sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Desiludida na feira de velharias de Cantanhede, na mente jamé!

Na minha estada na Figueira da Foz tive conhecimento da feira de velharias anual em Cantanhede, logo me decidi estrear nela atendendo ao hipotético (?) índice populacional no meu  alto julgar fosse o abarrotar da conta bancária...Aconteceu no primeiro domingo deste mês, na terra do Conde de Marialva -, título nobiliárquico de Portugal concedido em 1479 por D. Afonso V a favor de D. Pedro de Meneses, no entanto, apenas seria renovado quase século e meio mais tarde, num descendente do primeiro conde-, segundo a Wikipédia. Conheci Cantanhede antes do 25 de abril, sem a grande estátua do conde no seu bonito cavalo, bem vestido de belo chapéu e penugem , como sendo a produtora do Licor de Merda!
Ao tempo a minha mãe deslocava-se a trabalho à estação dos CTT, enquanto isso percorria a vila onde descobri uma montra junto da igreja com as garrafas de rótulo sonante em exposição, fácil foi convence-la a comprar, curiosa a ler os ingredientes no tardoz, percebi que era feito com as melhores merdas  selecionadas de abelha...deixei-me ficar a rir!
Puro engano o meu  no pensar nas alvíssaras gordas das gentes, o que me pareceu a rondar o paupérrimo, a fazer jus à temática do Museu de pedra imponente, mas sempre hirta de  fria!
Cheguei em cima das 8 horas quando a organizadora, uma Eng, simpática e bem falante, se fazia ouvir dizendo que  se podia abancar ao longo dos jardins deixando avisos para não estragarem as flores, porque depois alguém lhe mandava a conta...
Achei que deveria dar-lhe uma palavra, pois não tinha feito inscrição, logo me descansa apressada, dizendo que iria passar pelas bancas, mas afinal jamais passou, ou falou!
Os feirantes reclamavam do sítio por o acharem fora de portas do habitual jardim no centro da cidade, onde as pessoas que frequentam os cafés  se manifestam público abundante a deambular pela feira -, diziam à boca cheia que foi propositado juntar o evento com outro a decorrer no pavilhão, para lhe dar ênfase-, a Feira de Reduções, que a meu ver teve pouca afluência, assim como stands...

