quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Feira ancestral dos pinhões em Ansião

Duas feiras anuais em Ansião que começam estrategicamente por "P"
Pinhões e Poceiros
Feira dos Pinhõeso seu dia a dia 24 de janeiro."segundo o Dr. Manuel Dias que fez um Livro da Confraria de Nossa Senhora da Paz, esta feira nasceu na Constantina na 1.ª metade do século XVII, dia de grande peregrinação a Nossa Senhora da Paz, e nos finais do século XIX a Câmara a transferiu para vila de Ansião" .Mudada recentemente pela mesma Câmara para o sábado seguinte ao seu dia de antanho. Adorava no meu tempo de adolescente percorrer a feira vezes sem conta, com tantos feirantes e tanta gente que vinha de todos os Lugares...Desde o ano passado decorre com grande animação na Praça do Município renovada, onde não falta a visita da televisão que dá uma retrospectiva do concelho para o Mundo.
Boas Vindas ao evento turístico
Pinheiro manso, por cá se chama "pinheira" 
Com mancha na Costa do Escampado, Constantina e Pinheiro e e na foto as da  Mata Municipal
Para mim teorizo a semente veio com povoadores na centúria de 500 da Grécia que o plantaram entre Ansião e mais tarde Soure para aqui nascer a Feira dos Pinhões e mais tarde na centúria de 800 nascer o Ramo de Pinhões ao Divino Espírito Santo em Assamassa em Soure.
Em miúda com a minha irmã íamos armadas de saco de serapilheira às costas pela  subida espinhosa e pedregosa do costado da serra da Fonte da Costa até ao cume onde se situa uma das nossas propriedades para a apanha de pinhas resinosas, verdes e pesadas, em casa se abriam ao calor do forno para saltar pinhões com o martelo se partiam para comer.Curioso por terras de Ansião no meu tempo sem se dar valia a este produto, sendo que havia muita mancha de pinheiro manso pelos Anacos, Pinheiro, Escampados e,...As minhas pinheiras produzem pinhas mais largas que as da foto.
Medidas de madeira servem para vender os pinhões que não se vendem à fiada
Noutros tempos as vendedoras de pinhões se faziam chegar das bandas da Gândara de Vieira de Leiria.As mulheres se faziam apresentar vestidas em traje típico da sua região; na cabeça chapelinho pequeno em veludo preto, redondo, enfeitados na orla por pena preta, nas mãos carregos de fiadas de pinhões.A tradição dizia que seria os rapazes a fazer a compra e os oferecer às raparigas.
Na minha geração eram muito envergonhados, tímidos, reservados, e sem tostão nos bolsos...
O mesmo uso noutras regiões do centro do País.
Hoje só restam recordações como no Rancho de Leiria
Chapéu da Gândara da Bairrada em veludo com pena de pavão traje de Cantanhede
Trajes da gândara de Aveiro
Trajes da região de Oliveira de Azeméis
A vendedeira de frutos secos e tremoços da região que vende no mercado de Ansião
Quando andava no Externato António Soares Barbosa em Ansião , vulgarmente  conhecido por colégio, este dia era um delírio no calcorrear as ruas  vezes sem conta sempre de passagem pela Praça do Município, por onde desfilavam as tendas e tendeiros, ao almoço e nos intervalos  o mesmo vaivém -, e nunca se via toda, sempre de bata vestida, atrevidas, no prazer dar nas vistas, chamar a atenção, e ouvir comentários -, "são as meninas do colégio" algumas colegas abençoadas de peito farto, que o sol  nelas se estatelava em glória, quão abundantes proeminências resplandecentes na bata ensebada...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Peregrina ao Santuário de Fátima em 1972

Já lá vão 38 anos!
Decorria o ano de 1972, frequentava o colégio religioso as Salesianas no Monte Estoril.
Romaria a Fátima em excursão,no dia 12 assisti à procissão das velas sentada no chão com as minhas colegas e Irmãs.
No dia seguinte, dia 13 , lembro de ter descoberto o meu pai junto à capelinha das Aparições, silhueta que se destacava dos demais, muito pelos seus mais de 1,96 m de altura de fato escuro e óculos Ray Ban de lentes verdes e aros dourados, procurava por mim.
Velhos tempos, tantas recordações, faleceu nesse ano em Setembro, vitima de cancro do pulmão, fumava desalmadamente.Mote para lembrança de um episódio passado lá em casa.
Tínhamos à época apenas uma casa de banho, grande e completa, com mesinha e cinzeiro, nele beatas, até a criada o limpar todas as manhãs.
A minha única irmã, mais nova, "meio rapaz" como dizíamos, só gostava de pistolas, carros e cabelo cortado. Ainda solteira. Não foi falta de pretendentes, isso teve mais do que eu!
Ela, muito à frente, gozava reacendendo as beatas com o isqueiro, e fumava-as ali mesmo na casa de banho.
Um dia, o nosso pai, visivelmente acordou mal disposto, foi mais do que uma vez à casa de banho,nesse entretanto reparou que as beatas não estavam no cinzeiro,o corropio de entrada e saída de manhã era grande, perguntou à criada se já o tinha limpo, ao que esta delicadamente respondeu "não Sr Fernando, ainda não tive oportunidade, as meninas sabe como se demoram"...
Começou o inferno!
Fugimos às perguntas,de bicicleta fomos para o colégio, ele para o Tribunal.
Ao fim do dia questionou-nos novamente quem era a fumadora, como as duas dissemos que não, quis no momento tirar a prova dos nove.
Inverno, a lareira estava acesa, meteu-nos encostadas à parede, o lume crepitava, nele pôs o espeto em ferro a queimar em brasa.
  • Nas nossas bocas pôs um cigarro. Queria testar a fumadora,claro.
Bem, eu nervosa só me lembro que o fumo me saia pelo nariz, ouvidos e boca, engasguei-me de tal maneira com o sabor amargo que logo ali viu que não era eu...
Quanto à minha irmã,atrevida gozava o momento, dizia, "Paizinho, quer que inale o fumo para dentro ou faça bolinhas?"
  • Visivelmente furioso. Tinha-se enganado, achava ele que eu por ser mais velha seria a prevaricadora, apressou-se a desculpar a minha irmã, por ser a sua menina rapaz, caçoila, meio kilo, contrapeso, meio tostão -, as alcunhas da sua menina dos seus olhos, e ali lhe perdoou naquele momento!
Lamentavelmente para nos amedrontar o espeto de ferro continuava ao lume incandescente.Mote para se dizer a verdade.Sabe-se lá o que faria se fosse eu a fumadora,ainda bem, caso fosse perder o bom senso, o que acontecia num virote, nem é bom pensar o que faria.Atenta a minha mãe quando se apercebeu, em pânico, enfiou-lhe uma panela na cabeça, antes que ele fosse acometido com um ataque tresloucado.
Fumar. Eu?
Lembro-me dos charutos de Cuba, em caixinhas de madeira com letras vermelhas. Ofertas de alguns amigos vindos do Brasil,os compravam nas Caraíbas, revestidos com papel celofane e fitinha vermelha para abrir.
Quem os fumava eu e a minha irmã. Verdade seja dita, mal os conseguíamos pôr na nossa pequena boca...
Gostávamos do cheiro, suave e forte,abri-los para apreciar as folhas hermeticamente prensadas, um trabalho manual de requinte.
Uma delícia vivida na sala de visitas, sentadas nos cadeirões de molas duras e costas de madeira com corações, perna trocada,ouvir rádio, "os Parodiantes de Lisboa"!
Dia de boas recordações em Fátima. Pior dormir no autocarro.Emoções de ver a imagem de Nossa Senhora e dos Pastorinhos.
  • Também já fui peregrina a pé, pena que num pequeno trajecto de 45 km, o tive de fazer por duas vezes, as pernas não aguentaram e os braços também não, saímos de Ansião de chapéu aberto até à Freixianda, todos ensopados, os carros davam-nos banho e de que maneira.Farnel mal aviado, não havia tasca para se comer. Passámos mal, a minha mãe ao beber água num fontanário parou-lhe a digestão, vimos o "caldo mal entornado".
Voltámos ao mesmo local para recomeçar a última etapa. Mais interessante, mais gente, muitas flores que apanhei e as deixei aos pés de Nossa Senhora.
Experiência enriquecedora, em Maio e Outubro de 2002.
Sempre tive esse sonho de a realizar!

