Resumo publicado no Jornal Serras de Ansião em novembro de 2022
Trabalho agora vindo a público com investigação encetada à memória da minha identidade, para saber de onde vim, lisura, a contributo genealógico da minha parentela, ao avoengo paterno António Joaquim de Bastos Guimarães. Será outra crónica, a árvore genealógica.
Anos de avanços e recuos, em colaboração estreita gentilmente cedida por Henrique Dias.
Modesto contributo, com porta aberta à continuação de novas investigações por o início do conceito de padaria em Ansião, não ter sido contemplado no Livro, Ciclo da Broa e do Pão de Eduardo Medeiros, em 2009 (…) as padarias públicas surgiram no Egito, dinamizadas pelos romanos, se perdendo, ao privilegiar o fabrico doméstico em mosteiros e casas ricas (...) apenas a escassa nota : (...) O início da venda pública na vila de Ansião, em 1925, com três padarias: José Lopes, do irmão Francisco e do tio Elias.
A arte de cozer pão foi iniciada nas estalagens, casas senhoriais e mosteiros.
CARTA DE PRIVILÉGIO DE D. AFONSO V DE ESTALAJADEIRO CONCEDIDA A JOÃO DOMINGUES, MORADOR EM ANSIÃO (POR TER MELHORADO E ACRESCENTADO UMAS CASAS SUAS NESSE MESMO LUGAR, PARA ESTALAGENS) EM 1441-10-25.
Em Ansião, houve várias estalagens que foram sitas desde o dito vulgo mosteiro, no Vale Mosteiro, até ao Largo do Bairro de Santo António, ao longo do corredor da estrada real. Ainda conheci 4 fornos em sítios de estalagens. A última a laborar, foi da "Ti Maria da Torre", no Largo do Bairro, morreu com mais de 100 anos na década de 50 do séc. XX. Quando na herança sofreu requalificação , sendo dividida em três; a parte da cavalariça e o seu grande arco foi demolido fazendo duas casas. Uma vivenda a sul que foi da Ti Laurinda e do marido, o Sr. Inácio, seguida para norte da parte que seria herança da Adelaide, com problemas cognitivos, só com a fachada, duas portas e no sobrado duas janelas, em chão de terra onde havia uma laje sepulcral . Ficando na mesma, a parte da estalagem a norte com a cozinha, forno, sala de refeições e sobrado para dormidas que foi alugada e, depois comprada pelo casal "Trinta". Recordo as lajes do chão da cozinha. Quando acendia o forno, como era grande, cozia a broa com as vizinhas; Robertina e a irmã Zulmira.
Os tradicionais fornos em casas particulares, desconheço se existiram comunitários, serviam para cozer a broa, credível, surgiram entre a centúria de 600 e 700.
Dada a falta e escassez documental sobre o passado de Ansião, em boa hora a decisão de mais enxergar ao investigar os concelhos limítrofes a Ansião, e assim tentar entender o que foi o nosso passado. Nesse pressuposto, tendo a herdade sido donatária do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, presumo análogo procedimento com a vila de Sernache dos Alhos, hoje apenas Cernache. Retirei excerto de AUC, Tombo de Alhadas, Condeixa, Cernache, Beiçudo, Sebal, Antuzede, Reveles, Ribeira, Taveiro e Ancião, fl. 27 v, (...) o fabrico do pão era um direito senhorial e, pelo tombo de 1717, sabe-se que André Miz possuía uma almoinha chamada da fornalha onde antigamente os caseiros do Mosteiro de Santa Cruz coziam o seu pão sem serem obrigados a irem “coser aos fornos de poya de Sernache que agora são do Conde, senhores desta Villa. A concorrência teve sentença entre a câmara/donatário e o mosteiro de Santa Cruz motivada pelo monopólio da fornalha que está sem cazas ha muitos annos, e o Conde tem adquirido posse imemorial de virem coser aos seus fornos .
Largo do Bairro onde foi na centúria de 600 implementado o Cabeção do Concelho de Ansião
Análise à especial reprodução da aguarela de Ansião, de 1669, de Pier Baldi
A primeira iconização de Ansião, retratada a cores pelo pintor Jorge Estrela, de Leiria, já falecido, cuja claridade e policromia ajuda a desmistificar o que ficou registado.