De manhã apareceu pouca gente, a mulher dos tremoços, dos bolos sortidos, das cavacas, e dos gelados pouco faturou, culpa do sol  que se manteve encoberto quase todo o dia,   e a das farturas o mesmo, a minha mãe foi comprar duas, sem modos lhe venderam já duras, pareciam plástico!
Mais acima havia um bar que fazia bifanas onde o meu marido comprou  -, a mulher por certo deixou cair o picante nelas, que nos vimos aflitas para as tragar...Outros se queixavam igual.Seria para puxar a cerveja ou o tintol!
Só as casas de banho, no pavilhão, se mantiveram limpas, desinfetadas e cheirosas.Que elogios teci à empregada de serviço!
Ouvi reclamações sobre o aluguer dos stands ser demasiado caro em comparação com outras feiras onde se vende mais, e o precário é mais leve. Até me contaram sobre  o tipo de negócio que está a dar cartas...
O stand da igreja, ou a ela ligado, tinha uma grande quermesse interessante, com preços vários, as rifas onde saia sempre premio, mas afluência não sei se tiveram!
A minha vizinha mal me viu chegar com os brindes nas mãos desata a correr trazendo a imagem de um Padre Cruz, dizendo à boca cheia que muita gente lhe solicita esta imagem  nas feiras por Coimbra.
No sábado tinha comprado na feira da Figueira  da Foz um bule de caldo que por engano o levei, para não o partir decidi pô-lo na banca com o preço de 250 € ... Dei conta de uma senhora estouvada que olhou a peça e lhe achou graça, mexeu e remexeu -, ao ver os números do preço, olha e diz-me custa 2,5€ ? A que eu lhe respondo-, a senhora acaso conhece a peça, acha mesmo que o que está marcado é o que diz? Volta a olhar e diz-me, é 25€ -, volto a responder-, já vi que não entende que peça se  trata, é um bule de caldo em faiança século XIX, para colecionadores e o preço é 250€  que em leilão pode triplicar...Foi-se a fugir balbuciando sozinha! Fiquei na dúvida se a 2,5€ ainda a achou cara, supostamente esperava que fosse 1€...Fico furiosa com gente incrédula, e inculta!
Dei corda à língua a falar da Vista Alegre, de ter começado a laborar com a produção de vidro-, diz-me um homem de idade " olhe fui há tempos ao Museu em Ílhavo e ninguém falou disso"...
Vendi este prato com um balancé de grinaldas com duas crianças, a uma senhora que tinha um igual, sendo o seu maior pertença da sua avó, após a minha explicação foi-se embora, mas voltou para o levar, e fez muito bem, porque é deliciosamente belo.
As minhas compras na feira: os copos que estão na banca, os três de pé alto são para a minha garrafa, assim fica o conjunto completo do casamento dos meus pais, os outros de água são para vender, achei a estampa graciosa do quadro com os anjinhos aos pés do Senhor dos Passos, para a  minha casa rural, também uma caneca Sacavém para a minha coleção, e revistas.
Ainda não reconciliada com a brutalidade inculta  de tanta mulher  vaidosa, tatuada, de cabelos  pintados baços, sem brilho, desgrenhados secos e mortos, andantes em saltos altos, de mini saias com pernas gordas e mal torneadas, e outras enfiadas em roupa  colada ao corpo com brutais decotes até ao umbigo, inadequada à idade e à silhueta, quando passa uma mastrunsa caminhante na frente do marido, olha para a banca repara na máquina fotográfica, de imediato se vira para trás e pergunta-lhe "isto é uma máquina fotográfica?" Então havia de ser o quê! Fico pasma com tanta burrice!
De tarde apareceu muita gente que na calçada caminhavam andantes, só mira e anda apressados, em procissão desfilante, nem paravam...um desatino que até metia aflição!
Duas mulheres  fizeram compras na banca da colega ao meu lado que denotava falta de ética e de respeito por os demais colegas, tinha os preços marcados, os clientes olhavam, ela dizia " não olhem para os preços que não são esses, faço mais baratinho..." armada de voz estridente pegava no preço que ia baixando até o cliente acordar, com isso vendeu bem, estragando o negócio dos demais. Na minha banca duas mulheres apreçaram um prato de bolo  marcado por 15€ ,uma delas ofereceu 10 € valor que tentei dividir no prejuízo baixando para 12 € -,mas uma delas era mulher de perfil mandona, volta a lançar o repto "só dou 10€ " -, ao ouvir a minha recusa firme, vira-me as costas indo de novo para a banca da minha vizinha onde já tinha enfeirado antes onde levou peças com história e outras sem estórias, deixou-me  aborrecida pela ignorância, nada mais que um prato com história, com mais de 100 anos, da Fábrica Angolana da Marinha Grande, lapidado com os olhos da coruja e flores em fosco com a graça dos três pezinhos. Ora se o comprei por 10€, onde fica o meu ganho?
Esta taça gomada de cantão popular marcada Fabrica Pinheira,dizia  a feirante que era Miragaia...Santa paciência!
Chegava-se no mira e anda um casal que lhe apressou uma boneca de cerâmica grande que se vendiam há 40 anos nas feiras anuais, que tenho uma igual para venda que a minha mãe comprou nesse tempo, até tinha uma coluna para a assentar , um dia estava assim posta ao meio de uma escada e uma prima do meu pai ao olhá-la pergunta à minha mãe " ó prima ao cimo da escada é o S. Miguel ( o Santo que ela conhecia da capela junto da sua casa no Escampado)...
Dizia  a feirante "olhe que ainda tem o preço em contos(1.900$00)" em euros pedia 60, gerou-se um trocadilho de palavras de contos e euros -, o marido da senhora oferece-lhe 19 € supostamente a gozar com o valor dos contos -,valor que repenica chamando-lhe de" esperto" -, palavra que a esposa interpreta como ofensa, não acata, e de cara visivelmente furiosa se vira para a feirante em tom forte e diz-lhe que a palavra "esperto" é muito feia, e a repete com tenacidade, que a mãe dela não admitia sequer , que dela se falasse...A feirante em tom brejeiro desconversou o enredo, claro está que se  rematou o desaguisado de palavras azedas com palavreado francês da ex emigrante -, " tu es la brebis galeuse de cette marché aux puces..."que se baldou na falta de resposta, por a outra só saber e mal português!
