O que-fazer das crianças no meu tempo de cachopa no Bairro de Santo António …
Sempre se ouviu dizer que a brincar a criança aprende a ser no dia-a-dia - homem ou mulher construindo e revelando passo a passo a sua personalidade. Nos meus tempos de miúda éramos capazes de nos divertir a fazer troça do que quer que fosse: um simples rir; incitar bulha; imitar os pássaros; troçar do cambalear dos homens bêbados; pedir como os mendigos e ciganos; comandar o trânsito como os polícias sinaleiros; fazer de árbitros e relatores de futebol; apresentadores de televisão; brincar aos médicos; às princesas, andar aos grilos e, …Dependia da nossa imaginação momentânea e daquilo que nos desse na real gana. Praticávamos assim a nossa imaginação criadora em exercícios da liberdade de crianças inocentes como “roubar fruta, num tempo que havia pouca” - então não me lembro por detrás da fonte da Lagoinha ao Pinhal, subíamos ao muro da casa dos velhotes para apanhar laranjas, na quinta do Bairro junto ao poço da Ti Laurinda íamos às cerejas, mais à frente a caminho da Monteira de Baixo, dizimávamos os morangos na roda dos poços de gente do Escampado, uvas, pêssegos, maçãs riscadinha nas Lameiras, ameixas vermelhas na fazenda ao pé do cemitério... Naquele tempo os cachopos afrontavam o “Toino Trinta “ no dizer que não comia fruta em casa, só da que nós roubávamos, ainda íamos às amoras, nozes das nossas nogueiras, e medronhos da quinta do Dr. Faria em Novembro.
Havia outras brincadeiras e jogos coletivos: jogávamos à roda; à parda; reis e rainhas; à corda; à macaca; ao botão; ao burro; ao pião; ao berlinde; à bola; andar de bicicleta; subir às árvores e,...Cavalgar no cavalinho -, a grande raiz aérea do plátano ao lado da escadaria da Capela de Santo António, que no tempo a encosta foi atulhando e encontra-se neste agora quase soterrada.
Entretínhamos-nos nos escorregas de pedra onde as cuecas se rompiam em fanicos e buraquinhos...
Outro entretêm era a dizimar carreiros das formigas do adro apesar de sabermos que se fartavam de trabalhar para encher o celeiro para o inverno enquanto as cigarras se derretiam a cantar - adorávamos apanhar grilos com junco nos esconderijos cilíndricos arquitetónicamente elaborados, pela noitinha dávamos caça aos pirilampos que se chamavam luzicus… A cachopada do Bairro onde eu e a minha irmã nos incluíamos, desenvolvíamos uma socialização - a nossa - apesar de irrequietas, e criativas reforçávamos o nosso espírito coletivo, mas também havia muitas vezes que nos desentendíamos uns com os outros, e todos levavam nas “trombas” porque conforme diz o rifão: “Quem vai à guerra, dá e leva” - safei a minha irmã que gostava de os atiçar e afrontava com certas atitudes que alguns não aprovavam. Dava-lhe um gozo especial mandar, sempre teve carisma de líder, no limite da afronta mandava-os estender no arame as nossas cuecas… Alguns deles ao tempo “armados em xico espertos” recusavam-se a fazê-lo, como o “Tonito da São”. Valia-lhe eu nas zaragatas desta rebeldia, quantas vezes me fiz a eles em sua defesa, tal a minha força de mãos, unhas e dentes -, mal daquele que eu apanhava, todos fugiam de mim, sempre me tiveram muito respeito. Passado algum tempo fazíamos as pazes, continuávamos