sábado, 27 de novembro de 2010

Consoada e o natal nas minhas vivências na década de 60!

Chegadas as férias de Natal, nos anos 60 a televisão incitava às crianças escrever ao Pai Natal.Durante anos escrevi a minha carta, nela pedia o meu presente, a minha mãe dava-me o selo e logo a punha na caixa vermelha, o marco do correio, despedindo-me dela com um beijo.Tantas esperanças na carta colorida a lápis de cor em desenhos com arco íris, balões e flores-, acontece que a correspondência deveria ser muita e nunca recebi resposta.Com o passar dos anos, desiludida, abandonei a causa.
Tempos e foram muitos que a minha mãe tinha de trabalhar na noite da consoada.
Nem sei mais as vezes que lhe fiz companhia. Filha mais velha, lá ia numa de dividir o medo, nem tinha como fazer birra.O que custava no tempo de invernia sair de casa,mais da beira do lume ou de cima da cama aconchegada com a pele de bode alentejano a ver televisão,não perdia um Natal dos hospitais e das tropas no Ultramar em fila indiana a ditar para o microfone votos de Boas Destas aos familiares e amigos...Uns tanto de matutar no que haviam de dizer quando chegava a sua vez engasgados, diziam tudo mal,"desejo à minha família muitas propriedades....na vez de dizer prosperidades", na altura reconheci o irmão mais novo do então Padre Filipe Antunes, hoje advogado e ainda primo por afinidade foi casado com a Célinha, uma prima afastada.
Naqueles tempos o jantar não era nada de especial. O hábito do bacalhau cozido com couve asa de cântaro. Para mim era repasto semanal, nunca percebi porque lhe conferiam tanta importância.Bem sei que os tempos eram outros, o bacalhau que aparecia nas mercearias era do miúdo e do corrente mais caro só poucos lhe chegavam, comia-se muita raia seca, o que me lembro da grande faca de o cortar em postas e do rabo para se fazer um bom arroz acompanhado com pataniscas ou bolinhos de bacalhau...
Sempre gostei da horta, de cultivar e colher,ir ao quintal apanhar a couve com o melhor olho,a geada nesta altura queima as folhas, outras ainda cheias de gotículas de chuva. Arte, era escolher a melhor com talos tenros. De véspera cozia-se a abóbora bolina que por lá se chama de "menina" com sal que escorria durante a noite.Que me perdoe a minha rica mãe, mas na altura os tormentos com o meu pai, que nada fazia e implicava com tudo, para ele tudo estava mal, nervosa não lhe calhavam bem...

