Os meus pais a namorar nos Olhos d'água
Janeiro de 1957 a noticia da tomada de posse do meu pai como Copista Judicial do Tribunal de Ansião retirada do Jornal a Regeneração de Figueiró dos Vinhos
O meu batizado
Agosto dia 8 de 1957
Foi o padre António Freire de Lisboinha, primo da minha mãe que me batizou
Na foto todos, com os meus avós paternos, o tio Zé André do Ribeiro da Vide e a criada do Alvorge com 14 anos-, uma criança, comigo ao colo.
Sou a segunda a contar da esquerda |
No final dos anos 60 ainda de férias estava eu no correio para pedir dinheiro para uma sandes de Iscas na tasca do Ti Domingos quando se chega ao guichet um lindo rapaz moreno a chorar, pedia um selo -, a mãe perante o aparato pergunta-lhe porque chora, diz baixinho..."tenho saudades da minha mãe" (tinha vindo de Arraiolos onde vivia)...passei a vê-lo sentado todos os dias no muro do Externato quando ia para a escola e no ano seguinte já colegas num tempo de recreios diferenciados. Por nos termos conhecido num momento forte de emoções nasceu um gosto especial reciproco com namoro às escondidas, de cartas trocadas em correio dentro de livros que terceiros faziam a entrega, mas também trocávamos mensagens nas carteiras de madeira em que munidos de canivete depois de lidas logo raspadas e de novo respondidas até sermos descobertos por colegas.O pior foi a Dra Ilda te avisar do namorico e tu a pensar em ti, na louca paixão que viveste com a mãe, num ápice ficou grávida de mim...A ti devo a minha vida ao não permitires que ela abortasse, por ser solteira, optaste pelo abandono do teu curso de Engenheiro em Coimbra, para casar...
Já a mim coube-me a sorte ou azar no ano seguinte de frequentar um Colégio Religioso, onde só estive um ano, porque me vali de teres falecido e supliquei à mãe para não voltar...Em 72 apesar de seres Funcionário Público a mãe não teve direito a reforma, ou teria e não o soube -, ninguém lhe disse...Nem mesmo o Dr. Vitor Faveiro, então diretor das Contribuições e Impostos e o Dr Arnaut o socialista que inventou a Serviço Nacional de Saúde, teu amigo e colega de estudos em Tomar quando se deslocarem a nossa casa para prestar pêsames, nada nos falaram.
No Colégio Religioso foi um ano muito cheio. A menina que mais encomendas recebi ; os primeiros patins que foste a Coimbra comprar, mal te falei que tinha aprendido com uns pesados dos jogadores de hóquei dos Salesianos do Estoril... tantos telefonemas e cartas com dinheiro, as vezes que fui chamada à diretora para vos avisar para não me mandarem tanta coisa porque as outras ficavam tristes de pouco ou nada receberem, raro era o sábado que não fugisse a rastejar pelo relvado e depois andava a pé pelas ruas sozinha pelo Monte a caminho do Estoril, até ao dia que a Gina do Pobral, também dizia gostar do Arménio, me apanhou na fuga e ameaçou denunciar às Irmãs em que me vali de uma artimanha -, ofereci-me para lhe trazer um perfume da drogaria, logo me deu o frasquinho, debalde comprei amoníaco, mal o levou a cheirar caiu redonda no chão em que a ajudei a levantar-se e com olhos arregalados vomitei ordens ali no dormitório, afinal quem a ameaçou fui eu... nenhuma de nós ficou com o Arménio, rapaz bonito e doce teve pouca sorte ao herdar a terrível doença da mãe, morreu cedo, talvez tão novo como tu, deixou uma menina morena, linda como ele. Os meus cabelos compridos atormentavam a minha paciência no Colégio onde só havia dois secadores, mas nas férias do Natal arranjei forma de me os deixares cortar, sei que te custou imenso, idolatravas em mim os cabelos pretos reluzentes de origem fenícia da tua querida mãe, orgulhosamente penteaste anos a fio e lhe chegavam aos pés, estando ela em cima de um banco. Mas percebeste o meu dilema, sendo a minha artimanha a sedução, só me pediste para fazer uma trança e trazer para casa como recordação, o que fiz. De cabelo curto logo me apeteceu pedir outro favor, detestava após as aulas ficar sentada na sala a fazer os trabalhos até à hora do jantar onde só havia interregno para a leitura de um capítulo do livro do Erico Veríssimo " Os lírios do campo" pela Irmã que tomava conta de nós até que engendrei a forma de te convencer para ires ao Dr Travassos pedir um atestado médico para poder sair da sala para ir à casinha de banho as vezes que me apetecesse ... foi um tempo de gozo extraordinário de sair da sala sem pedir licença onde sozinha ficava minutos nas escadas de madeira sentada a olhar os vitrais a pensar na vida que se passaria para lá dos muros com vontade louca de fuga para descobrir o Mundo...
