sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O meu tempo de escola primária em Ansião!

A minha escola primária na vila de Ansião-, curiosamente conheci as quatro salas...

Decorria o ano de 1964 que se acabou o bem bom da brincadeira com o seu início ...
No primeiro dia fui levada pela minha mãe, ao dobrar a esquina da casa do Dr. Silveira reparei no lindo varandim com bancos de pedra implantados no mural encimados por gracioso suporte em ferro da trepadeiras -, um refúgio bucólico onde nunca vi ninguém a desfrutar de tão lindo recanto -, ao baixar o olhar dei de caras com o carro preto do Prof. Albino Simões no estacionamento privado, aqui todos os dias no mesmo sítio debaixo da árvore em cima da calçada -, certo a enorme alegria quando não o via, mais sortudos os rapazes não tinham aulas...
Aqui entrei e sai vezes sem conta
Entrei ao portão de ferro, não me lembro se ia alegre ou feliz por ir para a escola, talvez não me sentisse muito à vontade por ser tímida, para o envergonhadito. O carreiro em terra batida até ao recreio, só de raparigas, ao fundo havia um pequeno telheiro e duas portas, entrei numa delas, ao rebate logo se abria uma sala de entrada ao lado desta outra privada, ao fundo a sala de aulas com três grandes janelas viradas a nascente para a rua principal
A minha mãe deixou-me com recomendações à senhora contínua D. Fernanda. Ao bater das palmas fomos entrando em fila indiana, as tábuas corridas gastas cheiravam a velho, nas paredes caiadas havia mapas de todos os tamanhos , dois grandes quadros de ardósia preta debruados a madeira e na calha paus de giz e a esponja. Em cada sala havia um fogão a lenha em ferro redondo com pezinhos, ao tempo nunca vi nenhum funcionar enquanto frequentei a escola -, estragados de canos cor de prata desencaixados. 

Ao canto da sala havia uma solitária secretária, numa das gavetas guardava-se a régua grossa de madeira para aplicar os castigos aos alunos,- apanhei várias vezes, as mãos ficavam brutalmente vermelhas e dormentes. De encosto à quina da parede ao lado dos quadros jaziam de pé as canas da Índia, altas e grossas, reluzentes de ser manuseadas, cheias de nós -, tantas levei cabeça abaixo em constantes viradas de meia roda... 

Na parede do quadro ao centro havia um crucifixo, ladeado por fotografias, uma do Dr. António Salazar e outra do Almirante Américo Tomás.

Na 1ª classe na sala todas pequenitas, acabrunhadas, olhar assustado, cheias de medos...seria a minha primeira Prof a D. Laura Simões -, infelizmente para mim não guardo gratas recordações, chumbou-me, com ela andei até à 2ª classe. Senhora de cariz conservador, britânica no vestir, tinha o seu quê de austera, fria e platónica. Levava nas mãos uma pasta em cabedal comprada no bazar em Coimbra em frente à vidraria do Saúl.

No ano seguinte apesar de ter chumbado estreei nova pasta estampada em plástico, moderna em tons de azul, a de cabedal ofereci às cachopas da Maria José , a " Ilhoa" do Casal das Peras -, lindas moçoilas a Amália e a gémea Eulália.

A maioria das minhas colegas usavam sacolas de chita fechadas com um botão, olhavam para mim de lado... Na pasta levava o livro de leitura, ardósia, lápis de carvão, lápis de cor e cadernos de 3$50 e 5$00, algumas colegas tiravam da sacola cadernos finos de $50. 

Senti nos seus olhares a tristeza de não terem cadernos iguais aos meus, o que fez nascer em mim uma incrível vontade de as ajudar. A ideia surgiu na minha cabeça, logo a pus em marcha, rebuscar os bolsos dos casacos do meu pai enquanto dormia -, sempre encontrei moedas e com elas comprei cadernos iguais aos meus na papelaria da D. Arminda em frente ao Correio velho, também cheguei a pagar a quota do rádio escolar a um ou dois, tal a insistência do Prof. Albino Simões,semanalmente fartava-se de chamar a atenção a alguns, pelo incumprimento. 

Tenho a sensação de que nunca me disseram obrigado..."sorte a minha que também não me lembro mais dos seus nomes". 

Um dia a turma mista, não me lembro mais se o seria, ou por falta do marido juntou as turmas, o Nuno filho do Dr. Juiz chamado ao quadro e assustado com a voz altiva da Professora perdeu o controlo e num descuido urinou-se pernas abaixo...o pleonasmo é obrigatório para dar ênfase ao sucedido -, lindos calções aos quadradinhos repassados, pior o lago aos pés no chão da sala... imagem deprimente que permaneceu na minha cabeça durante anos a fio. 

Não era permitido ir à casa de banho fora do intervalo das onze horas. As carteiras de madeira e banco de ripas, ainda se fazia uso da tábua em ardósia para fazer contas, sempre pronta a utilizar depois de passar o trapo de pano que se pendurava num suporte em viés pregado abaixo do tampo. O que me marcou mais-, o temor, assustada e nervosa também ficava com vontade de ir à casa de banho, a Professora recusava, quando não aguentava mais a pressão, fazia chichi aos pinguinhos no banco, e com o trapo da ardósia limpava, tal memória afetou-me, apesar de sozinha ter aprendido a desenrascar-me. 

Reconheço que na altura tinha alguma dificuldade de aprendizagem tal qual alguns cérebros que reza a história - seria o método conservador, rígido, implacável envolto em medos, sei que nunca fui capaz de aprender a raciocinar, a refletir, a pensar .

