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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Odisseia por Lisboa num sábado comum com manifestação!

Sábado, frio e sol, um hábito dos últimos meses.Mais uma ida a Lisboa.Saboreei a maresia do Tejo por detrás da vidraça do cacilheiro, havia um grande paquete que sem modéstia apitava a veleiros que lhe faziam frente em  danças atrevidas...
O dia prometia ser de caminhada. No Cais do Sodré  vi um rapaz a sair apressado de um café pastelaria, ato imediato, sai uma rapariga vestida de casaco a imitar vison, brutos saltos altos, meias pretas e pircings,  em passo corrido chama por ele, encantado com o chamamento, entram de novo juntos...enquanto isso homens limpavam com máquinas assopradoras o lixo deixado nas ruas na noite de sexta...muito copo de plástico, tal a  cerveja bebida, beatas, muito desvario e, ...
Na Rua do Alecrim mirei os condomínios fechados, prédios com fachadas de azulejo, novos, em  branco e azul, no repente me lembrei daquele espaço outrora anos abandonado, antiga fábrica que aí existiu, só conheci as ruínas,obras embargadas por terem encontrado vestígios arqueológicos...
Mirei a loja da Fábrica de faiança de Santa'Anna...sinceramente não é do meu gosto, a sua pintura. No palacete da frente há um antiquário que ostenta debaixo da montra um lindo painel de Lisboa da Praça do Comércio, com um único torreão, como era antes do terramoto de 1755, magnífico  em azul. Idiota esqueci-me de levar a máquina fotográfica...ficou-me na cabeça!
Senti novamente a sua falta no Chiado para tirar uma foto junto ao Pessoa na sua cadeira,dourada, e sentir o gélido frio e do calor  de milhares de mãos que todos os dias a acariciam...
Fui dar uma espreitadela na feira dos alfarrabistas, ando à procura de livros ou catálogos sobre faianças.Passou por mim um sem abrigo de farta barba conduzia o seu carrinho cheio de sacos de plástico sobretudos virados pelo avesso e, ainda um edredon vermelho. Não comprei nada, pareceu-me mercadoria cara.De volta à rua principal do Chiado voltei a cruzar com o sem abrigo, estranhei trazer pela trela dois belos cães, muito bem tratados. Imediatamente o meu olhar procurava pelo seu património ambulante, aquele que minutos antes se cruzara comigo, dei com ele estacionado no passeio depois da florista.Tal aberração me confundiu, estabeleci conversa com o meu marido, disse-lhe " tu não me digas que o gajo foi levar os cães d'alguma serigaita para fazerem as suas necessidades, se calhar dá-lhe uma miséria"...Uma certeza tão intrínseca aquela, é preciso ter estilo e displicência com os sofridos!
Frio de rachar a descer o Chiado, não fosse a camioneta do fado a romper o horizonte com a voz da nossa Amália, a grande!
Passa por mim uma mulher da minha idade, ou mais estragada, cheinha vestida de colans pretos, deveria ter acordado da noitada, esqueceu-se de vestir algo mais aconchegante para a silhueta não se parecer tão ridícula e até agasalhar, sim porque o frio era de cortar!
Fui ao celeiro comprar um suplemento para queimar gorduras...caro, agora não sei se resulta!
Entrei na casa da lotaria, o meu desejo de ser sorteada finou-se num segundo, enquanto isso, um negro comprava frações da popular...
Na Loja do cidadão tratei de um assunto pessoal e, sai, segui a direção da Avª da Liberdade para ver a feira de velharias. Numa banca vi um par de jarras de bicos do Juncal, perguntei o preço, o vendedor demorou tempo a dizer, o que detesto, matreira respondi, na feira da Figueira já a tinha visto, o Sr., só levava uma, disse-me que tinha o par...ficou de boca calada!
