quarta-feira, 9 de março de 2022

O centenário do médico Fernando Manuel Nogueira Travassos

Crónica  a que retirei excerto para publicação no Jornal Serras de Ansião

  Ao médico Fernando Travassos 

Mui Amigo do Povo de Ansião
Do Ofício sabia como Ninguém! 
De coração Bom Samaritano
Descanse em Paz!

Foto retirada da entrevista em 2012 de Ansião TV
A crónica nasceu a 22.02.2013 onde juntei outras individualidades de Ansião. Em finais de 2017 destaquei individualmente este médico e, de novo a reformular em  fevereiro de 2022, por altura do seu primeiro centenário. 
Desde que me conheço sempre ouvi falar do Dr. Travassos. Entre outras afinidades com o meu pai,  tinham o mesmo gosto pela caça. Ao limite do pinhal do Dr. Faria, ao Carvalhal,  no pinhal do meu avô "Zé do Bairro" num valado de argila alcantilada o meu pai resvalou numa raiz aérea de um grande pinheiro e, em desequilíbrio, a arma num disparo acidental ( por fazer os próprios cartuchos sem medir a pólvora) que lhe decepou o dedo indicador da mão esquerda, valendo-lhe o médico, seu amigo... Conta a minha mãe que a sua chegada a Ansião foi em janeiro de 1950, tinha 28 anos para trabalhar no Hospital da Santa Casa da Misericórdia, ao Ribeiro da Vide, onde chovia a cântaros. A tia do meu pai - a Maria, apanhava as beiras com alguidares  e amornava a sala com latas de brasas, tal préstimo saldou influência na sua filha a São – sua ajudante, em seguir enfermagem, que abraçou em Lisboa, depois de casada. Hospedou-se na pensão da “Ti Dorinda Monteiro.” seu primeiro consultório foi na vila, no sobrado da casa do Sr. Domingos Carvalho. Desse tempo recordo após a escola primária, com os meus oito anos, na hora do lanche, ia direita ao correio velho, pelo Beco do Ensaio, buscar dinheiro para comprar uma sandes de iscas ou de atum, na tasca do Sr. Domingos Carvalho e, via a porta aberta  e, a  íngreme  escada de madeira, que os doentes tinham de subir...

Além da excelsa abnegação à profissão ressalta também a grande evidência que incrementou no associativismo da vila de Ansião, que muito a engrandeceu! Em 1951 foi sócio fundador do Clube de Caçadores com o comerciante Sr. Adriano Carvalho de Cotas, entre outros ;  em 1962, participou nas Festas do Concelho onde durante anos orientou o cortejo alegórico, na escolha dos motivos. No início da década de 70, de manhã chegou-se ao Largo do Bairro de Santo António e mandou desfazer o brasão de Ansião, por estar descentrado na frente da camioneta emprestada pelo Sr. Manuel Murtinho. O médico,  visivelmente irritado, exigiu  que fosse desfeito para ser feito como o devia ser e foi, pelo saber estético quando via que as pessoas não o tinham,  fazia-se ouvir para aprenderem a respeitar os pormenores que devem ser harmoniosos.

Entre 1965 a 1973 teve cargos diversos

Director Adjunto do Jornal Serras de Ansião; Membro da Comissão de Melhoramentos  intitulado “Os Amigos de Ansião”;Vice-Presidente dos Bombeiros Voluntários; Presidente do Conselho Fiscal da Filarmónica Santa Cecília e sócio honorário e de 1974 a 1992 Diretor do Centro de Saúde de Ansião.

Homem de perfil, ao jus de celibato, dotado de grande humanismo e dedicação extrema aos outros, pese dias de ar sisudo e por vezes mal humorado, sem tempo para tomar fôlego, sempre com tanta gente para atender,  que em nada se comparava com outros colegas  do concelho. Recordo o Dr. António Amado de Freitas e o Dr. José Manuel de Almeida, da Junqueira. 

De silhueta aprumada, tez morena, olhar tímido e doce, sorriso escorreito de finas mãos e dedos comidos pelo RX. A idade não lhe alterou o aspeto de homem charmoso , até a verruga no queixo lhe conferia graça. Abdicou de ter vida própria em prol da sua profissão. Quiçá, deixou mulherio com dores que não pôde curar… Bem me lembro ao Beco do Ensaio, em passo apressado, o corridinho da D. Armanda Oliveira com a mana Mariazinha a caminho da sua casa para o chá das cinco 

Reputado médico " João Semana" e "médico do povo" ao granjear tamanha fama em Ansião e redondezas, dotado de paixão no desempenho da sua profissão, sem horários, a cuidar dos outros. Acorreu a onde foi chamado, sem olhar a quem, fosse de dia ou de noite e, na Clínica das Cinco Vilas em Chão de Couce com o Dr. Quintela e o Dom João Pais. O que o distinguia dos colegas era além da dedicação extrema, exigir saber sobre a evolução da doença dos seus doentes. Os postos públicos nos Lugares foram determinantes. Mas, naquele tempo, imperava o analfabetismo, não havia eletricidade nem televisão. A maioria das pessoas não conseguia falar para um objeto estranho que era o telefone. Assim, era um terceiro, a dona do posto a intermediária a dar a noticia ao médico. Há episódios sórdidos por falta de instrução - "Num posto público, uma mulher telefonou-lhe para o informar das melhoras do marido. O médico pergunta se ele obra, a mulher ficou calada…Repetiu e nada, por fim,  diz-lhe olhe lá ele caga?" Óbvio que o médico conhecia bem o povo  para usar com facilidade o calão para se fazer entender.Mas, quem não guarda boas estórias de salvação ou de vivências na casa dos pacientes? E das estórias nas noites invernosas  fazendo espera das melhoras do paciente, sentado ao borralho ou à mesa, a comer ou a conversar,  até adormecer de cansaço? 

