quarta-feira, 28 de maio de 2014

Ribeira das Naus o primitivo Arsenal da Marinha

Quase pronta a revitalização da Ribeira das Naus deixando a descoberto a doca do antigo Arsenal da Marinha de Lisboa, a Caldeirinha , abrigo das embarcações, que se passou a chamar Caldeira, as duas carreiras em plano inclinado  de construção naval ficaram subterradas para nascerem zonas verdes para delícia de todos os que gostem de desfrutar da maresia do Tejo e do sol lisboeta.
A nascente antes da Doca seca um memorial !
Recanto bucólico de design moderno dedicado a Maria José Nogueira Pinto
Doca seca a poente

Parti outra vez o meu dente da frente porque tenho apetência para morder tanta coisa que vejo mal enjorcada neste País, em vez de o ser engendrada por cabeça pensante com lógica...Sendo que errar é humano...
O cimo dos relvados inclinados fecha com uma correnteza de grossas traves de madeira tratada ( parece pinho nórdico ?) servirão para cortar o sol na parte em baixo, desconhecendo a sua real função, se garagem ou serviços (?).  A meu ver material caríssimo estando à mercê do tempo,se revela de fraca durabilidade...
A praia verde dos turistas e Lisboetas
Uma velha folha perdida de um contrato colada com fita adesiva extraviada em gaveta no meio de parafusos, chaves e lixo, que o meu marido numa ronda de limpeza antes da despedida para a reforma encontrou . Por a achar interessante a trouxe, por saber que adoro histórias. 
"Trata-se de uma peça fulcral de apoio logístico da Armada Portuguesa.
As suas origens remontam aos primeiros séculos da nossa história.
Parece ser a D. Fernando que se deve a fundação de um estabelecimento já digno do nome de arsenal,conhecido então por "Tercenas Navais" na Ribeira Velha(um pouco a leste do local onde viria a ficar o futuro Arsenal da Marinha).
A própria origem árabe desta designação -, Tercena, é um elemento muito significativo para mostrar a ligação com os estaleiros navais mouros existentes no Tejo, que D. Afonso Henriques encontrou e haverá aumentado.
Entretanto foram-se desenvolvendo também alguns outros estaleiros acessórios ou complementares na margem sul do Tejo, como o da Telha(entre o Barreiro e Alhos Vedros) que viria a construir parte da armada da Índia e do Vale do Zebro e Azinheira, precursor do atual estabelecimento do Alfeite, segundo o relatório de contas de 1939.
No tempo de D. Afonso V tornava-se já manifesto que a peça essencial de todo este conjunto- as Tercenas da Ribeira Velha- não satisfaziam à caminhada para o oceano que a Nação emprendera.
Decide-se, assim, aproveitar para a sua expansão as praias da margem norte do Tejo um pouco mais para poente. Mas não se vai para muito longe. Aliás, a Ribeira Velha era desde tempos muito antigos, o grande centro comercial de Lisboa. E o próprio paço ficava também por aí.
E, contudo, só D. Manuel que, e, 1501, vem a desenvolver estes estaleiros provisórios( entre o atual Terreiro do Paço e o Corpo Santo) , dando verdadeiramente origem ao que,durante mais de 400 anos, foi o conhecido Arsenal da Marinha, na Ribeira das Naus.
A par dos Arsenais do Tejo houve também então Arsenais em Goa e na Baía.
Transitoriamente existiu ainda em Lisboa um outro grande arsenal - da Junta de Comércio - criado no século XVII sob o alvará de 10 de março de 1649, especialmente destinado a construir navios que comboiavam as frotas do Brasil -,segundo Maximiano de Lemos - Op.citada - Arsenal - artigo de José Cândido Correia."
Doca, duas carreiras inclinadas com cais, barracões e o recanto da Caldeirinha
A cidade de Lisboa no século XVI retirada de um livro de História do Dr Hermano Saraiva
Interessante as docas, na entrada uma espécie de cegonha, viria a dar nos atuais guindastes?
Do Terreiro do Paço a caminho do Cais do Sodré um palácio com duas ou quatro torres, será o palácio do Corte Real , em formato rectangular a dentro do rio (?).
Praça do Comércio vista do lado norte, grande areal no Cais de Santarém
RIBEIRA DAS NAUS antes de 1940 em  fotos retiradas do Blog Lente Verde
Caldeirinha, hoje espelho d'água- Doca da Caldeira
 
A Quinta Real do Alfeite no século XVI foi pertença de João Álvares de Caminha, considerada um dos locais mais deslumbrantes e belos de Almada com uma área de 300 hectares que se estende desde o Caramujo à Romeira, sobe a arriba ao lado das Barrocas, vira num repente na Azinhaga do Rato ao Laranjeiro, para descer ao Miratejo para beijar o esteiro de Corroios, e terminar na Ponta dos Corvos com este Moinho de água.