Logo abaixo, a parte da aguarela que aqui nos interessa estudar, tem pela frente uma moldura murada, que encerra a estalagem onde pernoitou a comitiva, do príncipe Cosme de Médicis , com a entrada dos cavalos e carruagens., a nascente do Largo do Bairro Sto. António. Seguida para poente de uma casa com telhado alto, de 4 águas, que foi a Casa da Câmara, com a janela porta de avental no sobrado que ainda conheci como na frente duas colunas, visíveis na aguarela, teriam sustentado um telheiro, que no meu tempo já não existia.
Seguida de outra casa mais baixa, que mantém ainda hoje a traça, teve lintel de 1680, teria sido do Administrador do concelho.
A poente a casa baixa, que ainda existe, onde viveu o nosso avoengo António Joaquim de Bastos Guimarães, casado com Ana da Purificação das Dores Não encontrei o registo. Contudo, em 1842, era solteiro e fez-se irmão da Irmandade do Saníssimo Sacramento . A casa por herança, coube à Conceição, mãe do meu primo Adriano Valente. Já a casa deste, foi herança de Manuel da Cruz, a estalagem adoçada, sob o comprido, de fachada estreita para o largo, e a nascente serventia para os fundos, com escadaria de acesso para o sobrado, aos fundos era a cozinha, com a masseira e, o forno, onde se cozia o pão, e o quarto caiado da farinha, hoje barracão, herança da Mavilde Murtinho. A entestar a estrada real, foi a oficina de ferrador, da família.
À vista o mesmo panorama hoje da esquerda para a direita
Casa da Câmara, cega a poente para a serventia da casa do Administrador do Concelho onde ainda existem barracões que seriam as casas dos almocatés (aferidores) e outras casas. Seguida da serventia para os fundos onde foi a cozinha da estalagem desativada onde nasceu o conceito de padaria rudimentar em Ansião.
Tive a sorte de coligir as artes de estalajadeiro e de ferrador noutros ramos da família vivos em 1775, no livro de Ferreira do Zêzere de António Baião (...) nos Cabaços e em Vendas de Maria (...) Antónia Maria, natural de Cabaços, filha de Francisco Cruz e Francisca Maria , naturais e moradores nos Cabaços, neta paterna de Manuel Fernandes Alexandre e de Maria da Conceição, do lugar de Arrancada , termo da vila do Vouga e moradores nos Cabaços; neta materna de Manuel da Cruz natural de Picanços, Alvaiázere e de Maria Antunes, natural da Granja, Alvaiázere, moradores algum tempo na Venda de Maria e depois nos Cabaços. Informando o Comissário do Santo Ofício Beto Borges Pedrosa dizia que (...)se trata conforme ao seu oficio de ferrador e ocupação de estalajadeiro que sempre teve e tem de que vive e de suas fazendas que poderão importar 600$000 réis que com o seu ofício e o que lhe renderá a estalagem poderá ter de rendimento 40$000 réis cada ano; sabe ler e escrever e representa ter 40 anos de idade. Quanto à segunda mulher Antónia Maria o seu pai e avô materno tem o oficio de ferradores de que vivem e da sua fazenda (...) em 13 de dezembro de 1755, em Pussos, foram interrogados Manuel de Figueiredo, morador no Cabaço, que disse conhecer Antónia Maria e o pai Francisco da Cruz de quem não sabe se foi batisado na igreja de S Pedro, se na de Maças de D. Maria , aonde seus pais viveram muitos anos na Venda de Maria, sendo Francisca Maria natural de Arrancada e a testemunha é vizinha há mais de 40 anos dos pais de Antónia Maria, sendo Francisco da Cruz ferrador e estalajadeiro e sendo Manuel Fernandes Alexandre e sua mulher Maria da Conceição naturais de Arrancada e há mais de 40 anos vieram para os Cabaços sendo este Manuel Fernandes ferreiro e quanto ao Manuel da Cruz há mais de 50 anos que vive nos Cabaços, era ferrador e estalajadeiro.
Adelina Augusta
Nasceu em 1848, em Maças de D. Maria. Casou com Manuel Cruz, de Alvaiázere e fixaram-se no Bairro de Santo António, em Ansião. Ela como doméstica comandou a estalagem, onde se cozia o pão. O marido, Manuel da Cruz, teve oficina de ferrador. Tiveram os seguintes filhos, cujos avós paternos foram: Joaquim da Cruz e Maria José e, do lado materno: António Joaquim Bastos Guimarães e Ana Purificação das Dores.
