quarta-feira, 5 de junho de 2013

A arte do linho desde o cultivo ao fiar

As Fiandeiras de Diego Velásquez no Museu do Prado em Madrid e a idosa na sua dobadeira

A tradição da cultura do linho foi em tempos de antanho uma espécie de símbolo da riqueza familiar,como herança transmitida de pais para filhos.
  • Do linho se fazia as reservas de roupa branca de vestir e destinada à casa, quer em roupas do bragal (enxoval) das raparigas ou em peças inteiras guardadas em rolos nas grandes arcas, como um tesouro de real valia... 
  • Lamentavelmente hoje vejo essas peças inteiras amareladas com anos fechadas em arcas -, mal as donas se vão desta vida, os descendentes as vendem nas bancas de panos em 2ª mão nas feiras a preços irrelevantes -, a última que vi até trazia os cordeis em linho que atavam as peças trazidas num sacão por um homem novo que as vendeu na Costa de Caparica por uns míseros euros, o colega do lado abanava com a cabeça e dizia-me " o que ele deixou vale para cima de 300 €"...para  depois serem de novo vendidos a preço upa upa!
  • Há quem lhe chame "bons negócios"...eu não consigo enganar seja quem for, prefiro perder o negócio, privilegiando a verdade quando me abordam. Por isso sinto um enorme respeito e apreço no carinho que me deferem que é muito, sinto!
Em linho nas casas mais abastadas se  faziam lençóis, toalhas de mesa ou de rosto, colchas, camisas, saias, coletes, toalhas de altar e os antigos sacos de côngrua, enfeitados com uma renda na abertura, serviam para meter o milho oferecido em certas aldeias, pela maior parte das pessoas, ao padre no dia da visita pascal -, chamado de compasso como se usava no Sobrado (Valongo, Porto).
 
As peças de vestuário ou destinadas à casa, confeccionadas em linho, na sua maioria bordadas, continuam, nos dias actuais, embora dispendiosas, a ser amplamente comercializadas, tendo em conta a sua beleza e sentido da verdadeira riqueza que representam no contexto da nossa tradição artesanal – bem elucidativo, em termos de valor, no ditado local de Ponte de Lima (Minho): "Depois do ouro, é o linho".
Uma camisa de dormir em estoupa com monograma...imaginem o mau dormir que dariam por ser tão grossa, de propósito para afugentar as pulgas! Comprei-a a uma vendedora que aparece de vez em quando na feira da ladra, que é do norte. Nesta foto aparece ao lado de um capa mirandesa.
Toalhas de lavatório com rendas em crochet
 Há um ditado popular quando alguém está aflito  diz-se que está " metido numa camisa de onze varas"
Esta expressão vem do tempo da Inquisição quando os condenados à morte  na fogueira eram obrigados a levar vestida uma camisa de onze varas com cerca de 12 metros impregnada de um produto que servia de rastilho para arder.
Muito apreciado o linho que cada mulher não dispensava no seu bragal tal como hoje o mesmo é verdade.
  • Nas feiras vende-se muito linho seja em bruto ou em peça feita como a roupa interior para gente do teatro : coletes, saiotes,corpetes, culotes, combinações e,...
Tenho uma pequena coleção destas peças, os vendedores dizem-me sempre a mesma coisa "se não levar, há uma moça do teatro que se a vir compra" as ostento em  cabides de madeira antigos expostas num quarto da minha filha.



Há gente nova a comprar toalhas e lençóis onde retiram monogramas e rendas que aplicam noutras peças em artes minimalistas.
Curioso haver  homens com gosto requintado, sensível pelas coisas de casa -,  andam de roda das bancas com linhos, os vejo comprar! Os "tomentos" eram antigamente utilizados em panais para a apanha da azeitona, colchões e sacos para guardar os cereais, enquanto a estopa era usada em calças, saias, panos de copa para lavar queijos e aventais de trabalho . Também serviam à confecção de carpetes, tapetes, reposteiros e ainda à execução dos trajos destinados aos ranchos folclóricos, onde se aplica, igualmente, a estopinha.
Toalha em estoupa que uso como Painel


Por merecer reparo, registe-se que, no Porto, na noite de São João, mandava a tradição que fosse colhido um raminho de linho em nove linhares, formando com eles um único ramo, que se guardava depois com fins mágico-propiciatórios.
 
