No livro escrito no inicio de 1909(?) por Alberto Pimentel, sem o saber se tem alguma ligação à casa nobre dos Pimentéis Teixeira(?) de Maças de D. Maria disse desta vila que está situada no alto da serra de Santa Helena, com orago a S. Paulo, com 2.825 habitantes, fazendo parte integrante das Cinco Vilas até 1836 e até 1855 cabeça de concelho, fala ainda do uso das murças-, capas de burel com muita roda que descem abaixo da cintura, com capuz que agasalha do frio frigíssimo que sopra das neves do alto Trevim.
O burel é um tecido artesanal português feito totalmente de lã preta, proveniente dos rebanhos que pastoreavam estas serras.O preceito do burel-, depois de carmeada e cardada a lã é fiada em mecha e torcida com roca e fuso, para dar novelos de fio para ser dobado, depois a lã é urdida ao passar pela urdideira, passa no pisão , uma tarefa de bater e escaldar a lã para tornar o pano mais duro e apertado em teias pisoadas, que no tear se transforma em xerga, passa pelo batano, para se transformar finalmente em burel, que é um tecido muito resistente de fabrico caseiro, que o alfaiate fazia casacos, calças, coletes e capas, que estas, as mulheres também as sabiam fazer e capuças, por aqui chamadas de murças com capuz, cuja origem se julga vinda do médio oriente dada pelo uso dos mantos que cobriam muitas Imagens de Santos, que no tempo se foi alterando pelas gentes trazida pelos árabes.
Na alusão a tempos de antanho havia uma maioria de casamentos contratados, entre famílias por conveniência, os pais é que escolhiam e não os noivos-, mostro um prato de faiança falante com a legenda Amor Ingrato, fabrico de Coimbra ou Tavarede da fábrica Senhor do Arieiro (?).
Eis que em dia chuvoso me deixo surpresa na leitura descritiva destes casamentos, da parte festiva do trajeto, da igreja à residência dos noivos, num trecho extraído do Grupo fechado de Maças de D. Maria, do facebook partilhado pelo Henrique Dias retirado do Guia de Portugal de Raúl Proença escrito por volta de 1920.
https://www.facebook.com/media/set/?set=oa.1007902475919965&type=1
"Jesus e seus discípulos estavam reunidos defronte ao grande templo de Jerusalém, perto do vaso onde se recolhiam as oferendas – o gasofilácio. Muitas pessoas iam e vinham, depositando ali seus donativos. Eram moedas, tecidos, peças de ouro e prata, jóias, enfeites variados, tudo muito bonito e caro. O Mestre observava.Dali a pouco, uma pobre mulher viúva aproximou-se do vaso de oferendas e depositou nele, timidamente, duas pequeninas moedas no valor de dez centavos cada uma. Os ricos em torno se riram da humilde oferta, e ela se afastou silenciosamente, talvez envergonhada pelo pouco que dera. Jesus, porém, observando-a, chamou os discípulos e lhes disse: – “Observem esta mulher. Digo-lhes que, mesmo sendo tão pequeno o valor das moedas que deu, ela ofereceu muito mais que todos. Os outros deram muito porque tinham muito, e ainda lhes sobrou muito, depois de haverem feito a sua oferta. Ela, porém, deu tudo o que tinha, deu o que lhe era necessário, e não as sobras. Assim demonstrou o seu amor e a sua boa-vontade, e por isso e sua doação é muito preciosa aos olhos de Deus.”
No Sacramento do matrimónio, no amor humano, como no divino-, a misericórdia é fundamental.
Foto retirada do google |
Seja o dissertar verve a mostra de duas belas fotografias de um casamento em Maças de D.Maria, datadas do início do século XX (1905-1910) a rondar a altura que o Alberto Pimentel passou por aqui e conviveu com as suas gentes, e mais, a meu ver, poderia ter deixado escrito em credenciar a terra(?).
