quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

A Igreja da Mesericórdia de Ansião

 Resumo publicado no Jornal Serras de Ansião de Dezembro de 2024

 A notável falta de literatura ao passado de Ansião e desta igreja; tão pouco; habilidade para achar - marca o Pelouro da Cultura do Portal do Município, o Ponto turístico 12

Vejamos os pontos: "A Igreja da Santa Casa da Misericórdia de Ansião situa-se no coração da vila - Verdade. Já a demais  informação apresenta erros e equívocos dissecados mais à frente.

Iniciei a investigação em 2015. 

De bibliografia inédita a contributo do aumento da consciência pública, do que deve ser a valoração do nosso património religioso, inventariado pelo Igespar em 2010, com o nº PT021003020012 nos tópicos; “conhecer para valorizar”; “informar para proteger”, sem avaliação à sua história, e valor arquitetónico do pórtico, nem  do seu interior. Imóvel de Valor Concelhio, deve ser de Interesse Público, com placard identificativo, jus a poente, o portal de arco quebrado, da ermida de NSConceição, com marcas de canteiro. Em crer, o testemunho medieval mais antigo de Ansião, onde se admenistraram os sacramentos nos infermos do Epital.  Houve outro portal maior, no vulgo mosteiro, da capela de S. Lourenço, que ainda conheci. Por identificar a sua origem se é romano-gótico? Ambos os locais foram classificados em 2010, como habitat romanos. Na idade média os dois portais foram reutilizados em espaços cristãos. No  sitío da Casa de Despacho, Hospital e Albergaria da Misericórdia de Ansião, haviam duas cisternas de água que chegaram até ao séc. XXI, sendo uma foi entupida no atual parque de estacionamento público, a outra, encontra-se no quintal da cozinha da albergaria da Misericórdia, ainda recordo a chaminé, muito desproporcional.

Portal de arco quebrado no tardoz da igreja da Misericórdia com os meus netos amis velhos

                                       

Gravura alusiva às marcas de canteiro do meu amigo Vitor

Convenhamos, o portão da câmara não devia estar  preso à parede da ermida, devai correr pelo lado lateral norte...

                 

Adro da ermida de Conceição com calçada centrado por estrela  de 8 pontas, alusão à do brasão do Marques de Pombal e à de David  de 6 pontas

Marcas de canteiro no arco

              

Temos a notícia em 1721,  do juiz Manuel Rodrigues, sobre o Dr. António dos Santos Coutinho fez a igreja da Misericórdia, e na Corografia Portuguesa do P. António Carvalho da Costa "A Ermida da Misericórdia foi mandada construir pelo Cónego Mestre António dos Santos Coutinho.

Não é bem a mesma coisa. A Misericórdia era servida pela ermida de NSConceição, que sendo pequena para o afluxo de doentes do hospital , o Mestre vindo de Lamego, onde já acabara a sua missão de pároco magistral se incumbiu de fazer obras para a Mesericórdia; albergaria e uma capela maior no tardoz da ermida com frontaria para nascente, cuja volumetria e monumentalidade se passou a chamar igreja, e assim deve ser chamada.

Fotos de Ansião antigas onde aparece a Igreja da Mesericórdia

Talvez  anos 20 do séc XX? A Placa é de 1903 com árvores já de alguma envergadura

A igreja ainda tinha o sino

Há poucos anos a igreja foi caiada e limpa a pedra do seu magnifico portal encimado por Cruz ornado de pináculos com nicho sem Imagem, sem se saber se antes a ostentou, e ao centro pedra esculpida a imitar crochet.
Intriga não ter o brasão das Misericórdias, a de Arganil ostenta, mas é mais recente.

                                       Óculo em cantaria a nascente de iluminação 

                                       

Portal  

Em 29 de janeiro de 2017, Ricardo Filipe P. Duarte Silva, no seu Blog Monumentos e Sítios, aborda a Igreja da Misericórdia de Ansião

"Apresenta planta retangular composta por nave e capela-mor.
A fachada é rasgada por belo pórtico emoldurado por colunas clássicas e rematadas por pináculos sobre a arquitrave, com frontão preenchido por lavores envolutados, que enquadram um nicho, desprovido de imagem, e encimado por cruz. É ladeado por dois janelões retos com cornija e encimado por óculo. Termina em empena triangular truncada no vértice, onde sobressai sineira reta."


