O dia acordou amornado apesar de previsão acalorada.
A D. Lúcia acolheu-me como de costume em festa. Excelente anfitriã que sabe comandar o exercito de feirantes, cada um com com os seus azedumes, manias e manhas.
Houve gente que chegou pelas seis da matina e logo estendeu estaminé nos degraus da praça ajardinada-, sem esperar pelas 9 horas, como ditam as clausulas para os principiantes. Claro teve de haver ajustamento de um deles, para a minha banca se encaixar no meio de ambos-, do Jorge e do Orlando.
Mal senti a minha banca montada, emerge em mim o desejo de partir em demanda e namoro de peças que me prendam o olhar , no mesmo tempo endereço boas vindas à cortesia gentil dos colegas.
No Sr. Pedro encantei-me por um prato pequeno em faiança atribuído o fabrico a José Reis em tom amora com motivo central "casario e arvoredo delimitado por filete largo na aba".
- Para mim restam poucas dúvidas,a seu tempo aflorarei o tema no blog do Lérias e Velharias.
- Num estaminé de chão revi um painel grande de azulejos-, a que faltam poucos, dele me lembro há mais de um ano, jazia sobre ele um prato em faiança do tamanho que adoro-, dizia o vendedor "é Coimbra, ninguém o leva por menos de 150€ ". Pedi autorização para fotografar, entre dentes disse-lhe "tenho sérias duvidas que seja Coimbra ..."
- A frio-, dita a observação fabrico do norte (Cavaco, Darque ou...) seja pelos filetes em amarelo canário, o preto nas ramagens, o rosa das flores e as flores em azul cobalto. Embora o tardoz se mostre na semelhança a Coimbra com os escorridos do esmalte vem visíveis dos finais do século XIX (?)
- Sentada na escadaria de olhar espiado no vaivém de gentes que iam e vinham. Poucos, de sacos pelas mãos, na minha cabeça gravitava o pensar em ouvir o som do telefone que se pautou sempre mudo!
- Na banca do Jorge comprei uma azeitoneira das Caldas-, tanto a meu gosto que me ofereceu uma chávena e pires VA por apresentar no rebordo "algumas bocas"...
- O Jorge confidenciou que uma vizinha velhota recentemente falecida-, os filhos deitaram algumas coisas no lixo, como esta bacia de lavatório de Aveiro e as outras duas peças apresentadas além de mais algumas.
Na banca do Sr Figueira vi dois belos globos de vidro "art decó " com mistura de vidro opalino
- Na banca do sobrinho -, o Tiago um frasco de farmácia em azul feito na mesma fábrica dos globos em Lisboa - Fábrica das Gaivotas.
- O resultado da feira saldou-se positivo com a venda da palangana "ratinha" aos meus amigos Arlindo e Paula. Não me doí -, muito menos choca vender uma boa peça, desde que saiba em que mãos vai ficar.
A decisão da venda recai no tempo certo de admiração para a deixar partir para novos prazeres, a outros. Teimo nesta vontade desenfreada de partilha, sem egoísmos por ser uma atitude sadia e muito libertadora.
De manhã ao chegar dizia-me o Sr Figueira-, tenho uma peça guardada para si...uma tampa de porcelana chinesa em tons rosa com o berlicoque " de botão meio aberto"... não me mostrei interessada...haveria de a voltar a ver a sair do jornal num saco de plástico, na mão de uma senhora acompanhada pelo marido que me perguntou o preço da tampa de caixa de escovas de dentes de Sacavém...que levou também!
- Julgo não mostrei interesse por ser em rosa!
O meu marido vendeu estupidamente o saquinho dos aparos -, que foram na teoria dados, pois o saco custou 20 cêntimos e os aparos eram bastantes. Senti que o casal é novato nestas andanças com o gosto de comprar tudo a baixo custo, de preferência a um euro!
- Não consegui resistir na lição gratuita sobre a antiguidade dos candeeiros que comprou ao Orlando e teimei aflorar. Sentado no banco de sorriso que ainda não defini o carácter, já do olhar o senti a falar brilhante no ensejo em também gratuitamente partilhar informação sobre informação que recebera de outro sobre o cristal em relação ao vidro -, o cristal ao calor não aquece por causa do chumbo que tem no fabrico em relação ao vidro que não o tem, claro tudo o que não contenha chumbo é melhor para a saúde .