Em casa o ambiente também não era nada acolhedor, não abonava a favor, pouco aplicada nos estudos por falta de incitação.Um dia estava à lareira com o meu pai quis testar se fazia contas na 1ª classe, não fui capaz, enervou-se, deu-me uma bofetada, rebolei fiquei entalada debaixo do suporte do fogão de esmalte branco tipo mesinha. 

A única mensagem de valor que me recordo do meu pai -, a sua preocupação em não tirar nada a ninguém, quando se lembrava de rebuscar a pasta e via alguma coisa que sabia não ser minha, obrigava-me a ir de imediato entregar. Passei autênticas vergonhas, serviu-me de lição.Detestava o sanitário de cheiro nauseabundo, inóspito, escuso, deprimente, tosco em cimento, sem autoclismo, ao fundo do recreio com porta de madeira sem janela, trinco relaxado, um buraco. Até a contínua D. Fernanda tinha um semblante austero e imponente na sua bata azul, mais parecia uma guarda republicana, só lhe faltava o cinturão com o crachá, seria por não sorrir? Por isso talvez a semelhança!

Posto que ao tempo funcionava neste solar no 1º andar , sendo que no r/c ao portão era a oficina de irmãos que tratavam de bicicletas...

Os recreios…
Havia o das meninas e dos meninos, ao tempo separados por muro alto e uma porta, eram de terra batida. Faziam a delícia das muitas brincadeiras e dos jogos. 
Os rapazes brincavam à Barra. 
As raparigas: Saltar ao Elástico; Jogar à Parda; Reis e Rainhas; Macaca; Cabra Cega; Saltar à Corda; Jogar ao Lenço e muitos outros. 
No alpendre baloiçávamos nos pilares de madeira para deslumbre de ver quem tinha a renda da combinação mais bonita, a da Inês filha do Dr. Juiz em bordado inglês...As aulas terminavam às 3,30. Aos portões os cachopos dividiam-se em direções diferentes a caminho de casa: Além da Ponte; Moinho das Moitas; Salgueiro; Casal S. Braz; das Sousas; Casal Viegas; Empiados; Carrascoso; Garriasa; Cimo da Rua; Casal das Peras; Escampados; Bairro de Santo António; Carvalhal; Pinhal...a minha comandita parava na mercearia do Carlos Antunes para comprar rebuçados com a mania das cadernetas de cromos que muitos de nós gostávamos de fazer, os rapazes faziam a dos jogadores de futebol. Ainda se compravam pastilhas em feitio de moedas douradas, pela estrada acima a desembrulhar papelinhos em grupo, uns inocentes a cantarolar ...quando aparecia o arco-íris, entoávamos a cantilena: " A chover e a fazer sol, as bruxas em Albarrol a fazerem uma camisa para o compadre caracol"…No tempo invernal a bem dizer ia de outubro a maio com temperaturas negativas durante a noite e geada de manhãzinha, ao sair à porta da cozinha, o quintal, o adro da capela, tudo o que a minha vista alcançasse era um infinito manto branco, a água do tanque dura, tal a grossura da capa de gelo...adorava pressentir os estalitos da geada a quebrarem debaixo dos meus pés na ida à padaria dos avós buscar o pão quentinho, ia e vinha pulando nas mesmas pegadas que repetia de novo a caminho da escola para poupar as botitas de cabedal. Dias de chuva a somar a semanas de intempérie, trovões e relâmpagos sem um aconchego na escola. Ao chegar à fonte do Ribeiro da Vide de olho na minha casa em primeira linha, da alta chaminé saia fumo indiciava que a minha mãe antes de ir trabalhar o deixara aceso, muitas vezes a cozer "feijão da velha" enchidos, e ossos do espinhaço para roer e chupar presos nas mãos ao jantar, na cama da cinza quente amornava o café de cevada acabadinho de fazer, na bancada a costeleta de porco com sal para grelhar no brasido...que cheirinho e sabor da boa carne de porco… 

Quem também não me deixou alegrias na escola? A Prof. Armanda Oliveira, senhora altiva de colo esbelto, cabelo estufado, vestia lindas meias de vidro que lhe conferiam umas pernas de invejar. Senhora de cariz austero passava quase todo o tempo à janela a olhar, seria a pensar ou sonhar...

Vá lá saber-se o seu pensar de encosto à cana-da-índia verdejava num rodopio pelas cabeças das alunas. De tanto me puxar as orelhas ,que rasgou ,- então não usava os brincos pesados de oiro branco da minha mãe, ainda hoje tenho lembranças desse triste passado quando amiúde perco brincos, tal o tamanho do rasgo …

Dúvidas que não via esclarecidas…Adorava atazanar a minha mãe todos os santos dias na porta da cozinha -, caso de me querer bater poder fugir -, lia num tom muito alto o texto do livro da 3ª classe "enquanto a bichana dormia" por desconhecer que assim se chamava à gatinha, termo ouvido no ar associado a malandrice em conversas de intimidades nas noites de inverno ao lume entre os meus pais e amigos ,entre eles, o Albertino e o irmão Emídio Murtinho na altura solteiros deslumbrados com as raparigas bonitas vindas trabalhar para a fábrica…de ouvir dizer ao meu pai que a mioleira fazia muito bem à inteligência e, por não a comerem alguns…"eram burros todos os dias" dizia ele também que a doutrina obrigava a decorar umas " porras, as bem-aventuranças, não percebia para o que serviam"… 