Noutra banca vi o pratinho de Coimbra, azul cobalto, com dois corações minúsculos ao centro a um preço exorbitante(25€)meu conhecido na última feira de Belém, vi também a colecão de faiança de Coimbra na banca da Paula, só de saber que os vi em feiras durante dois anos, no mês passado passaram para a banca do Vitor que me pediu 50€ por cada exemplar,para meu espanto na semana seguinte o lote passou  a custar nesta banca cada peça 150€ e o prato de sopa 100€...para pensar, não acredito que os vendam assim de mão beijada...apreciei  noutra banca um bule de caldo da VA, assinado a  azul  todo branco, pediu-me 60  €...
Compras (?) não vi ninguém as fazer, enfeirei num alfarrabista, comprei o livro da Real Fábrica do Juncal, antes marcado 50€, riscado para 30, novamente riscado para 20...veio comigo por 15€.
Atravessei a avenida, numa esquina vi as novas lojas de gente rica, numa delas, o segurança, um negro abria a porta a chineses...
Passei por detrás do Gambrinus, entrei numa tasca para comer uma carne à Portuguesa, no restaurante escolhi uma mesa junto à vidraça para me saborear com o sol, ao nosso lado estava uma mesa com homens e uma miúda, vinham  do Porto para a manifestação da CGTP.Só tabelámos conversa no hora da aguardente, todos visivelmente quentes, o vinho do novo, bom, sindicalistas, traziam um cartaz escrito a letras vermelhas, quiseram que o lêssemos...só me recordo das palavras... " que se fôda"...gostei do chapelinho no " o" -  é mesmo à norte, sendo eu do centro alinho na conduta!
Saímos em alegre cavaqueira caminhamos a pé até ao Rossio, eles foram à ginjinha rematei "aqui há 35 anos entrei pela 1 ª vez com o meu namorado, agora marido, o homem perguntou-me quer com elas ou sem elas"...não entendi, mas também não perguntei ,e disse-lhe - com elas...claro que me engasguei!
Despedimo-nos endereçando votos de sorte. A caminho do Martim Moniz vimos gente que se concentrava para a manifestação. Roubei duas flores do jardim, apreciei os prédios quase prontos na barreira antes do hospital, obra embargada também décadas por vestígios arqueológicos, agora finalmente o cenário é bem mais bonito, começamos a subir a calçada dos Cavaleiros, no nº. 7 onde os meus sogros habitaram quando nos anos 50 vieram morar para Lisboa e o meu marido viveu até aos 4 anos. Gostei de ver o prédio reabilitado.Não gosto é de ver muita gente de olhos amarelados...por não serem bonitos, porque mal nunca me fizeram!
Na curva da subida no largo havia gente que fumava e deitava conversa fora.Alguns prédios de cara lavada, outros fechados a degradarem-se, uma pena no coração de Lisboa. Nisto um homem  quarentão, alto , de cabelos grisalhos destacou-se do grupo e veio atrás de nós, tabelou conversa com outro que descia, em voz alta falavam do futebol que dava à noite na tv ,parámos a observar um prédio devoluto e entaipado ele aproveitou o ensejo para estabelecer conversa connosco sobre a degradação das casas no bairro e nisto vi-o  entrar numa porta onde se abaixou, porque parecia  uma casa de bonecas, olhei o prédio e gostei, com varandas de ferro forjado e floreiras, de cara lavada, a porta com o passeio ficou pequenina...ao lado ainda a casa do fotógrafo de fachada engalanada a verde muito romântica,onde o meu marido tirou a 1ª fotografia, todo nuzinho, em pelota, em cima de uma poltrona!
Mais acima demos de caras com o Carlos Carvalhas,antigo líder do PCP, vinha de casa,atrás dele uma comandita de rapaziada, vinham para a manifestação. Na travessa das Mónicas chamou-nos a atenção um letreiro de venda, uma casita inserida na antiga muralha, cheia de sol, achámos que seria gira para a nossa filha, tirei o contato, ficámos minutos a sonhar com ela e, a inventar pseudos defeitos...