  • A receita dos belozes,fofos de abóbora menina:
Cozia-se à roda de um quilo de abóbora com sal,depois de fria e escorrida num pano está pronta a confeccionar. No alguidar vidrado mistura-se a abóbora com um pouco de farinha, a olho coisa de 100 gr,acrescenta-se 30 gr fermento de padeiro desfeito em água morna, sumo de laranja, 2 ovos, aguardente e uma colher de açúcar amarelo. A textura da massa sente-se na mão para se acrescentar mais farinha se for necessário. Depois da massa levedada põe-se a sertã ao lume sob a trempe e com o azeite bem quente fritam-se colheradas de massa.
Ensopam-se do excesso de azeite da fritura em papel pardo e cobrem-se numa mistura de açúcar amarelo e canela.
Nem é bom lembrar, motivo de discórdia, a minha mãe na altura nem a minha avó Maria da Luz tinham mão para os fazer bem feitos, aquelas inventavam,umas vezes batiam as claras em castelo em vez de usar os ovos inteiros e acrescentavam mais farinha. O que sei, os últimos eram os melhores. Esses, guardavam-se para levar no dia de Natal para oferecer de fogaça ao Menino Jesus,levava uma cestinha redonda, baixa, de asa em arco muito alto onde atava um lacinho, lá dentro belozes embrulhados em papel vegetal como se fosse um naperon tal o recorte feito à tesoura pela minha mãe,ao subir as escadinhas do adro logo a deixava no palanque das oferendas ali junto à parede da casa do Porfírio. De mãos livres era tempo de missa, de arranjar um lugar sentada onde me perdesse a olhar para o presépio,figuras grandes,montes e uma grande gruta.No fim da missa em fila indiana gostava de beijar o Menino Jesus, numa de agradecimento por não se ter esquecido de me deixar uma prenda no meu sapatinho.
Na minha casa, comer em paz?
Deveria ser! 
Implicativo, aquele meu pai,por tudo e por nada,deveras esquisito com a comida, tudo lhe fazia mal,a minha irmã também não ajudava,comia com as mãos em vez de usar os talheres, havia horas de bofetada de meia noite. Qual quê, a comida não surtia efeito, tão pouco era saboreada, uma pilha de nervos sempre com medo dele,imprevisível tinha momentos que se transformava num demónio.
Às pressas, a minha mãe antes de sair para o turno da meia noite enchia a lata de brasas para nos aquecermos na braseira, companheira fiel, não fossem as pratas dos maços de cigarros para as fazer aguentar...
Eu, antes de sair deixava religiosamente o sapatinho no pial da lareira.
Anos mais tarde, a estação recebeu um grande aquecedor de barras a óleo.O modernismo no caso fez perder a beleza da braseira,de contemplar o brasido a morrer em cinzas, qual castelo de cartas em derrocada. O prazer de sobre ela saborear o parco farnel aviado em casa.Muito gostava eu de pôr a tranca grossa de madeira na janela. Fechadas a sete chaves a nossa ceia era degustada lá por volta das 10 horas,uma mão cheia de passas pingo mel, nozes que partia com o peso de quilo,belhoses azeitados,papo secos com maminhas,lascas de presunto e uma miniatura de vinho do Porto.Bem arresuada, horas de me deitar no chão ao lado do cofre vermelho, frio como gelo,tapada com um cobertor de Vizela.Dias que sinto o cheiro do pó e dos papéis,dos sacos em lona que transportavam a correspondência e encomendas,do cheiro forte da cabine telefónica forrada a corticite, do soalho velho.
Acordar ao som das badaladas do relógio da Reguladora,inesquecível de duas cordas, música para os meus ouvidos, inigualável, único.
A chave da porta grande e antiga, ao descer o alto rebate ouviam-se finalmente as doze badaladas do relógio da igreja, da fábrica Cousinha de Almada.
Quantas noites de Natal e passagens de ano, Carnaval, feriados ali passadas, a fazer companhia à minha mãe.
Naquele tempo não me lembro de haver um assinante sequer que se lembrasse de telefonar para desejar "Boas Festas". Pasme-se!
E não pagavam, porque naquele tempo o sistema era manual com verbetes.
Uma noite como outra qualquer, sem estória de partilha com os assinantes do dia a dia...
Interessante como os tempos mudaram em poucas décadas. Hoje assistimos a um exagero de troca de votos...cansativo, sem sentimento, só porque se usa, é moda, faz parte...
Dormir desassossegada, acordar de manhãzinha, casa gélida,saltar da cama e em corrida rápida pelo corredor só parava junto ao pial, tudo para ver a prendinha deixada no sapatinho. Deleite maior de sentir que o Pai Natal nunca se esqueceu de mim nem da minha irmã.Então não nos diziam que descia pela chaminé, durante anos acreditámos, era limpa com uma grande vassoura de urze,amante de grandes fogueiras o nosso pai atiçava -a com com ramos de oliveira, aquilo era labareda farta para a limpar da fuligem! O sapatinho todos os anos tinha sempre uma prenda.
Montar o presépio com imagens coloridas em barro compradas na feira de Agosto na tenda encostada ao muro dos Paços de concelho. O cenário era montado em cima da cristaleira coberta de musgo e fetos, o moinho, a fonte, as ovelhas brancas, o castelo, os Reis magos, a ponte no riacho,os pastores, a cabana de palha com o anjinho da guarda de soslaio a sorrir para José e Maria , atrás o burrinho e a vaquinha com o bafo a aquecer o Menino Jesus.O pinheiro de Natal durante anos o cortei ali junto ao hospital a norte, haviam muitos pequenos e maneirinhos, nunca me senti mal em cortar um porque aquilo tinha sido semente farta era um jeito de desbaste.Em casa era coberto com algodão a imitar neve, chocolates presos e bolinhas, por última tinha uma iluminação de luzinhas às cores.
Queixas da minha infância? Não me posso queixar. Na minha casa sempre houve bastante fartura de tudo.As tradições eram cumpridas. Para a ceia de Natal a minha mãe encomendava da Briosa ou do Internacional de Coimbra, o famoso Bolo Rei nos anos 60. Fui alguns anos pelo Natal e pela Páscoa à hora da chegada da camioneta do Pereira Marques em frente da farmácia buscar as encomendas. A melhor? não apreciávamos o bolo rei. Tal a fartura, divertimento maior,esburacar o bolo todo para lhe tirar as frutas cristalizadas, que na altura não gostávamos, nada disso, queríamos era encontrar a prenda que trazia embrulhada em papel vegetal,a fava é que nem vê-la!
Lembranças de lá ver chegar afogueado o meu pai para trazer a encomenda das caves da Mealhada ou Anadia, maleta entrançada de raspas de pinheiro com letras vermelhas e asinha como as malas de cartão.Lá dentro aguardente velha, licores, Lágrima de Cristo e ainda miniaturas de vinho do Porto para mim e minha irmã.
Em 1969 a minha mãe fez-nos pelo Natal uma surpresa inesquecível.Comprou a prestações um Cabaz de Natal.Grande era o camião que parou junto à nossa casa.De lá tiraram uma grande caixa que deixaram na sala de visitas. Verdade seja dita, ali foi logo aberto, tal o fascínio de ver o que trazia e logo o voltámos a fechar.À noite quando os nossos pais chegaram estavam felizes com a chegada do cabaz,à nossa roda disseram para o abrirmos, o que fizemos de assentada sem pestenejar, tão emocionados com a nossa alegria nem se aperceberam que já tínhamos visto o que trazia.Contentes estávamos com a surpresa,no melhor cada uma a tirar garrafas de sumo concentrado, a nossa primeira vez que tal bebemos,ao tempo só mesmo se conhecia por lá a laranjada e a gasosa. Delicioso V5,néctar, além do bacalhau, azeite, nozes, passas, amêndoas,tâmaras,frutas cristalizadas, chocolates, bombons,presunto,goiabada,bolos secos,queijo da serra e da Ilha de S. Jorge picante e miniaturas de cavacas,logo imaginamos fazer delas copos para beber o vinho do Porto,também prendas para as meninas,duas bonecas loiras com o seu carrinho cor de rosa e ainda enfeites para a árvore de Natal, bolas grandes em azul celeste.
Dos Correios nem 1970 começamos a receber também prendas. Nada a propósito de ser para menino ou menina, eram prendas. Lembro-me de uma grande girafa, uma bola colorida aos gomos de plástico fino. A nossa mãe escondia-as atrás da porta do seu quarto que tem um recanto,nós levadas da breca sempre demos conta de tudo, e assim se perdia o encanto da surpresa...
Episódio passado num ano em plenas férias de Natal, teria 8 anos, eu e a minha irmã pegámos nas cestinhas de verga que o nosso pai comprava na feira dos poceiros no 10 de Agosto ao Zé Mau de Além da Ponte, e fomos fazer de conta que apanhávamos azeitona na fazenda da "Vinha". O tempo estava a puxar chuva, de repente pôs-se escuro, convenci a minha irmã, para nos irmos recolher no Mosteiro. Lá fomos andando pelo caminho em terra. Ficava muito perto da fazenda.
Primeira vez que lá entrámos.Ao tempo já me fascinavam casas antigas, ferros forjados, azulejos, cantarias, tudo que irradiasse história, património, tradições.
Recordo como se fosse hoje,lá chegadas tivemos de dar um impulso à pernita para subir para um patamar tipo um rectângulo, talvez o chão primitivo do Mosteiro, a frente em pedra de rebordo trabalhado, ao fundo avistei a cantaria oval em arco de uma grande porta,formato igual à que conhecia por detrás da igreja da Misericórdia quando brincava no jardim dos Paços de Concelho,cheio de buchinhos a delimitar os canteiros, e cerejeiras, resquícios do jardim do solar dos Menezes, apesar desta porta minúscula em comparação com a do Mosteiro, no entanto igual.
A velha portada de madeira semi-aberta, deixava antever à nossa frente um largo corredor, ao longo dele uma passadeira em lages de calcário, grandes, todas iguais imensamente brancas,no final abria-se um grande espaço, talvez igreja ou capela pelas marcas de altares,uma pia e arcos no tecto. O cenário era aterrador,naquele sítio o telhado estava partido, a chuva miudinha teimava em cair,vimos barrotes em carvão a descer em direcção às nossas cabecitas, tudo a evidenciar incêndio recente.
Saímos por outra porta ao fundo e depois na rua por um pequeno portão rematado com ombreira em pedra elegante tipo pescoço encimada com uma esfera.
Incrível, hoje não existe quase nada.Quando foi feita uma vivenda azul estreita, aproveitaram o friso do patamar para os degraus da varanda que viraram ao contrário. Curioso, o espaço para fazer esta casa era muito pequeno, não dava para fazer a cozinha.Boa vontade da dona das ruínas ao lado, Carmita do Bairro ao dispensar precisamente para ela fazer a cozinha o tal corredor de lages brancas onde eu um dia com a minha irmã entrámos como se fossemos duas princesas!
Nesta casa na cave aos cantos ainda são visíveis restos dos arcos.