Com legenda falante "Maria foi concebida sem pecado original "

A devoção à Imaculada Conceição, foi incrementada na região por ser a padroeira da Universidade de Coimbra.

Remate em rodapé das colunas com florões e decoração geometrica

Arte de Lavrante de Ansião

Terra de pedra e canteiros, arte praticamente em decadência. 
No passado com canteiros no Mosteiro da Batalha e quiçá no dos Jerónimos . 
Exalta o portal esculturas de cariz à  simbologia judaica à laia se visualiza o Menorá em rodapé. 
Acordar mentalidades
Mais do que na hora de nascer uma Escola de Cantaria profissionalizante em Ansião, que dignifique  o concelho e o País, com obras de restauro e novas. 

Esculturas no interior; o púlpito 

Ranhuras a imitar a cana usada na ponta dos dedos na ceifa e corações, a ligação aos afetos

       

    Pianhas de suporte esculpidas com acantos e de lado espiral dita caracol   

                  A escadaria do púlpito com orifícios onde encaixava o varandim de madeira

                
Pormenor gracioso no rebordo da pedra

Porta a sul escultura judaica; chave e folhas unidas como se fossem de palmeira

Informação no portal do Município 

"A capela terá mesmo começado por ser a capela privada da família do 3.º Conde da Ericeira, na segunda metade do século XVII."  Falso, o que houve foi aproveitamento da faustosa igreja pelo Senhor de Ansião, ao adoçar atabalhoadamente em vaidade, uma casa pequena de r/c e sobrado com duas portas e 4 janelas a varandas corridas com varandim de ferro; nem solar, nem palácio, com entrada principal ao centro com escadaria de 4 degraus à semelhança da igreja!  

E se era rico!  

Postal  com a casa onde foi inataurada a Comarca de Ansião

Continua o portal do municipio ; E "Em 1702, terá sofrido uma intervenção profunda, por iniciativa do Padre Jesuíta Dr. António dos Santos, como atesta uma placa no seu interior. Falso. O Mestre entre 1700/01, fez uma capela maior . 

Guarda o interior da igreja da Misericórdia uma estela de pedra com a data de 1702

                              

No arquivo da Universidade, o pedido da Misericórdia à Diocese de Coimbra em 21.11.1701

" por estar a igreja acabada de construir, poder celebrar missa aos Domingos e dias santos.  

A estela de pedra encontra-se fixada na parede norte depois do guarda vento, com as intenções:

Missas a dizer aos domingos e dias santos nesta capela, pela alma dos fundadores e irmãos da Misericórdia de Ansião e também do Cónego António dos Santos Coutinho, assim como pelos seus pais e benfeitores da referida Santa Casa. 

A mensagem expressa quase uma certeza que os seus pais foram  fundadores e benfeitores da Misericórdia de Ansião, por isso voltou a Ansião, facto muito raro. Quase ninguém voltou de tantos saídos de Ansião, a estudos, ou para ingresso em Ordens Religiosas.O Mestre deixou a Igreja sem rendas, dada a rentabilização da Albergaria.

E, Durante séculos ali se celebrava missa todas as manhãs de domingo ou dia santo, porquanto à sua porta passava a estrada real que levava muitos viajantes do norte ao sul do País. Equivoco.A estrada real teve corredor pelo Vale Mosteiro atestada na Freixianda, jaz esquecida em Ansião. Com a mudança do burgo do Vale Mosteiro, para o atual depois de 1593, foi reativado outro troço romano, ao fundo das Lameiras, paralelo com o Nabão, vindo a privilegiar em 1648, a construção da Ponte da Cal. Por onde  começaram a passar muitos viajantes de todas as estirpes; nacionais e estrangeiros; nobres, clero, povo, almocreves, mercadores, peregrinos, pobres, salteadores, no Caminho de Santiago para Alvaiázere. 

Uma visita ao seu interior enriquece o visitante com a contemplação das “Armas de Portugal” no teto; de esculturas das quais se destacam a da padroeira (Nossa Senhora da Conceição) e a de Nossa Senhora do Pranto; e de uma sepultura brasonada."  Equivoco; a padroeira nunca foi NSConceição. A padroeira inicial da nova capela foi NSGraça. Só nos finais do séc XIX, é que o Visconde da Guarda decide a sua ampliação com mudança do orago para NSPiedade que o povo eternizou NSPranto. 

