 2013

Palácio da Viúva Gomes na Cova da Piedade com glicinias brancas ou cachos da índia

Vamos recuar 200 anos ao tempo e fausto da COVA DA PIEDADE
A sul do Jardim da Cova da Piedade existe um palácio unido por uma cocheira mais baixa de grande mirante em ameaça de iminente derrocada.Tentei saber mais. Disse-me um homem que a abriu no 25 de abril na força viril tudo é do povo... no resulto a vandalização de património cultural por desconhecimento dum povo inculto tanto se destruiu em Almada!
As carruagens foram compradas pelo Xavier de Limar.
Distingui o interior da cocheira através da grade do portão com os restos de estuque marmoreado com pias grandes rectangulares de bordos redondos em lioz  digna de um palácio que se liga ao chalet estilo suíço que foi de um familiar do dono do palácio.
O chalet do arquitecto Ribeiro Telles foi adquirido pela Câmara .
O telhado da cocheira em desanda...
Através da grade da porta distingui ao fundo buracos no teto  que deixam os raios de sol entrar sem pedir licença para embelezar tão triste ruína...
Apesar de desalenta imagem consegui apreciar beleza  fosse das pedras, do estuque e até do móvel escaqueirado ao meio...
Entretanto o mirante não resistiu e caiu...
Impressionante o mirante caiu de pé e assim permanece...
Veja-se no tardoz a parede e os estuques pintados - fotos de 9.jan 2014
Obras de canalização na parede de lado deixou a pia  deslocada depois da 1ª vez que abordei esta temática
António José Gomes
O industrial que mandou construir o palácio no século XIX . Homem rico e esclarecido industrial amante das inovações tecnológicas que trazia das suas viagens à Europa.
A obra arquitectónica apresenta pormenores construtivos -, no alto da sua fachada neoclássica destaca-se uma estátua de uma mulher com um martelo na mão e uma roda dentada por trás de si, uma clara alusão à indústria moageira , actividade que ocupava o proprietário. As varandas em ferro forjado são outra marca da revolução industrial. O estilo Arte Nova é o novo movimento estético que se caracteriza, ao nível da construção e decoração, pelo uso de novos materiais, entre os quais o metal. O portão lateral do palácio, o gradeamento do jardim e a escada espiralada nas traseiras do edifício são testemunhos deste novo estilo, merecendo um olhar atento.
As duas estátuas entre as duas chaminés
Funciona no palácio a SFUAP após o incêndio na sua sede na curva da estrada para as Barrocas.
Não sei de quem é pertença o imóvel. Apesar de ocupado está a deteriorar-se, a meu ver mal empregue para este tipo de atividade (?).  Deveria ter outra finalidade mais adequada à sua grandeza e riqueza do interior a deteriorar-se nas pinturas e exteriores em quase total abandono.
Após o 25 de abril neste Palácio da Viúva Gomes como ficou na história conhecido abriu uma Clínica para atendimento da população onde também se faziam abortos, recordo a faixa da frontaria que assim o ditava.
A fazer jus ao benemérito António José Gomes que se destacou não só pela aposta em novas tecnologias mas também pela sua humanidade, ganhando aqui fama por dar assistência médica e apoio na doença aos seus trabalhadores, medidas vanguardistas para a época cuja população beneficiou com a sua acção benemérita no melhoramento das ruas e do jardim ainda apostou numa escola para adultos, edificou uma primária, fez a doação de livros e roupa para os mais novos, alguns dos actos por que ainda hoje é recordado.
As pessoas atendidas na clínica diziam muito bem do serviço, assim o atestou uma senhora lindíssima que passava defronte quanto fotografava - apreciávamos a glicinia branca , confidenciou-me ter caído num buraco sendo ali assistida devidamente.
O busto do benemérito está patente num pedestal no Jardim defronte do Palácio.
Ao tempo o único habitante que tinha um automóvel na Cova da Piedade um Rolls Royce.
E telefone.
O primeiro a ter as novidades como a electricidade.
Um homem de grande visão, pergunto e descendência? Acaso não teve ? Não entendo a te-la não se terem interessado no património de família (?) para o palácio ter chegado aos nossos dias em quase total abandono tendo sido de gente tão endinheirada com belo património de beleza romântica não merecia ter este fim !


No entanto é fácil constatar que a Quinta no tardoz foi há anos urbanizada com lotes para prédios sendo encimados pela Escola Secundária E.B.2/3 Comandante Conceição e Silva podendo a nora ser observada do exterior porque ficou dentro do seu perímetro. Mais abaixo há outro engenho menor.
A Câmara executou um semi anfiteatro junto ao que resta da adega da quinta .
Aqui e ali alguns esqueletos de casario com muito interesse que mereciam recuperação.
Pergunta-se o que pensam fazer do local?Um gatil com pinturas Picasso já lá mora!
Os gatos!



As pinturas, artista(s ) desconhecido?

Na frente do chalet  a calçada em mosaico preto e branco mostra algumas reminiscências. Já em frente do palácio a calçada  em calcário a duas cores, a chamada   calçada à portuguesa, na frontaria é magnífica  como a foto elucida e em redor dos jardins também existe.
Apesar de ser da mesma época, o chalet é uma típica casa suíça de estilo romântico com telhados em bico, próprio dos países nórdicos. O chalet foi adquirido pela autarquia será brevemente transformado na Casa do Professor, ao que parece os quartos são pequenos... Por a achar deliciosamente bela para ser dedicada a esta profissão especial (?) em detrimento de outras igualmente bonitas e de interesse que foram o ganha pão na Cova da Piedade...sendo em abono da verdade que todas as profissões são dignas de mérito na menção de terem a sua casa, ou não? Se não lhe acodem, acaba por se perder e é pena! 
Felizmente a cãmara deu-lhe a mão está em recuperação em 2017/8.
Tirei esta foto através da grade da porta, mostra a entrada interior do Chalet
Novembro de 2018 a reabilitação!