Meu colega de escola…fulgor ainda hoje de ter sido colega do meu bom amigo Dr. Manuel Dias do Lugar de Manguinhas na vereda entre o Casal de S. Brás e o Viegas, por várias vezes lado a lado (aos Sábados de manhã, na rádio escolar!) .Ele foi sempre aluno do Prof. Albino Simões ao tempo Presidente da Câmara. Quando ele faltava iam todos para a D.ª Laura a minha Professora, que não gostava muito dele chamava-lhe o "mimo do caco!". O marido, ao contrário, adorava-me (salvo seja!) os seus colegas levavam tareia de meia-noite (ele partiu sei lá quantas réguas de metro no corpo daqueles mártires; quando não sabiam as contas agarrava-os em peso pelas orelhas e batia-lhes várias vezes com a cabeça nos quadros de lousa, talvez "pensando" que assim as regras matemáticas entrassem melhor no cérebro dos seus alunos; outras vezes dava-lhes tamanha chapada, que com a mão esquerda tinha que parar o impacto do castigo, se não os alunos até voavam para o outro lado da sala! 
No caso, o bom Manel ao contrário, recebia 1 tostão e 2 tostões para ir ao Alberto Melado comprar rebuçados para ele, como prémio das suas contas sempre bem feitas, das leituras e escritas sempre modelares. Assim, ele chupava rebuçados e os outros tanta tareia, o que o incomodava profundamente. Talvez por se dizer bem dele à esposa (que era professora das suas irmãs e elas tinham dificuldades na aprendizagem), é que ela o titulava assim, quando o via, pelas mãos de sua mãe. 

Ao sábado de manhã ...ouvia-se o rádio escolar na sala dos rapazes, uma perdição partilhar a sala naqueles instantes... havia um lindo rapaz de olhar lânguido em verde quão lago de nenúfares a raiar ao sol... não parei nem descansei enquanto não descobri o nome dele completo - António Manuel ..... para jogar o "Pancaios"... jogo singelo depois de subtraídas as letras iguais do meu e do nome dele, as restantes contavam-se... ao resultado aplicava-se a tabela da frase chave: 
P -Paixão; A -Amizade ; N -Namoro; C -Casamento; A -Amor; I -Inveja; O-Ódio; S -Simpatia.
Brincadeiras de cachopos a pensar em namoricos.... Lembrança nunca esquece
Foto com a turma e a professora, sou a segunda a contar da esquerda.

Episódio passado na 4ª classe com a Professora vinda de fora -, Maria do Nascimento que entendeu não me propor a exame, disse-mo numa 6ª feira. Mal chegada a casa não me contive e contei ao meu pai que destroçado com o segundo chumbo, tentou abrandar a minha tristeza confortou-me " na segunda-feira vou falar com a Professora pedir-lhe para te propor a exame" prometido devido foi comigo, porém nada havia a fazer, já tinha sido enviada a listagem com os nomes das alunas para Leiria, desculpa esfarrapada da Professora sem antes desafiar no conselho o meu pai que eu deveria acompanhar as colegas nas revisões suplementares que iria fazer . Gesto que acedi. As explicações decorreram a céu aberto no jardim do solar da D. Maria Amélia Rego junto ao lago, sentadas num banco em pedra circular junto da pérgula ladeada de trepadeiras. A perpetuar esse momento a foto na Mata Municipal, abraçadas com a Professora ao meio, Augusta Murtinho, "Irene dos Burros", Alice Tomé, Fátima e Lucília do Casal S. Brás numa clareira de seculares carvalhos. 

Jamais esqueci as palavras da Professora! " Isabel sinto muita pena de não a ter proposto a exame, afinal a menina está bem mais preparada do que as suas colegas"…

Sendo por natureza tímida, reservada, corava por tudo e por nada, não falava, ficava quietinha no meu canto, foi preciso crescer para sentir o peso da perda, da derrota na minha vida e com isso tenha desabrochado -, acabei por revelar um saber que antes nunca o tinha assim conseguido! 

Sinto uma nostalgia em reconhecer que nunca fui compreendida, acompanhada devidamente, nunca nenhuma professora soube despertar em mim a vontade e o gosto de aprender, esse dom maior que é o prazer de saber, percalço maior que resultou de forma negativa na minha caminhada académica.

Todas as Professoras que me acompanharam durante seis anos - tempo que durou a minha primária, revelavam temperamentos muito autoritários, discursos de distância, frios na sua relação com os alunos, - inevitavelmente comigo. 

Também em nada ajudou a rotina de fazer os trabalhos de casa, a minha mãe fazia-os por mim - o grande erro, na vez de me ensinar a estudar, a perceber, desajudou na minha escolaridade que continuou no colégio nas disciplinas de francês e inglês.Ainda se diz que é uma mais-valia os pais ter estudos para ajudar os filhos, será que concordo? Não fez por mal, uma boa forma de colmatar o tempo vazio nas noites de turno no Correio velho. Adorava fazer as redações, assim chamadas na altura.

O que os genes nos transmitiram?
O prazer da escrita na mesma feição, sentimental - também à minha filha, porque a minha irmã, saiu ao meu pai mais dada à poesia , no seu tempo de menina e moça comprou um livro de razão usado nas mercearias para apontar as dívidas da clientela,onde escreveu os seus versos, sorte que o guardei…contudo tinha uma caixa de madeira esculpida em retângulo - julgo foi da prima Júlia – viveu com ela anos até se estragar, onde guardava segredos. Gosta de caixas, gosta!

