Entre o silêncio das
pedras, ao alto da serra da Ameixieira no contraforte da serra do Mouro, por entre pedras semeadas à toa no terrado desfeito do costado, pelas mãos de gente que muito as procura...
Tamanho e desmesurado "fossar" munidos de enxadas nas mãos como se fossem javalis no desejo de as encontrar especiais -, bem torneadas pela erosão que os milénios assim as enfeitaram, assim se mostram belas, aos nossos olhos de formas extraordinárias, algumas a rivalizar inveja a esculturas a escopro e martelo.
Com a desculpa de parar
ao Alto da serra do Mouro, junto do entroncamento do Alqueidão , na pressa de atravessar a estrada, por na
banda sul se mostrar mais bela de paisagem aberta, onde os narcisos, lírios e a erva
de Santa Maria despontam agora que o sol deu a sua graça -,
arrebitam floridas, se mostram belas, cheirosas, surpreendentemente iresistiveis de encanto naquela quietude de silêncios.
Amo sentir-me por estas paragens perdida, sem
medos por aqui ficaria horas a fio de olhos pregados no chão na busca exaustiva de
encontrar muitas, sem saber como as podia trazer comigo debaixo do braço…
Não estava sozinha,
acompanhada pela minha mãe que não sendo nata apreciadora, antes pelo contrario
até penso que odeia pedras, só acatou o imprevisto da paragem para apanhar tomilho na ideia do replantar
no canteiro do jardim, mesmo sabendo que ele aprecia terra vermelha e secura…
Delirei em deleites por segundos e
minutos de contemplação, feliz a mirar o horizonte, e a serra nos costados
verdes por culpa da reflorestação, e da antiga vegetação mediterrânia crespada, fechada de grande beleza, ao cimo as antenas a desfiar a bela quietude deste
lugar por demais emblemático cheio de magia, a lembrar os antepassados que por aqui vaguearam e talharam facas e machados no calcário para matar as suas presas, encontrei uma pedra deliciosamente delineada com linhas mais duras que parece pintura, só me faltou ver algum coelho a fugir apressado de rabo no ar, e perdizes…Outras vezes me presentearam sorrateiramente quando se acham melindradas no seu
espaço ou na declamação a suspirar em êxtase o vomitar versos de amor...
Fazia-se tempo de não ouvir
mais lamúrias e despachar-me a caminho da casa rural para podar o parreiral,
por culpa da invernia, só hoje possível. Mudava de roupa quando irrompe o telemóvel, era
a minha amiga Cristina, de visita a Campelo para ver a mãe, gentilmente me
convida para jantar na sua casa. Impressionante, de calças na mão, pois
estava a mudar para a vestimenta de campónia, com isso disse que sim, levaria a
minha mãe e um doce.
Ora não podia saber
melhor o convite, se não fosse este, seria outro da nossa autoria, um baile em
Pombal…
Divididas tarefas,
calcei as botas de borracha, armada de tesoura de poda e serrote fui podar, a sensação de dor que senti, ao ver as
vides depois de decepadas a chorar lágrimas grossas…Nem me lembrei que o devia ter feito no
quarto minguante, a sabedoria aprendida em tempos de antanho anda arreigada
de mim nestas lides e não devia.
- Parreiral por podar, em baixo podado e as vides para as borralheiras
- Fiz borralheiras, debalde só se queimou o que estava seco…Pela Páscoa queimo o resto
A erva verde à volta das borralheiras começou a crepitar, sorte não se ter levantado aragem, fácil seria se estender na iminência de fogo lavrado em extensão, o destino final. Mulher prevenida vale por duas e logo armada com um ramo de oliveira ,
em jeito de bombeira para o apagar caso se mostrasse mais altivo.
Na cozinha velha, outrora antiga pocilga, o lume aceso na lareira, na trempe a panela com as batatas
cozidas, brasas incandescentes para assar os carapaus, mesa
posta, salada fresca de alface e cebola só faltava o vinho…No bar a última garrafa de ribatejano, boa pomada, aberta, só faltava encher a cafeteira de água que na trempe minuscula a deixei ao lume para o café, que saboreamos com um cheirinho de cachaça amarela de medronho, a roer umas lesmas trazidos na cesta.
Arrumada a cozinha de tachos pretos, e arejada, estava na hora de dar uma mãozinha nos jardins. Muita
erva para tirar…A minha mãe ajudou e muito, mas as tirava a eito, plantas e erva , atenta desatinei e ralhei nesta voz que Deus me deu, altiva e ainda por cima revigorada pelo emprego que tive a toda a hora no me fazer ouvir a reclamar....Amofinada ela dizia-me que não me fazia mais nada. Resolvida a
situação com o meu controlo mais apertado, e com as flores arrancadas salvas das ervas, para lhe oferecer para os seus jardins, e assim se acalmou.
- Tangerinas...3 e pensar que vi jeito de morrer com a secura de tantos verões, não fosse o meu carinho sempre de roda dela a podar...
- Pior foi sentir que me roubaram a fileira da frontaria da casa dos goivos floridos com o bolbo ...
Plantei outras flores que
sempre levo: alfazema, mirtilo, uma roseira que tinha transplantado,
estrelinhas que pedi à minha prima São e tantas me ofereceu. Regado o
jardim e o patim limpo, deu-se um jeito à casa, só limpa foi de chão, fechadas as
janelas, fazia-se tempo de voltar para nos engalanar para a nossa saída em rota de turistas,
apesar de hora marcada para chegar, ainda assim controlada.