Garagem
Doada à Fundação do Padre Ricardo pela câmara . Ouvi dizer que tem de fazer uma ligação pedonal para norte.
 
Edifício romântico para garagem do Rolls Royce com fosso para reparações. O primeiro automóvel na Cova da Piedade.Os azulejos estão a cair da fachada, pelo chão há vestígios, alguns esperam melhor hora em cima de um muro ...a vontade que tive de os trazer!
Faixas de azulejos em iminente derrocada
 
Clube Recreativo Piedense
O Clube Recreativo Piedense de cara lavada na cor verde água  .
 
Pormenores de remate em faiança no telhado do Clube de paredes meias com o palácio.
Adega da quinta de António José Gomes
Neste edifício com o portão “enferrujado” funcionou a Fábrica Bucknall e Sons com 821 trabalhadores onde se produziam rolhas e aglomerados de cortiça.
               A casa do gerador
Foto para a posterioridade. Entretanto em 2016 caiu parte. Também doada à Fundação do Padre Ricardo pela câmara.A casa dos geradores, Veja-se o telhado com janelas ventiladoras a lembrar a China e as fábricas.
Pormenor do candeeiro público na quina redonda do edifício e do algeroz no outro
Disperso algum casario emblemático de cariz muito romântico...
 
Nora em Ferro
Encomendada por António José Gomes e montada na Quinta situada nas traseiras do Palácio pela firma Arcelos e Filhos com o fim de abastecer de água a propriedade.
Peça classificada com valor concelhio pelo Instituto Português do Património Cultural, devido à originalidade do desenho, atribuído a Eifell (Séc. XIX) razão pela qual é considerada património municipal, constitui um exemplo da prodigalidade e elegância com que a tecnologia do ferro é introduzida na arquitectura.
Trata-se de uma de duas noras que abasteciam de água a Quinta de António José Gomes.
A outra nora sita na traseira do palácio vista em duas perspectivas, mais antiga e a água era puxada por tração animal.Nesta terra durante muito tempo houve falta de água potável, aparecia salinada . As pessoas guardavam a urina em potes cerâmicos para regar a raiz das plantas hortícolas, porque tem azoto. Não se estragava nada.
Tardoz do palácio com escada em metal em caracol
 
Frontaria do palácio
Entrada do jardim no tardoz do palácio também com passeio de calçada igual à frontaria
 
Este grande homem mandou construir a Fábrica de Moagem do Caramujo.A primeira obra em betão armado em Portugal, uma novidade que trouxe da Europa. Hoje é da Câmara. Empregava 160 operários, usava a máquina a vapor e produzia 15 000 Kg de farinha por dia. Hoje o espaço juntamente com o bairro de casinhas de paredes meias dos operários durante anos fez-me lembrar o Faroeste...muito abandonado...muita ruína onde um dia houve fausto! Está em rejuvenescimento a Romeira desde finais de 2017 com armazéns recuperados e um mercado a imitar o da Ribeira em Lisboa.
O coreto evoca a Batalha da Cova da Piedade (1833)
Toponímia dada à Avª 23 de julho que liga a Cova da Piedade ao Laranjeiro.
Depois de uma caminhada a pé desde o Algarve, os Liberais enfrentaram os Miguelistas nesta freguesia em lamaçal , dizem apesar da desvantagem numérica os apoiantes de D. Pedro ganharam esta luta , porque o povo os ajudou a livrarem-se da lama, pois nela sabiam andar.O líder dos miguelistas dizem foi enterrado vivo com um braço de fora. Os outrops refugiaram-se no castelo e no dia seguinte embarcaram em Cacilhas para Lisboa, por isso na capital deu-se a derradeira vitória dos Liberais no dia seguinte que ditou a Avª 24 de julho em Lisboa.
Os nomes das avenidas 23 de Julho (Cova da Piedade) e 24 de Julho (Lisboa) assinalam exactamente o percurso da vitória liberal.
Os arabescos do coreto em ferro forjado imitam renda finíssima que alguém teceu na dureza do metal.
Belo trabalho característico da Arquitectura do Ferro do século XIX.
A principal Praça de visitas da Cova da Piedade era um terreno insalubre nas imediações de um esteiro do rio Tejo -, o esteiro da Mutela. Conquistada às águas por assoreamento e secagem tornando-se um terreiro onde no Séc. XVIII se realizavam touradas, após a batalha aqui travada entre Liberais e Miguelistas decidiram fazer um Jardim público.
 
Deixei o palácio com vontade de comer nêsperas tão amarelinhas em abril...
Remato com o ditado popular que me foi transmitido por uma vizinha de Torres Vedras aqui a morar há 60 anos numa conversa trivial sobre heranças disse-me...
«Na arca está guardado um tostão e as pessoas julgam que é um milhão!»

No muro da escola um mural em graffits
Arte moderna!