O que aprendi na escola?
Pouco, francamente lamento dizer que o mal foi para mim - sem bases, os estudos ficaram pela metade, poderia se quisesse, mas não me apetece estudar, gosto mais de conversar…
Foram seis anos. Infelizmente para mim chumbei na 1ª e 4ª classe.
Conheci as quatro salas, todas diferentes, todas iguais!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Externato António Soares Barbosa no meu tempo!

Pintura do Dr Filipe Antunes 
Vista de norte da Rua Dr Adriano Rego a caminho do Externato António Soares Barbosa
Solar onde se supõe nasceram os Soares Barbosa 
Em 2020 requalificado

O Externato funcionou primeiro no Largo Adolfo Figueiredo
Fundado em 1941, na casa de Pedro Veiga  - predio ao gaveto com o adro, com entrada ao portão, que ainda existe,  hoje de herdeiros de Porfirio Monteiro onde foi fundado o colégio e estudaram os meus pais e depois se mudaram para completar o 5º ano.



Por fim o Externato mudou-se para o solar 

Decorria o ano de 1972/73 quando entrei no Externato António Soares Barbosa em Ansião. No meu tempo o diretor era ao tempo o Dr. Silveira.
Foto com o Dr Silveira e a esposa na frente do carro alegórico
A minha vontade de ir estudar para o colégio era grande, poder usar bata azul às preguinhas vincadas, julgava eu poder conviver com os rapazes que eram muitos e giros... Estava enganada, os recreios eram separados!
Carrinha do Externato António Soares Barbosa o motorista  Alberto Lucas de Pousaflores, meu tio
Julgo de 66, retirei a foto de uma partilha no facebook
66 colegio de ansião maria armanda neves, maria santos lamport-stokes, fernando alberto caetano, fernanda oliveira,jose garrido lopes, pedro silva, fernando silva Agostinho, falecidi
Cortesia Joao Patrício

Cortesia da Suzete ao permitir a partilha pela Odete Antunes na página do Facebook dos antigos colegas do Externato
Na foto: Eugénia Nunes, Suzete, São Vicente, Silvina, Emília de Almoster, eu e Odete do Marquinho.
Sentadas no banco defronte da capela que ainda não tinha sido remodelada, tendo-lhe sido retirado os bancos de pedra ocos que tinha na frontaria, portanto antes de 1965 (?).
Só reconheci o local pela casa feita para o casamento da prima São do balanço do poço e o muro de pedra no seguimento para a casa dos meus pais a nascente.

Fachada do solar  que foi da família do Conselheiro António José da Silva
Painel que hoje existe na lateral do edifício monstruoso, a descaraterizar a zona histórica da vila
Por último onde funcionava o Externato, a parte a poente para o quintal, o recreio dos rapazes onde fizeram as casas de banho a norte e o jardim era subido com escadinha, a nascente, tinha poço e árvores.
Depois do 25 de abril  a má decisão da sua demolição para a construção de um prédio quadrado de varandas... desenquadrado na história da vila...
Despertava em mim e neles a adolescência. Recém chegada ao Externato deparei-me com novas modas-, uma delas um inquérito num caderno com perguntas para darmos a nossa resposta sobre "Intimidades" ...De manhã lembro-me dos rapazes chegarem na carrinha vindos das aldeias distantes, em particular do Carlos Gomes do Vale da Couda -, rapaz giro ornado de cabelos escorridos para o compridote que lhe conferiam um ar de atrevido, hoje diretor na Polícia Judiciária teimava que acabaria com o meu namoro em dois tempos...Muito gostavam eles de estarem à porta defronte da grande escadaria em meia lua de pedra à espera das miúdas, no caso de me "inspecionar" se tinha usado as pinturas da minha mãe -, nada percebiam, só queriam certezas se as pestanas bonitas e fortes eram minhas , pois usava o rímel da minha mãe...
Chegava de bicicleta com a minha mini-saia a esvoaçar com a brisa matinal.
O Arménio fazia espera por mim à porta da sapataria do amigo Sá...O problema é que não estudava nada, tal o enamoramento que por ele sentia, na matemática nos testes não passava dos dois valores. A português a coisa também estava preta, embora melhor. Mesmo assim, decidi falsificar a assinatura do meu pai. A tarefa correu-me mal, a assinatura do meu pai elaborada de arco de volta perfeita com remate minucioso...Quis o raça da mão a pensar no namoro tremer a fugir do papel químico azul que trouxera do correio. A Prof.Ilda conservadora, de cariz inglês, austera, altiva e platónica exigiu logo ali naquele instante outra assinatura do meu pai.Em plena aula mando-me sair para ir ao Tribunal ... atrapalhada, difícil era engendrar forma airosa de sair daquela cena. Na rua vi que os funcionários estavam todos à conversa na Placa ( assim se passou a chamar o terreiro onde outrora estivera o Pelourinho, dai mudado -, foi calcetado à portuguesa em 1937 defronte dos Paços de concelho o antigo solar dos Menezes, donos da vila ) todos queimando os últimos cartuchos antes de voltarem ao trabalho da parte da tarde.Como se nada fosse, com aquele arzinho de boazinha disse "paizinho a Dra. Ilda quer que assine novamente a prova..."Mal será dizer que levei logo diante do Cascão e do Zé Carlos uma tremenda bofetada, e recado,- para o ano seguinte iria estudar para um colégio religioso.
Mas antes ainda tinha de fazer exame em Pombal.No dia previsto da reunião de Professores para decidirem quais os alunos propostos a exame -,eu sabia que não reunia as condições, habituada a chumbos e a perder por estar calada, decidi intervir a meu abono.
Afoita, telefonei à minha mãe, pedi-lhe que telefonasse ao Dr. Silveira, diretor do Externato, para me propor a exame. Assim foi, coitado de quem é mãe.
No dia seguinte para meu espanto na vitrine estava o meu nome proposto a todas as disciplinas, enquanto o de outros melhores do que eu, tinham à perna um chumbo a matemática às costas, uma injustiça!Recordo o Dr Cardoso o Prof de matemática que achincalhava alguns alunos-, aos gémeos Rui e Rogério de Chão de Couce usavam óculos de lentes grossas os apelidava de "co-natos" e a outros "cavalgadura"!
No átrio da Escola Secundária de Pombal recordo o Dr. Silveira
Homem alto de cabelo esbranquiçado que alcunhei "estepe russa"
Ficou célebre a pergunta " oh piquena sabes o que é a Républica?"
...Res -coisa - publica – de todos… Risada geral!
Foto na Mata? Estou vestida de cambursine castanha
Foto no recreio das meninas
Geração anterior à minha
Alguns que conheci, à esquerda, de óculos a Robetina, conhecida por Tina morava ao cimo do meu quintal, e a outra com ar de regila também de óculos a Celeste Marques da Sarzedela e com boas parecenças a minha prima Helena Freire da vila e a Odete do Moinho das Moutas a rir, o Amândio, filho do correeiro e a linda Manuela Franco.Outros conheço de vista, mas não associo aos nomes.
A minha prima Célinha Fonseca, a Manuela Franco e a Odete muito giras, modernas,o Freire de Albarrol em cenário com mobiliário Art Déco, na peça de teatro, não sei se no Ensaio?