Gostava dos passeios a pé até à Costa da Fonte aos Escampados aos domingos de tarde buscar pinhas verdes que vertiam resina pegajosa e se abriam no forno para fazer saltar pinhões. Naquele terreno pedregoso florido de madressilva onde dizias noutro tempo apanhaste muita batata e carrascos verdes para crepitar nos fornos da padaria, ainda nos mostraste o resto da anta onde te recolhias no chuvisco aquando da tarefa de guardador do rebanho e de nos falares do sopé dos munhos de madeira. Junto às azinheiras haviam muros que hoje já não se vislumbram mais, na minha mente imaginativa sonhava como sendo restos de villa romana, já que a via de Conímbriga para Lisboa passava por ali algures na Lagoa do Castelo...
Herdei a tua teimosia. Nunca comeste nada congelado porque bom peixe se comeu na nossa casa comprado na Ti Zulmina, peixeira que o encomendava ao filho a viver nos Riachos, tantas vezes a vi no Correio velho a pedir a ligação telefónica. Parava à porta com o seu carrinho de madeira onde o amanhava com a gataria de roda à espera das guelras, nunca se esquecia de pôr o contrapeso no prato da balança, já eu associava o nome a uma das alcunhas que deste à nossa Mena além de outras; meio-quilo, meio-tostão, taleigo e,...adoravas touradas e nós também. Em 69 estivemos em agosto na inauguração da nova praça de toiros de Abiúl . Ainda me lembro da antiga em madeira ressequida pelo tempo. Havia um mar de gente vestida de negro, assim se vestiam as gentes de Ramalhais as mulheres ornadas a oiros vestidas de arcadas suspensas nas orelhas e cordões com medalhões ao pescoço e sobre as costas à laia de casaco usavam um saião dobrado com roda de veludo. Não faltou a Emissora Nacional com o repórter Fernando Pessoa, homem alto de microfone na mão ouvi-o dizer naquela voz forte " seria aqui - aqui, neste lugar onde estou, o varandim do Paço dos Duques de Aveiro onde estes avistavam o boi"...naquilo vejo duas velhas carregadas de preto, reluzentes em oiro de pernas tortas apressadas no ajeitar do lenço à laia de palas com mãos ressequidas do calor e da rudeza do trabalho em pressas se esgueiram na fresta do curro para avistar o boi, o nome que por estas terras se dá ao touro.Como isso sentiam absoluta felicidade!
Além da televisão na nossa casa havia bons rádios Blackpunt. Na sala de visitas refasteladas nos sofás de madeira de espaldar e corações abertos, apesar de molas duras forradas a tecido de lã xadrez preto e vermelho de perna trocada a ouvir os Parodiantes de Lisboa, em que eu e a Mena na mesinha no prazer de abrir a caixa de charutos que os teus amigos traziam das Caraíbas, recordo o fio vermelho do celofane a cobrir o charuto gordo que mal cabia nas nossas bocas de cheiro agradável ao contrário do tabaco comum. Grande frenesim só completo após duas ou três passas, já que o prazer era apenas abri-lo para ver as folhas hermeticamente prensadas, um fascínio de trabalho manual!
Gostava dos passeios a pé até à Costa da Fonte aos Escampados aos domingos de tarde buscar pinhas verdes que vertiam resina pegajosa e se abriam no forno para fazer saltar pinhões. Naquele terreno pedregoso florido de madressilva onde dizias noutro tempo apanhaste muita batata e carrascos verdes para crepitar nos fornos da padaria, ainda nos mostraste o resto da anta onde te recolhias no chuvisco aquando da tarefa de guardador do rebanho e de nos falares do sopé dos munhos de madeira. Junto às azinheiras haviam muros que hoje já não se vislumbram mais, na minha mente imaginativa sonhava como sendo restos de villa romana, já que a via de Conímbriga para Lisboa passava por ali algures na Lagoa do Castelo...
