quarta-feira, 15 de junho de 2022

Ponte da Cal de Ansião, obra de 1648!

Crónica com excerto publicado no Jornal Serras de Ansião, em Junho de 2022

A crónica em remate tecia crítica ao órgão que tem a tutela da manutenção da ponte, a autarquia. Mas, á última da hora decidi retirar, fazendo fé que o eco em desabono por outras vias a circular,  seria suficiente para em tempo útil ser sanada . Puro engano. Pese os visos e de outros, aos grafitis obscenos sob o arco norte vai para 2 anos, sem objeto de limpeza, apraz dizer que foi mais determinante delegar apenas a pintura da ponte e limpeza dos muros e dos bancos..
A politica não é o meu estar maior. Intervenho em opinião, a grito da salvação do património de Ansião. Com crítica para enxergar quem anda cego e também construtiva, a nefastas atitudes de restauro e de incúria à falta devida da justa e premente manutenção. Retire o leitor as conclusões que lhe aprouver!

Conheci a Ponte da Cal, na década dos anos 60, do Séc. XX, enegrecida pelo tempo. Recordo por altura do carnaval, a fausta mimosana frente da casa do Sr. Albertino Coutinho, vestida de  copa amarelo canário,  em cenário estonteante a brutal contraste à negrura da pedra que enaltecia o  meu olhar!

Num tempo que em Ansião  só havia esta espécie de mimosa e outra igual no adro da capela de Santo António , entretanto desaparecidas, de tronco avermelhado, espécie não invasora.

 
Planta de localização
 
 
 Referida no livro de 1986 do Padre José Eduardo Coutinho
(...) ponte seiscentista em corcova a ligar as duas margens do rio Nabão, no seguimento do troço viário, então reaproveitado, de Lagoas, para o centro da vila em finais do séc. XVII, foi construída de alvenaria, com dois arcos em cantaria siglada (…) sobre o topónimo cal, adverte vir do latim - canalem que evoluiu para caale - o mesmo que via.

Primeira foto conhecida da Ponte da Cal, de 1915
Sentado no banco da ponte o ferrador Sr. Coutinho de Além da Ponte

Pertinente questionar
Será a foto após a campanha das obras do alcatroamento,  guardas e bancos?

 Segundo o relato do estudo  da Intervenção Realizada 

 Proprietário: séc. 20 - alcatroamento e consolidação estrutural (guardas)

O que mais nos diz a fotografia? O traje das mulheres com as saias abaixo do joelho. 

local da casa que foi do Dr. Vitor Duarte Faveiro, mostra  um telhado de um barracão ? Adoçada a uma casa de sobrado, dos ascendentes do instituidor do Morgadio, em 1696, pelo Dr. António dos Santos Coutinho .

Analisei à lupa a foto

O telhado do barracão podia ter sido o palco da primeira capela  à Rainha Santa Isabel, onde hoje é a casa  que foi do Dr. Vítor Faveiro?

O muro da ponte a poente além do postalete do lampião de iluminação a petróleo, apresenta três outros sem saber a que se destinavam.

A passagem pela ribeira do Nabão na margem norte, hoje em calçadão que seguia em leito seco ou com pouca água, seguindo para poente onde ainda persiste estreito corredor, que veio a ser absorvido, julgo na década de 50, do séc. XX, aquando do alargamento da boca de entrada da ponte, a sul, com a retirada de bancos e afastamento do mural. 

Monumentos número IPA Antigo: PT021003020008  e novo IPA.00006920 da Ponte da Cal 
Lurdes Perdigão 1999 É crença popular que era neste tanque que se banhava a Rainha Santa Isabel, aquando da sua passagem por estas terras, tornando-as milagrosas: "banhos santos". Junto à margem direita do rio erigiu-se uma pequena capela em homenagem à Rainha Santa Isabel, onde anualmente se pode assistir a um popular arraial, por altura do São Pedro, que partilha a mesma capela. 