Coimbra nas minhas memórias do 1º de maio de 74

O Externato António Soares Barbosa em Ansião foi instalado no Solar, onde viveu o Conselheiro António José da Silva -, apesar de António Soares Barbosa , ilustre ansianense ligado à filosofia das Luzes e à Universidade de Coimbra, ter sido a escolha para o nome. Estreei-me na primeira excursão efetuada à Serra da Estrela no dia 2 de maio de 74 com os Professores: Dr. Cardoso...homem de matemática -, carinhosamente chamava alguns alunos " de cavalgadura" e a esposa a Dra. Mané. 
Quem sabe por influência da liberdade, ou somente coincidência aconteceu o passeio! 
Passados escassos dias do 25 de abril, vesti saia e sapatos abertos de lado em cabedal de cor preta com fivelinhas, no tempo ainda não se usavam calças. Na Torre alguém improvisou escorregas com plásticos, os sapatos queimaram com o gelo. Gostei muito da Lagoa comprida, de ter visto pela primeira vez neve, do silêncio serrano, da Cabeça da Velha, dos rebanhos, pastores e cães da serra andantes na sua transumância por terras altas. 
Adorei a aldeia do Sabugueiro talvez por me fazer lembrar a aldeia com o mesmo nome onde morava na altura o príncipe pelo Alentejo… 
Não sei onde guardo um postal que foi rasgado, depois colado com mensagens dos colegas na excursão comprado em Viseu. 
Sondei a minha mãe para na véspera por ser feriado irmos a Coimbra no carro comprar salgados e bolos para levar de farnel. 
Comemorava-se pela primeira vez em Portugal o 1º de maio o Dia do Trabalhador. 
Mal chegadas à Praça de visitas da cidade no redol da cerca de ferro forjado da estátua do ilustre Conimbricense Joaquim António de Aguiar popularmente conhecido como o “ Mata Frades” por ter sido o responsável pelo decreto-lei que extinguiu as ordens religiosas em Portugal, reparei que os ranúnculos tinham sido arrancados o que me deixou pasmada, sempre o conhecera arranjado e muito florido. 
Nisto interrogava-me que liberdade era aquela que se apregoava! 
Na minha cabeça pairavam tantas dúvidas só via pessoas que falavam e gritavam, papéis no chão num descalabro brutal que jamais tinha visto na minha cidade onde nasci, ao longe ouviam-se lemas reivindicativos do povo oprimido sem “eira nem beira”...” A terra a quem a trabalha” “ abaixo os latifundiários” “ viva a classe operária” “fascismo nunca mais” “ abaixo o fascismo” ” viva o proletariado” “ viva o MFA” “ viva o 25 de abril”… Nada ou pouco havia para comprar...viemos de mãos vazias com a ideia de parar em Condeixa...mas do mesmo nada! 
Em Coimbra quisemos atestar o depósito nas Bombas na saída, por estar racionado tivemos de implorar...às escondidas elas traseiras conseguimos um garrafão com uns litros. 
Finalmente tinha acabado a censura com o regime deposto num ganho maior do direito à liberdade. Uma nova vida que permitiu uma abertura nunca antes vista numa mudança total de conceitos e atitudes -, também de exageros visível na falta de respeito uns pelos outros apesar das melhorias substanciais no ensino para todos, gratuito, com introdução da escolaridade mínima obrigatória. 
O País atrasado abriu-se finalmente para o mundo, para o fenómeno da globalização com o regresso inesperado dos retornados das ex-colónias. Foram repatriados milhares de pessoas de tantas cores... e com ideias modernas de abertura social inovadora para a época em controvérsia com a nossa conservadora e muito fechada, nas atitudes e formas de estar nunca dantes vistas como o simples beijo na boca, a moda de tomar duche todos os dias, nós por cá só só tomávamos banho uma vez por semana, muitos nem sabiam o que isso era... outros uma vez por ano no Agroal...então não levavam o sabão! 
Foram estas pessoas que nos demonstraram saber viver em liberdade, nós até ali vivíamos uma vida cheia de conceitos antiquados ! 
Fácil foi criar estereótipos por atitudes e hábitos arraigados da maioria de nós -, uma maioria teimou em viver integrada, adaptando-se às circunstâncias da própria circunstancia -, ainda alguns se instalaram sem contudo se integrar, pior foram outros morrerem sem ter aceite a perda dos bens, e das saudades do sol quente da savana da sua amada África...onde apesar de muito trabalho tinham sido felizes! 
Na década de 60 já tinha assistido à saída de pessoas à procura de melhores condições de vida no estrangeiro nas célebres “fugas a salto” com ajuda de “passadores” na fronteira espanhola -,perdidos por trilhos de contrabandistas andavam dias pelos montes a fugir da guarda-fiscal a caminho de França.
Acabado o fascismo a saída para a emigração passou a ser legal -, alguns milhares rumaram a novos Países da Europa e do Mundo, alguns retornados também. 
Da liberdade de arrancar os ranúnculos do jardim, dos papéis pelo chão e da gritaria não gostei! 
Acalmei a raiva a pensar na loiça "ratinha"...