Notável, o texto não aborda de quem é a sepultura brasonada. 

No Livro das Memórias Paroquiais Setecentistas de Mário Rui Simões Rodrigues e Saul António Gomes "O Mestre jesuíta Dr. António dos Santos Coutinho, de Ansião  veio da Sé de Lamego para ampliar a ermida de Nossa Senhora da Conceição de Ansião para a tornar maior e passar a ser a Capela da Misericórdia." Equívoco, já acima abordado. A ermida  em 1701,  ficou  ligada por porta a norte com o altar-mor da nova capela,  que foi fechada  na ampliação nos finais do séc. XIX.

União a sul do telhado e em rodapé da ermida de NSConceição com a igreja da Misericórdia

               

Em pormenor a união do telhados 

A porta fechada que fez a ligação da ermida com o altar mor da nova capela

Janelas no altar mor de belas cantarias interiores com gradeamento

           

Nas Memórias Paroquiais de 1721

A notícia do juiz Manuel Rodrigues

«o Doutor António dos Santos Coutinho conigo que foi de Lamego fez uma igreja de Misericórdia que não tinha rendas à qual se anexou uma albergaria de NSConceição, auera 25 annos que instituiu um Morgadio, parte dele está na vila, o seu administrador Manoel dos Santos da Guarda, e mandou erigir uma Capela entre Santiago e o termo do Rabaçal “ – aborda a capela que instituíu na Junqueira, no fim do seu morgadio, sem menção à de Além da Ponte, no inicio do mesmo, de orago à Rainha Santa Isabel.

A nova capela da Misericórdia pronta em 1701, sofreu um forte vendaval em 1706. Temos a notícia no 1.º volume da Corografia Portuguesa;  "já estava arruinada por via de um temporal com derrocada tendo sido a Imagem recolhida na Matriz."  vendaval que se abateu em Ansião, tenha também destruído a capela de Além da Ponte, na mesma direção da igreja da Misericórdia, e seja por isso que o juiz não a referiu. 

Após a conclusão das obras que o Mestre instituiu em Ansião; Albergaria, Igreja da Misericórdia e um Morgadio com duas capelas,  deixou Ansião indo refugiar-se no Santuário jesuíta de Nossa Senhora da Lapa, Quintela da Lapa, em Sernancelhe. Passou a ouvir os peregrinos em confissão e movido pelo zelo caritativo e com um forte espirito de serviço para com os pobres e necessitados, foi assistir soldados vítimas de doenças infeto-contagiosas, que acabou por contrair, vindo a falecer a 25 de dezembro de 1704”. A  sua morte precoce quebrou o contrato com o administrador do Morgadio e da Capela da Junqueira. Após a República ficou  pública com mudança da fachada para sul, para se alargar a estrada. Já a capela de Além da Ponte, não mereceu aposta de requalificação pelo seu irmão(s) , dada a  descendência do Mestre em Ansião, em chão do seu morgadio de Além da Ponte.  

Padre Coutinho refere no seu livro de 1986

(...) segundo uma tradição familiarmente conservada, o seu ascendente viveu na casa senhorial defronte da igreja matriz e a ele também se deve a edificação da ermida da Rainha Santa Isabel, em Além da Ponte. A  casa senhorial defronte da matriz, hoje pastelaria Diogo, ao gosto do novo-rico regressado do Brasil Manuel Santos Franco, é do princípio do séc. XX. O que não invalida que não fosse o sítio de morada da família Coutinho. Correlacionei pedidos de passaportes de dois irmãos de apelido Coutinho de Ansião, para o Brasil, antes de 1913. Ano da chegada do novo rico do Brasil, pai do Sr. Franco, que comprou o lote aos manos Coutinho onde construiu a casa de aspeto senhorial. 

O dinheiro foi suporte à  emigração definitiva de Augusto Maria Coutinho com a mulher e filhos para o Brasil, onde já estava outro irmão. 