Elias da Cruz; Maria da Piedade ;Maria das Dores; Manuel da Cruz; Maria Beatriz e Maria José da Conceição, conhecida por Maria José “Guimarães” ou "Ti Maria Zé da Adelina"
A pioneira ao conceito de padaria em Ansião
Maria José da Conceição, Maria José “Guimarães” ou "Ti Maria Zé da Adelina"
Nos finais do séc. XIX, com a abertura de uma nova estrada da vila (Rua Dr. Domingos Botelhos de Queiroz , para a Barreira, pelo baldio do Ribeiro da Vide, com a fonte de 1897, ditou o fim da vida da estalagem. Não tendo outro meio para se suprir e, sabendo da arte de cozer pão e pão doce, deu início ao conceito profissional de padaria, ao Largo do Bairro de Santo António, onde fora a cozinha da estalagem. Temos assim, o nascimento da primeira padaria rudimentar em Ansião .
Conceição
Filha de Maria José da Conceição, de quem herdou o nome , mãe do meu primo Adriano Valente , herdou a boa mão para a doçaria; merendeiras de canela e erva doce, de açúcar com azeite e pão doce .
O monopólio do Pão e de Pão doce
Negócio que floresceu em vários ramos familiares em Ansião
Elias da Cruz
O meu bisavô com a mulher , na função de padrinhos de noivos do Casal das Sousas
O meu bisavô paterno, fundou padaria na que fora outra estalagem ao Alto da Vinha, ao Vale do Mosteiro. Já não saboreei o seu pão de rolão, do trigo grosso que não passa no crivo da peneira. Fez aprendizado a cozinhar na estalagem, aperfeiçoou a arte na tropa, no tempo do Rei D. Carlos, tinha livro de receitas, mas, já antes, na sua mocidade, ganhava dinheiro como cozinheiro na safra da ceifa no Alentejo, cujo adeus presenteava a Pão doce, onde se julga se difundiu ao ser chamado Bolo Finto (por levedar toda a noite), feito de massa de pão e outros ingredientes.
Pão doce
Era feito de massa de pão, ovos, açúcar, azeite, raspa de limão e canela, amassado num grande alguidar, ficava a levedar, sendo moldado na taça do crescente . De massa amarelinha , os bolos eram tendidos no tabuleiro, de panos brancos enfarinhado, e golpeados na crista em cruz, cobertos com folha crespa de lombardo. Coziam no forno, abrolhados ao meio com maminhas altas repenicadas de crostas douradas, a coroa, deixando antever o olho do bolo menos cozido, macio, de sabor doce e aroma a limão .
Pão doce também chamado na Páscoa, por Folar , que afilhados agraciarem as suas madrinhas .
Em Ansião, desde o princípio do séc. XX, o meu bisavó Elias da Cruz, foi cozinheiro nas bodas de casamentos. Onde o Pão doce, teve o papel de convite de casamento, entregue pelos noivos, na véspera aos convidados acabando por ser batizado - Bolo de Noivos .
Um exemplar d'hoje, nada tem haver como era dantes...este levou gema para dourar
Cumpri essa tradição em 1978, fazendo a entrega porta a porta com o meu marido. Foi desvanecida hoje, faz-se no final da boda, com a entrega da visita.
Infelizmente há em Ansião quem falsifica a tradição, optando por aditivos para substituir os ovos, apesar de ter lascas de limão, mostra-se em demasia amarelo e seco, sendo por fora muito viscoso.
Estes na foto são fofos e bons.