Na escadaria de S. Vicente de Fora estava gente sentada, lembrei-me de uma foto do meu marido em bebé a chorar...num repente deu-me para tal instinto imitar ocorrido há 57 anos, uma nota séria, o vinho do almoço estava  a fazer efeito!
Ao fundo avistei o arco na rua que liga o convento, através dele vê-se a panorâmica do Tejo e da feira da ladra.Alguns dos feirantes já não estavam.O meu marido encantou-se com uma garrafa de litro de brandy do José Maria da Fonseca, "Ouro Velho", o vendedor deu-lha por 7€, entretanto vi que tinha serrotes, a precisar de tal ferramenta para limpar as árvores da casa rural ,um veio comigo, novo 5€, o outro logo o vendeu também, tinha um relógio de sala por 45 € e alguma loiça de Aveiro, uma taça estava partida com os cacos dentro, foi no transporte quase aposto...noutra banca aprecei uma travessa cavalinho, um rapaz disse-me " ali em baixo está uma nova e mais barata" desci, nada vi, olhei para trás, percebi que se tinha equivocado ao perceber que procurava por uma moto serra...na entrada do recinto estava um imigrante com uma no chão, pedia 80€...parei,disse ao meu marido, precisamos de uma, se ele fizer 50€, compramos, voltamos atrás regateamos, pagámos 60€...temos de a experimentar!
Paguei 50 cêntimos por um sacão preto para a pôr,  dissemos adeus à feira a caminho de Santa Apolónia.
Ao fundo avistámos carros da polícia, muita gente que se chegava e megafones a ditar palavras de ordem. Mal chegámos deu-se início ao desfile, atravessámos por entre uma faixa corrida, fomos na avenida a caminho do Terreiro do Paço, a meio caminho um velhote meio quebrado meteu conversa connosco e com ele fomos a conversar borda fora. O homem falou do seu passado como padeiro, depois foi para o mar, andou embarcado em cargueiros e outros barcos, um dos quais o Timor, a fazer pão.Lamentava-se que a mulher lhe deu cabo do dinheiro, lastimava-se com a parca reforma, reformado desde 85 com 25 contos...o meu marido ainda lhe disse "mas olhe que ao tempo era uma boa reforma"...pois pois, dizia ele, o pior foi a maldita da mulher com os netos deu cabo de tudo...tenho uma casita perto de Santar, se quiserem lá ir fica perto da rotunda, está cheia de pó... limpo tudo...o pior é a minha coluna, vou aflito, do resto estou bom!
Despedimo-nos no jardim do Tabaco, havia um ajuntamento das forças especiais com bizeiras e,... uns metros à frente uns colegas chamam-nos, fomos até eles. Perguntaram para onde nos dirigíamos, se estávamos na manifestação, aí percebemos o buzilis (?) a moto serra meia dentro do saco de plástico com a lâmina de fora...tranquilizámos os homens da lei, dissemos que éramos pessoas normais, o mais atrevido disse, "pois normais são todos" " não podem ir de metro?" respondi..."não, gosto de ir à beira rio, não vai haver problema nenhum"...naquilo o colega perguntou-nos como estava a feira da ladra,"respondi estava para o fraquito, olhe comprámos um brandy para beber logo à noite e um livro de faiança, por aqui vê que somos pessoas de gosto eclético!
Atravessámos para o lado do Cais das Colunas, acabámos por nos sentar no muro à espera que passasse a manifestação vinda do Cais do Sodré, nisto somos abordados por um dos sindicalistas que tinha almoçado ao nosso lado com a filha, a sua 1ª vez na capital, foi mostra-lhe o Chiado e,...
Brutal no meio de mais de 300 mil pessoas, já nos tínhamos despedido, veio novamente até nós, isto sim é gente de calibre!
Decidimos vir embora a caminho de casa, sim o dia tinha sido longo.
O meu marido ainda viu gente conhecida a caminho do Terreiro do Paço.
Um dia cheio de emoções, tinha de ser contado!

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