Grande o prato de arroz
doce, amarelinho que nem coube na caixa hermética, tive de improvisar o
seu condicionamento atrás do banco do pendura, esquecendo-me dele nas curvas, e
contra curvas, a subir a Ribeira d’Alge até Campelo…Baldiou-se, mas comeu-se todinho!
Aperaltadas, a minha
mãe ao ver-me chegar de vestido e crista branca emproada à laia de madeixa
diz-me “ pareces uma extra terreste”
habituada a estas atitudes agressivas, nem lhe respondi, pois sei que são os ciúmes e a idade farta a
falar…Só na paragem nos Olhos d’Água para rever as águas do Nabão ela me
confidencia que o vestido é bonito ao invés de outros que falou, que deveria não
voltar a usar…
- A eira cheia de agriões floridos e o poço sem fúria a vomitar a água do algar
- Um caneiro remodelado -, que abastecia o moinho de pedra, foi uma pena não o terem recuperado...
- Nova paragem no Pontão para registar fotos de uma antiga cerâmica importante de Almofala de Baixo.
Queria parar mais à frente e registar um barracão em pedra deliciosamente belo, também uma armação redonda em ferro de um poço de nora e,…Desisti à persistência dela que retorquiu que não chegaríamos a tempo…Mas não resisti à saída de Almofala em fotografar uma casa outrora de fausto pela grande sala da varanda de gaveto em vidraças, em iminente derrocada, sobre o olhar atento dos velhos e gordos plátanos na beira da estrada muito bem podados.
Lindas as mimosas amarelas a subir as encostas, a fonte na beira da estrada de bica aberta a fazer lembrar criança de pilinha esticada a contemplar a sua própria micção… Mais acima outro fontanário mais robusto, mas ela continua irredutível para eu não parar, e lá subo a estrada de curva e contracurva a recordar diferenças na paisagem nos contrastes, e recordar outras viagens, tantas vezes vividas noutros tempos …
Depois da aldeia de Ana de Avis mirei de novo a Quinta dos paivas onde as camélias floridas ao cimo do muro altaneiro, com a capela na extrema, e nada de parar para registo de bela paisagem romantica -, o mesmo em Figueiró, na mesma
vontade para apreciar a antiga fábrica de fiação no caminho de
Castanheira de Pera já na saída, em pedra de grandes janelas…Não pude, o
entardecer ia alto, e Campelo há anos que lá não ia e nem sabia bem onde virar…
Atenta na sinalética
virei na primeira tabuleta que me dá a indicação, com isso entrei numa estrada secundária,
estreita, sempre a descer e a subir encostas de eucaliptos…Sem mais nada, já de
medo amedrontada sem ver uma casa, avistar um telhado, fonte ou flor…
Ao longe avistei uma
ribeira sob um arco de ponte alto e estreito, julgo ser Campelo, é apenas uma
aldeia de nome…Cimeiro, só decorei este por ser usual na zona do Pinhal
Interior, Fundeiro e Cimeiro acrescido de outra designação…
- Cheguei pela calada do lusco-fusco ao largo da igreja de nome sonante da família do Ferreira do Amaral
- Não resisti a registar fotos dos viveiros de novo no ativo na criação de trutas e de outros peixes para repovoamento dos nossos rios. E do núcleo da vila.
Apreciei a casa e tudo
o que a Cristina me quis dar a conhecer, até ao quintal fui espreitar a coelheira
com lindos coelhinhos brancos e dois pretos.
Haviam de chegar outras
visitas, nelas eu seria surpresa do casal que conhecera numa feira, amante da
Loiça de Sacavém-, Esmeraldina e o marido Godinho, também o José Alves e a
esposa Rosa que conheci nesta noite tal como os anfitriões da casa a matriarca Ermelinda e o filho Luís -, e a minha amiga Cristina casada com o Humberto, não faltou a cadelinha que gosta
de dar beijos na boca…Nas despedidas na noite alta, se consola no lamber no
imitar a dona.
Repasto em mesa corrida
sob a quentura do fogão a lenha com o caixote da mercearia outrora do arroz ou
do açúcar virou ajuntador de cavacas para não o deixar amolecer o fogão na
quentura do bacalhau com broa no forno.
Variedade gastronómica aqui
enraizada no gosto da couve-galega cortada a jeito do caldo verde mui fininha,
batata e arroz entra na cebolada estalada em azeite onde se junta o bacalhau
cozido sem peles nem espinhas, vai ao forno coberto pelo miolo da broa
de centeio. As côdeas foram comidas no final com a barriga de leitão assada e o
queijo.
Fui uma contadora de
estórias com enredos de histórias verdadeiras, julgo não os macei, senti o
brilho dos seus rostos no prazer de me ouvirem em sugar cada palavra, cada expressão
exaltada, naquele ambiente de calor, onde nunca se falou na temática suposta-, as
velharias.
Batia a meia-noite, nas
despedidas segui o Mercedes do irmão da Cristina, o Luís até entroncar no IC8,
o que me valeu pois não deslindava onde se ligavam os máximos…Não tenho conduzido de noite o carro da minha mãe...
De regresso, alegres e
muito bem-dispostas, afinal um dia para não esquecer como antes assim nunca
gozado-, o meu dia, e da minha mãe neste ano no Dia da Mulher -, no sentir a liberdade!
Bem hajam os meus amigos, agora acrescidos, pelo convite e no meu querer em não perder a oportunidade que na hora aceitei de agrado e amei!
Bem hajam os meus amigos, agora acrescidos, pelo convite e no meu querer em não perder a oportunidade que na hora aceitei de agrado e amei!