Crónica publicada no Jornal Serras de Ansião em setembro de 2025
O vulgo mosteiro, no Vale Mosteiro, foi um habitat romano classificado em 2010 , cujo complexo ruinal foi reutilizado em época medieval. A crer, entre o Foral de Penela de 1137 e 1139 da batalha de Ourique como morada de germânicos que raziam bagagem globalizada europeia; Pedro Mendes e Osório Rodrigues , dois de entre quatro vendedores das suas parcelas ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, que constituiu a herdade de Ansião. A crer, os mentores do esmoliadouro, evidente em 1175 numa das escrituras, integrou o apoio caritativo no hospital peregrino que ali incrementaram, jus à etimologia misericórdia, do latim; miser – infeliz, triste, aquele que sofre e misericors (cordis), o que é sensível à compaixão por quem sofre. No apelo ao espírito peregrino na rota do Caminho de Santiago de Compostela, a fé ao Santo espanhol S. Lourenço, cuja imagem de pedra, jaz na capela do cemitério, sem glória. Pese agraciado na toponímia e vivo na feira a 10 de agosto jus ao provérbio; o cesteiro que faz um cesto faz um cento, assim tenha verga e tempo!
S. Lourenço

Lástima a perda ou estarão anexadas a outra terra , as Memorias Paroquiais de 1758 de Ansião, pelo que nada se sabe sobre a Feira de S. Lourenço ou dos poceiros. Aventa vir dos finais da centúria de 600, se atender às feiras francas da Constantina em franca concorrência à vila.
Pois temos de nos valer nos concelhos limítrofes, para mais entender. Encontrei em ANTT – Memórias Paroquiais: Dicionário Geográfico do Padre Luís Cardoso, vol. 34, n.º 133, pp. 964- 965. da vila de Cernache em 1758 da feira de S. Lourenço com vendedores dos termos vizinhos, auspicia alguns de Ansião, que lhe fica a sul; “hũa quasi feyra realizada no dia de S. Lourenço, que somente consta de sal, posseyros de vimes, e verguas de salgueyro para as vendimas, e pas de pao de amieyro e encinhos, para alimpar, e ajuntar os trigos, e milhos nas eyras, e alguns poucos belforinheyros com suas tendinhas, e muytos tremoços; de sorte que o principal he o sal, que ha em muyta abundância, he somente pagam de medidas hum vintém cada carro”. A informação coeva mostra-se incompleta ao topónimo que nessa altura a sua grafia era Sernache dos Alhos, por ser grande produtor de alhos e cebolas onde aportavam mercadores nacionais e do estrangeiro. Cebolas assadas foi alimento do exército de D. Afonso Henriques na batalha de Ourique, só por isso a batalha jamais foi travada no baixo Alentejo em Ourique, onde não havia cebolas… A probabilidade mais assertiva é ter sido travada entre a Vala de Ourique em Soure, e Chão de Ourique em Penela.
Hoje a feira de Cernache, julgo perdida, apenas resiste a de Celorico da Beira, em Trancoso, e a de Ansião a 10 de agosto, em dia de S. Lourenço, por altura das Festas do Povo, o certame decorria na rua de S. Lourenço e depois na Avª Vitor Faveiro com estaminés de cesteiros prostrados no chão. Panóplia de estilos e tamanhos; cestos para as vindimas de vários feitios, cestas de mão, cabazes, cestas de costura, fruteiras, garrafões empalhados, cangalhas e seirões onde não faltavam também os característicos da região feitos em cana. O meu bisavô Elias do Alto, a recordação que tenho dele num sábado em cima do almoço de o ver no seu passo lento vindo da Praça do Peixe a descer a rua a caminho de casa , com a cesta de cana na mão com a sardinha. A feira é testemunho da tradição de trabalhar o vime, perdida a arte das canastras (muito viva em Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, e também foi em Ansião, trazida de Espanha, pelos judeus, ainda viva no sul em Mijas e outras terras, como penduram os vasos nas paredes, já entre nós perdida, e nos piais que foram poiso de penicos, agora ornados a vasos de sardinheiras de folha rendilhada.
Ansião e a tradição da cestaria
Um dos meus oratórios
Mantêm-se a tradição de trabalhar o vime branco e bicolor na Torre de Vale de Todos


Presente o stand na última feira de S. Lourenço de 2025.