Fica no entanto a minha vizinha desvairada que não se podia ouvir, "só se for nesta terra de Cantanhede que a palavra "esperto" tem significado diferente..." 
Esqueceu-se da ironia e altivez como a exclamou!
Para acalmar andava e desandava na frente da banca até ao outro vizinho sempre a barafustar, comeu gelados e bolos,  e amiúde abria a toalha de renda, tantas foram as vezes que a impingiu, que a conseguiu vender, o mesmo com a colcha de seda e o naperon, parecia aqueles negociantes de feira" não leva uma, não leva duas, leva três e só paga..."!
O Luís de sotaque brasuca que conheci na véspera na feira da Figueira da Foz também apareceu com os desenhos de Álvaro Cunhal feitos na prisão, embora eu ache estranho não os ter assinado!
Agradeço a cortesia das fotos de alguns dos desenhos.
Uma senhora bem vestida pára e conversa um bocadinho, vinha hilariante por ter reencontrado duas bancas atrás, uma antiga colega da Escola, que não a julgava nestas andanças...Ainda me disse " olhe a minha criada partiu-me um enorme garrafão que o meu marido trouxe de herança da casa da mãe, falecida recentemente, por isso mesmo não lhe quero causar mais incomodo, de forma que o escondi com o cortinado para ele não se aperceber ( imagine que tenho dois a ladear uma alta comoda, quem vai a casa gosta desta decoração) vim à feira ver se encontro algum, tenho de ter atenção ao gargalo que deve ser grosso".
A Marisa enfeirou, tinha um estandarte deles
Passeei-me ao longo do certame várias vezes para as pernas não se toldarem presas na cadeira exígua, até que numa dessas voltas ouvi um piropo de um colega a dizer para outro-, "esta menina  deslumbrante já aqui passou várias vezes"...Senti serem contadores de estórias com história, um deles era neto de um dos últimos pintores da Fábrica  da Viúva António Oliveira de Coimbra -,disse-lhe que tinha um prato grande para venda que não tinha na banca, com um veado pintado em azul, logo me  confidenciou que era o género que o avô mais gostava de pintar, paisagem com veados do  século XVII.
Também falou do tempo que o avô trabalhou perto de Leiria, e assinava as peças como se estivesse em Coimbra, o que deu azo a risos, a lembrar os irmãos Ruas, quando trabalharam em Darque assinavam as peças com "R"-, depois que se mudaram para Caminha na mesma continuidade se mantiveram, daí a eterna confusão atribuir as peças a Darque e a Caminha...
Outro feirante  falou-me da fábrica que fez os vitrais para o Mosteiro da Batalha, já não me lembro do nome ali perto de Alcobaça, e disso tenho pena.
O homem calvo e moreno com a cremalheira a precisar de arranjo que me dirigiu o piropo, seria letrado, alvitrou estar de partida para Angola, deixando neste agora as feiras,  falou-me por alto do vasto território constituído pelos concelhos de Alcobaça e Nazaré, bem como parte do concelho de Caldas da Rainha que constituem os "Coutos de Alcobaça" formados por 13  vilas, que os frades quando iniciaram a construção do Mosteiro se instalaram na Ataíja de Cima, uma zona junto à serra caraterizada pelos seus olivais onde ainda se encontram as ruínas da Casa do Monge Lagareiro, com o brasão de Cister, local onde vivia o monge cisterciense destacado para coordenar os trabalhos no lagar.
Quando lhe disse que gostava de escrever diz-me "então vai escrever a minha biografia"!
Apareceu um casal, estranho de magrela, ele tímido, mal abria a boca, já ela afoita falava com os feirantes para irem até ao seu carro estacionado onde tinha alguma loiça e vidros para venda, também fui espreitar-, havia dois jarros em esmalte, variedade de copos, pratos, mas nada especial, mais tarde soube que tinham passado pela feira da Mealhada vendendo o melhor stock, tendo sido  recambiados para esta feira com o "lixo" que ninguém quis, segundo opinam alguns!
Gente mesmo crua, como crús eram as pessoas que lhes comprou alguma coisa -,um casal de jovens  vinha vaidoso com o par de jarros e uns pratitos nas mãos, ao passar pelo meu estaminé pararam e dizia ela para ele-, "vês aqui os preços, fizemos boas compras" no querer prevalecer que tinham feito uma boa compra  na comparação dos meus pratos de coleção da Real Fábrica de Sacavém que se encontravam marcados em faixas-, mas claro, era comparar pedras com diamantes, porque uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa! A isto chama-se ignorância no ramo de velharias e loiça industrial! 
Caminhante vem uma senhora vestida de tailleur à vontadinha com 50 anos, da cor do serrabeco, ainda assim elegante pelo porte altivo e silhueta magra,  trazia um embrulho debaixo do braço, a quem questiono se não quer levar  o candeeiro que tinha apreciado de manhã na minha banca, diz-me radiante "olhe comprei dois pratos da cegonha por 10€"...Fiquei a mastigar-, a este preço só se me os derem ou os roubar...
E não são da marca da cegonha, sim EMA! 
Mas quem é que sabe o que é uma ema?Só gente culta!
Desiludida e cansada arrumei a banca da feira de velharias de  Cantanhede.
Salvou-se a alfazema que  surripiei  dos arbustos com que salpiquei os sacos para quando de novo os abrir me cheirarem bem...porque a feira cheirou-me mal!
Na  minha mente  saltitava "Cantanhede jamé de Jamais!"