Sempre nutri um especial carinho e cumplicidade pelo Dr. Travassos, pela sua franca disponibilidade,  pelo gosto e prazer em mais saber do passado de Ansião, a  terra que adotou para viver e à qual se dedicou inteiramente, como outro assim não conheci . Conheceu Façalamim na década de 50, do séc. XX,  já só lá viviam duas mulheres, era então um Lugar ruinal , a sul de Santana, por onde passou a estrada romana , foi limite das herdades do mosteiro de S. Jorge de Coimbra e, do Mosteiro de Santa Cruz de Ansião. Despediu-se com a retórica quando lá quiser ir diga que vamos os três...Ainda me falou de uma estalagem na Fonte GalegaMuito sabia e, nada ficou escrito e devia, por falta de uma bibliografia em retrato de época . Ainda pode ser feita,  contudo peca pelo grande atraso, falta de autenticidade pelo esquecimento da oportunidade que era única, se tivesse sido editada em vida do médico, que a teria lido  orgulhoso a recordar as suas muitas vivências e memórias...

Vivi infinitas horas em espera no seu consultório onde assisti ao vai vem de táxis, que tinham prioridade …O meu Bem Haja, pelo carinho que sempre me privilegiou, quiçá salvou-me a vida,  pese a grande cicatriz  na perna esquerda, os meus pais diziam que foi de uma vacina estragada ? Tratou-me de outras mazelas, menos do cobrão – cortado com uma faca e reza pela “Ti Jezulinda do Carvalhal” com a mezinha feita no momento com palhas de alho, azeite e enxofre, tudo pisado no chão de cimento com o martelo. Resquício da herança judaica, ainda viva em Ansião no domínio das maleitas e mezinhas, pese haver médico na vila, desde os finais do séc. XIX. Até então, essa antiga tradição estava na mão de barbeiros peritos; havia um no Carregal, outro na Ramalheira etc. e curiosas, conheci algumas. Enraizado hábito no povo para nos anos 60 do séc. XX ainda se confundir a real prática da medicina com essa arte ancestral, sem o desprestigiar foi chamado “barbeiro”… A falta de cultura sobre a origem da profissão do Barbeiro- Cirurgião que teve origem na Idade Média, em Inglaterra. Tratavam de pequenos ferimentos, sangrias e tiravam dentes aos soldados, que se alastrou ao povo. Desse tempo resta a simbologia do Cilindro do Barbeiro, listado em vermelho e branco e azul, por representar o sangue e os curativos e hoje se visualizam em muitas barbearias.

Claro que o Dr. Travassos não era um Deus! Por certo haverá alguém insatisfeito com o diagnóstico…Recordo do filho pequenito do Alexandre e da Helena, que aflita com ele nos braços saiu da sua taberna para subir as escadas do consultório mas, o médico não o conseguiu salvar ...Sobre a doença do meu pai dizia à minha mãe “ o Fernando tem um bicharoco” – assim se referia ao cancro há 50 anos.

Não havia dia que não o visse à boleia do seu fiel companheiro - o carro Ford. Num tempo de poucos carros sempre  o reconhecia ao alto das padarias, engatado na mesma mudança, vestido de cigarro na ponta da boca, óculos de massa e sobretudo.

Até à sua chegada a Ansião, quem valia às mulheres parturientes eram as chamadas "aparadeiras". As irmãs “Lucrécias” foram suas ajudantes. Confidenciou-me que a Matilde aprendeu a arte com a mãe e, também fazia partos sozinha com a irmã Virgínia. Havia outras. O Sr. Alberto Pires, ajudante 40 anos na Farmácia do Dr. Botelho, de estatura mediana usava chapelinho no ritual diário de vénia  no cumprimento - bom dia Sr. Doutor…E, confortava com boas falas as grávidas não vai custar nada minha filha…

Frontaria do velho hospital
Foto do casamento da prima Tina na frente do velho hospital onde trabalhou
Sou a menina de chapéu

Na década de 60 do séc. XX, o velho hospital da Misericórdia  ao Ribeiro da Vide foi requalificado, graças à influência do Dr. Vítor Faveiro  e, do seu Provedor José Lucas Afonso Lopes. A novidade na chegada de táxis com parturientes.

Tarde soalheira de setembro no alvor dos seus 90 anos, no jardim do Ribeiro da Vide, à sombra dos plátanos com a sua fiel amiga D. Lurdes Santos onde me cheguei à prosa onde me diz:

Ponha lá isso no Livro!

Até aos anos 50 a falta de médicos era substituída pelo barbeiro. Havia um dos lados do S. João de Brito que tratou dum paciente que veio a falecer. O caso veio a Tribunal, na audiência o réu interrogado apresentou ao Meritíssimo em abono da sua defesa o seguinte argumento Saiba Vossa Excelência que fiz um barbarismo aos sintomas…"

" Outro barbeiro que andava a tratar de uma paciente a quem não se via jeito de cura, acabou por mandar chamar o Dr. Travassos, na visita alguém se descaiu que a doente andava a ser seguida pelo barbeiro da Ramalheira…Responde o Dr. Travassos olhe que lhe instauro um processo judicial…" Porque é claro naquele tempo os barbeiros já não podiam fazer essa práticas ligadas á medicina.