Olha a minha querida mana 
Jamais fotogénica, embora mui gira com os seus belos cabelos negros lisos brilhantes asa de corvo , resquícios da nossa origem fenícia por parte paterna, em  corte à tigela...

Em Pombal fui fazer o exame do ciclo.A prova de matemática apenas a preenchi, seguindo esquematicamente os itens solicitados, deixando o espaço em branco para as respostas e cálculos. Quando faltavam os últimos 15 minutos para a prova acabar tive uma saída brutal pedi o rascunho à colega da frente,  mal conhecia, a Isabel Manguinhas da Sarzedela, trabalhava na CUF tirava o ciclo à noite para poder trabalhar nos escritórios.Naquele tempo havia uma carteira de intervalo entre os alunos a fazer exame e três professoras de cara fria à nossa frente ao jus de guardas da GNR.
Incrível ninguém viu,  deu-me o rascunho e copiei tudo o que pude como pude em flecha e dentro do tempo.Uns dias mais tarde, ainda me lembro que era segunda feira, a minha mãe tinha ido fazer o turno da meia-noite nos correios, ficamos em casa muito pelo concurso Jogo do Galo com o Artur Agostinho.Toca o telefone, o meu pai atende  era o padre Filipe Antunes ao vir de Coimbra lembrou-se de passar por Pombal para ver se as notas já estavam afixadas nas pautas, trazia novidades. Parabenizava o meu pai por eu ter dispensado às orais, uma coisa impensável, só possível tal o esforço surpreendeste no final de ano...Diziam, logo eu que nunca seria proposta a exame, se não copiasse tal nunca teria acontecido, até tinha dispensado...Obra de mestre!
Mais tarde agradeci o grande gesto de hombridade à Isabel numa festas em Ansião. Graças ao gesto avulso, grátis, e amigo sem ser minha amiga  a me dar o passaporte para continuar a estudar na altura apesar dos atropelos tirar o 5º ano. A notícia foi recebida em muita alegria o meu pai abriu um garrafa Lágrima de Cristo, debalde  a minha irmã ficou indisposta , o Porto caiu-lhe mal, fartou-se de vomitar...atrás dela andei com a pá em chapa e vassoura a limpar o chão da casa. Esteve mais de 20 anos sem beber Porto, ainda hoje julgo não lhe toca...
Olhos d'Água com a minha turma do 5º ano
Euzinha em baixo vestida de cambursina xadrez
Por denuncia da Prof de Português a D. Ilda, o meu pai decidiu que era melhor para mim eu sair do Externato pelo ambiente de namoro ( apelando às suas culpas do passado quando conheceu a minha mãe que engravidou de mim, e o curso de engenharia não passou da matricula).Tive de aceitar sem resignação o colégio religioso de orago a Maria Auxiliadora no Monte Estoril!
Hino do Externato António Soares Barbosa  
Autor: Dr. Filipe Santos

Lançados na vida, que é mar tenebroso,
Pedimos ajuda a nauta seguro
Aponta o caminho farol luminoso. 
E assim, sem temor, coração ansioso 
Vivemos um sonho dourado e puro. 

Guiados pêlos mestres, irmãos devotados
Sentimos que a vida é mais proveitosa.
Saber e virtude, são bens desejados. 
E a posse segura de dons tão sagrados 
Virá pelo Externado Soares Barbosa.