a brincar juntos outra vez, e a levar e dar porrada também. Nas nossas brincadeiras, o que contava era a imaginação sem limites, e a arte do desenrasca em que o português ainda hoje é mestre, nesses tempos para além das brincadeiras, sempre tive gosto por coleções, entre elas, selos e postais, as cadernetas de cromos constituíram a minha iniciação à leitura e à literatura, a primeira abordagem à História de Portugal, a partida à descoberta do mundo de outros povos, e de outros costumes que eu e a minha irmã já conhecíamos pela televisão, e os outros miúdos não. Em 69 apareceu a série televisiva “Pipi das Meias Altas” uma miúda irrequieta de trancinhas ruivas e meias às riscas coloridas, a loucura de fazer a caderneta de cromos, também outra série francesa deu-nos mote para formar uma sociedade “o clube dos cinco” sendo os sócios, os cachopos do Bairro –, o jogo consistia na troca de coisas uns com os outros. Um dia o ” Tó Zé da Carmita” não tinha nada para a troca foi à casa da Deolinda, em dia que cumpria castigo imposto pelo pai Carlos Pego, estava “presa à mesa” o malandro do Tó Zé não hesita em lhe roubar um tanque de lata feito pelo pai dela e foi-se embora. A Deolinda mal acaba o castigo desata a correr no encalço dele com fé de reaver o tanque -, o Tó Zé não foi de modas, era rapaz levado da breca, com génio e armado de humor sarcástico o atira na frente dela para o silvedo da Cerca, em frente da casa. Nesse dia não houve troca no clube dos cinco, nem mais brinquedo para se brincar. Nestas trocas e baldrocas trocou-se uma libra de ouro da minha mãe que tinha deixado em cima do armário da cozinha -, à falta de coisa melhor, tal a luz que resplandecia, foi-se para sempre!
Decerto que foi com a caderneta dos Trajes típicos de todo o mundo que eu fiquei fascinada pela Etnografia, antes de saber que entre nós, Garrett tinha sido o precursor, Leite de Vasconcelos o fundador e Luís Chaves e outros mais, os continuadores. Também muito ajudou os jogos da Majora comprados num bazar de Coimbra: xadrez; damas; trajes regionais do folclore português; jogo do galo e o monopólio, todos foram as minhas pastilhas de Cultura, o meu software, antes de terem inventado as consolas eletrónicas que programam e condicionam hoje o divertimento.
A rondar a extrema do quintal -, as "capelas imperfeitas" só lhes faltava as portas, nada mais do que duas casinhas baixas, idealizadas para galinheiro, feitas pelo primo Chico do Bairro -, que nunca o foram-, uma era minha, outra da minha irmã ,onde se brincava muito às donas de casa até usufruíamos de adega, sendo os pipos as latas do Milo com torneira feita na tampa com um prego fechado com um espicho de salgueiro. Predileção usar os serviços de porcelana SP de Coimbra da casa dos nossos pais guardados na sala -, fosse o de café ou de chá para servir os convidados nos batizados das bonecas, os cachopos nunca tinham visto loiça brilhante e bonita… A minha casa era uma azáfama o corropio de cachopada fosse pela nossa alegria contagiante, fosse pela fartura e grande atividade em inventar coisas além da liderança da comandita pela minha irmã "Maria rapaz" em fazer coisas e tropelias de mente fértil "do arco da velha ,trinta por uma linha".