"Um dia apareceu-lhe no consultório um homem dos Nogueiros, aflito para o levar a sua casa fazer o parto à mulher. Durante a viagem o pobre homem só se lastimava veja lá Sr. Dr. já tenho cinco, agora mais um… diz-lhe o médico deixe lá homem, onde comem 5 comem 6…Chegados a casa o médico manda-o ir dar uma volta que ali na vez de ajudar só desajudava, que viesse mais tarde. Ao voltar pergunta-lhe, então Sr. Dr. já são 6… Não...São 7…"

Deslindou  a tempo a meningite ao Abel Nogueira como de outros…

Episódio verídico que me relatou o Dr. Manuel Dias

" (...)  se eu existo a ele se deve tanto quanto aos meus pais; Nasci ao contrário (não dei a volta, ou dei voltas a mais!?) a parteira ao constatar a minha posição, achou que o "caldo estava entornado"!
Havia que chamar o médico. O meu primo Zé Carteiro (aliás, a esposa, a terna Ti Aurora é que era prima em 1.º lugar de minha mãe) que era vizinho teve de telefonar para o Dr. Travassos (o nosso João Semana lá se levantou e seguiu com a urgência que lhe foi possível para o Casal. Fez a cirurgia necessária e tirou-me, depois cuidou o melhor que pôde da minha mãe!
Constatando que eu não dava qualquer sinal de vida, provavelmente por ter estado horas nasce não nasce (e se calhar já com o cordão umbilical cortado, disse a meus pais: este era macho, mas já se foi! Contudo, porque a esperança é a última a morrer, agarrou-me pelos pés, esfregou-me com álcool e deu-me "porrada" pelo corpo todo!
Foi a minha primeira coça. E não é que foi bem dada? Quando testemunhou os primeiros sinais de vida, disse ao meu pai que era melhor vestir-se, já que era católico e certamente quereria batizar-me, e com ele e a parteira iriam chamar o Arcipreste, para que me baptizasse de urgência, porque de certeza tinha poucas horas de vida.
E assim foi, fui baptizado no mesmo dia que nasci: a madrinha foi a parteira (a Ti. Laurinda) e o padrinho o S. José (talvez então? a imagem mais perto da pia batismal, não sei bem!). Felizmente (ou não!?) o médico enganou-se na minha esperança de vida. Mas salvou-me e ainda bem!"

Episódio verídico que me relatou o Renato Paz 
" (...) Tenho dois irmãos; o Rogério e o Ilídio Nuno. O meu irmão mais velho à nascença não respirava . O Dr. Travassos, contava o meu pai, lhe salvou a vida. Pegou-o pelos pés, de cabeça para baixo, deu-lhe umas palmadas no rabiosque com força , venceu o homem de capa negra e foice que o queria levar..."

Imaginar o pasmo com enxerto de porrada a salvar crianças!
E ainda a rápida atuação em partos morosos, 
cuja falta de oxigenação origina atraso cognitivo!

A brincar aos médicos com a cachopada do Bairro
A profissão de médico no Dr Travassos inspirava as crianças a brincar ao seu consultório. Uma dessas vezes podia ter corrido mal. A minha irmã fazia de médico e deu a tomar uns comprimidos pretos, pareciam carvão, da botica do nosso pai ao Jorge, neto do Ti Parolo. Ao começo da noite o rapaz sentiu-se mal e a avó e a tia Tina foram a caminho do Dr. Travassos que não estava porque naquele tempo também dava consultas na Clínica Cinco Vilas em Chão de Couce. Como o miúdo estava mal meteram-se num táxi e se encontram a meio caminho, o médico perante o quadro e por estar mais perto de Chão de Couce decidiu voltar onde lhe fez uma lavagem ao estômago e o salvou de maleita maior. De volta a Ansião as mulheres bateram forte na porta do correio velho para dar o recado à minha mãe que fazia o turno da meia noite- " D. Ricardina tenha mão na sua Mena com a brincadeira aos médicos o sarilho que ia arranjando com o meu neto..." Claro, eu é que ouvi por ser mais velha que tinha de tomar conta dela, sendo mais responsável..

As autópsias

Alguns episódios relatados pelo meu pai durante as refeições, então funcionário no Tribunal e ajudante do Dr. Travassos, nesse serviço, que era feito a sul da Capela do cemitério. Debaixo do alpendre jazia uma grande pedra de calcário, que me parecia ser Lioz, ligeiramente escavada para encaixar o defunto com um orifício por onde escoriam resquícios dos fluidos do cadáver esquartejado. Fascinada e curiosa com os relatos macabros,  um dia fui ao cemitério para ver  a pedra e, foi arrepiante ali desabrigada onde tudo acaba!
Um outro episódio daquela mulher encontrada morta no chão para as bandas da Lagarteira, teve de ser serrada para caber na urna…Certo e sabido, ninguém em casa comia mais nada nesses dias!
A vivenda  do Dr. Travassos 
Notícia no Jornal Pombalense O ECO - 20 de Junho de 1963
Partilha Paulo Alexandre Batista Silva
                             