A arte de cozer Pão e Bolos de Noiva nas filhas de Elias da Cruz
Piedade da Cruz
A minha avó paterna, fundou padaria na
R. Dr. Botelho Queiroz nos primeiros anos da década de 30 do séc. XX. Recordo no início da década de 60 do séc. XX, o final da remodelação da sua padaria, ao estilo moderna, a primeira em Ansião, nesse contexto. Mereceu reforço de placa, tijolos de vidro para maior claridade à grande masseira de madeira. A frontaria tinha duas portas; uma da sala de venda ao público com balcão, balança de ferro azul com pratos em latão, e ao lado o quarto dos sacos de farinha, sal e barras de fermento holandês. Moderna com balneários, vestiários e fardas brancas para os padeiros. Tinha dois fornos forrados a tijoleira, com portas em ferro de ferrolhos luzidios em latão, faziam ruído a abrir, por cima estendal com pás e roldões de trapos para limpar o lastro das fornalhas e vassouras de urse de varrer o chão e a cinza das buracas abaixo da boca dos fornos e, a nova e alta chaminé, água corrente tirada do poço com motor elétrico para um depósito. Grande vaivém naquele tempo de homens e mulheres na padaria, casa e nas fazendas dos meus avós; fosse a tratar de sementeiras, colheitas, apanha de carrascos para os fornos como folhas de couve crespa para cobrir o pão de coroa e o pão doce, para não crestarem. Com os lastros novos nos fornos, já tinham deixado de pôr folhas de couve por baixo da massa do pão de coroa e do pão doce, só já se punham por cima, para não crestarem em demasia. A minha avó Piedade da Cruz, orgulhava-se de ter o ser boletim de cartão de Sanidade para exercer a profissão de padeira. Nesse tempo, logo de manhã lá ia buscar o pão, onde era enxovalhada pelo avô "Zé do Bairro", tinha o hábito para não adormecer enquanto o pão cozia, de ler os livros do meu pai e, pela manhã delirante testava os conhecimentos adquiridos, esquecendo que eu ainda andava na primária, e os livros eram do 5 e 7º ano, de história e geografia... entre dentes balbuciava amofinado " o teu pai era melhor de cabeça...
As vezes que assisti ao buliço em final de tarde, do ritual da abertura das guitas dos sacos de farinha, que depois eram despejados na masseira, a que juntavam uma rodada de mão certa de sal, a massa mãe ou fermento holandês, em barras e, água quente da panela de ferro sempre na beira do lume. Agachados, de braços nus enfiados na massa, em força a envolver os ingredientes, até ficar elástica, fazendo tendal - ficando estendida a fazer bolinhas, sendo atirada com as mãos para a frente.
O crescente ou massa pão
A taça do crescente da massa mãe, caseiro , azeda, servia padarias da família .
Assisti aqui na padaria como ao ritual para a broa, no Bairro de Santo António com a minha tia Maria Valente, em passo corrido a passar ao adro da capela a caminho da casa da Ti Maria do Raul.
Taça do crescente da minha coleção A amassadura do pão ou da broa está pronta quando a massa faz tendal, fazendo bolas a despegar das mãos. Cobre-se com um pouco de farinha, fazendo incisão de uma cruz com a mão deitada ao alto e entoa-se a reza "São Vicente te acrescente, Santa Inês te dê boa vez. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo", Pai-Nosso ou uma Ave-Maria. Sendo tapada com o pano branco de estoupa, para levedar, até dobrar de volume.
Ponto da massa levedada
É dado pela farinha a desprender-se da cruz, que foi feita na massa, ficando esta levedada em dobro. Depois tende-se pães ou bolinhas dispostas no pano branco do tabuleiro enfarinhado que se levanta sempre um bocadinho para não se pegarem umas às outras.
Molda-se o pão e volta a levedar tendido no tabuleiro antes de entrar no forno
No tabuleiro para de novo levedar antes de entrar no forno
Fornos
Depois de acesos emanavam labaredas brutais e estridentes a crepitar carrasco da Costa e ripas de pinho, a estandarte de cozedura dourada em tabuleiros vestidos a panos alvos!
O forno fica quente numa hora, a arder ramos; carvalho, oliveira, urze e carrascos, o sinal é dado pela cúpula esbranquiçada. Com o roldão de madeira puxa-se o brasido para a boca do forno onde fica e limpa-se o terreiro com o rolão de trapo. Enforna-se o lastro de pães sempre do fundo para a boca do forno. Fornada cozida em menos de uma hora. O forneiro quando tira o pão tem o preceito de o bater por baixo com a mão, ao sinal de leveza, sinal de cozidinho. Boa a carcaça grande e pequena, papos-secos com maminhas, pão de mistura; grande e pequeno de 17 tostões.
Grande vontade de comer o pão acabadinho de cozer, tantas vezes trincado e logo cuspido, na certa pela queimadura na boca, apesar dos avisos comer pão quente faz mal, agarra-se ao esófago.