O meu 25 de abril de 74 vivido em Ansião

O regime político em Portugal iniciado com o golpe militar de 28 de maio de 1926 daria início à Ditadura Militar que culminou no regime do Estado Novo de cariz ditatorial - com o Salazar no governo, que se institucionalizou com a aprovação da Constituição de 1933 e se manteve até ao 25 de abril de 1974, sendo aqui derrubado num golpe também militar premeditado por alguns militares saídos do quartel de Santarém rumo a Lisboa que culminou na revolução contra o regime Salazarista em dia escolhido. 
Na Emissora Nacional foram utilizadas as "senhas" das canções - Depois do Adeus de   Paulo de Carvalho  e  Grândola Vila Morena  de Zeca Afonso,  a escolhida tinha sido sancionada "Venham mais cinco" .
O grande acontecimento aconteceu quase a vésperas de eu fazer dezasseis anos|. 
Durante o fascismo o povo vivia massacrado sem liberdade com poucas oportunidades de empregos nos meios rurais a juntar a falta de ensino e de cultura na maioria da população fez com que vivessem até então em grande escuridão com medo dos “Bufos do regime” por isso afastados do mundo, do progresso e da evolução natural do ser humano que também tinha direitos, e não só deveres. Finalmente via nascer uma liberdade restituída depois de 48 anos de tortura.
O 25 de abril libertou o povo da PIDE, da rede de informadores, pôs fim à clandestinidade, à guerra colonial, e ao isolamento internacional. Vieram à Marinha buscar voluntários para segurança das instalações da sede da Pide ao Chiado. Um amigo meu do Murtal, Alvaiázere, ofereceu-se esteve por lá uma semana nos serviços administrativos. Um dia aparece uma senhora de idade num Mercedes, oferece-lhes boas sandes e muitas de leitão... 
Paços do Concelho
No dia 25 de abril de manhã como todos os dias  a caminho do Externato em Ansião ao chegar à Praça do Município reparei que havia letras gordas escritas a preto nas paredes dos Paços de Concelho junto da sirene e na casa do barbeiro Sr. Júlio Freire de Albarrol.
“ Abaixo o Fascismo” e “Bufo da PIDE”... 
Do lado de fora do portão de acesso ao recreio dos rapazes do Externato havia uma multidão encostados na tasca da "Ti Augusta do Tarouca” de braços cruzados , aproximei-me para saber a razão da concentração, todos falavam da revolução em Lisboa ...
No local depois do 15 de abril a primeira machadada em Ansião com a demolição do solar onde funcionava o Externato, e construído um mamarracho de varandas, inestético descontextualizado no passado histórico da vila e a abertura de  uma avenida.
Muitos anos mais tarde foi colocada na lateral do  edifício um painel azulejar com o solar, para não se perderem as memorias dos locais e na frente outro maior com os nomes dos fundadores do mesmo, este acabou por ser retirado para serem feitos os sanitários públicos. O painel desconheço se está guardado ou foi destruído.
A palavra  Fascismo -, ninguém percebia bem o que queria dizer, assistia-se a um movimento fora do comum na vila onde vi muita gente se juntar para tentar saber o que se passava na capital...Num dos intervalos das aulas da manhã fui à loja do Adelino Pires comprar um novelo de linha e agulha para me iniciar no croché com a minha prima Isaurinda Lucas  -, acordo firmado de véspera, só sabia fazer cordão que aprendi no Colégio Religioso as Salesianas no Monte Estoril, teimosia minha com as Irmãs só para as chatear nas tardes de sábado obrigada a sentar-me nas cadeirinhas da sala de costura, no final do ano trouxe um saco enorme cheio com  quilómetros de todas as cores ... 
A primeira mudança sentida no Externato António Soares Barbosa neste primeiro dia da Revolução do 25 de abril de 74, sem quê nem para quê raparigas e rapazes se juntaram no mesmo recreio que até ai era somente dos rapazes perante o olhar repreensivo da contínua D. Maria Neno, que se escudou em nos dar ordens repreensivas !
Em casa há hora do almoço segui a revolução em direto na TV no Largo do Carmo em Lisboa onde estranhamente vi pessoas empoleiradas nas árvores da pequena Praça defronte do quartel da GNR do Carmo onde estava um tanque apontado ao portão . De altifalante nas mãos o major Salgueiro Maia gritava " se não aceita o exílio abro fogo..." ao fim de algumas horas o refugiado Dr. Marcelo Caetano aceitou resignar-se e partir para o Brasil. A televisão só mostrava desfiles de tanques com militares de cravos vermelhos enfiados nas metralhadoras...Segundo consta uma governanta trazia do mercado um ramo de cravos, de repente viu-se confrontada com a revolução nas ruas para em ímpeto reagiu ao impulso de enfiar um cravo numa  metralhadora  num gesto de excelso valor pela paz,  numa revolução sem derrame de sangue…desta forma tão simples nasceu o símbolo da revolução do 25 de abril “ A revolução dos cravos vermelhos”. 
Em abono da verdade devo confessar que para mim a revolução foi um fracasso...desculpem a sinceridade. Explico. Era demasiado nova, do fascismo nada sabia, apenas ouvi a palavra nesse dia pela primeira vez, até difícil de pronunciar por ser forte, sem entender o seu significado, tive a sorte de ter nascido no seio de uma família que a custo de árduo trabalho já estudou, eram  funcionários públicos tiveram possibilidade de me terem dado a mim e à minha irmã boas condições de vida em relação à maioria, que vivia com dificuldades. Também porque na televisão o que conhecia das guerras a preto e branco no Biafra, províncias ultramarinas e Vietname eram corpos despedaçados com minas, outros mutilados a jorrar sangue, destruição de aldeias, miséria, fome, corpos de crianças desidratados, prisioneiros e em comparação a nossa guerra de cravos (?) não achei que fosse como as por mim até ai conhecidas na televisão...por isso senti um desconforto, uma revolução menor, como tudo o que acontecia e conhecia até essa altura no meu país” longínqua no tempo em que o povo português fora grande no mundo como lia nos livros de história, aquém e além-mar por mares nunca dantes navegados partiram na aventura de conhecer novos mundos em cascos de noz... Santa ignorância o que sabia eu da ditadura? Só relacionei ao lembrar-me de tempos idos numas eleições antes da revolução o meu pai se recusar a ir votar e recordo de ver  a minha mãe de roda dele quase de joelhos a implorar “Fernando tens de votar pelas nossas filhas, queres ser preso…” o meu pai perante tal pedido resignado votou contrariado! As mulheres sem direito a voto no tempo da ditadura ,e já a minha mãe ter tido tanta clarividência . As mulheres nunca deveriam esquecer esta grande conquista de abril 
O DIREITO AO VOTO, EXERCENDO-O INCONDICIONALMENTE! 
O País mudou!
Derrubado o fascismo e a secreta PIDE que aprisionou muitos daqueles que lutaram durante a ditadura  foram presos e torturados, outros enviados para o exílio no Tarrafal em Cabo Verde onde muitos morreram no degredo como Bento Gonçalves e,... 
O Povo com o 25 de abril sentia ter o Poder! Acabado o obscurantismo aos poucos os preconceitos também foram derrubados. A torto e a direito fizeram nacionalizações de grandes empresas e herdades no Alentejo. Chegaram magotes de retornados das ex províncias ultramarinas...com ideias modernas nunca antes vistas... Pela 1ª vez vi uma retornada de Ansião a dar um beijo na boca a um rapaz em Pombal ... Na carreira para Pombal ou na vinda vi engates no sopé da Gruta do Calaias a ver o Nabão com senhoras solteiras de família de Ansião... Maus tempos para os polícias da PIDE que regressarem às suas terras, olhados de lado durante tempos em Ansião… 