Havia tudo na minha casa para os distrair desde televisão que nenhum tinha, rádios, telefone, brinquedos, jogos, e comida. Inventávamos idiotices de bradar aos céus, chegou-se a fazer galão com água e barro do barreiro ao pé do "cavalinho” ,isto porque a minha irmã nunca foi de beber leite nem comer queijos, nem o cheiro. Bebia-se qualquer coisa naqueles tempos, nada fazia mal , não se falava em viroses, também não havia leite, só em pó, anos mais tarde houve uma vacaria no Fundo da Rua. Tanta loiça que se partiu naquelas festas a fazer de conta, lembro-me que um dia com as pressas fui à cristaleira da sala de jantar, não sei a força que fiz, num relance vi a prateleira cair, partiu-se praticamente tudo. Fiel guardadora dos serviços de vidros da Marinha Grande, por sorte salvou-se uma garrafa e dois cálices de pé alto, relíquias guardadas na casa da minha irmã. No patim em frente da cozinha estendia-se o terreiro de terra batida ladeado por canteiros com capuchinhas a invadir o chão na sombra da frondosa figueira, uma árvore de extraordinária particularidade com um dos ramos principais grosso, que o tempo quis teimar em deixar deitado -, imitava na perfeição um banco, o nosso regalo, não havia dia que não fosse escalado, refúgio para esconderijo, também para prender o baloiço que me fazia ficar “sem pinta de sangue” tinha de suster a respiração…No tempo dos figos que eram muito grandes, apodados de "bosta de boi" num virote enchia-se o balde para os porcos, enxabidos, não se comiam . Na extrema dos quintais, a figueira de pingo mel da tia Maria, esses sim doces de mel. Lugar de excelência, poiso ideal, o dorso do ramo para se pescar, divertimento maior no final de verão quando as abóboras grandes trazidas da Lameira se empilhavam junto ao muro, escolhida a maior, mais bojuda, abria-se ao meio com a faca da “horta” enchia-se de água e flores a flutuar, em punho canas de pesca improvisadas por nós, usava-se guita encerada de cozer as lombadas dos processos que o nosso pai trazia do Tribunal, o carreto, esse servia um carro de linhas roubado da caixinha de costura, os anzóis feitos de arame dos fusíveis do quadro elétrico. Divertíamos-nos à farta, quem pescava mais tinha direitos, ditava ordens, fazia menos tarefas domésticas, na folga das criadas!
O Halloween - predileção em o festejar no dia 31 de outubro , o Dia das Bruxas na América -, não se julgue que imitávamos o que a televisão mostrava , também. O facto é que nos contavam ser ancestral a tradição, pelos vistos caída em desuso na nossa terra. Sentíamos um prazer em esculpir as abóboras com a “faca da horta" esburacar carantonhas, depois pô-las em cima do muro da casa defronte para o adro da capela. Quando a noite caia acendíamos mechas de algodão embebido em azeite que as iluminava e fazia resplandecer na noite fria e escura em luz tons laranja, efeitos da cor do miolo das abóboras porqueiras, porque as abóbora bolina aqui chamada de “Menina” não tínhamos autorização de sequer mexer,serviam para os velozes no Natal. No dia seguinte era esquartejada aos bocadinhos, servia de lavagem para os porcos...
Levantadas cedo, vestidas em traje domingueiro então não era dia ...Dia de " Todos os Santos " procurávamos na gaveta os taleigos, sacos feitos de retalhos de tecidos que atavam com fita de nastro, ainda não haviam de plástico e em grupo com a comandita dos cachopos do Bairro de Santo António iamos caminhos fora apregoar cantilenas pelas portas dos vizinhos desde o Ribeiro da Vide, vila até ao Moinho das Moitas ver o rio Nabão que nessa altura já levava água na eira sem agriões...Em forte gritaria, entoávamos: Ti Maria dá bolinhos por alma dos seus Santinhos?
Na véspera do Dia de Ramos o caminho era ao Escampado de Santa Marta apanhar alecrim .
Levantadas cedo, vestidas em traje domingueiro então não era dia ...Dia de " Todos os Santos " procurávamos na gaveta os taleigos, sacos feitos de retalhos de tecidos que atavam com fita de nastro, ainda não haviam de plástico e em grupo com a comandita dos cachopos do Bairro de Santo António iamos caminhos fora apregoar cantilenas pelas portas dos vizinhos desde o Ribeiro da Vide, vila até ao Moinho das Moitas ver o rio Nabão que nessa altura já levava água na eira sem agriões...Em forte gritaria, entoávamos: Ti Maria dá bolinhos por alma dos seus Santinhos?
Na véspera do Dia de Ramos o caminho era ao Escampado de Santa Marta apanhar alecrim .
Boas lembranças dos cachopos desse tempo, hoje homens e mulheres:
Toino e Mena Trinta; Deolinda e irmãos; irmãos Cunha; cachopas da Robertina; Tonito da São; Tó Zé da Carmita; Cristina e irmão,netos da Ti Ermelinda e,...
Toino e Mena Trinta; Deolinda e irmãos; irmãos Cunha; cachopas da Robertina; Tonito da São; Tó Zé da Carmita; Cristina e irmão,netos da Ti Ermelinda e,...