Pia de água benta

Não localizei registos de casamento nem de nascimento no apelido Coutinho antes e no inicio da centuria de 600

De onde terá aportado o apelido Coutinho? Do Senhorio de Abiul dos Silva/Coutinho, vivo em Almoster, com um ramo vindo para Ansião? Ou da Casa de Pereira, em Montemor o Velho, da família do bispo Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, cuja quinta da Sarzedela, fez parte do morgadio instituído pelo Mestre a fecho na Junqueira? 
O mesmo sobre o apelido Santos. 
No tardoz da Casa de Despacho da Misericórdia onde foram as cavalariças da Albergaria, numas casas nasceu o pai de Políbio Gomes dos Santos - sem saber se são família. Presume os pais ali trabalhavam, seriam  Irmãos da Misericórdia de Ansião, como os pais do Mestre. O pai do Políbio foi ao Brasil, voltou e comprou o lote que entesta na Av. Duarte Faveiro, onde fez uma moradia. A filha deixou-a à Misericórdia. A sua venda retrata o desconhecimento cultural da Instituição, já que era o último reduto onde nascera .
Dr. António dos Santos Coutinho terá nascido por volta de 1648, aquando da fundação do hospital da Misericórdia, já que entrou no noviciado a 06.05.1662

O Mestre Benfeitor da Misericórdia

" (...)pela escritura da esmola de cem mil reis, a render cinco perpetuamente, quem se tem obrigado a dar todos os ornatos da igreja da Misericórdia com todos os paramentos necessários para se celebrar o santo sacrifício da Missa com a devida decência como sam, pedra de ara, caliz, patena de prata dourada, colher de prata, duas galhetas, e prato de prata, duas, e prato de estanho, duas, e prato de vidro, hum frontal de damasco branco, e incarnado em bom uzo, duas cazulas, com estolas, e manípulos, huma de damasco branco com os bentinhos incarnados em bom uzo, e a outra do mesmo damasco branco nova feita aromana, duas banquetas huma de estanho fino, e a outra de pão dourada ambas novas, e feitas a romana, três alvas, sinco amitos, quatro cordões, seis mezas de corporais, outo sanguinhos, sinco toalhas, tudo em bom uzo, seis manustergios, pia de Agoa Benta, púlpito, e sino. "

Já vimos que um temporal em 1706, a deixou  inativa ao culto

Acresce a nota de 1747, do padre Luís Cardoso "defronte da igreja matriz se vê uma ermida demolida, a que chamam a Misericórdia, havia uma Imagem de NS da Graça, e um capelão com obrigação de dizer missa todos os domingos, e dias Santos pela manhã cedo aos passageiros. Mudou-se a Imagem da Senhora para a igreja matriz, onde o capelão diz as missas. 


E, em 1769, na "Relação das Igrejas, Confrarias e Capelas da Freguesia de Ansião" do padre José Fernandes da Serra; já a apresenta com tudo o necessário para servir o culto" .

Em  outubro de 1810, a passagem dos desertores franceses do Buçaco por Ansião,  deixou um rasto de destruição, roubo e fogueiras em capelas. 

A igreja foi aquartelamento com os cavalos onde deixaram duas  grandes marcas de fogueiras; no corpo da capela e no altar-mor. 

Marcas das fogueiras no lajedo do corpo da igreja 

Arredei a carpete no altar mor para descobrir a marca
                                               
Verosímil onde foi queimada a imagem de pau de NSConceição, o varandim do púlpito de madeira , o balaústre do altar da capela mor e bancos, como roubaram os instrumentos litúrgicos de prata e a Cruz processional da procissão .
              
Orifícios de suporte do varandim do púlpito e o atual varandim de ferro e antes balaústre de madeira que na ampliação apenas foi reposto a grade a dividir o altar mor

Alfredo César Lopes Vieira
"Nascido em 1873 e falecido em 1936, fez grandes obras nesta capela e para ela adquiriu um retábulo em madeira e as Imagens de Nossa Senhora do Pranto, S. Francisco Xavier e da Rainha Santa Isabel. 

O Visconde da Guarda nos finais do séc. XIX, era o administrador do concelho de Ansião, sendo confrontado com a revolta do povo, conflitos gerados pelo assalto aos bens da Misericórdia e dos que ofereceu a correligionários, seus amigos, clima que teve de acalmar . Na brilhante ideia de ampliar a atual Igreja, por anulação da ermida de NSConceição, o último reduto de bens deixado na vila à Misericórdia e mudou-lhe o orago.  O povo beatizado e analfabeto acalmou...