pedreiro foi António Afonso Lucas da Mouta Redonda, Pousaflores, era  irmão do Prof José Lucas Afonso, primos direitos da minha mãe. Em Ansião, a primeira obra foi a casa do irmão e, por isso o Dr. Travassos que adquiriu o lote ao lado lhe incumbiu também a empreitada. Porém, ele não se entendeu com a escadaria graciosa no interior. Ao que parece nenhum artista do oficio atinava em a fazer conforme o projecto, até ao dia que lhe apareceu um homem dos lados do Pessegueiro - em prol de pagar serviços afiançou ser capaz de a fazer - o médico tinha doentes para atender, não fazendo muita fé no dizer do pobre homem, ainda assim o levou a ver o trabalho, e lhe deu a obra. Quem o ouviu, admirado, ficou com a sua teoria . No final a obra foi um sucesso, confidenciou-me por estas palavras o Dr. Travassos, com pena de já não se lembrar do nome do homem, embora de início não acreditasse que ele fosse capaz...porque estava cansado de ninguém a conseguir fazer , acabando de dar alternativa a este artista do Pessegueiro, que em  verdade é obra digna de ser vista. Brutal escadaria interior da sua vivenda que se avista da bela vidraça, com grade em losangos,  em alumínio dourado e preto  que se contempla da rua quando o estore está aberto e, o esplendor do baú com incrustações a marfim, oferta do seu bom amigo João Calado, que o devia ter trazido de Macau!
Quem não reconheceu o afeto carinhoso em todos os momentos da D. Lurdes Santos e de alguns amigos mas, alegadamente, não se pode comparar com a sua família e, tanto o entristecia e a quem tanto deixou de poupança!
Homem desligado da fortuna amealhada - na verdade nem sei como, falou-se em mais de um milhão, se a maioria das vezes nem cobrava nada, é sabido que as pessoas enchiam-lhe a casa de tudo e até a casa foi paga pelo povo, assim o ouvi, recordo o meu pai na altura deu 800$00 para a porta grande de alumínio. Também os vários carros se falava que tinham sido dados pelo povo...O que me apraz dizer é que pouco quase nada lhe serviu de valia para em final de vida se aperceber, mas já sem forças para lhe dar outro rumo...Desconheço se pensou deixar uma Fundação a perpetuar o seu legado, de bom samaritano!
Nos últimos anos de vida distingui algumas vezes o seu fiel amigo o "Júlio 29" na sua companhia, as minhas primas Júlia e a irmã São, do Bairro, com assados a caminho da sua casa...e outras. Nutria uma amizade com o Sr. Júlio Freire (barbeiro de Albarrol) ganha nas noites de tertúlia na antiga farmácia, onde no papel de autodidata, aprimorou o gel perfumado que aplicava após a barba aos seus clientes .Quiçá seria a "costela judaica"  a uni-los!
Numa festa de agosto vi o Dr. Travassos nos degraus da Misericórdia onde assistia ao folclore. A penúltima vez que o encontrei vindo do jardim do Ribeiro da Vide com a D. Lurdes, estava a chapinhar de cimento as faltas da calçada à minha porta, onde lhe lancei convite para entrarem. Guardo a boa memória de o ver a observar a sala atentamente como se recordasse a casa dos seus pais para me agradar nas bonitas palavras proferidas...Ofereci-lhe um frasco de doce de abóbora que tinha comprado numa feira de produtos endógenos na Praça de Toiros do Campo Pequeno. Viu-o pela última vez no mês de agosto, aos 95 anos, já muito debilitado e depois mais tarde encontrei a D. Lurdes no cabeleireiro a solicitar a ida de uma funcionária para lhe cortar o cabelo, disse-me que já não saia de casa, piorou e foi para o hospital de Coimbra onde faleceu no dia 27 de janeiro de 2018.
O Município de Ansião, em sua Memória decretou 3 dias de luto municipal .
A Junta de Freguesia não privilegiou escolha da sua sepultura junto do passeio público.
No seu último desejo de ficar sepultado em Ansião e não na sua terra natal - Arganil. Jaz em campa singela como queria, sem vaidades, afinal como viveu. Despesa suportada pela D. Lurdes Santos, julgo jamais ressarcida... Sempre imaginei a pedra branca como a do poeta Políbio Gomes dos Santos gravada a cinzel com a sua silhueta vestido de sobretudo e suspensórios, óculos e cigarro na ponta da boca, a culminar grandiosa obra para os amantes de arte fúnebre no cemitério de Ansião, que ganhou mais um herói.

Consultório Memória 
A autarquia instalou numa sala da antiga cadeia - o Consultório da Memória, para assinalar os 70 anos que chegou a Ansião o “médico do povo”. Senti falta do armário de nogueira doado pelo farmacêutico Dr. Botelho e do banco preto, pelo simbolismo de horas em espera, dos suspensórios, sobretudo e do telefone na secretária , quando aqui aportou era de manivela ligado ao PBX do correio velho que tinha 50 assinantes. Chamava às mulheres de qualquer idade "meninas" …Não havia dia sem telefonar para o correio a perguntar à minha mãe; menina ainda tem muitas chamadas em espera?Estive presente na inauguração em espaço a abarrotar pelas costuras, sem ar condicionado entalada na porta com a escada...Singela homenagem senti ausência da família, pese o convite dirigido pela Câmara . Julgo que faltou uma romagem ao cemitério, no manifesto carinho do povo que não esmorece e seria uma grande homenagem !
Valeu uma canção com poema da Odete Antunes, julgo musicada pelo António Simões que lhe cantavam em dia do seu aniversário com demais amigos na romagem a sua casa para o parabenizar. Distingui ainda presentes os Orgãos da Comunicação Social - Serras e Horizonte - onde vim a ler que o espólio tinha sido doação da família. E não foi. A doação tem o mérito da D. Lurdes Santos, o que a família deixou na casa até podia ter deitado para o lixo ou vendido a um antiquário. Por isso se deve dar valor a quem o teve, grande gesto altruísta de ofertar para manter viva a memória do Dr. Travassos, que ninguém lhe a pode tirar! A que acrescento a doação do lindíssimo e bom serviço em prata , tinha sido uma oferta ao Dr. Travassos acaso a D. Lurdes fosse mulher de interesses o vendia, e rendia bastante - os pequenos gestos em gente com reformas minúsculas, para se encontrarem os maiores valores na nossa sociedade, por isso o que o Dr . Travassos lhe deixou de coração foi pouco. O certo seria lhe deixar fortuna para se acolher na sua velhice. A D. Lurdes ofereceu espólio para este Espaço Museológico e para o do Alvorge, terra que também o saudoso Dr. Travassos amava muito, curiosamente, eu também. Era um grande amante da Filatelia. Angariou muitos selos das ex. colónias de doentes e amigos. A minha irmã entusiasmou-o a expor a sua coleção por duas vezes no salão nobre da câmara de Ansião.A D. Lurdes Santos, pelos anos que lhe dedicou de grande afetividade, que hoje é raro haver pessoas haver assim tão abençoadas, ainda fez a entrega de muito espólio ao Espaço Museológico do Consultório de Memória, e também para o Alvorge.
                       