Bocage a sua vida pelo oriente!

Deliciei-me  ao abrir por acaso uma Crónica Feminina nº 463 de 7.10.1965 que encontrei no sótão da casa de minha mãe com a história do Elmano Sadino.

«Manuel Maria Barbosa du Bocage desertou de Damão para a China. Fundam-se em hipóteses, vários investigadores,  em que data teria ele embarcado em Surrate com destino a Macau, admitem, uns, que tivesse sido em abril, outros, em maio e outros em junho por ser a época da monção mais favorável.
Talvez tivesse sido em maio, o que lhe daria tempo de atingir Cantão onde se julga ter ele aportado em julho de 1789.Era, porém, sei intento desembarcar em Macau.Levava algum plano definido?Parece que não.Os fatos apenas nos induzem a pensar que,depois da deserção, da qual talvez já estivesse arrependido, o poeta andava à toa.Proscrito em terras da Índia Portuguesa, restar-lhe-ia a esperança de obter acolhimento benévolo por parte do governador de Macau.
A viagem não foi feliz.É o que se deduz de algumas referências dispersas pelos seus poemas.Fala de tempestades, de tufões que o arremessaram para os mares da longínqua China. Parece que o navio, em vez de fundear normalmente, arribou desmantelado a Cantão, velho porto do antigo Celeste Império Assim se depreende deste lamento, em que se recorda a sua vagabundagem pelo Oriente.
Por bárbaros sertões gemi vagante;
Falta-me ainda pior, falta-me agora
Ver Gertrúria nos braços de outro amante!
Sabia que Gertrudes de Eça namorava outro homem; ignorava porém, o nome do seu rival. É nessa mesma ode , referindo-se a Goa, afirma:
Mais duro fez ali meu duro fado
Da vil calúnia a língua viperina;
E surge depois a revelação do imprevisto rumo que os temporais o obrigaram a tomar:
Até que aos mares da longínqua China
Fui por bravos tufões arremessado
Parece que só a muito custo o navio logrou alcançar Cantão, onde fundeou com os mastros quebrados e as velas esfarrapadas. Sem recursos, num território inteiramente desconhecido, cercado de uma população exótica, que não lhe mereceu o menor interesse, e talvez hostil, Bocage sentir-se-ia o mais desgraçado dos mortais, vendo-se na necessidade de mendigar para comer.Supõe-se que durou três meses essa triste situação. Estava a pagar bem caro o momento de irreflexão que o levara a desertar.
Lamenta a sua pouca sorte e revolta-se contra a pátrea indiferença com que naquela terra de abundância escutavam as suas súplicas de pobre de pedir:
Se a vasta, e fértil China
Fofa de imaginária antiguidades,
Pelo seu pingue seio
Te viu com lasso pé vagar mendigo
Se a mirrada avareza,
Aferrolhando os cofres prenhos de ouro
Lá onde o sol o gera,
Foi mais duro que mármore a teus versos...
Preocupado com a sua própria pessoa, num egocentrismo que há-de acompanhá-lo quase até à morte, Bocage não tem olhos senão para ver-se a ele mesmo e a tudo quanto possa ter um reflexo benéfico ou maligno na sua personalidade de brilhante poeta. Queixa-se de incompreensão, porque se lhe afigura que nunca os outros lhe concedem o respeito e a admiração que o seu génio merece.
É na veneração de ele próprio que vive três anos na Índia, sem sequer fazer um ligeiro esforço por compreender aquele povo de tradições milenárias, por admirar a paisagem que a todos encanta, por estudar as religiões que o cercam. Os idiomas orientais são para ele expressões grotescas que não vale a pena aprender.Quando alguma vez, por mera alusão ocidental, nos fala do interior indostânico cita com horror os "tigres", que certamente não chegou a ver, e os "palmares", cuja beleza não surpreendeu.O mundo em que vive só o interessa nos pormenores que influem direta ou indiretamente nas suas ambições,nos seus despeitos, nos seus amores e nos seus ódios.
Os seus olhos não se deslumbram com as paisagens, e os povos exóticos que teve a rara felicidade de visitar.Quase nem os viu. Deles o seu espírito não pode recolher impressões profundas que fizessem vibrar a sensibilidade de poeta até ao ponto de lhes consagrar os grandes poemas de que o seu génio se mostrou capaz. É em Cantão que lhe chega  a notícia da morte de  D.José, príncipe do Brasil e herdeiro da coroa de Portugal. Bocage não o conhecia em particularidades íntimas do seu espírito, como o conheceu lorde Beckford. O poeta não o teria visto senão alguma vez de longe, quando ele passasse na sua carruagem real. Muito sensível às aparências principescas, lamenta o povo português pela perda que acaba de sofrer, mas não resiste a lamentar-se logo em seguida a ele próprio, como pode ver-se:
Triste povo!E mais mísero, eu que habito
No remoto Cantão, donde Ulisseia,
Não pode a ti voar meu débil grito!