Excertos de ruralidade no tempo do fascismo…A população nos meios rurais vivia em extrema pobreza, todos comiam da mesma malga ou bacia de faiança em redor do lume, só nos dias de festa se matava o galo ou um coelho, viviam sem quaisquer condições, chegavam a dormir na mesma cama de ferro quatro, dois à cabeceira e os outros dois aos pés, sem água canalizada, enchiam cântaros nos poços e fontes, não tinham casa de banho, alguns retrete feita em madeira, porque a maioria fazia as necessidades a céu aberto “ao Deus dará”… sem rede de eletricidade, iluminavam a penumbra da noite com a luz do candeeiro a petróleo e candeias de azeite, sem estradas asfaltadas e raros transportes andavam a pé ou em carros de tração animal.Com a 2ª guerra mundial, agudizou-se a miséria com o racionamento de bens essenciais, nessa altura muitos fugiram das aldeias recônditas nas serranias dando origem a um movimento chamado êxodo rural encaminhando-se para o litoral. Os vieiros de Leiria vieram para as margens do rio Tejo onde construíram casebres de madeira suspensos por estacas, também para a Costa de Caparica e Lisboa acolheu muita gente na procura de trabalho melhor remunerado: armazéns, construção civil, carpintarias, caixeiros, caminho-de-ferro, refinaria, serviços… As mulheres empregaram-se como criadas de servir, governantas, lavadeiras, caixeiras e, … Portugal ainda era tipicamente um país rural na década de 60 a minha, o uso da bicicleta ficou na história com o nome pasteleira, um bem apenas de gente remediada nesse tempo. Com o 2º ano podia-se ser Regente escolar e com o 5º ano Professor, e havia muitos. Nos Correios foram das primeiras empresas públicas a admitir mulheres com o 5º ano dos liceus, durante décadas o histórico de colaboradores foi maioritariamente feminino, na minha família a irmã mais velha da minha mãe, ela própria, eu e a minha irmã, num tempo que não havia informatização e o telefone  só havia até à meia noite e era de manivela. Enquanto nos países europeus depois da 2ª guerra tinham florescido novas empresas no ramo da indústria, comércio e serviços com apoio estatal à educação, saúde melhorando as condições de vida para as suas populações, e por cá o País estagnou com o regime fascista sendo a discrepância na sociedade entre ricos e pobres abismal. Tive muitos colegas filhos de emigrantes, os pais em países como a França deixavam os filhos em casas de familiares para eles terem um dia uma vida melhor, como poderiam se estavam longe deles? Quem ganhava eram os familiares que com eles ficavam, afinal um rendimento mensal além dos cambistas a trocar notas de francos, ao cambio do cambista ...Os ricos senhores com grandes rendimentos de terras, casas, e fábricas, exploravam a mão-de-obra muito barata, pagavam salários muito baixos, um dia de jornada de um sapateiro que se deslocava à casa do freguês , a jorna, uma broa (pão de mistura de trigo e milho), havia escalões de jorna diferenciados para homens e mulheres, incrível que ainda hoje existe essa diferenciação nos trabalhos mais precários na vida rural e fábricas. Alguns desses senhores com nome de família, fomentavam o abuso de mulheres, algumas delas coitadas para sobreviver a tanta miséria sujeitavam-se à devassidão. Por todo o Portugal nasceu muito filho "incógnito" uma verdade reposta com o 25 de abril -, cada nascimento obriga a paternidade, em alguns casos recorre-se a exames de ADN. Sendo mulher… Não posso deixar de falar nelas, sempre as conheci num papel de escravas…A sina da Mulher antes do 25 de abril era ditada à nascença: aprender os serviços da vida doméstica, para saber governar com mestria a economia do lar com míseros recursos, sendo obrigadas a aprender cedo a ser criativas para o comer abancar na mesa todos os dias, ainda a trabalharem na lavoura de subsistência, donas de parco estudo, ainda criadas de servir, até finalmente casarem. O pai tinha sobre as filhas o poder, a que elas tinham de se subjugar -, tudo mudava com o casamento, nesse dia o mandante passava a ser o marido, incumbida no dever de ser esposa fiel, cuidar dele e dos filhos, sem outros direitos, o marido é que mandava e esta devia-lhe obediência, só podia sair do País se ele o autorizasse, não tinha direito a opinião, não exercia o direito ao voto, não podia ter contas bancárias, a violência doméstica era abafada, as vezes que foi exercida, o homem acabou por ver a justiça a seu favor com penas suspensas, porque o sistema era fechado, machista -, a mulher como não tinha quaisquer direitos, a lei era escura em relação a ela, o homem podia ser adúltero, porém ela se o fosse via a sua imagem denegrida, enxovalhada, tratada como uma prostituta, sem serem apuradas as razões porque praticara tal atitude... à mulher era proibido tudo, até de sentir prazer...muitas, acredito pariram sem nunca sentirem um orgasmo...nem conheciam o termo...só sabiam termos do calão... ouviam dizer que era bom(?), sentiam que para eles o era...sendo elas em muitos casos “depósitos de espermatozoides” coisa que faz pensar… A rede de escolas não cobria todo o País, não se valorizavam muito os estudos, porque eram dispendiosos … as famílias geralmente numerosas levavam uma vida muito difícil, havia muita pobreza e fome, os pais viam nas crianças uma ajuda nas tarefas da lavoura, muitas não iam à escola, geralmente as raparigas eram precisas para ajudar a cuidar dos irmãos mais novos e fazer as tarefas de casa, na maioria das famílias só aos homens era dado hipóteses de estudar, alguns rapazes saiam da escola com o exame da 3ª ou 4ª classe, poucos eram aqueles que continuavam os estudos, até porque só existiam liceus nas grandes cidades, nas aldeias quando algum deles se destacava na escola o padre o encaminhava para o Seminário, muitos aproveitaram esta mais valia de estudos quase gratuita -, raros foram os que continuaram no presbítero, também poucas foram as mulheres que estudaram e se licenciaram antes do 25 de abril. Sinto orgulho de dizer que o meu avô paterno José Lucas Afonso da Mouta Redonda, mandou para Coimbra para ser professora a sua primogénita nascida em 1911, a minha Titi, ao seu tempo a minha mãe e pai também estudaram. As mulheres toda a vida abnegadas e injustiçadas com a vida que Deus lhes ditou durante séculos, com o 25 de abril aconteceu o inevitável no marco decisivo de viragem -, de dizer chega, quero mais. Muitas com os maridos obrigados a ir para uma guerra no Ultramar sem saber se tinham bilhete de volta, viram-se obrigadas a procurar trabalho fora de casa, inicialmente nas fábricas, outras apostaram na sua formação na década de 60, vivia-se um novo tempo-, chegada da hora com premente urgência de se emanciparem, de procurar trabalho fora de casa, de ganhar para o seu sustento, de serem independentes. Noivas, algumas casaram-se por Procuração enquanto outras desencadearam vontades de derrubar amarras em ultrapassar conceitos, mudar atitudes e tradições, apostando na mudança em decidir por si, valorizando-se, enveredaram na continuidade dos seus estudos,  na grande maioria era do domínio dos homens. Estando a sociedade em mutação constante, um dos grandes desafios das mulheres no mercado de trabalho baliza pela aposta maciça nas Faculdades, o fenómeno indicia que num futuro próximo as mulheres continuarão na sua ascensão a mais e melhores remunerados cargos de chefias nas mais diversas profissões. Imprescindível observar a mulher integrada na sociedade conquistando o espaço que merece, ajudando e participando na construção de um país sem descriminação, onde homens e mulheres se deveriam completar na procura de um bem-estar conjunto, fazendo força nessa união. Cargos de responsabilidade em empresas com histórico de homens no comando tem vindo a inverter-se, são cada vez mais mulheres que tem vindo a ocupar lugares de chefia e a alcançar o sucesso num mundo que sempre fora dos homens. As mulheres além de femininas, mulheres, mães, donas de casa, são na vida laboral um exemplo de profissionalismo, desempenho, criatividade, perspicácia, audácia, rigor e poder de iniciativa invejável, conseguindo coordenar várias tarefas em uníssono e executa-las com sucesso, por serem práticas. As mulheres têm conseguido enfrentar as adversas dificuldades, tendo em conta os preconceitos formais da sociedade machista que ainda vigora, mas todas as suas vitórias são uma conquista de abril com a implementação da democracia, não há profissões fechadas às mulheres. Viver em democracia é ter igualdade de direitos e respeitar os outros, sendo que muitos desses outros tenham culturas diferentes, não esquecer que somos todos humanos!