Em Santo Tirso (Porto), era igualmente hábito, entre Maio e Junho, irem casais de jovens aos campos de linho, antes deste ser arrancado, para formarem pares e rolarem sobre os linhares, num evidente ritual pagão de fecundidade, chamado ali, o "talhar da camisa" – tradição não completamente esquecida, pelo menos nas aldeias ao redor de Arco de Baúlhe (Cabeceiras de Basto, Minho), onde os mais antigos e os mais novos continuam a manter o preceito. 
  • Por isso, a quadra: "Raparigas e rapazes/Ó jovens de Portugal/Vinde talhar a camisa/Em cima do meu linhal."
Na Beira Baixa (Alcains, Caria, Belmonte, Pêro Viseu, Oleiros e, principalmente, na Covilhã) o número de tecedeiras, por volta de 1865, segundo estatísticas da época, era de mil trezentas e noventa e cinco, que possuíam teares, enquanto o total de linheiras, que trabalhavam apenas os fios de linho, era de cento e uma.
A faiança portuguesa em Coimbra bem representativa na loiça "ratinha" com decorações: Flores de linho e mulher a fiar o linho
Na feira de Setúbal na banca do Aroucha num  monte de livros que um transuente apanhou junto do caixote do lixo, com a troca este lhe deu dinheiro para um maço de cigarros... sem escolhas peguei num livro antigo para a Escola Comercial onde retirei um texto sobre o preceito do linho...lamentavelmente não apontei o nome dos seus autores e devia.


O CICLO DO LINHO

Semeado;colhido;demolhado ;maçado;espanado;cardado e finalmente é tecido no tear
Mas voltas do linho são vinte. Uma vez na terra leva sete voltas desde que se prepara a terra sendo encilhada com o ancinho ( desterroada), para ser gradeada,( areada ) e  depois semeia -se a linhaça nos finais de abril e início de maio.  Segue-se a monda e vai sendo regado até estar maduro, depois enleirado, para ser colhido quando maduro, e finalmente demolhado de preferência em água corrente.
Quando a planta do linho estiver madura, apanha-se.
Na eira deve ser ripado nuns ripanços com dentes para se separar a baganha, nada mais do que  o casulo do linho, onde está a semente. 
Deve ser bem espadanado para assedado se separar o linho da estopa.
Segue-se a demolha em água corrente, ou num poço entre 15 a 20 dias, a que se chama também curtir o linho.
Após a demolha no "agaudoiro" onde esteve "empoçado"  a que chamavam  "emolhado" era dividido em pequenos molhos que eram pendurados a secar nas eiras ao sol. 
 
Depois de seco vai para o engenho onde é amancheado ( dividido por molhos) para se espadar a que se chama amassar o linho, com um maço de madeira
Quando em pouca quantidade  esfrega-se com as mãos para desfazer o que é rijo-, em grande quantidade na eira é monçar (malhado) 
 
 Espadanas-, espécie de réguas largas para cardar(bater o linho no bordo de um cortiço) também há quem lhe chame atascar ou tasquinhar.  
Passar as fibras ou fios (lã, algodão, linho ou qualquer filaça) na carda, desenredar ou pentear .

Separa-se o linho fino da estopa sedeira e da estopa grossa, que se chama estriar (estrias). 
O linho deve ser fiado na dobadoira para se fazerem as maçarocas.
As meadas são feitas no sarilho.
As meadas vão a cozer em panela com cinza, depois vão a corar até ficarem branquinhas, lavadas, enxaguadas, e vão a secar.
 
Volta de novo à dobadeira para se fazerem os novelos .
Segue para o caneleiro para fazer mais maçarocas.
A tecedeira urde e tece -, começa por estender o linho no tear, armando a teia, com as lançadeiras, onde é tecido e apertado. 
Em tempos de antanho eram tecidas varas -, uma medida inglesa que equivale 1, 12 cm. 
O linho caseiro era tecido às tintas; uma tinta  tinha 4 varas e cada vara com um metro e 10 cm.
Naperon em estoupa com picot em crochet no meu oratório
Em tempos de antanho pelas feiras as freguesas pediam ao paneiro -, ofício do meu avô Zé Lucas,  3 a 4 varas de pano, agora diriam 4 metros e meio. 
Uma teia de linho é grande ou pequena conforme as tintas que tiver.
O meu lavatório com uma toalha em linho e crochet em dois contextos diferentes
Uma toalha de linho fino com bordado Richeulie
 
Um lençol em estoupa
Toalha com monograma e rendas
Toalha em estoupa que foi forra de um colchão de palha de centeio que encontrei amarela e com ferrugem. Pois deu muito trabalho a por assim branca, e depois foi cortar os panos, fazer ajour e a renda para os unir. Ficou uma peça admirável, apesar de singela que ofereci à minha filha.
 

Fontes
http://sarrabal.blogs.sapo.pt/89999.html
Fotos do goole 

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