Misérrimo de mim, que em terra alheia,
Cá onde muge o mar da vasta China,
Vagabundo praguejo a morte feia!
Parece ter deambulado em confrangedora situação naquela terra chinesa durante três meses, admitem alguns autores, até que, por fim,não se sabe com que recursos, consegue aportar a Macau, onde desembarca em extrema miséria.
Podiam tê-lo capturado como desertor. Mas Lázaro da Silva Teixeira, ouvidor da cidade de Macau, que por essa data governava interinamente aquela colónia, teve pena dele e, em vez de o perseguir, socorreu-o. Logo planeou repatriar o jovem, que bem necessitado estaria de refazer-se nos ares pátrios. Pressente-se ter havido um movimento de ternura e simpatia dos portugueses de maior destaque em volta do poeta, que ali aportara semi nú, deprimido e a cair de fome. Ele não podia senão mostrar-se grato, por muito que isso pesasse à  altivez do seu caráter. Não constitui, pois,vulgar bajulação, tanto em uso nos poetas setecentistas, a ode que ele intitulou assim:A Gratidão, oferecida ao Senhor Lazáro da Silva Teixeira, desembargador da Casa da Suplicação e Governador interino de Macau.
Amenos campos, agradável clima
Onde o meu Tejo por areias d'ouro,
Por entre flores, mumurando e rindo
Límpido corre,

Paternos lares, que saudoso anelo,
Sacros Penates, que de longe adoro,
Suave asilo que perdi, vertendo
Lágrimas ternas.

Eu torno, eu torno,por amor guiado,
Exposto às fúrias dos tufões, dos mares...
.......................................................
Se eu vounas aras dos Penates caros,
Pendurar votos, consumir incensos,
Depositando sobre a lísea praia
Ósculo grato;

Se as inocentes, fraternais carícias
Vou cobiçoso recobrar na pátria.
Em cuja ausência fugitivas horas
Séculos julgo;

Se as cãs honradas vou molhar de pranto
Ao sábio velho, que me deu co'a a vida
Os seus desastres, por fatal, por negra
Lúgubre sina:
.........................................................
Tudo a ti deve, ó benfeitor, ó grande,
Que a roçagante, venerável toga
Mais venerável pelos seus preciaros
Méritos fazes, etc.

Joaquim Pereira de Almeida, abastado negociante, tornou-se à sua conta, hospedando-o em sua casa, e relacionou-o com a família, mais gradas de Macau. Assim, a vida tornou-se fácil, enquanto aguardava navio que o trouxesse de volta à Europa.E ainda para as passagens e mais despesas recorreu à bolsa generosa de D. Maria Saldanha Noronha de Menezes, escrevendo um poema em que lhe lisonjeava os filhos,conforme se lê nestes dois tercetos;
Roga-lhe, roga-lhe, enfim, que te destrua
As ânsias os tumores;
Que à pátria, ao próprio lar te restitua.