A mensagem de Lurdes Perdigão é errónea, por falta de investigação - a Rainha Santa jamais por aqui passou, pelo menos nesta ponte, construída em 1648. Já que faleceu em 1336, nessa altura o burgo de Ansião, estava sito ainda a poente.

A capelinha atual, de Além da Ponte, é dos finais do séc. XIX, é a segunda nesta margem, mas, agora ao orago S. Pedro. Contudo, desde sempre vive na memória dos familiares do instituidor do Morgadio, o Mestre Jesuíta Dr. António dos Santos Coutinho que também instituiu uma capela à Rainha Santa Isabel.

Aponto o patrocinador Dr. Abel Falcão, o  fundador da atual capelinha. Conterrâneo da família Alarcão do Espinhal, donos da Quinta de Além da Ponte, gente monárquica e miguelista a precipitar  a venda da  quinta . O Dr. Abel Falcão, recém chegado  de África, credível era ateu - nesta época houve muitos - e se atender a ter levantado a capelinha simples e à doação  de imagens - S. Pedro e S. João Batista  - este é descrito como orago da capela instituída por Joana Baustistae em 1696, no moinho de Além da Ponte, nas memórias paroquiais. 
Ainda assim,  houve quem continuasse a dizer que a capelinha de Além da Ponte é da Rainha Santa, e outros de S. Pedro, sendo que todos se esquecem do S. João Baptista... Na atualidade, a mesma capela de exíguo altar,  convivem os dois Santos com a Rainha Santa Isabel.

Plausível presumir que o concelho de Ansião viveu nos finais do séc. XIX vários conflitos; com a divisão da terra que fora do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra distribuído por correligionários e seus amigos e, pela aglutinação de novas freguesias na comarca ; Torre de Vale de Todos, Lagarteira, Avelar, Chão de Couce e Pousaflores.

A forma de sanar tanto conflito foi sanado num golpe de sorte - a comarca celebrou a paz pública de mão dada com o novo dono da quinta de Além da Ponte - o Dr. Abel Falcão, patrocinador da capelinha. Talvez por isso mais tarde, a rua com inicio ao cruzamento norte do Fundo da Rua, foi atestada na toponímia com o nome do seu irmão o Dr. Rosa Falcão, que foi presidente autárquico e governador civil em Leiria. 

Guardo a leve memória da já mulher de tez mulata e cabelo carapinha, que se dizia o Dr. Abel Falcão tinha trazido de África, ainda criança, e de um saguim, que veio a ditar alcunha à família Fernandes - que era operária na quinta, e viveu no seu perímetro. 
Alegadamente, o Dr. Abel Falcão soube calar o preconceito na voz do povo, contribuindo ao apelo à festa, com já se referiu na construção da capela e doação das imagens.  

A imagem da Rainha Santa Isabel veio num oratório de madeira, segundo informação que me foi prestada pelo Sr . Augusto Duarte da Paz, de Além da Ponte. Por se desconhecer a sua origem, correlacionei o facto de ter sido adquirida ao mesmo tempo de outra que está no altar da capela da Misericórdia, ali colocada nos finais do séc. XIX, aquando da sua requalificação.  Mais uma medida estratégica a contribuir para a paz pública.

Verosímil que a primeira capela da Rainha Santa se perdeu no mesmo vendaval de 1706, que deixou desativada a capela da Misericórdia de Ansião, se atender que estavam na mesma direção, por isso jamais esquecida  pelos seus familiares. A  Misericórdia só foi requalificada  no final do séc. XIX como a atual capelinha  de Além da Ponte indo a encontro e agrado do povo. Se o arquivo municipal estivesse digitalizado, mais se poderia ajuizar do que ficou escrito nas entrelinhas das atas...