Retábulo do altar mor
Mudou o orago de NSGraça para NSdaPiedade, eternizada NSdo Pranto.

Nichos laterais; à esquerda a Rainha Santa Isabel e à direita  S.Francisco Xavier.
                              
O culto a Nossa Senhora da Piedade  eternizada NS do Pranto

Nos excertos do Livro Património Religioso do Concelho de Ansião de António Jesus Simões. Joana Patrícia Dias e Manuel Augusto Dias 
(...)" Em março de 1896, a notícia no Jornal - O Concelho de Ancião "está acabada a imagem da Senhora do Pranto , que um distincto esculptor do Porto foi encarregado de fazer, por uma Comissão composta dos Srs. Dr Botelho de Queiroz , Padre José Portella e outros Cavalheiros. A imagem que deve chegar no fim do mez vae privisoriamente sêr installada na egreja matriz d'esta villa, para o que andam a preparar convenientemente um altar", e que, prontamente mandou emitir o respectivo documento onde certifica ter concedido cem dias de indulgências "a todos os fiéis que attenta e devotamente orarem diante da mesma" A Imagem de Nossa Senhora do Pranto da Igreja da Misericórdia de Ansião ficou concluída em fevereiro ou março de 1896, na cidade do Porto e terá custado a importância de quatro mil e quinhentos réis. "

O mesmo jornal -  O Concelho de Ancião, nº 21, de 3.6.1896, pp.2 e 3
" Há pouco adquirida para ser a futura protectora do hospital que se projecta levar a effeito, é uma Imagem digna de admiração. Que esplenderosa esculptura e que bella encadernação! O Christo é magnífico, cheio de verdade anatomica, cor cadavérica, posição; ella, a Virgem, com a sua expressão angustiosa, o seu olhar húmido de lágrimas e sofrimento, é bella. É esta Imagem uma verdadeira obra de arte, digna d'uma esplendorosa cathedral e não d'uma modesta egreja ou hospital de provincia e esta nossa apreciação é corroborada pelas referencias feitas por diversos orgãos da imprensa do Porto, onde esteve exposta " (...)  "E ainda com a ajuda do padre ao tempo na Matriz José Rodrigues Portela, sepultado ao meio do corredor principal do cemitério, e com outro membro da Comissão José Nunes de Ascensão, os três solicitaram uma certidão de indulgencias concedidas a quem venerasse a dita Senhora, ao Cardeal D. Américo, Bispo do Porto, que a benzeu por ali ter sido esculpida.Esta certidão de indulgências manuscrita esteve até há poucos anos afixada na Igreja da Misericórdia , para conhecimento público (...) Aos que esta Provisão virem Saude e Paz em Jesus Christo Nosso Senhor e Redemptor. Fazemos saber que por parte do Reverendo Presbytero José Rodrigues Portella, Parocho da freguezia de Ancião, Bispado de Coimbra e bem assi do Bacharel Domingos Botelho de Queiroz e José Nunes Ascensão, Nos foi dito que, havendo sido por nós benzida e indulgenciada uma Imagem de Nossa Senhora do Pranto destinada à veneração e culto público na Mesericórdia da referida freguezia d'Ancião, desejavam o competente diploma em que se certificasse não só a benção como a indulgência concedida a todos os que orem e rezem diante da dita Imagem:Attendendo Nós à sua petição e despacho do Exmo Rmo, Bispo Conde, Mandamos expedir o presente pelo theor da qual certificamos que a mencionada Imagem de Nossa Senhora do Pranto foi por nós benzida e indulgenciada com as indulgências Apostolicas e mais cem dias a todos os fiéis que attenta e devotamente orarem diante da mesma. Escrivão da câmara Eclesiástica que a subscrevi padre Julio Albino Ferreira, dado no Porto este novo Signal e Seloo d' Armas aos 4 de abril de 1896 ."