Ah!Já disse que sim:não mais ciamores!
Musa, musa, descansa.
Cantemos o triunfo, oh,esperança!
Não se sabe com exatidão em que data Bocage largou de Macau. Sabe-se apenas que foi no ano de 1790. Parece que, pela primeira vez,uma longa viagem decorreu com felicidade para o vate.Devia sentir-se ansioso por chegar. Imaginemos com que enternecida comoção ele não teria entrado a Barra, subido o Tejo,admirado a Torre de Belém, de uma graça única no Mundo, contemplando o mosteiro dos Jerónimos e lançado ferro, talvez,mesmo defronte do imponente Cais das Colunas:Uma vaga esperança de reconquistar a sua Gertrúria, só com o poder mágico dos seus poemas, recitados de viva voz, encher-lhe-ia o coração de venturosos presságios.
Ninguém sabia que ele regressava. Não havia pessoa alguma conhecida no Cais à sua espera, o que era plausível. Melhor!Mais saborosa seria a supresa de o tornarem a ver. Já teria chegado  a Portugal a notícia da sua deserção?Era provável. Mas isso não empanaria o contentamento que o seu regresso iria causar. Tentaria refazer a sua vida em Lisboa. Com uns bons empenhos de seu pai, talvez pudesse obter um bom lugar na burocracia.Possuía uma sólida educação;empregos por certo não lhe faltariam.Agora o principal era ir abraçar a família. Tomou sem mais demora o caminho de Setúbal.Sentia-se impaciente por estreitar seu pai contra o coração.
Pensaria como no seu poema:as cãs honradas vou molhar de pranto ao sábio velho...
Aguardava-o, porém, a mais surpreendente das desilusões . O doutor Soares Barbosa recebeu-o friamente.Ressentido por seu filho ter desertado?O poeta dar-lhe-ia explicações: o clima dissolvente de resistências morais,a tacanhez do meio , a duplicidade asiática os maus conselhos de um companheiro...As duas irmãs casadas mantiveram-se distantes. Maria Francisca.a mais nova,não vivia em Setúbal.Teria perguntado por seu irmão, o Gil Francisco. Disseram-lhe que casara.Ah, sim?E quem era a esposa?Gertrudes de Eça. A Gertrúria que ele tanto amara, a sua primeira paixão séria, a mulher por quem se expatriara e tanto sofrera para conquistar uma posição de que ela se orgulhasse! O irmão não hesitara em roubar-lhe a noiva, esta não tivera escrúpulos em trocá-lo por seu irmão.E o sábio velho aprovara esse casamento.A donzela não podia ficar indefinidamente  à espera de um estouvado que fora para tão longe tentar fortuna e que ainda por cima desertara nem se sabia para onde...
Então, sentindo-se de súbito só,muito só no Mundo, sem família, sem amor, sem esperança, o pobre Manuel Maria deu meia volta e tomou sombriamente o caminho de Lisboa.»

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Descamisadas com espigas oiro, carmesim e ruby nas eiras de Ansião