"[...] uma das referências unanimemente mencionada pelos autores, é a provável data da construção do Palácio Real do Alfeite, três anos após o terramoto de 1755 ,em 1758, por D. Pedro III, filho de D. João V e marido de D. Maria I."
"Em 1857, D. Pedro V fez grandes melhoramentos na quinta e mandou construir um novo palácio, mais confortável e de traça mais elegante – que ainda se mantém – para substituir o antigo".
Jardim com o lago e palmeiras
Aguarela Enrico Casanova do Palácio Real do Alfeite
Em 1871 surge a transferência do Arsenal da Marinha de Lisboa para a margem esquerda do Tejo.Foi construído na praia do Alfeite para a Ponta dos Corvos, conforme esta foto de década de 1900 , ao fundo distingue-se o Palácio.
O plano do novo arsenal foi do Eng.º Santos Viegas em 1906 .
A construção foi iniciada em 1928 com trabalhos de terraplanagem financiado pelas indemnizações alemãs da 1ª Guerra Mundial, após a assinatura do acordo de Versalhes. As obras de construção foram concluídas em Dezembro de 1937 entrando em plena laboração em 1938, mas só a 3 de Maio de 1939, foi formalmente inaugurado com a mudança  do velho arsenal da Marinha de Lisboa e onde ainda se mantêm nos dias de hoje.
O Arsenal do Alfeite foi criado pelo Decreto-Lei n.º 28 408, de 31 de Dezembro de 1937, foi considerado, então, um dos maiores e melhores apetrechados estabelecimentos do género.
Gravura da construção naval cujo painel em azulejo está patente no Refeitório do Arsenal do Alfeite  por altura das Comemorações culturais e desportivas do 55º aniversário do ARSENAL DO ALFEITE EM 03.05.1994. Cartaz perdido numa gaveta durante anos...
Doca da Caldeira-,a semana passada coberta com areia e hoje pedra grossa
A entrada da água do Tejo para a doca e saída assoreada, andava um empregado com a pá a desassorear os calhaus do canal ...
De tarde na maré alta a água batia limpa no Tejo e na doca  a água  mantinha-se conspurcada,  por falta de gente ao que parece, não fez o estudo  de abertura como devia (?).
Há 500 anos no Seixal, o irmão do Vasco da Gama mandou fazer um lago na sua quinta da Fidalga, sobranceira ao esteiro do Tejo -, com o luxo do mecanismo ao tempo feito em que a água do lago é a do esteiro, que sobe ou vaza com a maré...e ainda assim acontece!
Doca cheia de líquenes, ambiente propicio a mosquitos...e os peixes que entram atrevidos aqui saltam dias até poderem de novo sair para o Tejo...
Junho.  já temos na doca da Caldeira água inquinada por falta de declive para o rio, abertura regular com a maré, manutenção (?)

Limpas noutro dia mostram o reflexo do casario no espelho de águas
Parece tratar-se de uma rampa  lajeada, mas que o tempo teimou na maioria das lajes fazer desaparecer e ficaram soterradas  algures, ainda assim perdidas, para daqui a séculos outros em delírio descobrir  e entender o porquê de terem deixado as docas baixas (?), revestidas a película de plástico coberta por areia que a meu ver suportará um espelho de água na maré alta -, mas se a entrada de águas do rio Tejo não tiver um filtro vai por certo deixar entrar  lixo que sempre se acumula ao longo da praia...
Cheia a doca parece se esqueceram d'algo...de novo remoção de terras...
 