terça-feira, 16 de abril de 2013

Coimbra nos meus tempos de cachopa...

Foto para o meu 1º cartão da saúde, do Ministério da Justiça, com a franja cortada pela minha irmã em brincadeira de crianças a brincar aos cabeleireiros...
Euzinha em adolescente
Foto tirada em Coimbra com a minha querida mãe em julho 2010

Desde sempre visitei amiúde Coimbra -, a cidade onde nasci na companhia da minha mãe. Em véspera do início da escola fomos na carreira do Pereira Marques , ao passar a Cruz de Morouços, bem no alto aonde se começa a avistar o Mondego e a cidade, a  chegada da hora de começar a ouvir reparos e repreensões ...
  • ” se te portas mal em Coimbra, se te perdes de mim, se foges, se começas a pedir que queres isto e aquilo, a ponte vai cair quando a camioneta passar... “ grande trauma em tão tenra idade...
Café Nicola…onde se tomava o pequeno almoço, chegava-se o empregado  à mesa de bandeja  na mão e pano branco pelo braço, delicado perguntava ...
  • “e para a menina o que vai ser? ”… aqui pela primeira vez  bebi galão, abri um pacote de açúcar refinado, comi uma carcaça cozida em forno elétrico e saboreei uma pata de veado dividida por fio de canela...uma delícia de fofura!
Rua Ferreira Borges
Vendedor de loiça decorativa de Conímbriga e Coimbra… durante anos com estandarte na frente da porta sempre fechada nas escadinhas da igreja românica de S. Tiago , um hábito enfeirar -, a minha mãe comprava sempre alguma peça decorativa , fossem pratos vazados com quadras com a  graça da aba aos buraquinhos ou estatuetas de estudantes de Coimbra, cestinho e,...Ainda existem peças.