A fé em Nossa Senhora do Pranto aumentou significativamente em Ansião
A minha avó paterna ganhou o seu nome Piedade, em devoção a esta nova Imagem, que foi também  orago da capela da quinta dos Sequeiras na Ribeira do Açor .
A Misericórdia tinha Irmandade, ainda se guardam as opas. Ouvi falar do interesse de voltar a dar vida à Irmandade...
Foi a maior romaria de Ansião, a cada ano por altura do primeiro fim de semana de junho, atualmente caída em desuso. Segundo a D. Laurinda do Cimo da Rua com mais de 90 anos, mãe da minha amiga Irene Freire, a procissão fazia-se até ao Cimo da Rua e dava a volta ao Cruzeiro, já sem a Cruz onde no orifício era posta a Bandeira da Misericórdia seguindo a procissão para Além da Ponte com regresso à Misericórdia.

Altares colaterais
Ladeiam o arco triunfal, foram rasgados em arco de pedra graciosa, à laia eram os pobres da matriz. 
As Imagens assentam em pianhas; a esquerda dedicado à memória do orago da ermida anulada,  NSConceição e o outro S. José e o Menino Jesus.
             
O Visconde da Guarda não tinha de ter anulado a ermida. Os dois locais de culto podiam coexistir. 
Sem filhos, não contemplou a sua terra Santiago  da Guarda, a salvo arrependimento fugaz à hora da morte, com a pretensa do ganho do céu,  ao distribuir parcas moedas à criadagem…
Em  Ansião, o Visconde encenou um circo com engenho e arte à laia romana; festa, pão, vinho e banho santo, mudando em 1896, o orago NSGraça para NSPiedade, eternizada NSPranto - atribuída ao escultor do Porto, Teixeira Lopes. 
Espevitou o povo ao arraial, golpe de mãos dadas com Abel Falcão, vindo de Moçâmedes, África , o novo dono da quinta de Além da Ponte, comprada a conterrâneos de apelido Alarcão, do Espinhal. Abafou o preconceito às crianças mestiças, suas afilhadas, patrocinando a atual capelinha na margem norte do Nabão, à memória da ruída à Rainha Santa Isabel. Doou as imagens: S. Pedro, do oratório do seu solar e o S. João Batista da capela instituida por  Joana Bautista do Moinho d'Além da Ponte, termo desta villa feita aos 13 de setembro de 1696 annos; he possuidor e adminsitrador della Manoel Mathus do mesmo termo; manda dizer quatro missas cad'hum anno."  Em crer, a imagem da Rainha Santa Isabel foi aquisição com outra maior no altar-mor da igreja da Misericórdia. 
Encenação a remate rogo epíteto ao Mestre jesuíta, seu devoto fervoroso, pioneiro ao seu culto no concelho, e se deduz «no livro de compromissos da Misericórdia de Ansião ficou atestada a obrigação de uma procissão à Capelinha de Além da Ponte».

O teto da igreja da Mesericórdia

Em abóbada de berço, estucado com a pintura de um fresco com as Armas Reais de Portugal entre ramos de palmeira, descrito em 1955, por Gustavo Sequeira, no inventário artístico de Portugal. 

Ostenta ao centro do retábulo um gracioso resplendor com quatro cabeças de anjo 

Tapeçaria da CUF

Debaixo do altar encontra-se uma carpete com o brasão de Portugal, obra produzida na CUF de Ansião. 

Transcrevo a mensagem de  Aurora Silveiro de Ansião, que trabalhou na CUF 
"Ao ler e ver o seu BLOG vi uma carpete com o Brasão na Igreja da Misericórdia de Ansião essa carpete foi feita para oferecer ao Duque de Bragança e sua esposa quando casaram e fizeram mais algumas que ofereceram a quem entenderam, parabéns pelo que escreve".

                            

Sepultura brasonada

Jaz na frente do altar de S. José com o Menino, a sepultura do seu capelão João Crisógono Figueiredo Perdigão Vilas-Boas Amaral. Nascido a 22.11.1797, na vila de Celavisa, em Arganil, faleceu em Ansião, a 23.12.1855 . Com letreiro partido, julgo legível; os condes de Vila Nova (Portimão) e Sabugal? Seus descendentes?

Armas no brasão da sepultura

I /Amaral, II /Figueiredo; III /Perdigão IV/ Villas-Boas, com diferença do seu pai o fidalgo Joaquim de Figueiredo Barreto Perdigão de Vilas- Boas, foi Almoxarife de Penela, com elmo e o timbre dos Amarais e um leão a segurar um bastão. O canteiro não foi feliz, algumas peças tem erros e definição rústica, na opinião de Rui Correia, a Arte da Heráldica de Portugal. 