Arte urbana 
 na fachada do Consultório da Memória

Nascido em Nogueira, Arganil, a 1 de fevereiro de 1922, no seu primeiro centenário foi desterrada estatuária, pelo município de Ansião, em espaço nobre da vila. Em terra de canteiros e de lavrantes  - foi desterrada  com honra o primeiro busto em bronze, a um cidadão homenageado a título póstumo ao enxergar em terra de fariseus o real valor do humanismo em cidadania. Viva o povo que saiu à rua para aplaudir! 


quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

O sítio do cemitério de Ansião

         Crónica da qual retirei excerto para publicação no Jornal Serras de Ansião 

        

Versos a ladear o portão

                                              

                                              

A Câmara Municipal de Ansião incrementou em 2010 uma campanha arqueológica concelhia que contemplou o cemitério, sendo catalogado de habitat romano, no seguimento dos achados que tinham sido ali encontrados entre 1968/9, no seu alargamento a nascente e para sul. 

Tanto o  poder social da herdade de Ansião, sediado no vulgo mosteiro, como o poder religioso sito no atual cemitério, ambos foram localizados em habitas romanos. Verossímil,  após o repovoamento  em 1216, promovido pelo prior D. João Pedro, que concedeu  a herdade de Ansião, a Mendo Carvalho, Domingos do Luso, Domingos da Vinha,  Domingos Roxo,  João Peres e a 30 bons casais e suas famílias, incluindo netos e sucessores vindos de norte, a quem foi dado carta de aforamento com deveres e obrigaçõesVerossímil aqui chegados, vindos com um representante do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, que procedeu à sua divisão pelas 5 quintas da herdade, fomentando os Casais, que ainda persistem na toponímia. A fazer também a escolha do local altaneiro, na entrada do burgo de Ansião, hoje cemitério, para ali instaurar o poder religioso de Ansião, na beira da estrada que foi romana, agora medieval e, mais tarde estrada real,  ao reaproveitar o que existia das ruínas romanas .Porém, a fundação da primeira igreja do burgo de Ansião, só se encontra documentada em 1259. Óbvio que foi fundada antes, porém, ainda não se localizou nenhum documento com a data . Este núcleo do poder religioso, que seria grande com celeiro para arrecadar os foros das quintas para serem levados para Coimbra e demais casario do padre, sacristão, serviçais e dos almocatés (aferidores). Veio a entrar em declínio com o abandono da igreja - julga-se por incêndio, atendendo a uma das Imagens do seu espólio ter sido guardada escura  - quiçá do fumo. Ainda é desconhecida a razão de não ter sido reedificada a igreja, com mais de 334 anos, em prol da mudança para nascente a 200 metros, onde se encontra, apostando na fundação de uma nova matriz, em 1593, igualmente  num pequeno planato, que se julga de um  podium  romano, infelizmente não foi estudado, mas, deduzi  no contrato da construção da igreja -  parte da capela mor foi requalificada no que restava de um templo antigo, que só podia ter sido romano, porque a metros na imediação da capela da Misericórdia está outro habitat romano catalogado. Na casa da D. Maria Amélia Rego, existem pequenas colunas de pedra, talvez  reutilizadas. 

Em 1669, a tamanha ruína do primitivo burgo religioso foi descrita por Lorenzo Magalotti  – infelice burgo…

Pese as quintas serem favorecidas por estradas a sulcar Ansião de norte para sul e para Espanha, dá-nos a dimensão diminuta dos poucos Casais formados. De um modo geral adoptaram o nome do colonizador , alguns ainda constam na toponímia, outros perderam o sufixo, a exemplo - Casal do Neto, hoje Netos; Casal do Sousa, hoje Casal das Sousas. Mantém o Casal de S. Braz  e o Casal Viegas e no plural o Casal Afonso d'Pêra, hoje Casal das Pêras. 

A título de curiosidade

Sobre o apelido Carvalho, de um dos povoadores acima mencionado , aventa  ter permanecido em Ansião, até ao inicio do séc. XX, onde viveu ao limite da quinta de S Lourenço, a nascente, na chamada Rua de Trás - agora Almirante Gago Coutinho, onde nasceu o Sr. Domingos Carvalho, que foi comerciante na vila ficando ao Canto, a viver um irmão.