Igreja S. Tiago
Ao tempo a única loja de chinos... que conheci uma vida instalados numa minúscula cave de gaveto na Praça Velha -, grande desfile na rua de estandarte com as novidades de cintos, sacos, bijutaria, travessões, escovas, chapéus, carteiras, porta-moedas e, …  


Casa Jorge Mendes… onde a minha mãe comprava cortinados, lençóis, toalhas, tapeçarias, uma casa infindável com tudo do melhor na voga para o lar. 
  • Ao meio da manhã a correria para o sanitário público instalado ao meio das escadinhas entre a Praça Velha e a Rua Ferreira Borges. A empregada uma senhora obesa sentada na cadeira tirava o talão amarelinho, cobrava-se de cinco centavos. 
  • Corriam-se os bazares, as lojas de pronto a vestir, a de tecidos , vidros e loiças do Saul Morgado.
Serviço da minha mãe  comprado no Saul Morgado
Claro a visita ao cabeleireiro favorito da minha mãe o Sr Monteiro ainda a funcionar no 1º andar da Rua Ferreira Borges , não era inédito para mim -, já conhecia o Sr Franco do Pontão a pentear senhoras. Uma das manicuras era a mãe do Goucha. A minha mãe distinguia-o com a preferência do seu dom para a pentear, enquanto isso o ouvia dizer  em voz alta com satisfação  " D. Ricardina a senhora é dona de belo e bom cabelo cor d’oiro..." - prazer sentia ele em os moldar na efémera imitação dos penteados da moda que saiam nas capas de revista -, no caso iguais ao da Grace do Mónaco
Pior a minha sorte. Sofria na sala de lavagem de janelas de guilhotina para a Praça Velha com pombos a deambular em círculos que nada me ajudavam a voar... sentada sobre um monte de listas para encaixe da tenra cabecita no lavatório  as "lavadeiras de cabeças" -, mulheres feitas conversavam sobre a vida alheia umas com as outras, enquanto os seus instrumentos de trabalho "unhas de meio metro" dilaceravam a minha cabeçita em movimentos sucessivos de forte violência na esfrega copiosa (sujinha estaria, na altura a lavava com sabão azul e branco, a lavaria mal (? …) de tal forma que condoída de dores sem poder dizer nada, no tempo não tínhamos opinião...manifestava-me rebolando de um lado para o outro, havendo alturas que resvalava das listas...as ditas senhoras nunca se condoeram, perdidas que estavam com as conversas alheias e se esqueciam da criança de moleirinha mole…  "lixada e mal paga" ficava a minha cabeça de pele fina logo ali a rondar sangue… 


O Mercado D. Pedro V… sentir aquele buliço -, no entra e sai, um corrupio de gente. Adorava desfrutar o colorido da fruta, das abóboras, das hortaliças, do aligeirar das queijeiras do Rabaçal a tirar os panos de estoupa das canastras abarrotar de queijos frescos, meia cura e secos , de ver os alguidares com azeitonas de várias qualidades, ouvir os pregões das vendedeiras - "freguesa compre arrufadas acabadinhas de sair do forno", dos quiosques ao meio das escadarias com broinhas típicas de fruta cristalizada, do pão fino, mistura  e de centeio, pastéis de Tentúgal e de Santa Clara, dos cesteiros com vergas em vários tons, dos talhos em fila com a carne cortada como nunca antes enxergara -, tiras de entrecosto finas que nessa altura chamava costeleta, da boa "passarinha" assada na brasa -, contrapeso das iscas, dos cabritos com a ponta do rabo para caso de dúvidas do freguês… ainda as bancas de roupas e de flores e da praça do peixe -, da peixeira de Buarcos -, senhora alta, formosa de cabelo preto e pele alva igualzinha à minha avó Piedade que nenhuma irmã se parecia tanto com ela como aquela mulher!
  • Gostava do frenesim dos elétricos e dos tróleis na baixa, das tricanas de socas e aventais atados em grandes laçarotes com lenços pela cabeça, dos ardinas e dos estudantes engalanados de batina -, uns doutores , outros fudricas!
  • A caminho da farmácia Luciano e Matos onde sempre íamos comprar cremes, perfumes, e pirexs da América em cor laranja uma novidade.
  • Perdia-me a contemplar a Igreja de Santa Cruz ...sem perceber o porquê do desgaste da pedra do grande portal, anos mais tarde soube que se tratava de pedra de Ançã -, macia de fácil manuseamento que a maldita erosão não perdoa, no seu interior alberga o túmulo do Infante D. Henrique mandado construir pelo rei D Manuel I quando passou em Coimbra a caminho de Compostela em 1502, tal requinte do minucioso trabalho na pedra, almofadas, elmo, armadura, qual bordado na perfeição.
No tardoz o lindo Jardim da Manga fazia-me lembrar a charola do Convento de Cristo em Tomar de cariz romântico com os repuxos a imitar Conímbriga. 


Euzinha no Jardim da Manga


O “Portugal dos Pequenitos” onde fui tantas vezes com os meus pais para voltar com a minha filha. A entrada ladeada de pajens de trompete, no meu tempo fechada entrava-se na lateral da rua da Quinta das Lágrimas.
  • O que eu gostava de entrar nas casas pequeninas, enfiava a cabeça nas janelas com tabuinhas entrançadas verdes, a minha irmã atrás de mim imitava-me até ao dia que voltámos e mal cabíamos na porta - a alegria dos nossos pais na explicação da história de cada monumento nacional aqui reproduzido em miniatura, ainda pavilhões alusivos às províncias ultramarinas onde se apreciava as diferentes culturas do vasto território nacional e ultramarino. 
  • Jardim muito lindo, bem arquitetado numa obra de mestre onde funcionava o jardim-escola Dr. Bissaya Barreto forrado a azulejos com bonecos, frontaria em semicírculo quase na extrema com a Quinta das Lágrimas.