                                

                                            

Epíteto do letreiro eco ao célebre ditado dos nossos antepassados

"Os Primos dos nossos Primos, nossos primos são"

Assenta a deslocalização de Góis e Arganil, para Ansião de muitos como do seu irmão; José Joaquim de Figueiredo Perdigão Amaral de Vilas-Boas nascido em 1799, casou a 30.04.1829, na Igreja da Lagarteira, com Cândida Maria Xavier Pacheco. 

Apelidos afetos ao VI Conde de Vila Nova de Portimão: Dom João de Lencastre e Távora Sá Menezes Almeida Castelo Branco Vasconcelos Silveira Valente Coutinho Barreto Lemos e Goes

Resistem em Ansião os apelidos; Sá; Silveira; Valente e Coutinho.  

Coligi Belchior António Caetano dos Santos Coutinho e sua mulher Maria Josefa do Pranto e Serra, da sua Quinta de S. Lourenço, com morada em 1800, na chamada quinta do Dr. Faria, solar em ruína, resiste o cedro do Líbano, onde a nascente por volta de 1648, foi implantada a Casa de Despacho e o hospital da Misericórdia .  

E Joaquina Inácia, de Ansião teve uma filha chamada Ana Perpétua Furtado da Silveira,  que casou em 1813, com João de Figueiredo Sanches Barreto Perdigão, descendente do Capitão-mor de Góis, um tal Alexandre Barreto de Figueiredo Perdigão, aí nascido por volta de 1598. 

Já sobre o meu apelido paterno Valente,  evocar a quadra de Diogo Gonçalves Forte:

 deixou a sua semente

E com o nome de Valente

Por sua honrada morte

Na de Ourique a gente

Entre demais apelidos perdidos: Menezes da quinta das Lagoas; Almeida; Barreto e Lemos . 

Recordo a Igreja da Misericórdia 

De abrir somente no Dia de Ramos para a sua bênção, e a imagem do Senhor dos Passos com a Cruz vestido de roxo na procissão. A saudosa prima do meu pai “Amélia Ruivo” gostava de espreitar “O Santinho” por detrás da cortina guarda-vento, depois da escola, a caminho da taberna dos pais na vila.

Há anos, em boa hora, foi restituído à igreja da Misericórdia o serviço inerente ao ritual do velório

Faltou cunho cultural do provedor ao habilitar sanitários na parte sobrante da ermida de NSConceição, dando sumiço ao Senhor dos Passos… A comunidade da vila ganhou uma casa mortuária em ambiente religioso de grande significado histórico, sem outro que se iguale, no coração da vila; oferece conforto intimista e apaziguador a familiares e amigos dos defuntos, como facilita a tomada de refeições e estacionamento. É hora da matriz alterar conceitos e articular as missas de corpo presente nesta igreja, abolindo a desnecessária ida à matriz. 

Assisti na Loja do Cidadão à tramitação para aquisição de terrenos a nascente do cemitério pela Junta de Freguesia. Não aplaudo a sua utilização em declive inferior que é confrangedor a sepultamentos pela visibilidade, cuja melhor viabilidade será jardim e parque de estacionamento, com quiosque floral. Tão pouco casa mortuária em local ermo, sendo Ansião privilegiada com a igreja da Misericórdia – mas, que grande falta de orgulho, e de sentimento ao património, quando poucas terras as fundaram. 

No direito de cidadania apelo há consciência em valorizar no presente a sua história, jamais ousadia de mudar a sua finalidade alicerçada há 323 anos! 

Clama articulação da Autarquia e Junta de Freguesia o préstimo financeiro de ajudar a Casa da Misericórdia, a dignificar o seu património edificado, melhorando a qualidade da utilização da sua igreja, com restauro do retábulo do altar-mor em talha polícroma, dourada e pintada do entalhador José Mendes da Silva, e adaptar climatização

Gritante a falta de regras na toponímia de Ansião no chão que foi da Misericórdia

A Rua dos Mosteiros, no Vale Mosteiro o sítio  do primeiro burgo de Ansião, alusiva aos Açores…

Onde há anos a limpeza das margens do ribeiro no Vale Mosteiro de Baixo,  pôs a nu muros de pedras de arestas, quiçá reutilização da primitiva igreja, já que são toscas a jusante e a montante. 