Graças  à genealogia do meu lado paterno consegui apurar o dono do terreno que foi da igreja velha. Falta apurar mais nesta área genealógica sobre a família de José da Fonseca Lopes . Outro colonizador Domingos da Vinha - se interligar a alcunha "da vinha" que existiu no séc. XX na família do Sr. Zé Lopes, que viveu no Canto, as casas ainda lá estão, em chão da que foi a quinta de S .Lourenço. Depois de casado foi viver ao limite do Vale Mosteiro, foi pai do "Sr Zé Carates" . E. a mulher  de José da Fonseca Lopes era Maria Francisca,  irmã da minha bisavó, Maria José da Conceição(Godinho). Sabemos que a família Godinho, teve uma grande casa junto da Misericórdia de Ansião, que nos aparece referenciada  em Diário do Governo, sediada na vila. Quem sabe se foram os últimos a ter cargos na Casa da Misericórdia até à sua extinção? Para ter ficado com a maior parte da quinta de S. Lourenço depois da extinção das Ordens Religiosas?Outra irmã será a  avó dos Godinhos que casou no Casal de S. Brás. Há tempo, a Dra Teresa Fernandes, disse-me que a avó do marido, ou seria a mãe, era do Vale Mosteiro.Aos poucos constroi-se o passado de Ansião e das suas gentes.

Segundo o Sr. Padre Manuel Pinho Ventura  em “Notícias e Memórias Paroquiais – Ansião” (...) antes, em 1527, a então aldeia de Ansião, aquando do primeiro recenseamento feito em Portugal, tinha apenas 24 fogos (...) num auto de reconhecimento que fez o Reverendo António Martins Vigário da Igreja de Ansião, a 19 de Março de 1627, é feito o elenco das capelas sujeitas à paroquial igreja de Ansião. E é aí dito que a capela de S. Lourenço se situava no “adro velho”. E refere o “AUC - Cartório de Santa Cruz de Coimbra, Tombo de Ancião, Livro 56” onde isso está escrito 

(...) Em 1721 Ansião tinha 47 moradores. 

O Adro da Igreja Velha
Em 1875 a Junta da Paróquia, no adro da igreja velha,  instalou em definitivo o cemitério, onde já o tinha sido em época medieval , no local da fundação da primeira igreja de Ansião, dando fim à distinção social de abonados dentro da igreja e pobres no adro . 
A  Imagem de S. Lourenço foi trasladada da capela desativada da quinta que existiu no vulgo mosteiro.
Entretanto por isso, o povo passou também a chamar a este local adro de S. Lourenço.  Que não se deve confundir pela distância que existiu a mediar os dois burgos- o religioso e o social  - era uma língua de  terreno de oliveiras que se chamava Olival de S .Lourenço. Hoje, o que resta a marcar o topónimo que foi a Quinta de S. Lourenço, uma das 5 quintas da herdade de Ansião, encontra-se atestada com a  Rua de S. Lourenço, a norte do cemitério. 
                                     
O que restou do burgo social de Ansião no chamado vulgo mosteiro, supõe-se ali implantado desde o séc XII, onde houve um esmoliadouro, estalagem com enfermaria, capela, cadeia, cavalariças e afins, e ainda seja plausível foi  erigido o primeiro Pelourinho do Foral de Ansião. Por volta de 1875, já se vendia os bens do mosteiro em Ansião a meia dúzia de abonados,  deixando as migalhas para o povo, incrível o número de proprietários no parco espaço do que foi o vulgo mosteiro... Bem visível como o povo era tão pobre, ao ter reutilizado o parco espaço, onde cada um reconstituiu nas ruínas que lhe coube, a sua casa .Cheguei a conhecer onde foi o sítio da capela de S. Lourenço, recordo o portal gótico, a passadeira em lajes brancas do corredor e a pia de água benta e uma Cruz de pedra fechadas num quartito - então transformada na casa do Miguel e da Miguel ( a forma incultural do povo falar no plural, em prol de dizer o nome da mulher), tinha sofrido um incêndio, optando pela venda a casa e dos talhos no vale emigrando para o Brasil.

Diz ainda o Sr. Padre Manuel Pinho

(...) A expressão “adro velho” refere-se sem qualquer dúvida ao adro da primeira igreja  de Ansião. E muita gente ainda sabe que a capela de S. Lourenço da vila de Ansião é a capela que está no cemitério e que ainda hoje tem a imagem desse santo. Quando há mais de trinta anos vim para Ansião, ouvi pessoas que diziam que qualquer dia as levavam para o pé de S. Lourenço, referindo-se ao cemitério!... E a pequena rua que liga a Avenida Dr. Vítor Faveiro e Rua dos Bombeiros ao cemitério era chamada de S. Lourenço.