FONTES
Algumas fotos retiradas da página do facebook do Externato

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Tradição do Dia de Santos no meu tempo de criança por Ansião

Ritual do pedir os bolinhos
Ti Maria dá bolinhos por alma dos seus Santinhos?
Ou
Vimos pedir os bolinhos em louvor de todos os Santinhos

ou
Bolinhos e bolinhós,
Para mim e para vós,
Para dar aos finados
Que estão mortos e enterrados
À porta daquela cruz.
Truz! Truz! Truz!
A senhora que está lá dentro
Sentada num banquinho
Faz favor de vir cá fora
Para nos dar um tostãozinho.
Se a porta se abrisse cantava-se:
Esta casa cheira a broa,
Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho,
Aqui mora um santinho.
Se a porta não se abrisse cantava-se:
Esta casa cheira a alho
Aqui mora algum bandalho.
Esta casa cheira a unto,
Aqui mora algum defunto.
Portas abertas as mulheres vinham ao som da cantilena com as mãos a segurar a aba do avental carregada de nozes, passas de figo pingo mel, castanhas, chouriça, romãs, macãs, e bolinhos dos Santos ,merendeiras típicas desta época do ano feitas com passas de uva e nozes com aroma a erva-doce. Muitas vezes entravamos na cozinha  em cima da mesa não faltava o alguidar verde cheio de tremoços...E atiçavam os cachopos "então não querem tremoços, olhem que estão bem demolhados"...atabalhoados os cachopos atropelavam-se com os talegos abertos para os encher na mistura de merendeiras, nozes e nas lojas recebíamos algum dinheiro , o Carlos Antunes dava-nos sempre moedas.
A única vez que fomos à casa da D. Paulete, irmã do saudoso poeta falecido com a pneumónica Políbio Gomes dos Santos, ilustre conterrâneo da nossa terra entrámos em fila pelo portão do lado da Misericórdia, em frente da porta debaixo do telheiro entoámos a cantilena... Ti Maria dá bolinhos por alma dos seus Santinhos...aparcem visivelmente emocionadas a mãe, senhora de idade, baixinha vestida de negro, de cabelo branco que logo entrou em casa para buscar o porta moedas deu-nos uma nota de 20$00  em contraste com a filha alta, forte, um mulherão ficou extasiada com a alegria da cachopada. A viverem em Lisboa vinham passar os "Santos" à terra...deixou a cachopada radiante com a simpatia das senhoras.
Ao fim do dia cansaditos de tanto cantarolar e andar por todo o lado ao final do dia  ao Ribeiro da Vide  a hora de se acender uma fogueira com os cavacos dos plátanos para no brasido se assarem chouriças enquanto outros iam à procura de pão e sumo...Grande o momento de partilha, de alegria, de muitos sorrisos sem malícia, todos abriam os talegos, todos partilhavam o que tinham recebido...
Grande momento de união que jamais esqueço... Toino e Mena do Trinta, Natércia, Augusta, Lucília do Murtinho, Alberto, Nito e TóZé da Carmita, Adriano do Mocho, e...
Saudades de ir de porta em porta...Ti Maria dá bolinhos, por alma dos seus santinhos?

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Agroal está em mudança!




























Agroal é um paraíso de beleza selvagem despido de árvores de porte pelos incêndios. A cada ano, as veredas das encostas tornam-se mais compactas,rasteiras,muito crespas e verdes, resquícios de vegetação mediterrânica à toa semeada de pedras de calcário pelos costados. Diria mais no meu jeito..."um buraco" um fim do mundo....onde Judas um dia perdeu as botas...como se por um milagre fosse no sopé da serra na margem esquerda  do vale aflora em fúria ( quem se lembra do Galfúrria?)  uma rebentação de águas cristalinas a beijar o rio Nabão no limite do concelho de Ourém, a  margem  direita  pertença do concelho de Tomar. O maior afluente deste rio - que lhe dá caudal todo o ano - porque na nascente em Ansião - a água vai muita funda, infelizmente ali o rio é seco no verão...e não devia...será que foram os romanos que o desviaram?
O Agroal é muito procurado nas redondezas - os meus avós maternos aqui vieram a águas tratar de mazelas  e eczemas da pele. Sempre que aqui vim -  vi gente com mazelas a banhos, alguns vindos de longe. Uma dessas vezes estava lá um casal de Bragança, na esperança de curar a sua pequenita muito enferma com uma pele extremamente sensível cheia de feridas abertas, até dava dó só de olhar, tinham visto uma reportagem na televisão sobre as propriedades daquela água - não resistiram de vir em busca de milagre...a pequenita chorava ao colo do pai...então não vi!
Águas frias! Alguns aventavam hipóteses, que tal aquecer a água e darem-lhe banhos quentes...conversa puxa conversa, naquilo um homem de meia idade perto de Pombal confidenciou-me que uma das suas filhas tinha tido em miúda um problema de pele, ao ponto de me confidenciar que a tinha curada aqui em banhos e também com a ajuda de uma botica.Sem pedir, deu-me a receita da mezinha que diz ter comprado na farmácia:
Mezinha
2$50 de pó de Joane
2$50 de pó de Alvaiade
2$50 de azeite sem sal
Tudo comprado na farmácia
Vai tudo a ferver num púcaro de alumínio a estrear
Depois passa uma noite ao relento
No dia seguinte o unguento está pronto a aplicar