Merendeiras com chouriço , farinheira e bacalhau
Pão de farinha integral e mistura
E, à sexta feira a minha avó Piedade da Cruz cozia Pão de Coroa, com trigo fino.
Herança avoenga de Arrancada do Vouga, de onde vieram avoengos , a jus da fogaça de Santa Maria da Feira, com coroa a riste ao Divino Espírito Santo, cortado a tesoura em Cruz ( o apelido de família), que era coberto com folha de couve crespa para não se queimar .
Pão de Coroa
Foi referido pelo Padre Coutinho no seu livro de 1986 a vila de Ansião tinha uma tradição antiga alimento de boa qualidade dado a doentes e iguaria em casas abastadas- uma especialidade o pão de coroa.
Uma miniatura feita por mim...
O gosto do pão nasceu em criança, em casa dos meus pais. A nossa pá foi adaptada pelo nosso pai de uma gasta que tinha sido da sua mãe Piedade, como as demais alfaias; alguidar, tabuleiro de madeira e o pano de estoupa branco. Construiu atrás da nossa casa um pequeno forno com o barro branco saído do buraco para se fazer o poço no quintal, fazendo a cúpula com telhos mouriscos dum barracão desabado. Porém, a falta de telheiro, o fornito de estrutura fraca, sem a ciência de cúpulas, foi sol de pouca dura!
Na boca da minha avó Piedade
"Qualquer coisa se pode pôr entalar na massa, chouriça, bacalhau, sardinha até açúcar"…
Broas de azeite com mel
Meio litro de água + 0,25 l de mel + 0,25 l de azeite + 125 g de açúcar amarelo + 0,5 kg de farinha de trigo + 50 g de erva-doce + 1/2 c de chá + de sal + 1/2 c de chá de canela em pó + 1 c de sopa de nozes ou pinhões e raspa de limão.
Num tacho deita-se: água, mel, açúcar, erva-doce, canela, sal e nozes ou pinhões. Leva-se ao lume e deixa-se ferver durante 15 minutos.
Retira-se, junta-se a farinha e vai novamente a ferver, mexendo-se sempre, até que a massa despegue do fundo do tacho. Deixa-se a massa repousar até arrefecer.
Tendem-se broinhas longitudinais num tabuleiro, golpeiam-se com uma faca à superfície, podem ser pinceladas com um ovo batido, vão a cozer no forno quente em tabuleiro untado de azeite ou manteiga até que fiquem de cor dourada e fofas por dentro. A avó dizia que não se deviam deixar cozer muito, ficavam nos dias seguintes muito rijas, calhaus na boca dela...
Merendeiras dos Santos
Um quilo de farinha, outro de açúcar, meio quilo de puré de batata, nozes, passas, canela, erva-doce, oito ovos, uma colher de sopa de aguardente e fermento. No alguidar amassa-se a farinha, açúcar, puré de batata e os ovos, tudo bem misturado.
Por fim juntam-se as nozes, passas de uva, erva-doce e a aguardente.
Tendem-se redondas, levam-se a cozer no forno de lenha, nunca mais de trinta minutos para não ficarem muito secas.
As minhas merendeiras
Ferraduras
Com erva doce e canela, ainda uso serem penduradas em andores de fogaças em muita festa popular, Pousaflores e Dornes.
Cavacas
Foi com certeza também herança trazida de Arrancada do Vouga, tal como o pão de coroa e o pão doce .
A prima "Ti Matilde Coutinho" do Cimo da Rua, tão bem as sabia fazer , como o Pão-de ló .
Viveu ao começo norte do Cimo da Rua, muito perto de onde viveu a Maria Piedade, irmã do meu bisavô Elias da Cruz como do outro bisavô Francisco Rodrigues Valente.
Falta ainda apurar de que lado é o laço familiar, com os "Coutinhos", que sei existe.
As cavacas serviam de copo... tem de ser reinventadas!
Lesmas
Encontrei uma receita da minha avó, mas, sem nome... pode ser das lesmas!
Uma medida de cada: azeite, mel, açúcar amarelo e, duas medidas de água. Juntar nozes partidas, sal, uma colher sopa de erva doce e outra de canela.
Misturar bem num tacho que vai ao lume até começar a levantar fervura. Retira-se e junta-se 2 medidas de farinha de trigo e uma de farinha de milho.