Verifica-se que existe discrepância no que acima mencionei  com o texto do Sr. Padre Ventura.
Óbvio, sem ser deselegante, a diferença na investigação prende-se  com o meu conhecimento do que foi o palco da capela de S. Lourenço sediada no vulgo mosteiro, onde entrei aos 8 anos.E depois, não se pode nem deve seguir à risca o que diz o povo - temos de ter atenção às entrelinhas, porque nesse tempo a incultura era avassaladora e não se preocupavam com estas coisas de certificar a veracidade dos factos.
A Imagem do Santo em pedra - o S. Lourenço, aventa ser do século XVI (?) sendo transferido para a nova capela do cemitério, após a venda a vários, do complexo ruinal. 
O cemitério começou por ser exíguo, dividido por passeio público fechando a poente por arriba a entroncar na estrada real. O Dr. Domingos Botelho de Queiroz tinha adquirido em haste pública, chão desta quinta de S. Lourenço desde a margem sul do Nabão à imediação do cemitério. Depois de 1875 veio a adquirir mais fazenda junto ao cemitério para sul,  a José da Fonseca Lopes. Mais tarde comprou mais da quinta a nascente, à sua viúva Maria Francisca. Com a deslocalização do hospital da Misericórdia da vila para o Ribeiro da Vide houve a necessidade de abrir nova acessibilidade , assim, a quinta foi cortada para se abrir a rua que começa na CGD. A expropriação por ter sido amigável o médico acabou atestado na toponímia . A parte mais pequena da quinta que ficou depois do corte, a nascente da nova rua, passou a ser designada Canto e, ainda se mantêm. Entretanto, o médico decidiu murar a quinta a partir do tardoz do cemitério para sul ao longo da estrada real , ainda recordo o muro alto e comprido, abalroado com buracos, pelos carros de bois. Ao abrir caboucos encontrou ossadas humanas, sendo acusado de as profanar ( o povo estava descontente por ter adquirido muita terra em Ansião, sem se saber como...)Já as ossadas seriam de caminheiros doentes acometidos de morte súbita ou padecidos em assaltos, sendo ali logo enterrados. O conflito gerado foi resolvido prontamente pelo Padre Portela -  era amigo do médico, a quem tinha casado por duas  vezes, que as mandou trasladar para o campo-santo. O padre, através da Junta da Paróquia que representava, vem a adquirir essa faixa de terreno que então mediava o cemitério e a estrada real, onde acabou por fazer a capela. Quando entrei na capela reparei que a pia a água benta não é peça única e, sim, resulta da adaptação de pedras recicladas do burgo antigo . Revela que a Junta da Paroquia não tinha dinheiro e, ainda induz ajuste de preço pela localização dos jazigos em local de destaque na lateral sul da capela, do médico Dr. Botelho Queiroz (  o terreno era dele que o vendeu) e o jazigo do cunhado Alberto Lima.
               
O recente conhecimento do topónimo Cerrado de NSdaLapa em Diário do Governo de 1877

                                     
Acrescenta mais informação sobre a extinção das Ordens Religiosas em 1834. 
Desconhece-se em Ansião quando os bens do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, foram vendidos em haste pública. 
A  notícia de 4 de abril de 1877, do pagamento do Foro anual de 25,974 de azeite, em dia de Natal do Cerrado da Senhora da Lapa ao Emphytenta, José Luiz de Macedo. Revela que os bens do mosteiro ao serem extintos passaram os Foros para o Estado. A notícia retrata o jurista  que foi abordado pelo Dr. Manuel Dias, que o considerou  ilustre ansianense ( no terreno que tinha perto do cemitério( agora sabemos ser o cerrado de oliveiras) escreveu que o povo dizia que a igreja velha tinha sido fundada ao Ruibiero da igreja, que é o ribeiro da Vide)  linguarejar  muito precário, sem dentição, as palavras eram mal pronunciadas, e não havia esforço para entenderem o que de facto queriam dizer. Porém, o excerto pode ainda dizer mais  - por volta ou antes de 1875, já se vendia chão que tinha sido do Mosteiro como depois desta data, não foi  venda por atacado, mas, sim por varias etapas.  

Em 1910, a República nacionalizou os bens da Igreja.

Em 1916, foram criadas as Juntas de Freguesia, para as quais passaram os cemitérios e suas capelas, onde se mantêm.

O palco da Igreja Velha
No cerrado altaneiro à junção do muro do cemitério velho com o novo para sul
                                          
                         
O altaneiro Cerrado da Senhora da Lapa ao Ribeiro da Igreja onde foi edificada a igreja velha localiza-se a nascente, à junção do muro do cemitério novo com o velho. Fazenda que foi da minha bisavó paterna - Maria José da Conceição (Godinho) sendo herança de 3 filhas - a parcela do meio onde foi a igreja, coube à minha avó Piedade da Cruz - reza a escritura - Ribeiro da Igreja. Prova documental que faltava à sua edificação, a que acresce em 1968/9 o espólio encontrado na sua fazenda aquando do alargamento para sul do cemitério, a induzir e bem, o Padre Coutinho  (…)  burgo mais antigo de Ansian, desde a época romana, pelos achados de telhas que o comprovam, e do medieval pelos dinheiros da 1ª dinastia e da 2ª reais e ceitis, ainda moedas de catorze reinados, no total de 86. A referida igreja existiu exatamente no espaço dos terrenos adquiridos para alargamento do cemitério novo. 
Serviu de suporte à publicação de um livreto de 16 páginas em separata da revista Munda nº 17, em maio de 1989 A Numária Medieval do Cemitério Antigo de Ansião do Padre José Coutinho  (…) o caterpillar ao preparar o terreno que era de oliveiras, pôs a descoberto bastante espólio do qual se destacam vários fragmentos de cerâmica doméstica comum, antoninianos de Cláudio II, bronzes constantinianos, lajes, ossadas humanas, pedras esculpidas, a exumação de um tambor em coluna em pedra calcária amarelecida pelo tempo, e a base de uma imagem ingénua de S. Sebastião, a qual conserva visível o cuidado deposto na escultura, como evidenciam os pés, e certamente deixada nos escombros por estar muito danificada e datável do séc. XV, bilhas cerâmicas grosseiras, telhas tegulas, ímbreces, e pesos de tear partidos. Apenas consta que o Presidente da Junta de Freguesia o Sr. Capelo, determinou guardar a base de uma pequena estátua em calcário, uma armela figurativa e um marco aparelhado e lavrado no mesmo material com a inscrição STTL, que foi abusivamente pelos trabalhadores encastrada no novo muro do cemitério e por lá esteve até 1979 aquando do segundo alargamento do cemitério, trouxe à superfície fragmentos de mós manuais dormentes e moventes em granito, pesos de tear, bordos de cerâmica doméstica comum, fragmentos de paredes finas, parte dum alfinete em osso, uma peça de jogo em mármore, fragmentos de lucernas do séc. I, fragmentos de sigillata decorada com a marca da oficina cerâmica de Tritium Magallum, Hispânica- o momento de maior difusão deste tipo de cerâmica em estações conhecidas no território português, em Conimbriga, aponta para o período entre a época flaviana e o reinado de Trajano, séc. I-II), e ainda o bordo de um almofariz em mármore e vidros. Tendo em conta os vestígios apresentados e em particular o que poderá ser o fragmento de uma inscrição funerária, pois as letras STTL, poderão estar relacionadas com uma fórmula epigráfica latina, que era utilizada pelos romanos no final das inscrições funerárias e que significa: S(it) T(ibi) T(erra) L(evis). Isto é, "que a terra te seja leve". Partindo deste pressuposto, poderá ter existido nas imediações do cemitério municipal uma necrópole romana, pertencente a um assentamento daquele período, implantado numa área que vai desde a Ponte de Cal até ao Vale Mosteiro. Com o tempo outros achados  foram encontrados, sempre que se procedia à abertura de uma sepultura: ossadas sobre laje com 3 a 4 cm de espessura, moedas, fragmentos de cerâmica e vidro, de várias épocas, desde romana à medieval.  

