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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Conversa quente entre mulheres na espera do autocarro...


O ambiente no Fórum mostrava-se quente...
Na espera pelo horário do transporte, destacavam-se duas mulheres, sem ter onde se sentar por causa do novo buffet no átrio, e pelos velhos assíduos, abanadores de colhões que ali encontram jeito de espairecer olhares, e consolos nas miúdas de calções, sem com isso afete descuido, no poiso das pedras, a fazer de bancos...
Qual cavalheirismo qual quê -, as deixam a elas mulheres da mesma geração, sem poiso aparente, apenas vago o varandim, apesar de nas mãos tropeças pelos muitos sacos com compras...cheirou-me a sofisma!
Altivez e vaidade o ar das pavoas -, na falta de homens enxutos e desempenados em desfile constante no entra e sai -, qual prazer escondido em sentir o gosto, de ser gostosa -, tão pouco dão atenção aos demais  sentados, que se babam afinal por elas -, de as ver incandescestes e ardentes... sem rogo, nem cerimonias as vêem em abanos de leques na pressa de abrir casacos à procura de vento, que as alivie, por via dos afrontamentos...
Uma de aspeto mais jovem e magra mas de rosetas avermelhadas dirige-se para a porta da saída, espreita o tempo, e sem medos de chuvisco avança para a rua -, por entre os vidros a vi levar nas bentas a brisa fresca que parecia, a consolava…
Possível mote despertou a outra -, que em pouco tempo se decide, confesso já me irritava no cansativo andar para trás e para a frente na passarele...
Mulher fogosa de pára-quedas avançado sai desaurida, afogueada, mal chega ao ponto de encontro do autocarro trava conversa com a outra que não conhece" lá dentro está um calor que não se aguenta..."
- Resposta imediata -, pois a menopausa dá cabo de nós, vim para a rua porque  acordei com enxaqueca, apesar de leve, o calor estava a dar cabo de mim, aqui fora sempre se está melhor.
- Responde a loira de olhar azul sem brilho, nem languidez -, um apagão apesar da cor celeste  "e de noite quando me deito dão-me uns calores dos pés que vêem até cá acima…que suplício"
- Olhe, a mim mal me deito também sinto calores -, mas nos pés não, tenho logo de me destapar, o meu marido até se arrepia de me ver quase nua -, só quando o corpo está frio me volto a tapar…
-Sinto o mesmo, e fiz terapia de substituição, antes não tivesse feito, mas a médica insistiu que era melhor para os ossos, estou tentada em desmamar, pior vão ser os calafrios, mas não aguento mais...
- Diz a outra, eu não fiz terapia de substituição, e quanto a calores intensos só os senti aos 50 anos quando em definitivo entrei em menopausa, falaram-me nuns comprimidos à base de soja, que comprei num herbanário, ainda não tinha acabado a caixa, os calores baixaram de intensidade, fiquei satisfeita. Não me aflige sentir calores -, durante o dia mal os sinto, como lhe disse só ao deitar é usual, mas passa rápido -, fora isso não tenho outras queixas de maior.
- " Pelos vistos a senhora não fez nada, e sofre menos do que eu...já o mesmo não posso eu dizer, até perdi o interesse..."
- Sem papas na língua relata a outra "olhe a mim o efeito é o inverso, tenho mais vontade...talvez porque dantes na idade fértil trabalhava muito, e com o acumular de stress, chegava a casa, mal me sentava, adormecia logo, agora disponível, sem chatices, muito menos preocupações que me tirem o sono "desejo é mato" como o foi na adolescência, só lamento é sentir tão forte impulso sexual ao lado de um homem disponível, carente, que sei me ama, mas nunca me soube amar, e olhe que não foi por falta de diálogo -, há muito que desisti de reaprender  a fazer amor  ... não o quero, não consigo usar, nem mesmo só para sexo, só o vejo como amigo e até sinto pena, porque sei sofre, mas não consigo, às vezes até penso fazer o frete, mas logo desisto, já nem isso consigo mais... Cansei-me de ser depósito de espermatozoides... só penso em ser livre, livre para fazer o que me der na real gana, apesar de gostar de companhia -, olhe assunto para psicologia esclarecer ..."
- Espantada  a outra de boca aberta..."mas não gosta do seu marido?"
- Olhe lá e na nossa idade o que é gostar ao fim de 40 anos de vida comum, se casei sem o amar? Se calhar quero mais, preciso de mais, muito mais, do que a rotina do dia a dia, não sou apologista de conformismo, e antes de morrer sonho ainda ser feliz, amar e ser amada, acha mal nisso? ...apesar dos prós e contras, pelo menos nas coisas menos boas, todos nós "arrotamos, ressonamos, damos peidos de meia noite, porque ninguém come sabonetes"...uma das grandes vantagens em viver acomodada -, já na mudança de parceiro há que se ponderar no querer começar tudo de novo, sobretudo na habituação a novos odores e tiques...
Armada de voz efervescente acrescenta, sabe com certeza que os organismos não são todos iguais, nem tão pouco reagem da mesma forma. Fala-se pouco desta  fase na vida da mulher, porque ainda é  tabu, no entanto é mais durável que a do homem, porque a mulher não envelhece, nem tão pouco perde a energia, só por doença. Inclusive há fenómenos surpreendentes, há senhoras com 80 anos, de espírito jovem que ainda ardem de desejo, e se masturbam...conheço algumas!