Herdei a tua teimosia. Nunca comeste nada congelado porque bom peixe se comeu na nossa casa comprado na Ti Zulmina, peixeira que o encomendava ao filho a viver nos Riachos, tantas vezes a vi no Correio velho a pedir a ligação telefónica. Parava à porta com o seu carrinho de madeira onde o amanhava com a gataria de roda à espera das guelras, nunca se esquecia de pôr o contrapeso no prato da balança, já eu associava o nome a uma das alcunhas que deste à nossa Mena além de outras; meio-quilo, meio-tostão, taleigo e,...adoravas touradas e nós também. Em 69 estivemos em agosto na inauguração da nova praça de toiros de Abiúl . Ainda me lembro da antiga em madeira ressequida pelo tempo. Havia um mar de gente vestida de negro, assim se vestiam as gentes de Ramalhais as mulheres ornadas a oiros vestidas de arcadas suspensas nas orelhas e cordões com medalhões ao pescoço e sobre as costas à laia de casaco usavam um saião dobrado com roda de veludo. Não faltou a Emissora Nacional com o repórter Fernando Pessoa, homem alto de microfone na mão ouvi-o dizer naquela voz forte " seria aqui - aqui, neste lugar onde estou, o varandim do Paço dos Duques de Aveiro onde estes avistavam o boi"...naquilo vejo duas velhas carregadas de preto, reluzentes em oiro de pernas tortas apressadas no ajeitar do lenço à laia de palas com mãos ressequidas do calor e da rudeza do trabalho em pressas se esgueiram na fresta do curro para avistar o boi, o nome que por estas terras se dá ao touro.Como isso sentiam absoluta felicidade!
Além da televisão na nossa casa havia bons rádios Blackpunt. Na sala de visitas refasteladas nos sofás de madeira de espaldar e corações abertos, apesar de molas duras forradas a tecido de lã xadrez preto e vermelho de perna trocada a ouvir os Parodiantes de Lisboa, em que eu e a Mena na mesinha no prazer de abrir a caixa de charutos que os teus amigos traziam das Caraíbas, recordo o fio vermelho do celofane a cobrir o charuto gordo que mal cabia nas nossas bocas de cheiro agradável ao contrário do tabaco comum. Grande frenesim só completo após duas ou três passas, já que o prazer era apenas abri-lo para ver as folhas hermeticamente prensadas, um fascínio de trabalho manual!
Encontrei numa feira de velharias esta caixa que ofereci à minha irmã |
Quando dormias quantas vezes que entrei no quarto para rebuscar os bolsos do teu casaco. Foram muitas as moedas de vinte e cinco tostões que te roubei, com elas comprei cadernos para os meus colegas da escola que só os tinham de cinco tostões, a outros paguei o Rádio Escolar, não aguentava mais os avisos constantes do Prof Albino Simões, cachopos acabrunhados sem tostão que aos avios enfiavam a cara no chão,e nunca me disseram obrigado, mas também não me lembro mais quem são. Vergonhas nos fizeste passar quando fazias vistoria às nossas pastas e se encontravas lápis que não eram nossos tunhamos a obrigação de os devolver…
Mas maior a bofetada a que me deste em plena Placa onde fazias espera com os teus colegas para o horário da tarde. As notas eram baixas e vali-me de falsificar a tua assinatura, obra-prima em jeito de órbita ou arco de volta perfeita em que a Mena ganhou na imitação. O químico deixou a cor azul na prova, o arco ficou tremido e a Dra Ilda em plena aula de português mando-me ir ao Tribunal para que assinasses de novo, claro percebeste logo e sem delongas à frente de todos os teus colegas, me infringiste tremendo castigo!
Sabes que a liberdade chegou dois anos após o teu falecimento? Terias jubilado de felicidade. Bem me lembro de numas eleições "bateres o pé" irado e revoltado sem vontade de votar.Não fosse o bom senso da mãe que andou de roda de ti a implorar por nós " o que vai das nossas filhas Fernando, ainda tão pequeninas..." e só por isso votaste contrariado, mostrando ser Grande!