Encontrei numa feira de velharias, a temática na revista  
 Antiquário de 1997
                    

A título de curiosidade, uma das folhas do livreto
Recordo do cemitério antigo com um poço a sul, teria feito parte do burgo que ali existiu, hoje entupido e, de um busto de mármore branco de farta cabeleira atrás de um jazigo – diziam ser o Marquês de Pombal – seria parte de uma estátua romana…Há anos no funeral da prima Albertina do Escampado de S. Miguel, o padre Coutinho, chamou-me para me mostrar numa campa aberta o variado espólio romano; vidro, cerâmica, olaria etc. 

Desactivação da igreja velha
Graças ao conhecimento do topónimo Cerrado de NSdaLapa em Diário do Governo de 1877, instiga a querer saber mais sobre a Virgem em roca, espólio desta igreja velha, que foi guardada na matriz. Em 1624 foi levada para a Constantina onde foi rebatizada NªSªdaPaz – será a Senhora da Lapa? Presumível orago afeto ao Mestre Dr. António dos Santos Coutinho – quem o abençoou no seu nascimento? Filantropo, voltou a Ansião, em finais da centúria de 600, onde fez uma albergaria e nova capela para a Casa da Misericórdia. No adeus, privilegiou a Residência Jesuíta com Santuário a este orago, em Sernancelhe.

Em novembro p.p. a notícia nas Serras (…) Em novembro p.p. a notícia nas Serras (…)  as grandes limitações do cemitério (…) encontram-se 3 hipóteses em equação: uma é a aquisição de um terreno contíguo, o qual solucionaria o problema mas acarretaria um investimento de maior dimensão (…) o presidente da Junta, Jorge Cancelinha aponta outras hipóteses mais acessíveis. A recuperação de campas abandonadas, as quais dariam uma folgada manobra de utilização por alguns anos. Outra é a construção dos chamados mausoléus verticais… De aplaudir as boas soluções da Junta de Freguesia ao servir o presente e o futuro, se descontinuar a atribuição de alvarás a gente viva, como digitalizar os sepultamentos a favorecer a investigação. O mausoléu vertical sob melhor opinião, a implantar na faixa de terreno estreita a sul, com o tardoz para o mercado, abrindo portas e janelas no muro do cemitério na maior visibilidade e segurança aos utentes. E, a capela poderá acolher um espaço museológico de arte fúnebre de pedra, a retirar. O cemitério mostra-se de bom tamanho, pelo que a aquisição do terreno, em declive inferior, de dois proprietários, não é favorável. Contudo, terá viabilidade para jardim, servindo o parque habitacional, mercado e fluxos ao cemitério, com quiosque de venda floral e memorial à igreja velha. A finalidade da aquisição  integrada no levantamento do projeto de revisão do PDM de Ansião, ao servir o bem público - não justifica a frase a aquisição acarretaria um investimento de maior dimensão. As oliveiras ficam graciosas com podas ao género de buxo. Sem descuidar a presença de um arqueólogo aquando do seu levantamento pelo espólio que ainda possa aparecer.
                        
Fragmento de azulejo
Encontrei-o a norte do cemitério por altura do desaterro da última ampliação do Quartel dos Bombeiros. Voluntários de Ansião, ao gaveto para a avenida. Recordo que foi pertença do "Sr. José  Piloto" e depois  do meu tio António Freire da Paz. 
A foto não evidencia a cor estriada em tonalidades verde. Será árabe?Teria  sido da primitiva Igreja? Ou pode ser apenas coincidência ali ter acabado...
Calçada portuguesa no cemitério de Ansião
                                                       
                  
Vista para poente com a capela
Arte fúnebre
A sepultura do jurista Luiz de Macedo abordado mais acima

                    

                                             

                   

                                                                            

                                             

                   

                              

                                                                                        Sepultura do poeta Políbio Gomes dos Santos

                  

Sepultura do Dr Fernando Travassos

                                                  

Impressionante a atribuição de alvarás a gente viva que quer saber o local da morte...

                                       

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