Mexer bem para cozer as farinhas. É só tender o formato que se queira. Pincelar com gema de ovo ou leite.
O
meu pai Fernando Rodrigues Valente e o irmão, Francisco, antes do Colégio, faziam a venda de bicicleta
com seirões de verga branca, obra do “Ti Zé Mau” como das cestas que
a “Ti Angelina de Albarrol” e outras levavam à cabeça.
As filhas da “Ti Ilhoa” do Casal das Peras, elevam a bondade do
meu tio Chico, a troco de um copito e dois dedos de conversa, jamais as deixava sem pão do
dia ou de véspera. A sua morte e a da minha avó, precipitou o
aluguer, fechou nos anos 70 do séc. XX.
Padeiras irmãs da minha avó Piedade da Cruz
Desconheço quando fecharam as padarias das irmãs da minha avó Piedade.
Maria
da Luz Cruz
Com morada e padaria na Monteira, ao Carvalhal do Bairro. Ainda a conheci, desativada nos anos 60, do séc., XX, onde brinquei com uma neta que vivia no Brasil, julgo filha do Zé e da Júlia. Talvez tivesse fechado por volta dos anos 30/ 40 do séc. XX, com a emigração do marido José Rodrigues "canhoto" para o Brasil.
Helena da Cruz
Com morada e padaria em Além da Ponte. Desconheço o tempo que esteve ativa. O marido “Ti Ruivo” tinha uma taberna na vila, ela passou a cozer para ele vender ao
sábado e ao domingo com sardinha assada.
Ermelinda da Cruz
Emigrou para o Brasil julgo no início da década de 50 do séc. XX. Teve padaria, a arte não foi continuada pelos filhos.
Amélia da Cruz
Com morada em Além da Ponte, casada, emigrou com o marido e dois filhos para o Brasil.
O filho Raul da Duarte
Citando as suas belas palavras sobre a arte da panificação onde a nossa família se envolveu pelos anos idos do passado! A Padaria, como é fartamente sabido, é uma atividade que demanda gosto e dedicação. Por ser uma
ocupação que exige sacrifício do tempo, da família, e do lazer - tem, como contrapartida, o prazer em servir, e servir com qualidade! Quando você vê o apreço do cliente pelo que você oferece, e a qualidade dos produtos, você se sente gratificado!
Quanto às exigências da profissão, que são reais, é prevalecendo que você vence!
Estamos desde 1979 nessa área, com a Pioneira dos Pinheiros, já é tempo de mudança, mas é Deus que está no controle da nossa vida!
Os meus filhos estão comigo, embora (duas) formadas, gostam do cheiro do pão.
Hoje, por aqui, a padaria evoluiu, saiu da informalidade e passou ao controle digital. Na Pioneira já
operamos assim desde 1996, onde, praticamente, sua funcionalidade é eletrônica.
Mas o tempo passa... Muito já ficou para trás... E hoje, o meu desejo - é beber um leite de cabra!Padeiras irmãs do meu bisavô Elias da Cruz
Maria Beatriz
Teve morada em Além da Ponte onde foi padeira. Casou com um ferrador arte finada com a
filha Isaura Terceiro.
Maria
Piedade
Com morada ao Canto, na vila, onde teve padaria. Casou com Manuel Leal da Fonseca .
A arte foi seguida das filhas
Maria José Leal
Com morada ao Alto da Vinha, onde teve padaria. Desconheço quando só passou a cozer á sexta feira para o marido “Ti Francisco da vinha” , vender ao fim de semana na sua taberna na vila .
Maria do Carmo
Com morada na recente rua nova chamada Dr. Domingos Botelho de Queiroz. O forno e a padaria ficava no tardoz da minha atual casa, no Quelho do Canto. Ao sábado incumbia as
netas Helena e irmã Maria do Carmo de irem vender os bolos, aos ricos da vila.
Arte seguida pelas filhas:
Maria Augusta Lopes
Com morada e padaria no Suímo, fechou com a morte do
marido nos anos 50 do séc. XX.
Piedade Lopes
Por volta de 1945 casou com o Sr. Diamantino Ferreira . A sua casa com a familia Lopes e os Bombeiros em dia de festa.