Excerto de http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/

Em 2008, a Câmara Municipal de Ansião solicitou ao SIPA, a sua classificação como monumento de interesse municipal. Só recebeu parecer em 2018 (…) a sua datação certa é desconhecida, está associada à lenda que refere que, em 1320, a Rainha Santa Isabel terá ali passado a caminho de Lisboa, onde se refrescou, segundo a tradição, em águas milagrosas. A partir de então o local foi utilizado como de (Banhos Santos) que ajudavam a curar certas doenças (…) a ponte apresenta outros arcos, aparentemente tapados. Do lado Este é possível observar outro interessante elemento construtivo, um quebra-mar piramidal em muito bom estado de conservação. Sobre os arcos assenta o tabuleiro de cavalete pouco pronunciado observando-se, nos silhares dos referidos arcos, várias marcas de pedreiro. Em cada uma das guardas da ponte, hoje muito reformuladas, existem três bancos de pedra corridos. Rebocada e pintada de branco tendo sido deixados, com pedra à vista, apenas os silhares dos arcos e dos bancos. É provável que tenha sido sempre rebocada e caiada, ficando assim o seu nome associado à cal. Um dos elementos mais interessantes é apresentar, por baixo do arco situado mais a Norte, duas estruturas que serviram, até épocas recentes, para banhos públicos separados de homens e mulheres. Construídos em data desconhecida, dois tanques de muretes baixos em pedra argamassada. No seu interior encontram-se tinas retangulares em pedra onde as pessoas, em períodos em que a água do rio já teria pouca força, se iam banhar, entre o dia de S. Pedro e o dia da Rainha Santa Isabel (…) No início do século XX a Ponte foi alvo de uma intensa campanha de renovação, sendo mais tarde colocada uma ponte pedonal em ferro junto da sua face Oeste.


Maria Ramalho/DGPC/2018
A Ponte da Cal, cuja a datação certa é desconhecida, está associada à lenda que refere que, em 1320, a Rainha Santa Isabel terá ali passado a caminho de Lisboa, aproveitando o local para se refrescar tornando assim, segundo a tradição, estas águas milagrosas. A partir de então este espaço foi utilizado como local de banhos (Banhos Santos) que ajudavam a curar certas doenças.

A mensagem de Maria Ramalho é errónea, por falta de investigação e de apoio camarário à história local.
Descobri a adjudicação da ponte da Cal  a 15.11.2018, no conforto da minha casa, por estar digitalizada no arquivo histórico de Coimbra - AHMC/Notas, nº 9, fl. 138v  Escrivães da Câmara: Diogo Soeiro de Azevedo  e Simão de Morais da Serra -  "em 31 de Janeiro de 1648 - Obrigação e fiança de António João, pedreiro, morador em Fala, à obra da Ponte de Ansião, “em preço de 280 mil réis”, sendo seu fiador Manuel da Rocha, morador nos Silvais, termo da cidade de Coimbra ". 
A lenda referida não tem qualquer suporte documental. Não existe nenhuma carta que refira a passagem da Rainha Santa Isabel por Ansião. A Rainha usava a estrada romana/medieval  de Coimbra para Lisboa por Soure, o mais provável, mais direto e menos tenebrosa de pedra. Acredito que o seu cortejo funebre vindo de Estremoz passou na ponte romana do Pontão, Togeira , que só pertencem ao concelho de  Ansião desde 1895.

 Sr. Padre Manuel Ventura Pinho

«(...) A tradição diz que por aqui passou, em 1320, a Rainha Santa a caminho de Lisboa para acalmar as fúrias do filho D. Duarte, o futuro rei de Portugal, que tinha declarado guerra ao pai, por pensar que a sua sucessão ao trono estava ameaçada pelo seu irmão bastardo, Afonso Sanches.Em 1336, Afonso IV declarou guerra ao seu sobrinho, o rei D. Afonso XI de Castela, filho da infanta Constança de Portugal, e portanto neto materno de Isabel, pelos maus tratos que este infligia à sua esposa D. Maria, filha do rei português. E a Santa Isabel lá partiu para Estremoz como medianeira da paz, tendo passado novamente por Ansião. Por aqui passou novamente já defunta a caminho de Coimbra.Mas o mais provável é que tenha sempre passado pela estrada real que vinha de Santiago da Guarda e atravessava o Nabão pela Ponte Galiz. Afinal a vila no tempo da Rainha Santa ainda estava edificada na zona da Igreja Velha (no palco do atual cemitério) e a Ponte da Cal não existia, nem existiriam habitações no hoje chamado lugar de Além da Ponte, nem sequer no que hoje é a vila de Ansião . Mas a história contada de geração em geração vai-se adaptando. E assim os tanques do “banho santo” fizeram-se não onde a rainha se banhou, mas debaixo da nova ponte.E o mesmo sucedeu com a construção da Capela em honra da mesma Santa. Mas até teve uma vantagem: a Ponte Galiz ficava longe e a devoção à Rainha Santa era capaz de se perder.»