Pedi autorização para publicar a foto com o Dr. Jorge Fernandes publicada no Facebook, de certa forma foi entusiasmado pelo meu post;
A propósito do post da Maria Isabel Coimbra, que tão bem relembra um pouco da história da cestaria em Ansião e do artesão Paulino Costa (aqui a foto antiga, retirada desse post), senti vontade de publicar uma foto das Festas do Concelho, onde estive na feira dos poceiros, ou como nós, em criança lhe chamávamos, os "peceeiros". Nesta foto até parece que estou a dar uma lição de cestaria… mas não! Apesar de ter visto muitas vezes o "Ti Zé Mau" a fazer os seus "peceeiros", nunca lhe prestei atenção suficiente para aprender. Na verdade, estava apenas a perguntar aos presentes se sabiam o que era um poceiro ou um peceeiro… e não eram muitos os que sabiam.
Felizmente, a Acr Tvt - Associação Cultural e Recreativa da Torre de Vale Todos, tem feito um trabalho notável em preservar esta arte que é nossa. Uma arte que não pode desaparecer, porque a nossa história é a nossa maior riqueza.
Obrigado à autora pela partilha da foto e da memória.
Parabéns a todos os que mantêm viva esta tradição!Lembro os poceiros grandes usados nas vindimas, ao encher algumas vezes se tornavam pesados por ficarem molhados com o mosto, havia quem os usasse para carregar o estrume à cabeça e outras tarefas.
Cestaria de cana pela artesã Flor, da Bairrada.
Alguns exemplares diversos
Herdei na Mouta Redonda uma cesta oval em vime branco de levar piqueniques para a Nexebra.
Perdida a arte e o artesão das canastras com aparas de pinho.
Cabazes com muita viagem na carreira do Pereira Marques para Lisboa...
O Ti Paulino Costa, de Barcelos
Aportado nos anos 30, do séc. XX, montou oficina com ajudantes no Bairro de Santo António .
Fazia obras de verga branca; cadeiras, mesas, poceiras redondas e ovais, cabanejos e seirões.
Cortesia de duas fotos cedidas pela Elisa, a sua neta do Bairro de Santo António
O Ti Paulino Costa e a sua filha Teresa, mãe da minha querida amiga Rosalina, que vive em Barcelos. A tenda no mercado na vilaArte da cestaria da Torre de Vale de Todos
Em Ansião, as vendedeiras no tempo da minha avó Piedade Cruz até anos 50 do séc. XX andavam de cestas de verga branca à cabeça , como a Ti Angelina de Albarrol, recentemente falecida, até o meu pai e tio Chico, fazerem a venda de pão de bicicleta pasteleira, em cestões, antes de irem para o colégio.
Em Aquém da Ponte
O atelier de cestaria acoberto num modesto telheiro do “Ti Zé mau”, sem paredes, onde o dia se via por todos os lados, castiço, em telha vã antes da Ponte da Cal...Onde o via sentado num tripé e tanta vez na demolha do vime amarelo num poço ou a retirar para o trabalhar. O seu filho guarda exemplares, mas não tenho foto. Cachopos sem pescaria no Nabão petiscavam caracoletas assadas na companhia do mestre. A paixão pelo vime foi enraizada pelo meu pai que lhe encomendou duas cestinhas minúsculas. Estreia com azeitona para retalhar aos 8 anos pelo Natal com a minha irmã. A súbita mudança do tempo levou-nos ao abrigo no vulgo mosteiro, por um portal quebrado sob passadeira de lajes brancas. Fora a morada do Miguel e da esposa que um incêndio ditou imigração para o Brasil. Num canto havia uma pia de água benta e uma Cruz alta de pedra, perspetiva uma nova luz que nos dita que não foi inicialmente palco de uma capela, e sim, o sítio do primeiro hospital com oratório a S. Lourenço, a prestar apoio e socorro caritativo à pobreza peregrina em Ansião.
Como cheguei a esta conclusão? Pelo levantamento do territorial Ladeia que premiou Ansião com caminhos que foram reutilizados pelos romanos e em época medieval. Antes da nacionalidade, a região a nascente, teve três mosteiros: Pera, Alge e Murta, como hospitais no apoio à pobreza peregrina nas rotas de Roma, Terra Santa e de Santiago de Compostela. Só temos informação de hospitais para a Sertã, onde pelo menos foi implantado um antes da nacionalidade por germânicos, o que galvaniza grandemente em Ansião ter sido aposta de um, cujo mérito deu origem ao seu topónimo .