Fundou a sua padaria, a norte da padaria da minha
avó, inovou com a máquina de moldar os papos-secos.Foi uma grande padaria. Quando se reformou foi alugada ao
Sr. Raposo de Colmeias, seguido do Sr. Manuel Santos do Alvorge e a
esposa D. Júlia, de Pelariga, depois ao Fernando, casado com a prima
Adélia Monteiro ,e por fim a Júlio Godinho e esposa Isaura, até fechar
na primeira década do séc. XXI.
Recordo o
tempo deste último inquilino do Casal de S. Brás, e da sua esposa
Isaura dos Empiados, as vezes que via entrar a D. Piedade portas
adentro, onde escolhia o seu pão diretamente do tabuleiro, já o filho
Necas, de vozeirão, chegava-se e o pedia ao balcão.
Ao
sábado o prazer de ouvir a conversa solta da Ti Maria e Albarrol, mãe
do Fernando Freire, mulher despachada de passo rápido e conversa
certeira, como da "São do Mocho" que vinha à cata das
sobras de véspera, levava um saco de papel da farinha cheio para
engordar as galinhas, ao passar por mim dizia "então cachopa estás por cá?" ...
Por
altura dos Santos, Natal e Páscoa, uma meia dúzia de mulheres
juntavam-se na padaria para fazer bolos, aproveitando a quentura dos
fornos. Acotovelavam-se portas dentro à mistura de filas com tabuleiros
de madeira, alguidares, cestas de ovos e formas de lata escuras, do
Pão-de-ló.
Já que os bolinhos de Todos os Santos eram tendidos à mão, como as lesmas.
Há
muitos anos em alegre cavaqueira a Amélia Serra, tinha 60 anos, e a sua
morte inesperada deixou a todos consternados, boa mulher e muito
trabalhadora, ganhou o Céu pela vida que levou nesta terra...
Na
azáfama a bater os ovos estava a Emília, da Sarzedela, vivia na rua, a
"Ausenda do Mouco" e outras mulheres do Casal de S. Brás.
Desta padaria vi saírem bons e ricos assados de cabrito, galo e borrego, tostadinhos "arremedar leitão fingido", em assadeiras de barro e outras de inox, para não deixar rasto de gordura no lastro dos fornos.
Tanta
gente aproveitou a quentura para os fazer à borla... a minha vizinha
Emília do Porfírio, a Helena do Alexandre, eu, e tantas outras que vi
chegar, como as manas Matias, da Rua de S. Lourenço, com tabuleiros logo
pela manhã de domingo, e a minha Titi, jamais a esqueço de a ver com o
tabuleiro nas mãos logo de manhã, bem vestida, quem havia de dizer que
no dia seguinte o tour a França vitimou a sua querida filha e marido...
Incontestável
afabilidade da padeira Isaura, que tanto subia e descia a escadaria da
sua casa para olhar pela assadura, como de chegar mais uma cavaca de
sobro na fornalha para o calor não abrandar, o marido Júlio, um "paz de alma" com os copitos falava demais, fazia e dizia disparates...
Boas as lesmas gordas que a Isaura fazia como ninguém.
Escreveu o saudoso César Nogueira
Durante
a II Guerra Mundial , filas aguardavam as cozeduras com as senhas de
racionamento nas mãos, nas padarias do meu bisavô, Elias da Cruz, Maria
José Leal, da Maria do Carmo e com certeza a minha avó Piedade. Com o racionamento da farinha, só quem a tinha ,podia cozer.
Foto na década dos anos 60 do séc. XX
Por altura da vinda da Ludovina Lopes e do marido Adelino, para venda dos bens. Recordo de os ver aqui na frente da sua casa, o chalet a sul da casa que conhecemos do Dr, Melo
Dá cartas na arte do pão e da broa, em PortimãoGracinda
Do Suímo, filha da Maria do Carmo Lopes.
A Quinta de S. Lourenço ao Vale Mosteiro de Baixo
Estendia-se da margem sul do Nabão, com o cemitério incluso, ao longo da antiga Rua Direita, vinda da Ponte da Cal, Fundo da Rua, Igreja, Cimo da Rua - para poente, onde foi a quinta do Vale Mosteiro de Baixo, com o atual mercado que se estendia ao promontório do Ribeiro da Vide, onde foi feito o hospital, e para nascente até ao início do Cimo da Rua. A quinta foi cortada no final do séc. XIX pela nova estrada da vila para a Barreira, que ditou o topónimo Canto, à parte mais pequena a nascente .