Em Ansião, a Rainha Santa, a  ter passado, como o Sr. Padre Ventura diz , o foi pela Ponte Galiz - afiançada romana, mas, sem catalogação ou,  mais a nascente, no Parque Verde do Nabão, onde vinha desembocar o troço romano/medieval, vindo de Lagoas, seguindo para o Alto da Lameira  e Vale do Mosteiro. Recordo a margem norte da ribeira estrangulada para passagem de animais e carroças, desencontrada da margem sul, em  ladeira  semeada a calhaus rolados amarelos. Na ribeira  nascia uma ponte de pedra de pé posto, que fazia a ligação pelo leito do rio seguida ao encosto do muro da propriedade confinante a sul , por estreito carreiro de pedra até contornar a entrada da margem sul,  onde as mulheres no meu tempo lavavam tripas de porco.
Os romanos foram os primeiros a ter certezas das propriedades das águas do Nabão, conhecendo o vale aquífero do Nabão  e exsurgências que rebentam a cotas superiores da bordadura do maciço,  onde fizeram poços de chafurdo; Minchinho, Ameixieira, Batágua , Areosa, entre outros e, um fontanário de espaldar - a Fonte da Bica, beijado pela frente, a sul,  com um grande tanque ao alto da Lameira, na beira do troço romano na ligação ao primeiro burgo de Ansião. Ainda o recordo em lajeado debruado a degrau, jaz soterrado no nó do IC8 por ignorância cultural. Quiça era um tanque romana, jamais correlacionados.
O leito da ribeira apresenta-se estreito, desde a sua nascente quer a montante quer a jusante, o que à partida apenas um arco seria suficiente o abraço à ribeira. Ao terem sido construídos dois, seguidos de outros cegos na margem norte, evidentes numa foto do SIPA , a merecer estarem à vista, descascando o reboco. 

Alvitro várias situações para a construção dos tanques:
Quiçá o mestre de obras fez reaproveitamento de um tanque romano ou de banhos públicos islâmicos que ali havia onde agora é o arco norte. Porque em 2010, a envolvente da Ponte da Cal foi classificada de habitat romano.

Em 1972, quando se procedia à rede de abastecimento de água e saneamento a Além da Ponte, foram encontradas moedas; uma de Constantino, um azulejo entre outros artefactos romanos, descritos pelo Padre Coutinho. 

Os tanques são baixos, típicos de chafurdo - termo que não foi usado no estudo, em detrimento de lhes chamar - tinas retangulares. Acresce a característica viva na região de poços de chafurdo, que cataloguei junto das vias secundárias romanas que sulcaram Ansião - nada mais que um poço redondo ou sob o comprido, com escadaria corrida ou de lajes sobrepostas. Ansião, é uma região cársica, de parca água no verão, pelo que esta arquitetura romana foi continuada pelo legado Al- Andaluz, ao permitir a entrada no poço até se chafurdar no fundo, junto da mina, que lhe ditou o nome. Infelizmente tem vindo a ser alterados por falta de levantamento camarário e do seu conhecimento histórico, enquanto testemunhos de um passado hidrográfico, sem bibliografia descrita.

O local da ponte a não ter existência de qualquer tanque, se admita, que os tanques serão da campanha da obra, por influência do milagre da Fonte Santa e, da receita gorda de esmolas, que na altura se vivia - e seja por isso que o Mestre da obra fez o quebra mar, para amortecer a linha fraca de água no mês de junho, para os banhos?