- Tabelei conversa anónima com uma senhora - D Teresa , cariz elegante e de cultura, desconhecia o certame. Deu-me alguns minutos do seu tempo para me ouvir, apesar do chamamento do marido no patamar de cima!
O saldo da feira poderia ter sido melhor, não fossem duas senhoras-, uma de nariz empinado, por causa de 2 euros não lhes vendi a peça que uma delas queria (depois do desconto de 8€).
- Detesto mulheres empertigadas , no seu fraco julgar opinam mediocridades a debater míseros euros, a troco de perderem peças que supostamente as encantaram. Se fossem inteligentes, fácil seria articular o justo do razoável, não perdendo tempos com insistências e pressões no vendedor enaltecendo apenas o seu querer, aliando a crise no valer dos interesses do seu umbigo...
- O Orlando queria desfazer-se do stock do estaminé guardado na garagem: carrinho de bebé, barbatanas, tripé e câmara de filmar, capacetes, máquina de picar carne, colunas, bancos, estores, candeeiros em latão, abat jours brancos, medidor de tensão, cabeça de máquina Singer, relógio de bolso e,... começou por puxar altos preços para em viradas repentinas e inusitadas sem explicação vender por " tuta e meia". Difícil é atestar tal perfil psicológico de desvio acentuado do razoável , parecia histérico, apesar de bem comportado, sociável, carismático com veia para o negócio, um ator. Tais as constantes e abruptas posturas inusitadas sem sentido.
Tinha um conjunto de peças em porcelana com roldanas para esticador de candeeiro art decó, pedia 50€...baixou a 30, ficou-se nos 25. Não arredou pé deste preço numa guerrilha aberta entre mim e o Sr Figueira -, o 1º que pelas 8 horas se aventurou a perguntar o preço da peça. No cair da tarde tinha feito os melhores negócios. Uma bomba de encher pneus e pneumáticos por 2€, uma máquina de picar carne por um euro, um aplique de duas chamas por 10€ e,...chegou a hora de querer ir embora. Havia um abat jour que lhe perguntei o preço por sugestão do meu marido . Começou por me pedir 10€, baixou para 5 -, claro disse-lhe, está com a grega dourada descolada, só vale 2 €...ainda lhe disse mais " muito me admira o senhor que tanto lhe comprei hoje, fui chamar por 3 vezes para atender clientes e nada me ofertou, já o seu amigo a quem só dei só a ganhar 3€ ofertou-me esta chávena e pires da VA"
Algo o amofinou, num repente inusitado meteu de qualquer maneira o que sobrou na mala azul , saindo deixando a cadeira e blusão de ganga , ao me aperceber pedi ao Jorge para lhe ligar.
- Pior haveria de ficar com atitude da Clara e do Paulinho Filipe. Angariei uma peça por 10€ que lhe tinham pedido 40€ , nem obrigado, muito menos recompensa!
- Que me sirva de lição. Se o artigo é bom para os outros o será para mim também!
- Algures o tacho de latão que a Rita Blanco comprou na banca da D. Isabel e do Sr Antero.Estava sentada à sombra a deitar conversa fora quando a vejo a vir ao longe-, no imediato senti a terrível sensação que era a minha cunhada... simpática, muito graciosa e mais bonita ao vivo do que na televisão onde carregam com "toneladas de betumes", de sorriso encantador.
Clientes destas que chegam, escolhem a peça e compram há pouco.Pediu desconto e teve-, disse que era para ofertar. Peça linda irradiava brilho como nova, apesar de mui usada.Disse-nos que o marido tinha perto uma casa.
- Peguei-lhe no braço, e em sorriso escancarado disse-lhe " não se amofine com o que vou dizer, quando a vi ao longe pareceu-me ver a minha cunhada que odeio tanto , igual ela de mim..." sorriu, não me diga, parecida comigo " sim, a silhueta e o estar, apesar dela ter olhos azuis" ..
Respondi -, foi, agora está enrugada de tão má que é...
Escusado será relatar o que ela disse ao seu jeito humorístico e no caso, tão bem acertado!
Fomos para lados opostos a rir!