  • Coimbra a cidade maravilhosa dos amores de Pedro e Inês - único romance que devorei numa correria desenfreada -, verdade seja dita julgo por o texto  escrito em letras gordas fez que a leitura fosse rápida… 
Conheci a Quinta das Lágrimas em quase abandono, hoje revigorada em turismo chique e histórico. O mesmo com o Convento de Santa Clara a Velha muitos anos assoreado era incrível ver a terra ao  nível de altares...hoje de novo limpo e restaurado voltou a ter o brilho e fausto do tempo que a Rainha Santa Isabel o mandou edificar.


No tempo que trabalhei na cidade nas telecomunicações de Portugal como assalariada a prazo em 78 ficava com o coração apertado com o corropio de ambulâncias a caminho dos Hospitais da Universidade...num tempo sem telemóveis...
  • Um final de dia depois do trabalho de volta a casa passava por mim a de Ansião -,num impulso forte subi a correr a grande escadaria, sem fôlego cheguei às urgências, tinha sido um acidente com um rapaz da Sarzedela o Mercantil (?) lembro-me dele dos bailaricos...
  • Pior foi ao sair do hospital ver o aparato de gente atrapalhada junto de uma rapariga que estava no átrio em cadeira de rodas,  - a coitada tinha-se masturbado com uma garrafa, com o vácuo que se gerou -, a malvada não saia... ninguém se lembrou de a partir…(dizia por entre dentes um enfermeiro)...
  • Estupefacta nada sabia sobre masturbação, a primeira vez que ouvi o termo...desta forma tomei conhecimento de assuntos tabus que nunca antes tinha ouvido falar.
Boas as recordações ir de táxi do Sr. Estrela ao Calhavé na companhia da minha mãe, que aqui se dirigia a consultas de nome caricato “ Médico das doenças das Senhoras”...
  •  Adorava passar junto ao lindo “arco em “U” virado ao contrário defronte do estádio que hoje lamentavelmente não existe mais. 
  • O que eu gostava de percorrer o Jardim da Sereia, apreciar a cascata cheia de avencas e o ar fresco e sombrio que me reportava para o Buçaco ou Sintra. 
O Penedo da Saudade com vistas  sobre o Mondego onde os  penedos com versos escritos a negro de poetas portugueses fazem o encanto do lugar. 
Decorei um nesse tempo que reproduzi vezes sem conta nas fitas de finalistas de filhos de amigos...
  • Se recordar é reviver todo o nosso mal e nosso bem é vontade de ter toda a sorte que ninguém tem!
A minha primeira vez sozinha a Coimbra…aconteceu após a  inauguração da Estação de Correios em Ansião. O almoxarifado -, pelouro atribuído à D. Maria Augusta Morgado da limpeza e manutenção do mobiliário apresentava sinais de dificuldades em ter de se contratar uma empregada -, atenta ofereci-me para fazer a tarefa da limpeza depois das aulas no Externato até contratarem alguém.De ordenado recebia 1.980$00 para ajudar nas despesas da casa -, o meu pai falecido, a minha mãe não recebia reforma, tinha 16 anos vivíamos as 3 com o seu ordenado. 
Entristeceu-me na altura ouvir por entre dentes pessoas  comentarem..."coitada da cachopa a limpar o correio" ora essa, coitadas elas que o falavam da boca para fora, desde quando trabalhar era desonra? Que eu saiba o trabalho nunca fez mal a ninguém, muito menos a mim e à minha irmã que de tudo em casa e na agricultura nos empenhamos em aprender e fazer, pelos vistos teimamos continuar!


Foram três meses, no último a minha mãe deu-me 20$00 o que perfez dois contos -, com a minha "pequena fortuna" na mão decidi ir sozinha pela primeira vez a Coimbra na camioneta do Pereira Marques. Embarquei na vila numa segunda-feira com o Toino “Tarouca” a atazanar-me a cabeça, andava na altura no quartel de Santa Clara na tropa, também quem era passageira -, a Fátima sobrinha da Isaura “Reala” que se sentou ao lado dele numa de conversa de disputa de interesse em o namoriscar … aquela era esperta enganou-me bem...
Comprei lembranças para todos, ainda me fascinei na  loja de novidades e bijutarias dos chinos onde comprei um cinto branco para a minha irmã e para mim uma fita para o cabelo , na loja da frente comprei umas botas de camurça e na Briosa saquinhos de bombons para a minha mãe e prima Isabelinha que adorava, na altura dava-me explicações de francês.
  •  Bom foi sentir dinheiro no bolso, ser livre para viver um dia de recordações inesquecível em Coimbra na minha primeira vez... sei podia ter aproveitado melhor se tivesse aceite o convite...que declinei!
Gosto de entrar em tabernas ou tascas ainda tradicionais engalanadas à antiga com o ramo de loureiro a chamar a freguesia para comer uma boa  sandes de leitoa .
Nesta numa viela estreita da baixa Coimbrã.
    Taberna ou tasca em Coimbra
Chego sempre a COIMBRA morta de saudades e parto com desejo de voltar para ver de novo o Mondego , as ruas e vielas, a arquitetura, a torre da cabra, a muralha, reviver lembranças dos meus tempos de cachopa...amo Coimbra!
  • Boa terra para se  namorar... sempre assim dela se escreveu. 
  • No dia que aqui fiz o exame do 5º ano fui abordada por uma cigana na ponte que me leu a sina, disse que casaria com um Luís...acertou pois ainda não o conhecia e à minha amiga Fernanda Carvalho da Sarzedela também acertou com o marido Bernardino!
Sinto a cada dia menos gente na cidade e disso tenho muita pena!


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