Outra estória em tempo de férias de Natal, teria os meus 10 anos. Numa manhã quando fui à padaria dos avós buscar o pão, o avô perguntou-me se eu queria ir com ele apanhar azeitona para a Ferranha, respondi que sim.
Passou à minha porta e lá fui com ele, chegados lá, recordo que a primeira coisa que fez foi ir apanhar uns gravelhos no pinhal e no olival fez uma grande fogueira para eu me aquecer. Por volta das 11 H, disse-me se eu queria ir ter com a avó Piedade para a ajudar a trazer o almoço, ao que acedi.
Vínhamos as duas com a cesta da janta, um pouco antes do nosso olival uma sua irmã Luz do Canhoto também apanhava azeitona com o marido numa fazenda à beira do caminho. Hoje sei, que premeditou bater-lhe,ouvindo a nossa conversa,quando eu passava junto ao muro vi-a dirigir-se ao pinhal para trazer um pau que arrumou junto ao muro.Quando passávamos ao endireito da entrada do olival a tia Luz veio em nossa direcção e de pau em punho desatou a bater na minha avó, empurrou-a para cima do muro de pedra e bateu-lhe tanto que lhe partiu uma perna. Eu gritava. O marido dela continuou a apanhar azeitona, nem se moveu.O meu avô veio aos meus gritos, levou-a para a nossa fazenda enquanto me mandou ir a casa telefonar para chamar os bombeiros. Mal tratada foi transportada para os hospitais de Coimbra. Uns tempos depois veio para casa e desta vez o quarto foi feito na sala do r/c. Tinha diabetes, a perna não "colava". Definhava a olhos vistos.O meu pai teve um grande desgosto porque pela primeira vez ela tinha cortado os lindos cabelos,de trança a bater no chão,desde sempre o meu pai de pequenito a penteava em cima de um mocho.Tinha tanto orgulho que depois queria que eu continuasse essa tradição...
Fui esperta, estava no colégio religioso, ao tempo só se lavava a cabeça uma vez por semana. Pior o secador só havia um, caso será dizer que sendo a menina com o cabelo mais comprido era a última a secar. Nas férias do Natal, as minhas primeiras depois de lá ter entrado contei este dilema ao meu pai, o que sofria com frio, as constipações e a desigualdade, porquê a última, até que consegui demove-lo e com grande mágoa disse-me, podes ir cortar o cabelo, mas antes fazes uma trança para ficar de recordação.No Fundo da Rua na cabeleireira esposa do Porfírio lá estive horas à espera da minha vez, linda a trança que me fez para trazer para casa. Andou anos,perdida pelo sótão até que desapareceu.
A avó não viveu muito tempo, veio a falecer pouco tempo depois.
Só mais tarde percebi o porquê da sova. Tratava-se da divisão de bens, a máquina de costura nas partilhas tinha ficado em sortes para a irmã Ermelinda radicada há anos no Brasil, a minha avó decidiu levá-la para sua casa,porque enquanto solteira só ela bordava nela, bordadeira de mão cheia,presenteou cada irmã com os adereços de núpcias. O seu enxoval era lindo e rico, tenho alguns exemplares em bordado Richelie, bainhas abertas, bordado de Castelo Branco.E bordar à mão? A sua colcha de núpcias simples em abertos e fechados de costura ao meio muito comprida com bordadura ondulada e rabinhos de porco. Encantadora. As coberturas das arcas em croché delicadas também.
A minha avó Piedade, mulher de mãos muito prendada!
Uma prenda de Natal inesquecível, do meu pai. Um caniche. Foi de táxi a Coimbra comprá-lo. Quando chegou com ele ao colo, fazia lembrar o "franjinhas" dos desenhos animados, todo branquinho, de pêlo encaracolado ,uma doçura.
Logo eu e a minha irmã afoitas decidimos dar-lhe banho,Dezembro, muito frio, apesar da água tépida, o animal não resistiu, ficou paralítico das patas traseiras,o nosso pai ligou para o veterinário Dr Mateus que depois de o ter observado, sorriu com um redondo não..."não há nada a fazer, tenho de o abater" deu -lhe ali uma injecção.
Desgosto imensurável para ambas. Funeral na "Vinha". Sepultado debaixo de um grande pereiro mesmo na extrema com a fazenda da tia do Alto. Cobrimos a pequena sepultura com muitas flores.
Assiduamente lá íamos visitar o nosso caniche que tivemos apenas três dias!
Nem todos os anos se fazia o ritual da matança do porco, algumas vezes a minha mãe optava por vendê-lo na feira do quinze,ali no largo do Ribeiro da Vide.
Tudo porque o meu pai era um "mãos largas". Dava tudo. Esquecia-se do trabalho que lá em casa se tinha para os criar e engordar. O curral ficava ao cimo do quintal, carregar os baldes com a lavage pelo carreirinho acima , fizesse frio, chuva ou calor.
Só me lembro de uma vez do ritual da matança. Pior do chiar ensurdecer do animal deitado amarrado na banca, momento da estucada a frio, sem dó nem piedade, directo ao coração. No chão, um enorme alguidar para se aparar o sangue. Sempre a ser mexido com uma colher de pau para não coagular, com ele se faziam as morcelas.
Chamuscado e raspado o cheiro exalava a carne queimada. Na loja pendurado num chamaril de madeira, a que eu chamava de cabide,enfiado pelos tendões das pastas dianteiras aberto de alto a baixo.
Desmanche das carnes. As vísceras eram tiradas para um tabuleiro de madeira, com elas confeccionavam-se pratos típicos,sarrabulho, cachola e iscas com elas.
As tripas eram lavadas no rio Nabão, ali junto ao canil municipal. Cenário macabro de ver, ficavam branquinhas, viradas com a ajuda de um vime. Acabavam em morcelas, chouriças, farinheiras e paios.
Para as morcelas misturava no sangue do porco farinha, entremeada, salsa fresquinha que eu ia apanhar no rebordo do poço e cominhos.
As farinheiras levavam gorduras frescas do porco misturadas com farinha, alhos, pimenta e sal.
Os presuntos eram salgados. Mais tarde barrados com colorau e por fim iam para o fumeiro acabar de curtir. O entrecosto, cabeça, chispes, pernil, toucinho da barriga ia tudo para a salgadeira, arca de madeira com pés altos, eu ajudava a espalhar o sal.
No dia da matança comia-se a fressura, que nós chamávamos a "passarinha", assada na brasa.
Acontece que o meu pai deu toda a carne num virote aos amigos. Desesperada, a minha mãe fez uma promessa de nunca mais fazer a matança. Assim foi!
Nos anos seguintes comprava lombo e fazia as chouriças.Na cozinha em cima do banco de espaldar em frente ao lume cortava o lombo para o alguidar.A ciência era cortar em pedacinhos muito pequeninos, esfarelar sobre a carne o colorau doce do cartuchito de papel e depenicar folhas de louro,regar tudo com vinha d'alhos e deixar marinar.
Fazê-las? era uma festa.De funil em punho enchia-se a tripa seca já demolhada,comprada na mercearia da Ti Carma. A minha mãe com guita ia atando dando a forma de ferradura às chouriças.
Gozo maior a tarefa de enfiar os enchidos nas varas de loureiro tipo estendal por debaixo do chapéu da lareira, ali se curavam com o fumo das cavacas de carvalho.
Na véspera do Natal,o Ti Narciso e o genro do Pinhal trouxeram a pia em pedra para o azeite.Então não me lembro de a ver fazer na eira atrás da casa quando ia à Barroca,fazenda de extrema com o ribeirito e o quintal dele.
Espero que esta não lhe ponha ranço como a outra...dizia a minha mãe!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Vindimas e o vinho no meu tempo por Ansião