Foto cortesia de Rui Batista
Em flecha assim acordada a recordação de casamentos que vivi como convidada, para logo de seguida me deixar completamente rendida em contemplação, que me deixa deslaçada em tremenda e frenética felicidade, por a foto merecer honras de Museu, ao evidenciar os costumes e usos das suas gentes à época; a noiva com teara ornada de grinalda com flores presa em fausto e volumoso véu, vestida de branco na sua virtude, de menina e moça, ornada de grande gola, já nas mãos é imperceptível perceber se tem algo? O noivo vestido de fraque pelo corte na frente do casaco em forma redonda, usa colete e camisa branca, outros homens se apresentam de calça e jaqueta, ainda alguns de fato, não faltam homens vaidosos de laço escuro, outro sentado com ele branco, e os há com gravata, e muitos de lenço branco na lapela, onde a peça fundamental no traje é o relógio de bolso, com corrente em oiro rematado por medalha, já as mulheres denotam o uso de vestuário diverso; saias de corte enviesadas, compridas, ornadas com barras em relevo ou com aplicações, engalanadas de blusas requintadas de mangas abertas em folhos, uma outra se mostra de gola pequena, e há uma de gola grande debruada a passamanaria, em cordão de ondas quebrado, outra de colarinho alto no remate pregadeira ao pescoço e ainda de cordão a dar ênfase ao altar enfeitado do vistoso colete em pele que lhe cobre o peito e os ombros com lapela, todas na maioria se pavoneiam no enfeite a oiro, sejam brincos, fios, cordões e medalhas. Poucos homens de cara lavada, na maioria usam bigode farto, a imitar o rei D. Carlos , no tempo que por aqui passava na companhia de Alfredo Keil , nas suas voltas em caçadas ou em romaria, entre Ferreira do Zêzere até ao Avelar, outros homens com barba e ainda há quem se apresente de patilhas grossas, as chamadas suíças, curioso só um homem com chapéu de coco, e uma mulher com lenço pela cabeça, ainda outra com ele descaído ao limite da nuca, as mais idosas dos convivas. Se revelam graciosas e puras as aias ou damas de honor, crianças em imitar a noiva vestidas de tearas, apenas uma delas, de cabelos soltos, supervisionadas por três criadas vestidas de grande avental alvo de peito alto. Destaca-se na primeira linha, ao cimo, um homem que descansa o braço no ombro de outro
( eventualmente será um filho a abraçar o pai ?), seja este fechar em oiro da descrição, onde os afetos , que já eram importantes nesta época, o são bem visível no noivo, que enfiou o braço na sua noiva, o que evidencia casar por gosto, e não por influência dos progenitores, na frenética vontade de a levar para casa e a abraçar no recato do lar.
( eventualmente será um filho a abraçar o pai ?), seja este fechar em oiro da descrição, onde os afetos , que já eram importantes nesta época, o são bem visível no noivo, que enfiou o braço na sua noiva, o que evidencia casar por gosto, e não por influência dos progenitores, na frenética vontade de a levar para casa e a abraçar no recato do lar.
Foto de cortesia de Rui Batista
Nesta segunda foto vislumbra-se a igreja antiga, onde a comitiva sem peneiras, se peneira em fazer uso do palco do adro, para presentear os convivas após a cerimónia com requintado banquete, ali ao ar livre na clareira das árvores frondosas, onde não faltou mesa engalanada com fausta toalha branca rendada, que se viu repleta de garrafas de vinho com rótulo, e outras de vidro relevado, de corpo bojudo da Marinha Grande, devem haver também licores de laranja ou tangerina, e no lamento por não conseguir discernir a doçaria, seja o palpite haver cestas de roscas de azeite e de vinagre, ferraduras ou fogaças aromatizadas de erva doce, queijadas de chicharo, merendeiras de nozes e passas de uva, cavacas de cova para se encherem de vinho na vez de copo, sendo o bolo dos noivos um grande Pão de Ló húmido de tempo infinito no bater da massa, de muitos ovos, cozido em forma de alguidar não vidrado e no final coberto com claras batidas em castelo para de novo na quentura do forno alourar, que se comia no preceito em se tirar um pedaço com a mão -, já de salgados; lascas de presunto que esta gente sabe curtir e no mesmo palanganas com enchidos; morcela assada com cominhos, chouriça picante com colorau e ainda farinheira, e outras com queijos fatiados; curado, meia cura ou fresco, de sabor a erva de Santa Maria, revolto de espargos tenros apanhados pelos pinhais, a omelete amarelinha e verde com receita aprendida pelos "ratinhos nas ceifas do Alentejo", e