Após a extinção das Ordens Religiosas, a quinta foi vendida. Temos conhecimento que no séc. XIX uma grande parte era de Manuel Leal da Fonseca Júnior . Depois, José da Fonseca Lopes vendeu parte ao Dr. Domingos Botelho de Queiroz . A viúva de José da Fonseca Lopes - Maria Francisca, vendeu ao médico mais um quinhão . O meu bisavô Elias da Cruz, tinha uma parte grande a entestar o cemitério com o ribeiro(da Vide), a nascente. Foi sendo expropriada para alargar o cemitério em 1969 e depois abertura de uma estrada como a parte inicial do mercado.
Também a Quinta do Bairro, entre o Cimo da Rua, Casal das Peras, Monteira, Ribeiro de Albarrol etc, ainda hoje, tanto uma quinta, como a outra, ainda detém chão de familiares onde vivem ou tem casas como eu, a minha irmã e a minha mãe.
Padaria das Porteladas
Admito
costado familiar com José Rodrigues de Campos, o "Zé da Rita", por extremas entestantes de terrenos com os meus lotes; no Salgueiro e Carvalhal. Ao que parece era do Cimo da Rua, onde casou o meu trisavô Nicolau Rodrigues Valente, natural da Constantina, como da origem do apelido Campos, ao lembrar-me do cocheiro da Rainha D. Amélia, retratado, cujo quadro esteve muito tempo patente no Museu dos Coches, até que desapareceu. Admito tratar-se de uma irmã do meu trisavô, ao tempo não recebeu o apelido do pai, e o Campos, aparece, como apelido do pai de José Rodrigues de Campos. Não consegui apurar se foi ele o obreiro da padaria para a filha Albertina e do marido Joaquim Serra, que aprendeu a cozer a broa com a mãe, no Casal Soeiro.
Vivia-se um tempo
de nove padarias em Ansião, a perda consecutiva da clientela, por suposta falta de perfil no atendimento, o povo gosta de boas falas e de comprar o que quer e, não o que lhe querem impingir, a favorecer a crescente quebra do negócio que precipitou o aluguer ao Sr. João Pereira Dias, do Cimo da Rua, havia depois de se mudar para a mesma arte na Caranguejeira (Leiria), a deixando ao comando do filho Hernâni, que também acabou por ir ter com o pai e o irmão.
Foi nessa altura que a padaria foi alugada ao Sr. Aurélio Freire Diogo do Mogadouro. Na voz da D. Piedade
Lopes, foi
o
seu
melhor
padeiro de todos os tempos.
Anos a trabalhar sozinho, ao sabor do ditado por
trás de um grande homem está uma grande mulher
casou em 1973 com a Sra. D. Natália Diogo do Maxial , que tirou a carta para o
ajudar na venda, e bem me recordo de a ver. A compra da padaria surgiu com a emigração do
senhorio para a Venezuela.
Soma desde então o monopólio em franca expansão e empreendedorismo,
graças à audácia e força obstinada ao trabalho. Expectável culmine excelência com panificadora/doçaria, ao Camporês pelo raio de distribuição conhecido entre Pombal e Pedrogão Grande.
Porque a venda a retalho em cada esquina sem se saber como é confecionado o pão, devia acabar, pelo mal que faz a quem o come!
Em franqueza, evocar a saudade do pão de migalhas crocantes, miolo encorpado, intenso sabor e longa vida, sem bolor. Mais nutritivo do que a variedade d’ hoje, salvé a broa de mistura e o pão Ancião , o da serra de Alvaiázere vendido no Jorge, e o à laia de Rio Maior!
FONTES
Ciclo da Broa e do Pão de Eduardo Medeiros, em 2009
AUC, Tombo de Alhadas, ... Taveiro e Ancião,
Livro do Padre Coutinho 1986
Livro Dr. António Baião de Ferreira do Zêzere
Livro de César Nogueira
Genealogia de Henrique Dias
Testemunhos
Mavilde Murtinho
Natércia Murtinho
Helena Rodrigues
Natália Diogo
Luzita Rodrigues
Sr. Serra
Júlio Godinho
D .Júlia Santos
Isaura Marques
Raul da Cruz Duarte