A minha tia Maria fazia a sementeira de milho no quintal , fazenda do Carvalhal e nas Cavadas onde fui várias vezes fazendo companhia à  minha prima Júlia, moçoila mais velha 10 anos, teimou ficar solteira, apesar dos fortes atributos, alta, desempenada, de boas carnes, robusta e bonita ainda enfeitada de um peito de altar em deixar cair dentaduras dançantes...
Na foto em frente do antigo hospital de Ansião no Bairro de Santo António, no dia do casamento da prima Tina, irmã da Júlia -, sou a criança de chapéu, e ela a última do lado esquerdo, vestida de avental porque serviu as mesas na boda.
A Júlia tem de nome sonante a mesma força para o trabalho, mulher destemida, teimava abarrotar os taipais da carroça de estrume curtido da estrumeira, de forquilha em fúria nas mãos as garfadas emprensadas transbordavam os fueiros, para logo seguir viagem estrada fora nos quatro quilómetros aviados de caminho, agora de mãos presas nas rédeas da burra, indo eu do outro lado  da carroça, ao passo da Gerica até às Cavadas com o cheiro forte  que toldava a conversa… 
Um gosto andar sempre na sua companhia para onde quer que fosse, amiga de contar e mostrar o que conhecia, um dia levou-me ao Casal das Peras antes do Carril para ver o  pezinho de Nossa Senhora esculpido num penedo de calcário, na altura acreditei pela perfeição, mais tarde percebi que pode muito bem ter sido uma obra escultórica dos antepassados do Neolítico (?)  quando andaram nestas serras de Ansião, tal como as gravuras de Foz Côa, Portas de Ródão  e,... 
Na altura da apanha do milho a carroça vinha apinhada  de espigas sendo descarregue no rebordo da eira.
Pela tardinha dava-se início à descamisada, onde mulheres, rapazes, homens e cachopos, sentados em cima das espigas, as iam descamisando do monte enchendo cestas que se despejavam na eira.
Quando alguém encontrava uma espiga de milho rei -, a espiga da cor carmesim ou ruby, deveria acontecer beijo na eira -, só que os rapazes no tempo eram muito envergonhados, não me lembro se alguma vez me beijaram - julgo que não, nem se atreviam ou sabiam dar um simples beijo na face (?)...porque os afetos não se valorizavam, havia que defender a honra, o não ficar mal falada... e foi pena a vivência de tais preconceitos…qualquer rapariga teria gostado de sentir tamanha emoção. 
Grandes os montes de camisas das espigas, que me pareciam o rabo estufado dos patos ou das pombas que se juntavam em  redor das gentes e das barbas de milho que largavam pólen, no pior para quem sofria de alergias.
Espigas cor d’oiro, carmesim ou ruby na eira a secar, depois de secas era descarolado numa máquina manual, de um lado saíam os carolos e os grãos de milho por outro. 
Seguia-se o ritual do limpador e de novo os grãos dourados e vermelhos voltavam à eira, para finalmente ser guardado nas arcas, que de lá saia para o taleigo que o moleiro havia de levar e transformar em farinha para a broa.O milho também era guardador dos queijos do Rabaçal para se aguentarem no inverno. Ainda me lembro de enfiar o braço na arca da Ti Rosa à procura de um...
Ainda recordo o cheiro da broa  a cozer no forno...

O milho era sustento para os animais: galinhas, patos e burra, e claro semente para nova seara. Não me lembro de o usarem na comida, em grão demolhado, no meu tempo nunca apreciei as famosas papas de milho, que os mais velhos comiam por não terem dentes.
Grandes descamisadas na eira do Ti Zé André  do Ribeiro da Vide à sombra da grande nespereira, da eira do Ti Raul Borges debaixo do alpendrito na frente da minha casa, na eira do "Ti Parolo” protegida pelo grande alecrinzeiro, também na eira do bisavô Elias do Alto resguardada pelo casario na planura do quintal a perder-se na vista do costado da Fonte da Costa e na Moita Redonda na eira do avô António Veríssimo, de corrente de prata do relógio presa ao colete, e o neto que viria ser meu marido ainda adolescente sentado em cima do milho com óculos, e familiares numa foto a preto e branco na década de 60.A eira é hoje pertença da nossa casa rural. 

Lindas eram as eiras vestidas de oiro serpenteadas de espigas carmesim  e ruby a estatelar o olhar!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Memórias de ontem e de hoje da Figueira da Foz