cachola, a carne de porco com fressuras e sangue fresco da matança do porco para a festa, e aqui no tacho de barro picado de garfo em punho no degustar, e claro o bom pão de trigo cozido em forno de lenha, estando os noivos ao centro, rodeados pelos convivas sob os olhares enternecidos daqueles que se atropelam em amontoado na porta da igreja, para não deixar de apreciar tão deliciosa imagem ainda que a salivar, espantados com a arte do fotografo no registo deste momento deixado para a posteridade, supostamente jamais por eles assim vista tanta farta riqueza de boda, nem alheios miúdos vestidos de barrete, outros de saco de pano a tiracolo, e ainda alguns de olhos pregados na mesa, no mesmo estar mulheres vestidas de saia e avental, com lenços atados na nuca ou ao alto da cabeça com franjado e na roda das suas saias crianças achegadas, que se regalam em consolo com as criadas de cestas de verga branca que lhes distribui rebuçados de mel, feitos de véspera na cozinha em caçoila de cobre aromatizados de limão, enrolados nas sobras do papel fino de enfeitar o arco dos noivos. Já atrás do banquete se fizeram à fotografia duas carroças com três homens sentados no poleiro em cada uma delas-, na da esquerda se apresentam vestidos de chapéu de aba larga , já na outra despidos deles, mas na mesma armados de pau, e de rédeas presas nas mãos, supostamente cada uma pertença à casa dos pais de cada um dos noivos-, donatários compadres que em casa se abasteceram em levar na carroça, além da mesa, cadeiras, repasto dos comes e bebes para a boda, e o arco dos nubentes, enfeitado de bolas de papel fino, amarfanhadas nas pontas com flores, e ao alto pendureza de fitas de seda soltas ao vento a imitar o estandarte da felicidade, ditado ao rubro por todos os presentes de cariz feliz ao adro, onde é evidente a superior qualidade das cadeiras, a reivindicar a madeira de cerejeira, árvore tão carteristica de Maças de D. Maria, criadas com perícia de mãos por artistas de marcenaria, de alto gabarito e de valor reconhecido, homens da vizinha Aguda.
Por ser tempo primaveril já não haviam cogumelos, muito menos pintavam as cerejas, nem haviam camélias.
Por ser tempo primaveril já não haviam cogumelos, muito menos pintavam as cerejas, nem haviam camélias.
Neste porquê fácil de se perceber, seja na forma do vestuário, da riqueza do mobiliário que ao tempo só o havia em casas ricas, no mesmo preceito a rica toalha, os predicados da boda pela variedade, e ainda vinho de qualidade, engarrafado, que nas aldeias da região, o povo sendo na maioria pobre, o punha frugal em cima das arcas, outros mais remediados faziam uma pequena boda para os mais chegados com cadeiras e bancos, por serem peças em casa escassas e rudimentares em pinho; nem usavam garrafas, eram infusas de cerâmica, sendo por estas ocasiões de festa a loiça adicional comprada em vésperas na feira do Avelar ou Ansião ( terrina para a sopa, assadeira de barro, palanganas e pratos para servir...em 51, o avô do meu marido na Moita Redonda (Pousaflores) comprou 12 pratos e duas travessas Sacavém, um grande prato com um galo pintado do Outeiro, Águeda, que me veio a oferecer, e três terrinas, por falta de loiceiro esteve anos arrumada numa prateleira suspensa no soalho da adega. As oferendas dos convidados eram rosquilhas feitas com espigas de milho, prato com chouriças, queijos, taleigo de farinha, azeite e vinho, o que tinham de mais abundante nas suas casas.
A fazer fé na opulência do banquete que as fotos documentam-,do fausto como se apresentam os convidados com direito a fotografo que veio de Figueiró, é de acreditar que a receita recolhida do obúlo ou espórtula, pelos noivos seria abastada.
A fazer fé na opulência do banquete que as fotos documentam-,do fausto como se apresentam os convidados com direito a fotografo que veio de Figueiró, é de acreditar que a receita recolhida do obúlo ou espórtula, pelos noivos seria abastada.
O fotógrafo é indicado como Manuel S. Telhada de Figueiró dos Vinhos, e o Padre Manuel Mendes Gaspar.
Agradeço incondicionalmente ao Rui Batista a autorização da publicação das fotos, pois as fotografias em verdade pertencem supostamente por herança, à sua mãe e ao seu tio.
Faiança portuguesa alusiva aos noivosEm complemento da beleza das gentes e do banquete ao adro, o saltitar em prazer e rever como era a igreja antiga antes da remodelação.
Foto de Beatriz Rodrigues
Apresentação do autor, Élio Marques.
A Igreja de Maças de D.Maria... o antes e o agora.
