Agroal
é um paraíso de beleza selvagem despido de árvores de porte pelos incêndios. A
cada ano, as veredas das encostas tornam-se mais compactas,rasteiras,muito crespas
e verdes, resquícios de vegetação mediterrânica à toa semeada de pedras de calcário pelos costados. Diria mais no meu jeito..."um buraco" um fim do mundo....onde Judas um dia perdeu as botas...como se por um milagre fosse no sopé da serra na margem esquerda do vale aflora em fúria ( quem se lembra do Galfúrria?) uma rebentação de águas cristalinas a beijar o rio Nabão no limite do concelho de Ourém, a margem direita pertença do concelho de Tomar. O maior afluente deste rio - que lhe dá caudal todo o ano - porque na nascente em Ansião - a água vai muita funda, infelizmente ali o rio é seco no verão...e não devia...será que foram os romanos que o desviaram?
O Agroal é muito procurado nas redondezas - os meus avós maternos aqui vieram a águas tratar de mazelas e eczemas da pele. Sempre que aqui vim - vi gente com mazelas a banhos, alguns vindos de longe. Uma dessas vezes estava lá um casal de Bragança, na esperança de curar a sua pequenita muito enferma com uma pele extremamente sensível cheia de feridas abertas, até dava dó só de olhar, tinham visto uma reportagem na televisão sobre as propriedades daquela água - não resistiram de vir em busca de milagre...a pequenita chorava ao colo do pai...então não vi!
Águas frias! Alguns aventavam hipóteses, que tal aquecer a água e darem-lhe banhos quentes...conversa puxa conversa, naquilo um homem de meia idade perto de Pombal confidenciou-me que uma das suas filhas tinha tido em miúda um problema de pele, ao ponto de me confidenciar que a tinha curada aqui em banhos e também com a ajuda de uma botica.Sem pedir, deu-me a receita da mezinha que diz ter comprado na farmácia:
Mezinha
2$50 de pó de Joane
2$50 de pó de Alvaiade
2$50 de azeite sem sal
Tudo comprado na farmácia
Vai tudo a ferver num púcaro de alumínio a estrear
Depois passa uma noite ao relento
No dia seguinte o unguento está pronto a aplicar
Desde miúda, há roda de cinquenta anos, aqui afluo a banhos
neste vale estreito encravado entre serranias. Esteve anos sem outra saída ou escape tal as
abruptas arribas das encostas. Um verão a minha mãe levou-me a mim e à minha
irmã para ficarmos uma semana, alugou um quarto pobre, sem quaisquer condições
de habitabilidade. Tinha 17 anos, a minha irmã 15, a parca comida fazíamo-la no
quarto, os grelhados na rua. Quem nos foi visitar, um namoradito da minha irmã,
o Joaquim do Outeiro para os lados do S. João de Brito, tirámos umas fotos na
ponte pedonal. Apesar da pobreza ser maior do que o nosso quotidiano, só sei
que adorávamos aquilo. Anos mais tarde fizeram a ponte sobre o rio, ligaram em
definitivo as duas margens. Também da enfadonha estrada de terra batida a
seguir aos Formigais dizem ser terra de tesouros escondidos, de vez em quando
aqui ainda aparecem com o livro de S. Cipriano, quem sabe do tempo em que o rio
era navegável e funcionava como única via de acesso (?). Ao longo do vale
desliza a caminho de Tomar, o rio Nabão, nas suas margens proliferam aldeias que sempre viveram da
agricultura e da riqueza das águas para o regadio. Aldeias de forte emigração,
o casario de cariz estrangeiro desenquadrado com as casas em adobe, típicas da
região. Do Agroal não tenho saudades do barroco com pedras - assim se chamava à piscina(?), dos garrafões que se enchiam
ao fundo da minúscula escadaria, da força da corrente a fugir por entre as
tábuas do rebordo com limos, muito menos das pessoas que se levavam com o
sabonete junto à roda dos alcatruzes, meio escondidas, a esfregavam-se à borla.
Saudades mesmo? Da roda com os alcatruzes tão típica destas terras; do aluguer
de fatos de banho guardados em cestinhos expostos no varão, quem aderia ao
serviço acabava por ser privilegiado, desciam por dentro e entravam diretos
para o banho; dos quartos para aluguer; do chalé em madeira anos vinte, alto,
elegante, soberbo durante anos em quase total abandono, na outra margem... hoje
já não existe, o que eu gostava, que a Câmara de Tomar tivesse o ensejo de aqui
idealizar outro albergue semelhante; da ponte baloiçante pedonal em madeira com
corrimão de cordas; da velha taberna do Galfúria, da mesa de matraquilhos à porta,
onde aprendi a ser mais férrea com o meu Sporting; pelo entardecer de caminhar rio
acima à pesca com professores reformados de Mira D’Aire, nas mãos redes tipo
canoeiro; do tempo que aqui passei férias com os tios Paredes; do fascínio das
grutas, escalar as veredas, espreitar de olhos arregalados na louca descoberta
de pinturas rupestres, caveiras, ossos, tesouros, como se via nos filmes; das
moscas, inferno tanta mosca, dessas não se guarda saudades!
Pena senti da grossa e polida
coluna em mármore partida, anos e anos persistia debaixo da varanda da casa
azul em frente ao “barroco” quem
sabe se seria romana, gostaria de a ter visto aproveitada como escultura, num
dos novos espaços reabilitados, falta quanto a mim a sensibilidade em analisar
e validar o que se julga que não presta, mas tem muito valor. Há ainda falta de
noções básicas como reabilitar, reciclar, renovar, quando se altera um cenário
como este, está a ser do avesso. ”aqui um dia em miúda os
filhos do marinheiro da Portela, a Helena e o Vítor teimaram em me ensinar a
nadar, não conseguiram, o trauma é grande há anos!”.
Quem se lembra dos
versos alusivos ao Agroal no tempo de antanho
Agroal terra dos meus encantos
Merda por todos os lados
Cagalhões por todos os cantos!
A
câmara de Ourém decidiu na sua margem revitalizar o espaço da entrada,
tornando-o pedonal, muros novos, varandim para o rio, o "barroco"
virou uma grande piscina - chão em pedrinhas - rebordo em pedra, duas
entradas com escadas, corrimões em inox, grande espaldar em madeira para
os veraneantes se esticarem ao sol, 4 mesas de piquenique, relva e até
areia e claro balneários e casas de banho.
Também
a câmara de Tomar fazer a sua cota parte que anunciou - incrivelmente
ainda nada fez na sua margem - apenas fez a limpeza de casebres feitos "à doc" - como diz o povo feitos num tempo sem rei nem roque!
Esperava muito mais de Tomar, muito mais!
Estreei-me num destes domingos, gostei da banhoca. Curti o contraste dos verdes, sonhei, viajei...Só me faltou mesmo amar...impossível lugar de coisa pública, incrivel nem vivalma de moscas!
No
regresso fomos degustar um belo piquenique - pataniscas de bacalhau e
arroz de feijão no pequeno parque de merendas na estrada de Rio de
Couros.
Coisa para voltar a repetir, tendo na mente a inspiração para o banho, água fria para não
dizer quase gelada, de arrepiar, faz bem, depois de entrar com o sol a dar na pele, não
apetece sair…