Por fim, os tanques podem ter sido feitos só nos finais do séc. XIX, quando a ponte sofreu obras  com a colocação de guardas e bancos, tudo a acontecer com a construção da atual capelinha, para agradar ao povo a festejo do Santo popular a favorecer o banho santo, a levantar a memória dos banhos da Fonte Santa e apelo à  folia que o povo carecia no gosto de ver as mulheres a arregaçar saias e mostrar os tornozelos...

Para não se perderem as memórias, a ribeira do Nabão no termo a vila, teve duas grandes levadas, hoje desaparecidas. Nascia a primeira a seguir aos Olhos d'Agua, na foz do ribeiro da Sancha, que alimentava, lagares e moinhos até ao Moinho das Moutas. 
A outra levada nascia na foz do ribeiro do Salgueiro, atravessava a Rua Direita, a sul da ponte da Cal, atravessava a quinta que foi do Dr. Domingos Botelho de Queiroz, junto do telheiro armado de 4 finos troncos com alçado telhado, junto do poço de mergulha do vime onde o "Ti Zé Mau" fazia cestaria, seguindo para poente para um lagar que é hoje oficina do Sr. Zé Carlos e, de outro mais à adiante, que foi do Sr. Zé André. 
Ambas as levadas eram extensas, cujos vestígios desapareceram quase por completo, ao serem usurpadas pelos entestantes, por já não terem serventia, porém eram logradouros...

 Em 1902, Alberto Pimentel no seu Livro a Extremadura

" (...)e para avivar a mesma tradição se edificou ali uma Capelinha com a invocação da Rainha Santa, onde convergem os povos circunvizinhos em romaria nos dias 28 e 29 de junho. Anedota pitoresca refere que em determinado anno, por estar quasi secca, a ribeira, a engrossaram com algumas pipas de água para não se quebrar a tradição do banho santo"

O autor refere a capelinha de invocação à Rainha Santa Isabel,  admito que a informação  lhe foi dada no Hotel do Valente, onde esteve hospedado, que tomou como certa e não testou com mais ninguém.

Por fim, não basta solicitar a organismos estatais como o SIPA, se não houver disponibilização de  apoio logístico com conhecimento histórico do local a estudar. Já quem solicita o pedido a se imiscuir dessa fulcral tarefa, mergulha na confiança pia e absoluta dos técnicos da especialidade, obtendo  resultado abaixo da expetativa e  fica defraudado! 

Nabão a montante da Ponte da Cal de leito estreito
Várias fotos da Ponte da Cal e do seu potente quebra mar
                              
 Resultado de imagem para ansião ponte da cal + fotos

Os chamados banhos santos
Praticados na ribeira do Nabão, nada mais que o chafurdo nas águas ditas milagrosas...Nos séculos o povo analfabeto e beatizado, sem o preceito higiénico de lavar o maior órgão do corpo - a pele - o chafurdar  nas águas, libertava-o de bicheza e de suores ressequidos, sendo natural sentir uma fresca acalmia, que por desconhecimento logo atribuía a águas milagrosas...Eram e são, de facto, boas para doenças de pele. 

A  Igreja tinha condenado os banhos, por os considerar perniciosos ao proporcionar práticas devassas e o "amolecimento" dos costumes. O povo resolveu a contenda ao utilizar  guardas de madeira, presas por ferros finos ao rebordo dos tanques, de que ainda restam os seus orifícios. O serralheiro por certo foi o Bairrão, o homem que alimentava diariamente os lampiões, e tão má sorte teve em Ansião, sendo acusado de um roubo, sem ter sido o autor... As guardas nos tanques foram mais tarde removidas aquando de uma obra.