Tinha acabado de fazer 6 anitos estava em casa contigo quando vimos chegar uns amigos emigrantes nos Brasis em senda o convite para ires patuscar a casa de um deles. Insistiram para me levares, por seres muito alto foste sentado na frente no Mercedes, atrás ao colo do que ia sentado ao meio, ia eu, a caminho do lugarejo fora de portas de Ansião no caminho comecei a sentir que o homem tentava mexer debaixo da minha saia, aflita, vali-me em rolar sobre as suas pernas de um lado para o outro para o dissuadir de tal intento, mas ele insistia, insistia, em tocar-me, eu só sabia que não queria, chateada ferrei unhas nas suas mãos, mas nem tossiu nem mugiu, chegando-me para a frente em cima dos joelhos, só o ouvi comentar " a cachopa parece que tem bichos-carpinteiros no cu"...mal chegados nem sei se comi, só sei que na volta insisti que queria vir à frente ao colo do meu pai e assim aconteceu. Chegados de novo à vila para mais um copo na taberna da "Gracinda dos cachopos, os amigos despedem-se e ficamos só nós os dois onde me questionas o porquê da minha insistência em vir ao teu colo, não sei como te disse, essa a grande vitória de nada perceber da vida em tenra idade, mas dentro de mim o instinto a falar mais alto, apesar de serem teus amigos não tive receio de te contar o sucedido que entendeste epara num repente fizeste recomendação à Ti Gracinha " você não me deixe sair daqui a miúda com ninguém até eu vir" e saíste porta fora em passo apressado... ouvi-te depois contar à mãe que foste a caminho do Posto da GNR onde querias apresentar queixa contra os teus amigos, infelizmente ao tempo fiquei desacreditada com o rótulo " Valente, sabes como são as crianças de mente imaginativa" ainda retorquíste " mas ela diz que o unhou" certo e sabido o pedófilo não tirou as mãos dos fundilhos dos bolsos para não se descredibilizar... ainda hoje quando passo à casa dele na aldeia fora de portas me lembro deste triste episódio...
Quero dizer-te hoje no teu Dia do Pai e de Todos os Dias
OBRIGADO
DESCULPA POR NUNCA TE DIZER QUE GOSTO MUITO DE TI !
Foste Grande ao jus da tua altura em não permitir que a mãe abortasse de mim !
Foste Grande ao votar contrariado só para não seres despedido e preso a pensar na mãe, em mim e na Mena!
Foste Grande a defender a minha honra apenas com 6 anos de idade em 1964 !
No mínimo foram três "a conta que Deus fez" no dizer do povo as atitudes de caráter nobre passadas nas décadas de 50 e 60.
Por isso estás perdoado por algumas coisas menos abonatórias que nos infringiste com o demónio do vinho que em ti te transformava em loucura total, um pandemónio... A demasia de medo e tormenta passada sem contar as rezas para não nascer mais nenhum irmão. Para sofrer já bastava as três, ainda fiz promessa a Nossa Senhora de Fátima que demorei décadas a cumprir, debalde quando cheguei ao Santuário me pareceu de cariz tão ridículo...
Quero falar-te do meu prazer de escrever.Um gosto que herdei da mãe já que a Mena herdou de ti o jeito para a poesia. Tenho o rascunho para livro de memórias até aos 20 anos, acreditas que do Pelouro da Cultura chegaram palavras..."por contingências orçamentais não há verba" mas contudo não foi a falta de arranjo para editar outros que estavam na forja e continuam!
Sou mesmo tua filha nas minhas veias correm os mesmos genes com os meus pulsos igualzinhos aos teus no mesmo gosto de não pedir nada a ninguém, jamais implorar! Antes desatar a falar até que a língua me doa!
Peço-te que me envies um aviso se devo ou não continuar? Sabes que a tua opinião conta, contará sempre, porque a honra essa ainda mora dentro de mim.
Por certo estranhaste o fato de te tratar por tu, contingência da circunstância sem circunstância de três mulheres sozinhas sem ti onde o trato passou a ser o de três irmãs.
Neste dia de memórias em mais um aniversário do DIA DO PAI. Não há noite, desde a primeira, que não te contemple nas minhas orações. Agrada-me ouvir da tua neta que não conheceste - "o avô é o meu Anjo da Guarda" quando em momentos difíceis as coisas se resolvem a contento,e é bom de ouvir!
E também já és bisavô o Vicente é um bebé adorável, de ti herdou os genes fenícios na altura, do tamanho dos pés, mãos e olhos grandes, calmo, doce, de estar prazeroso-, o homem que fazia falta na vida de quatro mulheres!
Lamentavelmente vai haver um dia de hora sem hora, afinal o dia maldito, porque não acredito em reencarnação...seja o da mãe o primeiro pela ordem correta da vida os pais irem na frente dos filhos, depois eu e a Mena !
No mesmo igual ao teu, se diz que o nº "sete" é um número mágico...Ninguém sabe o dia da nossa subida aos Céus!
Com a certeza de voltarmos a descer à terra de onde fomos, enfim outra vez juntos, no sítio do Fernando Rodrigues Valente!