Engasgada com tanta informação, mas com vontade de também contar a sua estória desata no enredo  - "olhe faço umas horas no cabeleireiro da minha filha, um dia destes uma cliente que andou comigo à escola no Alentejo, depois disso nem amigas fomos, só conhecidas, estava a tirar-lhe o buço,  quando sem quê nem para quê, fala que não tem nada com o marido há 5 anos…que ele agora só sente tesão pelo c...a senhora nem me diga nada, fiquei para morrer, não estou ali a trabalhar para ouvir coisas destas, mas que velha desenvergonhada…agora nesta idade, não estou disponível para conversas desta natureza, fez-me sentir desconfortável..."
- Responde a outra -, olhe não vejo a coisa por esse prisma, a mulher por ter andado consigo à escola como diz, sentiu em si o apoio sincero e verdadeiro para desabafar sobre um tema que lhe é com certeza também estranho, na procura de auxílio, para poder resolver a situação que a aflige, e pelos vistos muito -, longe vai o tempo das mulheres se confessarem ao padre-, que a gosto das partes se resolveram muitos casos para os quais os médicos não tinham botica … sinceramente é o que eu acho, ela não quer "perder o barco e salvar em tempo o casamento... antes que o marido derreta as poupanças de toda a vida com brasileiras e outras, no pior se infecta com sida, nem imagina as mulheres da nossa idade internadas com a doença transmitida pelos maridos, pior nem conseguem falar do assunto, porque se culpam mutuamente -, os homens na desculpa que só procuram fora de casa o que não tem, na recusa constante em experimentar coisas novas, não usuais ...com isso as mulheres tem de aguentar com o que daí advier... o que me parece é ainda haver muita mulher que não fala deste assunto , não quer ver o que precisa ser visto -, sofrem sozinhas amarguradas, numa altura da vida em que não mereciam passar por esta doença -, muitas delas tiveram culpa na teima perentória da falta de diálogo, em não querer evoluir  nas técnicas do amor saudável, sem tabus, nem limites com os companheiros..."
- Em relâmpago aquele olhar  desmaiado, surdo de palidez -, coroado a dentes amarelos, cariados em descarno gengival, explode em violência nas palavras que até saltou saliva… 
" não me diga que aceita fazer essa nojice ?"
- Digo que o assunto não me choca, minha senhora -, porque entre um homem e uma mulher  que se amam não deve haver limites no sexo, muito menos clichés ou estereótipos, nunca ouviu dizer que uma mulher na rua deve comportar-se como uma senhora, em casa como dona de casa, e na cama como uma p.ta...
Ora aqui o nosso encontro casual na espera do autocarro, outro interesse não teve senão matar tempo -, nem eu, tão pouco a senhora, vamos ou queremos falar das nossas intimidades…
Só que ao abordar este tema iniciado por si, mas que pelos vistos não lhe agradou, apenas me limitei a dar a minha opinião, porque em democracia somos todos livres de a ter, ou não aprendeu isso no  seu partido ? Não disse que era alentejana? Não me vai dizer que ainda pensa como no 24 de abril ,ou prefere o confessionário?
Mas já que falou nisso devo dizer-lhe que tenho lido sobre o assunto, e o que parece é que muita mulher, jamais sentiu um orgasmo numa relação normal,  já o mesmo não se pode dizer na relação anal…
- Desata em fuga apressada sem mais resposta a loira oxigenada, velha ressequida por fora e por dentro, por demais enrugada, de olhos azuis, cor do burro quando foge...
Rasto desarvorado senti  balbucio em espuma ... sussurro, estendível , raiva... 

Prefaciando Saint-Exupéry...ainda que os teus passos pareçam inúteis, vão abrindo caminhos, como a água que desce da montanha. Outros te seguirão...
Sem dúvida, mas aceitar e respeitar quem não nos seguir!


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