Agendado o dia na contratação por palavra ,ao "pessoal de fora" com jorna de comer, podia ser a seco, ao tempo não faltava a Gracinda Borracheira  e a irmã Maria , homens de Albarrol; Pedro e outros , que logo de manhã se apresentavam à porta para o mata-bicho; cachaça, por último só queriam brandy Pedro Domec. O almoço era levado à hora em cabazes de verga, geralmente rancho à moda de Viseu, todos comiam que se fartavam e não faltava arroz doce.
O meu pai tinha plantado umas parreiras de casta especial, tipo D. Maria, de cachos e bagos grandes punham-se numa cesta à parte para se pendurar e comer pelo Natal. 
Na cave da casa -,a loja, servia de adega e arrumos, havia uma ligação por dentro em escadaria de madeira estreita que fazia a ligação a esta e ao sótão.
Num bom ano a produção de uvas enchia o grande tanque.
Alto, o meu pai a rondar o soalho da casa ao bailar na pisa das uvas na medonha amálgama de cachos. Impacientes no rebordo do tanque, eu e a minha irmã, também queríamos pisar as uvas. 
Farto de nos ouvir dava-nos autorização com recomendações, primeiro ritual a lavagem de pés, despir as saias e em cuecas lá nos aventurávamos a subir a escadita com degraus de paus para entrar no grande tanque. 
Qual cacho ou engaço sempre a teimar roçar as nossas pernitas quase até ao umbigo!
O cheiro sufocante, forte, não devia ser inalado, não fosse a aragem dada pelo grande portão aberto de par em par,os gases perigosos provocam intoxicação,por isso de cabeça no ar a cantar, nada de cabeça baixa.O nosso pai metia-nos medo,"já tem morrido pessoas"...na altura não acreditávamos!
Aquilo era uma fartote de rir, cantar e dançar em pisa bem acalcada, se era!
Faina acabada, de volta sentadas no rebordo do tanque a ver as nossas pernas a escorrerem, pintadas ficavam de carmesim com mui baginhos colados à pele. Novo ritual de lavagem, só que agora as unhas ficavam pintadas, para não dizer encardidas!
Fim da azáfama da pisa, o tanque era coberto com uma manta de serapilheira, por baixo dela uns varejões em cruz faziam o estandarte. Durante dias aquele cheiro forte invadia a casa toda.
No dia seguinte e até ao dia de envasilhar de manhã e à tarde, não podia faltar o ritual de se acalcar o mosto com uma espécie de taco largo em madeira, espectáculo lindo aquele de fazer baixar o engaço, espumava forte, parecia um bolo a crescer. 
Tempo de preparação do vasilhame,os pipos em madeira eram demolhados durante dias, os aros martelados, as cubas de cimento lavadas, os postigos ensebados com banha de porco comprada a granel no talho,adorava bate-la com o martelo no chão de cimento até amaciar para se moldar e postigar. Haviam três pipos muito grandes, eu e a minha irmã entrávamos dentro deles para os lavar e parafinar. 
Por entre os barrotes do soalho era hora de tirar os vimes lá entalados, com eles e a faca da "horta" faziam-se espichos afiados, e da tira de cortiça moldava-se alguma rolha à última da hora.
No dia de envasilhar o vinho era emulsionante o abrir da torneira do tanque. Mosto encorpado num virote se enchiam canecos e com eles os meio almudes que em fila eram logo despejados no grande funil para dentro dos pipos- o mosto emanava um som  ensurdecedor a cair no vazio do pipo .
Os pipos ficavam cheios sem entornar para não chamar os mosquitos e ficavam tapados com marmelos ou maças durante toda a fervura, e eram de vez em quando atestados, por fim rolhados quando o vinho deixava de ferver.
Anos havia que se fazia uma pinguita de vinho branco na dorna, esse era feito de bica aberta e metido na cuba pequena.
Meio almude roto reaproveitado como floreira 
Vinho envasilhado eram horas de meter o engaço em bacias e na pressa de o acarretar à cabeça até à prensa do Ti Parolo, para depois de bem espremido à força de braços trazer na volta o néctar da água pé em meio almudes que se despejavam na cuba maior.
Da prensa o engaço exprimido era levado em sacos na burra Girica da minha Ti Maria, até ao alambique do Moinho das Moitas, para se fazer a aguardente, onde fui algumas vezes.Ficava nas traseiras do moinho, no caso diria azenha nos Olhos d'Água, recordo os cilindros em inox altos, fogueiras, carreirinhos de tubinhos entrelaçados a verter um líquido branco de cheiro intenso mui forte, a "branquinha", tantos nomes, para mim- cachaça nova.Outros havia que aguardavam a sua vez e levavam farnel aviado; batatas pequeninas que enfiavam na hora em arame fino e o vergavam em arco, logo metido no brasido a assarem, acompanhavam com postas de bacalhau que também era assado no brasido ou chouriça ou morcela com cominhos. 
Havia um leque de cheiros no ar, mas o da cachaça nova entontecia a minha cabeça jovem. 
De volta a casa trazíamos um garrafão azado de 25 litros.
Ir à adega buscar vinho era tarefa diária.
Um dia vaidosa com o troliteiro, herança da minha avó Maria da Luz , fui pelo lado da rua, ao poisa-la no chão para abrir o portão, dei-lhe um encontrão e num ápice a linda jarra de bico repenicado partiu-se .Era uma bela jarra em vidro com pezinhos, quiçá a imitar uma peça de arte ali desfeita aos meus olhos. Ainda hoje me magoa lembrar o facto, mais tarde consegui encontrar na feira- da- ladra um parecido mais pequeno, só para nunca me esquecer daquele que fora da minha rica avó.Sorte a minha, mais tarde encontrei um bocadinho com um pezinho no quintal, na altura não havia recolha de lixo, guardo-o, estimado, na minha cristaleira de recordações. 
Pelo S. Martinho era hábito abrir-se a água-pé, enchíamos infusas de barro vidrado das Caldas, melhor saboreá-la em malgas pequenas de Sacavém ou Lufapo de Coimbra, senti-la gemer no vidrado, a pinga era encorpada! 
Já o vinho novo provava-se pelo Carnaval, dependendo do frio do Inverno, quanto mais frio mais depressa ele cozia. Anos havia que se enchia de "flor" a fazer lembrar os agriões na eira dos Olhos d'Água e da Lameira, onde tantas vezes nas tardes tórridas de Agosto eu e a minha irmã tomávamos banho na Ribeira escondidas por entre os milheirais.
Havia o hábito de tirar o vinho novo com a ajuda de uma pequena mangueira que se punha no buraco no topo do pipo, de tão grandes tinha de subir ao estrado de madeira para lá chegar. Bons pulmões para puxar o vinho pela mangueira e fazê-lo "pegar" começar a jorrar e encher a infusa.
Nunca nos podíamos esquecer de tapar o pipo com a rolha de cortiça, lavar a mangueira e o funil e arrumar tudo no sítio. 
Mais tarde o nosso pai abria o "espicho" de cima -, pequenos orifícios ao longo da frente do pipo fechados com palitos grossos de vime aguçados, quando o pipo ia mais de meio, finalmente lhe punha a torneira.
Quando vínhamos da escola, havia anos que tínhamos fregueses à nossa espera para comprar garrafões de vinho. As torneiras eram grandes, enchiam-se depressa. 
Não me recordo de em miúda alguma vez me ter "enfrascado".
No cinquentenário do meu tio António Paz no jantar em sua casa a mesa engalanada com o serviço de loiça da vista alegre, foi servido um arroz de marisco num grande tacho de barro, a esrear.Primeira vez que bebi por uma tacinha o champanhe, as bolinhas, essas marotas, fizeram-me cócegas na garganta, ao sair ao rebate da porta, os degraus em meia lua, qual altar, lindíssimos ,então a dar o braço à minha mãe não baloicei...
Avisos dos malefícios do vinho...sempre comedidas no beber -, tais os reparos constantes da nossa mãe em casa todos os dias às refeições em nos relembrar para não abusarmos do copito de vinho - "meninas não bebam mais"… 
Assistíamos ao exemplo do nosso pai -, dava-lhe para disparates e atitudes absurdas sem explicação. Infelizmente também para ele viveu uma infância num ambiente nada saudável ao assistir a cenas de embriaguez da sua mãe-, minha avó Piedade, no propósito do seu único consolo abafar desgostos -, obrigada que foi a casar com o meu avó, homem trabalhador mas rude, conta-se que fugiu dele na sua noite de núpcias...viveu uma vida amargurada, infeliz, não soube o que era o amor. De todas as irmãs a mais bonita, muito alta, abençoada de pele alva e macia ornada com longos cabelos pretos brilhantes, prendada de mãos, e delicada nos lindos bordados que fazia à máquina. De olhos num homem de justiça que apareceu na terra - dizem se encantaram um pelo outro - mas o seu pai Elias não permitiu o namoro, tinha casamento destinado com o pedreiro “Zé do Bairro” que veio a ser o meu avô. Infelizmente assisti a cenas tristes por tantos desgostos abafados no vinho. 
Dia houve que o meu pai me mandou ir a casa dela buscar azeite, ao chegar e dizer ao que ia, a avó atirou-se a mim, deu-me uma valente sova - "sem quê nem para quê" como se eu tivesse culpa de alguma coisa… 
Outra vez vinha eu de Coimbra com a minha mãe ao passar na sua casa, ofereceu-me sopa - mal maior - não havia pratos, casa sempre com gente de fora, tudo mal acautelado, à mão de semear ,em ambiente fértil a desvios…logo de sentido prático a minha mãe tira do saco um prato vazado, de rebordo esburacado em louça decorativa de Coimbra, comprado nesse dia. Triste imagem ao ver a canja fugir pelos buraquinhos do prato ... 
Esquinado dia sim, dia não, o meu pai perdia o controlo e a razão - um demónio vivo que assustava tudo e todos, os nossos dias eram vividos sempre com “o coração nas mãos". Imprevisível. Dia que se aventurava aos tiros às galinhas das vizinhas que andavam no nosso quintal, acaso acertasse em alguma, coitada da minha mãe ia a correr pagar o prejuízo… 
Também dos cães que acolhia sabe Deus por onde, achadiços sem dono - mentor da proteção animal com foros de dono de canil, dava-lhes guarida no nosso quintal – por outro lado a minha mãe a dar-lhes descaminho como podia… 
Bons os domingos, havia sempre um bolo, pela fartura de nozes partidas a martelo. De roda das saias de minha mãe a folhear o livro Pantagruel, ajudava a bater a massa com colher de pau, se porventura o bolo crescia pouco, a culpa era sempre minha, não tinha mexido sempre para o mesmo lado. Hábito também de fazer um tabuleiro de palitos para toda a semana. Enquanto coziam no forno elétrico, hora de me sentar no rebate de calcário oolítico a lamber os fluidos de massa doce que escorriam do pequeno alguidar vidrado de cor verde! 