Desde miúda, há roda de cinquenta anos, aqui afluo a banhos neste vale estreito encravado entre serranias. Esteve anos sem outra saída ou escape tal as abruptas arribas das encostas. Um verão a minha mãe levou-me a mim e à minha irmã para ficarmos uma semana, alugou um quarto pobre, sem quaisquer condições de habitabilidade. Tinha 17 anos, a minha irmã 15, a parca comida fazíamo-la no quarto, os grelhados na rua. Quem nos foi visitar, um namoradito da minha irmã, o Joaquim do Outeiro para os lados do S. João de Brito, tirámos umas fotos na ponte pedonal. Apesar da pobreza ser maior do que o nosso quotidiano, só sei que adorávamos aquilo. Anos mais tarde fizeram a ponte sobre o rio, ligaram em definitivo as duas margens. Também da enfadonha estrada de terra batida a seguir aos Formigais dizem ser terra de tesouros escondidos, de vez em quando aqui ainda aparecem com o livro de S. Cipriano, quem sabe do tempo em que o rio era navegável e funcionava como única via de acesso (?). Ao longo do vale desliza a caminho de Tomar, o rio Nabão, nas suas margens proliferam aldeias que sempre viveram da agricultura e da riqueza das águas para o regadio. Aldeias de forte emigração, o casario de cariz estrangeiro desenquadrado com as casas em adobe, típicas da região. Do Agroal não tenho saudades do barroco com pedras - assim se chamava à piscina(?), dos garrafões que se enchiam ao fundo da minúscula escadaria, da força da corrente a fugir por entre as tábuas do rebordo com limos, muito menos das pessoas que se levavam com o sabonete junto à roda dos alcatruzes, meio escondidas, a esfregavam-se à borla. Saudades mesmo? Da roda com os alcatruzes tão típica destas terras; do aluguer de fatos de banho guardados em cestinhos expostos no varão, quem aderia ao serviço acabava por ser privilegiado, desciam por dentro e entravam diretos para o banho; dos quartos para aluguer; do chalé em madeira anos vinte, alto, elegante, soberbo durante anos em quase total abandono, na outra margem... hoje já não existe, o que eu gostava, que a Câmara de Tomar tivesse o ensejo de aqui idealizar outro albergue semelhante; da ponte baloiçante pedonal em madeira com corrimão de cordas; da velha taberna do Galfúria, da mesa de matraquilhos à porta, onde aprendi a ser mais férrea com o meu Sporting; pelo entardecer de caminhar rio acima à pesca com professores reformados de Mira D’Aire, nas mãos redes tipo canoeiro; do tempo que aqui passei férias com os tios Paredes; do fascínio das grutas, escalar as veredas, espreitar de olhos arregalados na louca descoberta de pinturas rupestres, caveiras, ossos, tesouros, como se via nos filmes; das moscas, inferno tanta mosca, dessas não se guarda saudades! 
Pena senti da grossa e polida coluna em mármore partida, anos e anos persistia debaixo da varanda da casa azul em frente ao “barroco” quem sabe se seria romana, gostaria de a ter visto aproveitada como escultura, num dos novos espaços reabilitados, falta quanto a mim a sensibilidade em analisar e validar o que se julga que não presta, mas tem muito valor. Há ainda falta de noções básicas como reabilitar, reciclar, renovar, quando se altera um cenário como este, está a ser do avesso. ”aqui um dia em miúda os filhos do marinheiro da Portela, a Helena e o Vítor teimaram em me ensinar a nadar, não conseguiram, o trauma é grande há anos!”. 
Quem se lembra dos versos alusivos ao Agroal no tempo de antanho

Agroal terra dos meus encantos

Merda por todos os lados

Cagalhões por todos os cantos!



A câmara de Ourém decidiu na sua margem revitalizar o espaço da entrada, tornando-o pedonal, muros novos, varandim para o rio, o "barroco" virou uma grande piscina - chão em pedrinhas - rebordo em pedra, duas entradas com escadas, corrimões em inox, grande espaldar em madeira para os veraneantes se esticarem ao sol, 4 mesas de piquenique, relva e até areia e claro balneários e casas de banho.

Também a câmara de Tomar fazer a sua cota parte que anunciou - incrivelmente ainda nada fez na sua margem - apenas fez a limpeza de casebres feitos "à doc" -  como diz o povo feitos num tempo sem rei nem roque!
Esperava muito mais de Tomar, muito mais!

Estreei-me num destes domingos, gostei da banhoca. Curti o contraste dos verdes, sonhei, viajei...Só me faltou mesmo amar...impossível lugar de coisa pública, incrivel nem vivalma de moscas!
No regresso  fomos degustar um belo piquenique - pataniscas de bacalhau e arroz de feijão no pequeno parque de merendas na estrada de Rio de Couros.
Coisa para voltar a repetir, tendo na mente a inspiração para o banho, água fria para não dizer quase gelada, de arrepiar, faz bem, depois de entrar com o sol a dar na pele, não apetece sair

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Os primeiros passos da minha meninice por Ansião!

Corria o mês das flores e de Maria…Cinco de maio o dia do meu nascimento!
Ao som inconfundível do relógio da Reguladora no toque das doze badaladas com a mão na aldraba da porta do Correio velho dava sinal de chegada o meu pai -, corria o mês de maio, dia quatro do ano de 57, ano de efemérides: lançamento para o espaço do primeiro satélite russo -, Sputnik levava a bordo o primeiro ser humano a cadela Laica; da visita da rainha Isabel II de Inglaterra a Lisboa, entrada com fausto e circunstância na passadeira vermelha pelo lindo cais das colunas no Terreiro do Paço e, no final do ano nascia a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ansião, mesmo antes do Natal…nasci no dia seguinte no Instituto Maternal de Coimbra. 