Um relato verídico - A minha avó materna Maria da Luz Ferreira da Mouta Redonda, procurou cura nestas águas, na Ponte da Cal, para o filho Alberto Lucas, em meados dos anos 20 do séc. XX . Conta a minha mãe, tratava-se de doença hereditária do seu pai que ela também foi enferma com excreção de pus nas feridas, antes de se curar usava vestidos de manga comprida para não as mostrar  e. já antes o seu pai tinha ido a termas a Monfortinho. Ambos foram curados nestas águas do Nabão, mas, passaram a frequentar o Agroal onde iam de carroça e quando o meu tio tirou a carta na tropa passaram a ir de carro.

Recordo a aventura com a minha irmã, de bicicleta, tomar banho na ribeira do Nabão, na frente da propriedade dos nossos pais, logo abaixo da ponte da Cal,  junto da foz do Ribeiro da Vide, protegidas pelos altos milheirais, e que bem nos sabia!

A razão de terem acabado os banhos santos em Ansião?
Por um lado pela escassez de água com as grandes secas ocorridas em 1939 e na década de 40, do séc. XX, quando já dava cartas o afluente do Agroal. Em miúda ,ouvi falar de uma experiência nos anos 40 do séc. XX, no poço de chafurdo da Ameixieira, onde meteram laranjas que foram parar ao buraco do Agroal, assim se chamava à fonte. Claro não pode ser verdade. O Nabão está conotado no Vale Aquífero do Nabão Ansião/Alvaiázere, que ainda não é totalmente clarificado, dizem os técnicos que o Agroal vem do algar da serra de Alvaiázere, que não é o mesmo maciço dos algares do Nabão. Contudo, julgam-se ambos com as mesmas propriedades químicas, quiçá haja comunicabilidade  freática (?).

Assim, os chamados banhos santos, se desvaneceram em Ansião, por volta dos anos 40, do séc. XX, com o acordar do Agroal. Ainda recordo banhistas a lavarem-se junto da roda com sabão azul e branco...

                   

A chamada pia da Rainha Santa
É mito, a passagem por esta ponte da Rainha Santa Isabel, construída 312 anos após a sua morte. 
A pia dentro do  tanque das mulheres , seria das crianças, que delas tomavam conta.

A pia, na  memoria do povo  atribuída à  Rainha Santa, para se refrescar...Se alguma vez passou pelo primeiro burgo de Ansião, onde se refrescou foi ao Alto da Lameira, porque na Ponte Galiz, seria difícil a acessibilidade, se hoje ainda o é. 

As lendas evocadas nos livros abaixo descritos, associadas à Rainha Santa Isabel, não tem veracidade por falta de fontes:
Livro do Padre Coutinho de 1986
Património Religioso de Ansião do Dr. Manuel Dias, Joana Dias e António Simões
Livro Penela História e Arte do Dr. Salvador Dias Arnault e Pedro Dias 

Já que nenhum autor equacionou a realidade da forte beatização, e da incultura, do povo analfabeto à facilidade de atribuir a qualquer fenómeno sem  explicação - milagre. O mesmo com a palavra "banho"  que é  herança dos romanos , continuada pelos árabes e judeus, nesta terra de Ansião. 
Pese não haver fumo sem fogo, quero acreditar que a Rainha Santa passou por Ansião no Pontão!

                                 
Furos ao longo dos muros dos tanques
Agora os blocos de pedra são medievais ou material romano?
Além das marcas de canteiro, em praticamente todos os blocos no covo dos arcos, chamou-me a atenção no arco norte, junto do quebra mar, um conjunto de orificios, e claro reportou-me aos romanos pelo uso de subir as pedras em guindastes com pinças na ponta chamados forceps.
Porém há um detalhe. Os tanques são dos finais do sec XIX, o seu uso ao apelo a decencia, foram tapados por tapumes de madeira seguros por ferros enfiados no lajedo dos tanques, cujos orificios ainda lá estão. Quanto ao arco com os furos podia ter sido dessa época para alguma utilização, que desconheço, ou não, estando a ponte inserida numa via romana, desativada até 1648, ainda usada no Caminho de Santiago para a Venda do Negro. Adverte que antes teve ponte que se arruinou e na mudança do burgo para nascente mereceu aposta de requalificação, usando parte dos blocos, o que admito. Carece estudo.