Aprecio um bom vinho, palheto, encorpado que não se sinta a escorregar, habituada a beber às refeições desde que me lembre, não propriamente de beber as chamadas - "sopas de cavalo cansado" - de saborear um golo de bom vinho ao mesmo tempo que comia a “sopa de entulho, sopa da pedra ou comida à moda da terra”…sentir esse delírio - coisa de uma ou duas vezes... 
Aconteceu numa festa de batizado em Ílhavo, a minha irmã madrinha do rapaz, a mãe colega de trabalho da Lousã, o pai, homem mais velho andou emigrado, passava o tempo na pesca lúdica. Mesas fartas, fresca mariscada, no forno de lenha tachos de barro preto assavam chanfana, no fogão coziam couves asa de cântaro para acompanhar - bar feito pelo anfitrião em tábuas de pinho queimadas para dar um aspeto pitoresco repletas de garrafas de licores caseiros em garrafas de todas as cores, ainda a arca cheia de cerveja. Tanta mistura - tal a insistência “esta é para a irmã da comadre” - sempre para “a irmã da comadre, para a comadre, e ainda para a mãe da comadre” -só me levantei da mesa pela noitinha para vir embora, difícil foi segurar as pernas direitas, tal igual ou pior a minha irmã, sentadas as duas no banco de trás do carro conduzido pela nossa mãe numa estrada de pinhal com buracos de meia-noite, vivemos momentos de aflição pela grande indisposição…premente paragem no meio da mata florestal para… grande a escuridão. Maior alívio o que sentimos depois de descarregar o estômago…em cantoria viemos até a casa…” todo o caminho no arremedar o compadre - esta é para a irmã da comadre…outra para a mãe da comadre e mais uma, para a comadre”… 

