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domingo, 18 de dezembro de 2016

Ganhei a minha bicicleta francesa em 1969

Em miúda sentia uma vontade férrea de aprender a andar de bicicleta, o tempo dos triciclos de três rodas ficara-se para trás, contudo no mesmo condão, o prazer de desfrutar da liberdade, em sentir a aragem no rosto e conhecer caminhos. Aprendi com sete anos no Fundo da Rua, na estrada em frente à casa do médico Dr. Amado -, era vermelha, pequena, da Anabela Paz. 
Ao cimo do meu quintal o vizinho "Pregueira" e o cunhado Roberto, no início dos anos sessenta foram "a salto" para França -, não esqueço a primeira vez que comemos chocolate preto, trazida em jeito de souvenir pelo Roberto de "Vacanses ", num tempo que o chocolate não abundava, soube a pouco, apesar do sabor amargo, acredito que nem ele sabia destrinçar se havia outras qualidades, comprou o mais barato da prateleira, que nos soube a guloseima e da boa. Numa tarde ao cimo do quintal sentados no banco de pedra corrido defronte da casa da Ti Olímpia em tarde soalheira, o meu pai  com o "Pregueira” a mulher Zulmira, e o pai desta , já  velhote que se entretinha a fazer moinhos de cana para dar aos cachopos. Apareci com a minha irmã na sua bicicleta e logo aproveitei o ensejo para mudar para o selim, que  sem modos me destitui do poiso...barafustei alto, queria também uma bicicleta, que o bom do " Pregueira" não se fez rogado, de à-vontade que lhe era particular ali se oferece para no ano seguinte me trazer uma em segunda mão -, negócio acordado com o meu pai. No ano seguinte via-a chegar no seu lindo "Boca de Sapo em tom vinoso, parou junto à capela, no adro do Santo António, mandou-me entrar no carro com a minha irmã, sentadas em bancos de cabedal, macios, que logo afundaram, só me lembro do carro começar a subir e descer, parecia um carrossel... extraordinário luxo jamais assim desfrutado. Contas feitas a bicicleta custou uma nota de 200$00, tinha sido da sua filha Tina, a Robertina. A minha bicicleta era moderna, com lâmpada e carretos para meter mudanças, de cor prateada, martelada, a lembrar escamas, uma sereia. Loucamente vaidosa adorava-a. A da minha irmã tinha sido ganha depois da reprovação do exame da 4ª classe, nova, comprada em Sangalhos, com rede na roda de trás e flores em plástico, para as saias não se entalarem nos raios, e eu que também reprovei no mesmo exame, não ganhei nada...
A bicicleta francesa, minha amiga predileta para tudo o que era sítio-,  diariamente para o Externato, com o jarro buscar água à fonte do Ribeiro da Vide, à Fonte da Costa, à mercearia da tia Carma, do Ti Piloto, do Sr Domingos, ou do Carlos Antunes, levava a cestinha de verga entalada no guiador... 
Pior quando o vento me levantava a saia -, aflita para a baixar quase perdia o controlo do guiador, uma vez bati de frente num plátano, ao Ribeiro da Vide, na quina da estrada para o Hospital, esfolei os joelhos, mãos, cara, um mar de sangue -, aquela curva à casa do Ti Zé André era do katano, havia sempre areia, e fácil era resvalar-, certo e sabido, não seria a última vez de ali me voltar a estatelar...
Naquele tempo os caminhos em terra batida se mostram esventrados pelas chuvas, com pedras, buracos, e barrentos, um dia na descida do Largo do Bairro a caminho de casa, em frente do portão da loja, a falar com o Chico, o meu vizinho sentado ao rebordo da eira coisa inédita, rapaz muito tímido,  mas queria ver a bicicleta e as substanciais diferenças com a tradicional "pasteleira" e claro vaidosa a mostrar  os carretos das mudanças, para no descuido e com lama caí prostrada no chão...e ele se ficou a rir e a bom rir de gozo e eu envergonhada! 
O muro da eira ainda lá está, só que o chão agora é empedrado
Não sei dos cachopos do Bairro quem ficou pelo caminho na aprendizagem em andar de bicicleta, fosse na minha, fosse na da minha irmã, apesar de serem modelos para meninas, alguns cachopos andavam de pé por serem novitos -, um dia a "Deolinda do Pego" que mal chegava aos pedais, sai do adro a caminho da ladeira do Hospital,  teve azar ao resvalar na areia batendo no muro de pedra da Cerca, onde ficou de estar estático hirta em pé -, aflitos ficámos, sem pinga de sangue, nem nos mexemos por segundos, a julgar que estaria morta (?) até que ela acorda , dá de si , algum se urinou... 
As nossas brincadeiras tinham momentos assim de aflição, malvada tortura que nos abanava!
Vezes sem conta quando a minha mãe não tinha um carteiro à mão para entregar um telegrama me telefonava para lhe fazer o serviço -, que fazia de bom agrado, fosse pelo passeio, fosse pelo dinheiro. Conheci caminhos e lugarejos recônditos, mensageira de boas e más notícias-, aviso de chegada de parentes para o Ti Ventura da Lagoa da Ameixeira… parabéns ao Ti Samarra, a seguir à igreja do S. João de Brito, ainda de um falecimento nos Anacos. Algum ainda tinha de o ler, ou não sabiam, ou não encontravam os óculos que deviam estar na gaveta... não me lembro de receber gorjetas…
Bons os mecânicos das duas rodas os irmãos -, David e Artur das bandas do Pião à Lagarteira, com oficina montada no r/c do prédio onde também estava instalada a GNR, homens altos, sempre de calças azuis, de mãos sujas de volta de correntes, travões, óleos queimados com montes de desperdício às cores. Anos a fio a dar cartas em concertos nos veículos de duas rodas, de tal ordem que muito depois de encerraram portas nas obras na estrada se encontrou muito óleo queimado, os primeiros que se deram conta –, ignorantes, logo julgaram que havia petróleo em Ansião…
Ao tempo havia um movimento de agrado pelas corridas de bicicletas, os irmãos Murtinhos Manuel, Emídio, Albertino e Zé Carlos, sob o olhar do irmão Fernando, alcunha "Matateu" - encolhido pela marreca, só se ria, tal entusiasmo nato por entre trabalhos de calçadas só os ouvia falar de bicicletas, de Sangalhos e,… como a falar de mulheres, grande a paixão que sentia nutriam por elas, as bicicletas!
Lamentavelmente não tenho nenhuma foto da minha bicicleta, e disso sinto tristeza, com ela percorri quilómetros, senti emoções, vivi amores e desamores, conheci cantos e recantos, a minha princesa. 
A minha mãe que sempre gostou de vender "ferro velho" acabou por lhe dar sumiço!

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