                   
Forceps numa ponte romana em analogia aos da nossa ponte
Arco a sul de chão lajeado

Marcas de canteiro

Os dois arcos em cantaria siglada com inúmeras letras e números, eram a distinção para o mestre da pedreira pagar a cada canteiro. Fazem parte do meu imaginário desde criança em querer perceber a sua razão, agora explicada. A falta de limpeza provocada pela escorrência das águas da chuva, deixa os blocos negros e empobrece a visibilidade das marcas, que é de extraordinária beleza, a merecer catalogação.

                    

                        

                               

                   
                   

         

 

Imortalizada Ponte da Cal

Ou o topónimo derivou da caale, conforme nos diz o Padre Coutinho, por o troço da via romana/medieval ter passado a ser o principal - e isso é verdade, com a desativação do primeiro troço de Lagoas para o Vale Mosteiro depois de 1593. Ou, não, e tomou o mesmo nome de outra em Montemor-o-Velho, a região do mestre-de-obras. Ou só foi caiada na campanha do final do séc. XIX, início de XX , com a colocação das guardas, bancos? Não sabemos.

A merecer especial correção o painel identificativo e sites

Por aqui nunca foi rota o Caminho de Santiago de Compostela, só depois de 1593
 A mensagem  exarado na placa aborda a Romanização , sem nota ao habitat romano  no local da  Ponte da Cal...
Vista do acesso pedonal lateral à Ponte da Cal 
A ponte apresenta-se alindada com bancos no tabuleiro superior que continuavam para sul na margem direita. Em meados dos anos 50, do séc. XX, houve necessidade de alargamento da entrada sul da ponte sendo retirados alguns desses bancos como o coreto que foi deslocado para o adro da Capela do S. Brás. O Dr. Fernando Marques, quando foi presidente autárquico, por altura de um cortejo alegórico que foi feita uma réplica, prometeu que o mesmo iria ser reposto, mas, ficou em abandono no estaleiro e no tempo apodrecido...
A Ponte da Cal é do pelouro autárquico
Admitida preservação à sua limpeza e asseio  sendo monumento de interesse municipal, ou  delega noutro organismo.

Como deve a autarquia acautelar o vandalismo de grafites e de  destruição

A ponte pedonal devia ir a votação; a manter ou vir a ser retirada, no meu ponto de vista, já devia daqui ter saído há muito

Obra da Engenheira que a traçou o seu 1º projeto, irmã de uma amiga e madrinha do meu neto Vicente.
Devia ser  reutilizada noutro local do Nabão, há muitos locais por onde.
Óleo 61cm x 47cm de Jorge Santos 
Tributo a Vincent Van Gogh pintor pós impressionista na celebração do 125º aniversário da sua morte .
Foto retirado de http://tributoavincentvangogh.blogspot.com/2015/05/ponte-da-cal-ansiao.htm

 A minha querida mãe numa das minhas muitas visitas  de investigação   
                                                                                       
 
FONTES
Livro do Padre José Eduardo Reis Coutinho de 1986 
Notícias do Bispado de Coimbra de 1721 nas Memórias Paroquiais Setecentistas do juiz Manuel Rodrigues 
https://www.freguesia-pombal.pt/lenda-do-mouro-al-pal-omar-pombal
Testemunhos do Chico Serra, Augusto Duarte da Paz e Júlia Valente
Testemunhos do Padre Manuel Ventura Pinho e do Ilídio Valente
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/en/patrimonio/
http://www.castelosemuralhasdomondego.pt/website/personagens.php?p=sesnando_davides
Livro de Memórias Paroquiais
http://tributoavincentvangogh.blogspot.com/2015/05/ponte-da-cal-ansiao.html

http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/13319754
 https://www.cm-coimbra.pt Notas, nº 9,  fl. 138v 1641-1648 
http://www.monumentos.gov.pt
Alberto Pimental,  no seu Livro a Extremadura
Memorias Paroquiais

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