Tabernas de cheiro a vinho e, carraspanas…fartura de pipos de madeira de todos os tamanhos e copos brancos, grandes e pequenos, os famosos copos de três…pias em pedra de loiz onde eram esfregados com as mãos à laia de lavados na torneira de latão, mosqueiro com paredes de vidro e dentro dele petiscos: sardinhas ou carapaus com molho de escabeche, iscas, filetes de bacalhau com ovo, atum, peixinhos da horta e, …ainda me lembro de copos grossos em casca de cebola, dos copitos para a aguardente, dos altos para os finos, dos pires para os tremoços e amendoins, do cheiro a vinho a escorrer no balcão - dos homens dentro e fora de portas de copos na mão, bêbados a cambalear, a dizer disparates e a cantarolar. Obrigação sentia quando a minha mãe me mandava chamar o meu pai e o trazer para casa. Dia houve ao entrar pelo portão da taberna da Helena na Praça - envergava calças, casaco em malha comprido de atar à cintura e socas com sola em cortiça, cachopa esbelta a despontar para a adolescência -a D.Helena por estar em cima do estrado do balcão fitou-me o olhar, vira-se para o meu pai e diz-lhe “ oh Valente a tua filha tornou-se numa mulher, vai-te embora, a taberna não é bom lugar para meninas como ela”. 

Recordações de algumas tabernas de então: António Antunes no Moinho das Moitas; “João Anão” Além da Ponte; na vila tio Ruivo, tia” Carma do Russo”; Zé Piloto; Adrianito Rodrigues; “Gracinda dos cachopos”; Manuel Mouco; Carlos Antunes, Ti Domingos, tia Dorinha, Ti “Albertina do Girardo”; “Tarouca”; no Ribeiro da Vide: Zé André, Ti Nicolau, Ti Moreira no Bairro e,… 

Inesquecível um episódio de brutalidade - após um dia de trabalho a minha mãe passou na taberna da tia Carma para chamar o meu pai, para com ela irem para casa -, mal chegada, os amigos que com ele bebiam como sinal de respeito, pousaram os copos no balcão, instante imediato olhou para eles e questionou-os “não bebem é por causa dela?” - ato imediato jogou o copo de tinto sobre o belo casaco branco, nem pestanejou com o estrago total.
Bebedeiras, esquinadelas ou carraspanas deram azo a tantos disparates, após passarem - ,questionado nem acreditava, até ficava triste…
Saber controlar vícios é fundamental!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Romarias e festas do meu tempo por Ansião

Retalhos da minha infância na vila de Ansião no distrito de Leiria.
Cresci rodeada de várias criadas internas -,umas novíssimas quase da minha idade, outras mais velhas. Ao tempo não se ouvia falar nem em infantários nem pré-escolar.
A fuga sempre esteve intrínseca em mim, desde que comecei por gatinhar.Cedo comecei a fugir pela crista dos regos das batatas saltando as alfaces "orelha de burro" no limite do ferujal a caminho da casa da minha tia Maria,ainda me lembro da bisavó velhinha enferma na cama de ferro,na quina do quarto o irrigador nada mais do que um depósito de vidro com papel rosa velho muito gasto, arrepiante a mangueira -, clisteres o remédio! 
Primeira romaria na aldeia da Sarzeda…

Honra de Nossa Senhora da Esperança. O Virgílio Valente levou-nos de táxi. Depressa o meu pai nos abandonou, encaminhou-se para o balcão de ocasião da taberna feita no adro da romaria, na aba do balcão de pinho os amigos e conhecidos pagavam rodadas de copos de vinho tinto. No arraial da festa junto à quermesse o cordão da minha botita mal apertado quis teimar em sentir o chão -, o meu pai com um copito a mais fez azo ao alarido em mote de desconsolo, até vergonhas no arraial sentiu a minha mãe comigo ao colo, apreensiva, no caso até arrependida, não estava habituada a faltas de educação, cansada estava de o ensinar a ter modos, até de o habituar a comer sopa, tais eram os maus hábitos trazidos de solteiro, quando sentia fome sabia como se desenrascar, fosse no galinheiro, salgadeira ou padaria, amanhava-se a enganar a barriga de misérias, apesar da casa abastada, tanta fartura, não havia rei nem roque, isso sim…
Porfírio, foi ourives, homem que conheço desde sempre, e também conheci bem o seu pai, Anastácio, gente boa, educada e muito simpática, algumas vezes me cortou anéis com o dedo já arroxeado...
Foto retirada do Serras de Ansião