Casório dos meus pais…Urgente tomar a atitude certa-, enfrentar as famílias, dar a notícia da gravidez . Desgosto sentiu o meu pai ao desistir do curso de engenharia na obrigação de arranjar um emprego fez que procurasse trabalho na Câmara, se não me atraiçoa a memória o único funcionário administrativo no staff camarário com mais estudos na altura, a maioria dos colegas com o exame da 3ª e 4ª classe. As famílias não se gostavam, a minha avó materna Maria da Luz com pressa alcunhou o meu pai de "homem iligante pernas aranhão de mina" pela altura agigantada. 
Arcas do enxoval sempre presentes no meu imaginário, tantas vezes vi a minha mãe as fazer e desfazer, na vontade de sair de casa, não voltar mais, cansada de violência doméstica, resmungava baixinho -, sair ou ficar -, medos atazanavam-lhe a mente, sabia que o seu lugar nem arrefecia, não por vontade direta do meu pai antes, fartança de atrevida mulher que sem escrúpulos o ocuparia no dia seguinte. Valores maiores sempre presentes em momentos de crise clamavam mais alto: o amor pelas suas filhas; bom senso; ponderação e bens que abonava um dia serem sua pertença. A arca do noivo de madeira de tampo oval e grande fechadura sobreviveu a anos de maus tratos -, recordação que quis perpetuar-, restaurada pelo Ti Júlio Silva do Carvalhal, anos a trabalhar por Lisboa tinha mãozinhas para a arte de carpintaria,os pezinhos de suporte que lhe fez conferem maior sobriedade, a da noiva em jeito de baú com tiras de couro, lindo acabou por morrer de velho. 
As raparigas solteiras do Bairro, Elisa, Fátima, Júlia, Tina e,… deu-lhes na ideia de ornar a portita da casa dos noivos com um arco engalanado de folhas de laranjeira. Príncipes no dia do seu casamento - o noivo estreou um lindo fato preto com risca branca e lenço branco na lapela, a noiva "por levar a barriga à boca" usou tailleur saia e casaco verde água a contrastar com os seus olhos da mesma cor, tecido comprado nos armazéns Grandela em Lisboa, confecionado no Avelar na Rua do Castelo na casa rosa que ostenta vaidosa na frontaria pedra lavrada com a inscrição de 1914, sobre os cabelos louros de oiro usou em feição de grinalda mantilha preta de renda com laivos dourados, comprada nos armazéns do Chiado, pochete, e sapatos de veludo preto - compras na capital após o regresso da Madeira. 
O padre Melo 
Os nubentos casaram a dez de fevereiro de 57 na igreja de Pousaflores -, o padre Melo vindo do Luso aqui enraizado vestido de paramento dominical dourado, enviesado, subido pelo altar da barriga, e óculos redondos enfiados na ponta do nariz. Convidados acomodados numa carreira contratada ao Pereira Marques com honras de fotógrafo -, Jaime Paz. Fotos grandes a preto e branco, em todas, o padre Melo, os noivos e os convidados: Armando (Girafa), Armando Cardoso, Artur Paz, Fernando Silva, Germano e Adelino Pires, Armando Costa, Diamantino Monteiro e filhos: Necas e Tininha, Álvaro Domingues, José Monteiro, tio António e Júlia do Escampado S. Miguel, tia Maria e Manel do Bairro de Santo António e filhos: Chico, São, Tina, Júlia, bisavô Elias Cruz, tio António Paz, Titi e Isabelinha, tia Amélia e os filhos Raul e Fernando de Além da Ponte, tia Carma, António Russo e Elsa e, …
Boda servida no calor da padaria: canja, iguaria da avó Piedade e, verde, miúdos de porco guisados com batatas e sangue feitos pelo bisavô Elias -, um mestre a dar cartas em bodas de casamento. O tio Chico -, padeiro de serviço fez uso da mesma pá que na madrugada tirou os pães de coroa cobertos de folhas crespas para não se queimarem, agora com maior cuidado tirava os tachos de chanfana e, os punha na bancada onde mulheres os serviam pelas mesas, vinho a jorros em infusas a transbordar mancharam as toalhas brancas em sinal de festa.

Dia do meu batizado…
Estreei a casa nova de caras para o adro do Santo António a oito de Agosto de 57 fotografias tiradas com o "Kodak" emprestado pelo retratista Jaime Paz. 
Foto no parapeito da janela da casa ainda não acabada, na varanda da frente
As primas do meu pai; a Tina e a Júlia, moçoilas casadoiras, puseram uma bacia em cima do parapeito de pedra da janela que viria a ser o meu quarto numa de fingir dar-me banho, vaidosas de saias rodadas, e sorriso maroto no varandim fizeram-se para a fotografia. Outras fotos junto ao pé secular da oliveira no quintal, numa delas a criada Helena com 14 anos, vestida a rigor de avental branco bordado na frente comigo ao colo, ladeada pelo meu avô "Zé do Bairro" - colete e corrente de ouro a abafar a barriga, a minha avó Piedade, o padre doutor António Freire de Lisboinha de batina que celebrou o batismo primo da minha mãe, mais tarde radicado na Sé de Braga, e o Ti Zé André do Ribeiro da Vide amigo, vizinho -, homem que financiou a título de empréstimo quinhentos escudos para custear a maternidade.Noutras fotos os meus pais e o meu tio paterno Chico. 
No adro da capela fotos só com a minha mãe comigo ao colo, saia a três quartos de pregas largas a evidenciar a finura silhueta, blusa branca e cabelos loiros presos com travessa a realçar o rosto. 
Logo houve um pequeno acidente -, a casa de banho ainda não estava pronta, faltava o chão, uma cobra que vinha pela janela ao cheiro do meu leite, dizia o meu pai, foi morta por ele com uma enxada…

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