Assertivo é encanar o ribeiro para norte, e com as pedras exaltar o passado dCerrado Senhora da Lapa que foi fazenda da minha bisavó paterna Maria José da Conceição (Godinho), herança de 3 filhas, a parcela do meio, da igreja, foi herança da minha avó Piedade da Cruz, reza a escritura; Ribeiro da Igreja. Sem descuidar a presença de um arqueólogo no levantamento de oliveiras, já que no passado as raízes traziam espólio romano e medieval. E, assaz prospeção ao túnel a poente que ligou o vulgo mosteiro, pelo Intermaché, e dizia Artur Paz, que o seu poço com escada lhe dava acesso

A Junta de freguesia deve pôr termo à atribuição de alvarás a gente viva, e de vez apostar na digitalização do seu arquivo para elencar a genealogia de Ansião. 

A capela do cemitério pode acolher espaço museológico de arte fúnebre sem descendentes em Ansião. E, um ossário a sul na língua de chão sem utilidade. O futuro é a cremação!

Jaz esquecido, sem cognome de Ilustre, o primeiro grande benfeitor da Misericórdia 

O Mestre Dr. António dos Santos Coutinho, pioneiro a perpetuar a memória da passagem da Rainha Santa Isabel por Ansião, volvidos 360 anos da sua morte. Nem homenagem, nem agradecimento na toponímia. Honras exaltadas ao Conselheiro António José da Silva, «Homem natural de Ansião, padre, faleceu em 1905. «No testamento deixa ao Hospital da sua terra - Ancião - além de uma casa que vale mais de três contos de réis, mais 500$000 réis.» Portanto um benfeitor mas, do hospital da Misericórdia, quem instaurou em 1875, os limites atuais do concelho e a Comarca,  retirando o poder da Cabeça do Bairro, em condições deficitárias,  para o instalar na  casa que fora do senhorio de Ansião, que tinha sido entregue em 1673, a Dom Luís de Menezes.

Em 1937, a frontaria dos Paços do Concelho vivia de paredes meias com barracas de aluguer- não sabemos quem recebia as rendas. Onde  vivia Ti Júlia Peleira, e o genro Manuel Mortinho, as irmãs Lucrécias,  e a mãe de Armando Freire, com negócio num tasco.

Nunca se apurou a razão do incêndio  que destruiu o sótão dos Paços do Concelho onde estava mal acautelado o cartório da herdade de Ansião; tombos, livros de tabelião e demais documentação. Os residentes das barracas foram realojados, e os Paços do Concelho foram ampliados para norte, a ganho do aspeto que hoje apresenta. O mestre de obras era tio do meu pai, António Rodrigues Valente do Escampado de S. Miguel .

Pese tanto atropelo à Igreja da Misericórdia, exalta o espólio; dois lampadários de latão, estandarte, candelabros, urna de eleição, Missal e a Bandeira com a Mãe Misericórdia de corpo inteiro, pés assentes no Mundo, adorada por devotos e crianças de mãos erguidas, coroada em  raiado esplendor em manto preso por  anjos. Desconheço se teve brasão.

Na atualidade

                                 


Aguarela assinada de 2019 da Igreja da Misericórdia de Ansião

                     
Travessa da Misericórdia
Para haver na toponímia Travessa tinha de haver Rua e não há...designação antiga antes de nascer a Av. Dr. Vítor Faveiro, a travessia da vila para o Vale Mosteiro fazia-se pela  travessa da Misericórdia.

FONTES 
Portal do Municipio de Ansião
Livro de Noticias e Memórias Paroquiais Setecentistas de Mário Rui Simões Rodrigues e Saul António Gomes
Igespar https://www.patrimoniocultural.gov.pt
Livro Ilustres Ansianenses do Dr. Manuel Dias  - Conselheiro António José da Silva  e Dr. Domingos Botelho de Queiroz
Livro Património Religioso do Concelho de Ansião de António Jesus Simões. Joana Patrícia Dias e Manuel Augusto Dias 
https://monumentosesitios.blogspot.com/2017/01/capela-da-misericordia-de-ansiao.html
http://www.scmansiao.pt/

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