Rasgo de memória acutilante a lembrança da minha primeira vez que saboreei sapateira em Buarcos, acontecia todos os anos pelas férias -, claro que só cheirava o petisco que os homens degustavam sôfregos, não gostava do aspeto "em papas"sendo que ficava feliz com a carcaça que trazia para casa para ser reaproveitada em saboneteira no tanque de lavar a roupa estacionado no patim. 
Nesse tempo de criança os meus pais alugavam casa em Buarcos, chegámos a ir com a D.Lucinda e o marido o Sr. Virgílio Valente do Fundo da Rua no seu táxi -, quando começamos a ser muitos, passamos a ficar em casas diferentes. Partida de Ansião com paragem obrigatória antes da Gala, às salinas, na altura sendo a única  estrada que passava ao Paião logo se avistava o barracão em madeira a cair de velho que fazia de taberna, um bom sítio para aconchegar o estômago de todos que vinham no carro encolhidos...
Houve um ano que a minha irmã tirou na praia uma foto em cima do cavalinho com cabelo à garçonne -,lembro de dizer não ao pedido da minha mãe-, sem saber o porquê, uma menina tola, isso sim!
Guardo uma foto com 4 anitos numa estrada junto a uma casa alta nas imediações da Figueira da Foz.
Volto à Figueira da Foz, a Buarcos, a cada ano. 
Adoro avistar o Mondego a caminho da foz espraiado em aluvião com meandros e salinas ativas , outras desativadas, limitadas por muros  e muretes a servir de carreiros e ainda ilhotas -, a vista desta paisagem de águas em maresia ou abundância, se mostram salpicadas por palheiros na função da recolha do sal de madeira pintada de preto, seja do Paião ou da ponte na Gala -, locais onde é avassalador contemplar este belo cenário. Sinto que me falta um cúmplice, seja no parar quando quero, o mesmo a fotografar o que for , e ainda em fazer o que me apetece, sendo quase sempre inusitado, coisa imprevisível, de real gana este frenesim de admirar o belo!
A fazer fé no pensamento " Vá tão longe quanto possa ver. Quando chegar poderá ver ainda mais longe" isto para dizer que não gosto de ficar pelo que é seguro, gosto de ir para além do medo, de caminhar através do desconhecido até ao sucesso(?) que me perturbe e pasme que se revele de forma vária, por mim conotado de orgasmo inteletual!
Sendo que " a perfeição é alcançada a passos lentos, sendo necessária a mão do tempo, segundo Voltaire". Por isso não deixo de lutar por aquilo que quero -, teimo no saber dar tempo ao tempo, porque bem me lembro dos dissabores que já tive com as minhas pressas!
Neste 5 de outubro que já foi feriado nacional, na Figueira da Foz a azeitona já pinta bem negra, apesar de quase deserta de gentes de dia e totalmente à noite. Um marasmo de cidade que mete aflição e me deixou a pensar! 
Ficamos três dias na casa da minha mãe. No domingo depois do jantar fui caminhar, não descortinei vivalma nas ruas a caminho do Casino e do Picadeiro, apenas um casal na esplanada, na noite fresca. Já de polícia nem "viste-la!"
Perco-me sempre com a arquitetura e painéis de azulejos Arte Nova, de uma grande maioria de edifícios.

Contraste neste agora e nos anos 50
Segunda feira mostrou-se nublado o céu.
Em Buarcos teimei fotografar o pôr do sol, a praia extensa vazia de gente e de gaivotas, o mar em ondinhas em calmaria, mote de semblante ameno para namorar! 
Deparei com barcos pintados numa fachada junto do Mercado
Outra bela pintura numa lateral de um prédio
A mulher mais famosa do Mercado da Figueira-, Rosa, de seu nome na fachada do seu restaurante junto do farol de Santa Catarina

A pensar em velharias teimei fazer a feira neste mês. Muitos colegas foram para o pavilhão nas Caldas da Rainha. Reencontrei amigos, abanquei junto do Sr Alfredo.
Euzinha no meu estaminé a pensar em nada!
Algumas das minhas compras, estas duas peças em mau estado, apenas para as estudar. Aparentemente esta travessa parece Coimbra e será norte e o prato com o peixe que parece norte será da região de Aveiro.
Só em livros gastei 80€...Fábrica de Massarelos, Loiça Ratinho de Coimbra e Fábrica de vidro de Coina. Ainda comprei um prato em faiança "falante" de Coimbra à Dulce e outro Real fábrica de Sacavém ao Sr Alfredo com fetos pintado a castanho.
Lamento a minha falta de astúcia ao não comprar ao Sr. Alfredo um grande prato de Massarelos (?) por ter a mania de só gostar de faiança -, com decoração a flor de morangueiro em tom manganês, gateado ( mal abri o livro recém comprado da Fábrica de Massarelos logo dei de caras com um prato igual, e fiquei triste, que nem só!
Quem levou o famoso prato por bom preço e ao  paliteiro limão da VA marca verde, foi um casal de homens -, um deles muito simpático, já o que fez as compras, não me ligou patavin, quando passou pela minha banca na conversa sobre a temática do cantão popular e casario com paisagem de araucárias ou pinheiros brasileiros, como existem no jardim do recinto da feira que delas falámos por terem inspirado os pintores.
Boas eram as peças de recheio vindo de uma casa de Viseu, com boa loiça de Alcântara, Real Fábrica, loiça preto de Molelos bem antiga de púcaros com tampas de vários feitios e púcara larga com testo, caixas de escovas de dentes, garrafões enormes de vidro, lavatório e,... 
Em rota de despedida parei o olhar em dois belos leões a encimar ombreiras de um portão que me alegraram!
Despedi-me na Praça 8 de maio na dúvida do que é ser  normal ou urgente!

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