Gentes da Sarzeda: Adolfo, Aciolina, Dolorinda e, irmão, Helana e irmã, Porfírio e irmãs, e… 

Outeiro: Olinda, Simões e, … 

Velha da Pereira…quem não se lembra de ver a quando vinha à vila descalça de lenço atado atrás da cabeça e avental preso na anca de andar de abanico apressado, dela se rezava que fazia uma dorna de vinho com os bagos que apanhava no chão depois de feitas as vindimas…

Cavadas: D. Lúcia e marido Adriano Marques; Freire “ Formigo” e, … 

S. João de Brito: Dr. Branquinho; Prof. Reis; Dr. Abel; Valdemar, Carrilhas e, …

Pessegueiro e Bairrada: Jezulinda, Clarisse, Armanda, Ilídio e, … ainda me lembro do alambique de medronho na Bairrada.
 Acaso troquei os Lugares de alguns, desculpem, assim como daqueles que esqueci o nome!
2ª Romaria ao S. João no Porto ...
Surpresa inesquecível a visita dos tios Rosária e António -, alcunha “Paredes” da Portela de S. Lourenço acabados de chegar de Luanda - coisa de dias tinham festejado o meu aniversário de cinco primaveras. Casal sem filhos com tantos sobrinhos julgo ser a única que não era afilhada -, metia-me confusão todos os meus primos os chamarem por padrinhos e eu de tios. Emigrados em Angola acabados de chegar traziam na bagagem lembranças para toda a família -, das Canárias serviços de café em porcelana chinesa para os irmãos. Da Madeira bonecas e uma peça de pano para fazer vestidos para as afilhadas. Gesto que  vi repetir apenas mudava o padrão, umas vezes forte de cores garridas outras pastel, tecidos em poliéster, não amarrotavam nem precisavam de ferro . Recordo o último vestido em relevo em tons de laranja brutalmente curto e decotado, por baixo vestia uma camisola preta de gola alta fininha...o que eu brilhei à saída da missa!
Vinha ao de cima o cheiro do café, igual o do açúcar refinado, até então só conhecia o amarelo e latas redondas de goiabada e os amuletos -, uma arte de esculpir a madeira de pau-preto, a minha mãe ainda hoje ostenta o seu “busto negro na estante como augúrio de sorte”…mal distribuíram as prendas de partida estavam para França com outros tios Américo e Clotilde, também eles radicados em Luanda. Dias depois de novo na terra -, vaidosos cada um com o seu Peugeot 403 em preto reluzente. 
Junho -, festas populares, decisão às pressas de festejar no Porto o S. João fizeram questão de me levar, a minha segunda festa na infância, esquecer é que nunca, tal o espetáculo cintilante das luzes, do cheiro forte a alho-porro, martelinhos a tilintar na minha cabeça, enfeites de bandeirolas em papel de todas as cores e o barulho das luzes a piscar dos carrosséis. 
Vaidosa ia eu, trajava saia pregueada acabada de estrear verde raiada de bolsos brancos, mal saímos de casa parámos no Fundo da Rua junto ao Padrão na casa da modista D. Lucinda que ficava defronte no r/c  entrei apressada  para ai me trocar!



Santa Iria em Tomar …

Ainda guardo uma foto  tirada com os meus pais e irmã. De meias brancas até ao joelho, fio de ouro com a livra da minha mãe acompanhada do Tonito “da São” que nesse ano foi connosco. A 3ª com o meu namorado Luís, mãe e irmã.
Feira anual dos frutos secos em Outubro. Não faltava a ida ao circo Mariano, à tourada, lixada a ladeira, a praça ficava na entrada, lá no alto, a foto tirada à "La minute" e,…
Correria pelos carrosséis, depois do almoço passeio pelo Mouchão, o meu pai tinha o hábito de alugar um barco a remos, uma vez ao puxa-lo para o ancorar, veio de repente, fiquei com o dedo médio entalado contra o muro, dores, tanta dor, foi-se a unha, ainda hoje é frágil. Outros anos fazíamos um piquenique na saída da cidade junto a um grande fontanário na ribanceira do Nabão, pela tarde a festa brava, custava subir a ladeira até à praça de toiros. Certo e sabido ouvir a conversa sobre o colégio D. Nuno Álvares Pereira no gaveto com o canal de água junto aos lagares do Rei D. Dinis onde tinha estudado, cujo diretor, Dr. Borges, homem do Alvorge. Anos que visitávamos o Convento de Cristo a célebre charola, janela Manuelina, sala do Capítulo, a mata, escadarias com remates em esferas que tanto me faziam lembrar a do portão do Mosteiro em Ansião, igualzinha de pescoço alto…Grandes piqueniques na Mata Nacional dos sete montes, não faltavam as pataniscas, o arroz de feijão, saladinha feita no momento, o melão o garrafão de vinho, degustado na sombra, sentados na mesinha mais perto da fonte. 
Santarém… 
Também de excursão em Junho, a maior de todas à Feira do Ribatejo, a Feira Nacional da Agricultura e do cavalo. Comia-se uma boa sopa de pedra, de tarde corria-se o recinto da feira, viam-se as tendas com capotes alentejanos, samarras com gola de raposa e botas à campino, a minha irmã não passava sem um par, as fatiotas dos cavaleiros e amazonas, adorava sobretudo os chapéus, coletes e as charretes de cerimónia com grandes rodas e banquinhos. Uma feira com muito charme.

Golegã
A feira da Golega e do Cavalo Lusitano decorre em novembro, onde não faltam castanhas assadas, mantas às riscas, cobres de todos os feitios, cavalos, toiros de lide e campinos. A partir de 73 a minha mãe levava-nos de carro deixava estacionado junto ao cemitério, onde sempre nos lembrávamos do famoso matador Manuel dos Santos. Adorava comer nos restaurantes ambulantes.
Frenesim maior da feira -,faziam-se sempre compras. Ano houve que escolhi um lindo sobretudo cor de laranja com barras em pele castanha na roda e mangas...furor num bailarico quando o estreei...                                                                                      

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