A contracapa
Obviamente que estas fotos vem credenciar vivências de requinte na ilustração do passado desta terra que dignifica o presente , e o enaltece ao serem partilhadas.Voltando a citar Raul Brandão
Como nota final falar do Casal Novo que se ergue ao alto da colina de Vale Tábuas, em dia de festa do Senhor dos Aflitos, onde me mostrei apeada um domingo de calor da carreira, antes da curva em "S", na companhia da Ti Florinda e a filha Tina, minha amiga, vizinhas de Ansião-, mulher de gosto apurado e coscuvilheiro aqui devota na mira encontrar noivo rico para a sua morgada? Atravessada a ribeira d'Alge de parco regato, tomámos o caminho sempre a subir até que deixei de ver as cúpulas dos eucaliptos que emergiam das profundezas do vale de xisto reluzente e se erguiam pelos costados íngremes, para no alto enxergar com clareza salpico de aldeias perdidas, em brutal contraste de outeiros e serranias, enquadradas em belo cenário idílico, que me deixou o coração dilacerado em total êxtase pela beleza deslumbrante infinita-, supostamente o Mestre Malhoa aqui nunca veio (?) aquando na sua habitual passagem por Almofala a caminho de Chão de Couce e o devia-, quiçá, assim hoje teríamos obra famosa alusiva a esta terra -, fosse o mote captar o olhar intrigante em glória humilde, destas mulheres vestidas de murças, das fogaçeiras, ou de mulheres de descendência "Ribeirinha" belas de corpo em cabelos fulvos, porque motivos nesta terra não lhe faltavam, no enfado rivalizar com o quadro do Fado de Lisboa!
Fotos de fogaçeiras retiradas da página do facebook das Cinco Vilas
Procissão do Senhor de Aflitos com as fogaças ou tabuleiros à cabeça
As fogaçeiras uma tradição típica das Cinco Vilas, em finais da década de 30, na foto abaixo a minha mãe, ainda criança, a segurar o tabuleiro ou fogaça ao adro da igreja de Pousaflores com os irmãos, interessante a irmã mais velha na direita, a Maria Augusta, ao tempo estudante em Coimbra que se apresenta de chapéu.
Anos mais tarde havia de voltar ao Casal Novo a casa de uma criada em 74-, a Georgina que viu a mãe partir cedo e teve de ir servir, boa rapariga um pouco mais velha do que eu, a puxar genes à belezura da "Ribeirinha" , rapariga loira que gostava de se baldar ao trabalho, em prol de namorar ao muro do adro, por isso um dia lhe pregámos uma partida no convite para ir às casinhas que eu e a minha irmã tínhamos para brincar com os vizinhos, onde não faltava a adega com pipos feitos de lata do Milo, ingénua na loucura da festa se deixou enfrascar em demasia e assim ludibriada, sofria com o estômago revolto, a regurgitar em vómito a sopa, em rasgado pranto a entoar gritos " a minha mãe sempre me dizia, Georgina, não comas sopa de grão" mas na glória me ensinou o que as mães deveriam ensinar às suas filhas, apesar de usar termos em calão, que mais tarde fui eu a enganada ao ler o primeiro livro sobre sexo, que o meu namorado me ofereceu, e veio a ser o meu marido, por ser indecifrável o conteúdo, sobretudo palavras que antes nunca ouvira e com isso me deixei de estar agoniada, sendo bem fácil de perceber, no livro estavam escritos os nomes verdadeiros, e os que ela me ensinou eram os da gíria, falados na boca do povo, que me deixou de cabeça baralhada...Infelizmente esta boa criatura não teve a sorte que merecia e veio a morrer cedo.
Agradecimentos:
Em especial ao Henrique Dias pela disponibilidade e prontidão em ter sido o vetor de ligação aos visados, no pedido que lhe formulei para solicitar autorização de publicar as fotos.
Esta crónica só foi possível compilar e romancear livremente, graças à cortesia da partilha das fotos pelo que é justa a homenagem à eloquente gente do Casal Novo de Maças de D. Maria, a Família de Acílio Alves da Costa que morou em Portas de Além ao Casal Novo
pelo continuar abastado denotado já no passado da sua genealogia e aqui evidenciada, adstrito ao gosto cultural dos descendentes no presente, Rui Batista, um marco histórico para as gerações vindouras.
No mesmo agradecer ao Élio Marques pelas fotos da igreja que fazem parte da capa e contacapa do seu livro.O meu bem haja incondicional também a Raul Manuel Coelho, e outros intervenientes.
Fontes
http://maritapianaro.blogspot.pt/2011/12/parabola-do-obolo-da-viuva.html
Fotos Google
Fotos da página facebook Cinci Vilas e de Maças de D.Maria
Wikipédia, burel