Conseguem deslindar um caquinho de azulejo SEC. XVIII? que veio comigo!
21 de julho 2014 águas conspurcada de limos
Finais de agosto 2014, finalmente limpa
Optaram por soterrar docas sitas estrategicamente ao meio do Ministério da Marinha,  onde se abre no espaço uma entrada triunfal, e dos lados em declive  ligeiramente enviesada coberta a relvados, local idílico para gentes descansarem e se bronzearem ao sol.
Tanta pedra neste País que pouco ou nada lhe dão uso, em detrimento do uso de cimento armado a poente na doca junto do torreão sul , seria mais interessante a revitalização à semelhança do primitivo, não misturando materiais modernos, sobretudo a ponte em madeira de manutenção cara, frágil e durabilidade duvidosa, o poderia ter sido em cimento com alcatrão no piso, sendo que as barreiras dos lados em balaústre ou colunatas de pedra teria sido o ex-libris da Ribeira das Naus na devolução do prestígio de antanho! 
Interessante seria a reposição das pedras em falta ao longo do paredão da muralha ribeirinha no seguimento do Cais das Colunas, ou se perderam ou supostamente algumas as deixaram ficar soterradas na margem do Tejo,onde no amontoado cheguei a distinguir algumas (?),  e se ainda faltasse alguma as  mandassem fazer novas! 
E o cais que os arqueólogos descobriram e ficou soterrado?
Não há nada que chegue à utilização da pedra, mais durável com a vantagem do crédito em desabono de outros materiais mais perecíveis -, desde sempre nos genes dos Lusitanos a cantaria, sendo canteiros do melhor, e quanto à  pedra não falta no País e nas redondezas da capital, por isso antes que seja tarde  há que partir pedra enquanto há canteiros!

A paisagem ribeirinha do Tejo, na sala de visitas de Lisboa, mudou para melhor, sem dúvida, ainda assim esperava mais, que tivessem limpo as pedras na margem do rio resultante das obras do Metro e desta frente ribeirinha da Ribeira das Naus -, porque a amálgama de pedras aparelhadas da muralha as cheguei a ver na praia nas muitas terraplanagens, esferas e destas da muralha ribeirinha.
As pedras de xisto dos novos passeios ao serem mal encrostadas no cimento já apresentam falhas tal como o empedrado da estrada com altos e baixos, o que revela que o piso não foi bem calcado antes do empedramento.
A árvore que provoca alergias pelo algodão que deambula no ar a teimaram deixar junto da entrada do portão a norte para o Ministério, deveria ter sido podada, a não o ter sido correm o risco de um dia destes de vendaval os ramos frondosos se partirem pelo meio e fazer estragos!

Um investimento de milhões, ainda assim se apresenta bonito, desejado e bem vindo na margem ribeirinha idealizada pelo Marquês de Pombal, um déspota esclarecido com o iluminismo francês e outros livres pensadores. Sendo 1º secretário do rei D. José brilhou com a reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755, com o arquiteto Carlos Mardel, sendo Maçon, um movimento novo que enaltecia o valor humano e a capacidade do homem de pensar, sem se apoiar em dogmas ou crenças religiosas.
Não é por acaso a implantação de símbolos maçónicos no Cais das Colunas, como símbolo do Poder na frente de um altar, o triunfante Arco da Rua Augusta, ladeado pela Rua do Ouro e da Rua da Prata ( ligados ao culto do Sol e da Lua)sabendo que a do Ouro tinha antes do terramoto outro nome, o que evidencia a implantação dos símbolos maçónicos no Terreiro do Paço pelo Marquês de Pombal que seria também maçon (?).
Investimento que poderia ter saído mais barato se  revitalizado em pedra, isso não tenho duvida nenhuma (?)!
E ainda falta um parque infantil e um quiosque.
Só vi passarem carros da Marinha, não sei porque não entram pela Rua do Arsenal, onde tem uma entrada e um grande portão. São uns lordes, uns senhores! 
Num domingo de outubro a maré alta jorrava água por entre o tabuado pedonal molhando os transeuntes.Pode revelar este tipo de piso ter sido mal arquitetado para aqui, sendo que durante a semana com o transito aberto, o barulho é ensurdecedor e no tempo a madeira é material perecível .
Para pensar!
Coincidência ou não de todos os que falaram e escreveram no seu direito de cidadania, teve o seu mérito, à posterior não só foi alterado o piso, pelo barulho  ensurdecedor, bem antes procederam à mudança de água na Doca da Caldeira que se tem mostrado quase sempre limpa...
Não deixem de visitar a exposição no torreão a poente MARESIAS documentada com a história do local desde 1850 até agora, e alguns achados arqueológicos encontrados.Porque não acredito que a porcelana chinesa, intata, esteja toda exposta...
Fontes:
Imagens  http://alenteverde.blogspot.pt/
http://almada-virtual-museum.blogspot.pt/

Recordar o meu tempo de cachopa em Ansião

Dar azo ao meu empolgante vício de escrever memórias! 
Irrompia o estridente sinal sonoro do telefone na voz forte o sotaque ribatejano do negociante apressado -, mal o atendia deixava o auscultador na mesinha, para em corrida galopante correr a caminho da casa do Ti Raul Borges, angariador de lã de ovelha aos sábados no mercado de Ansião. O ajuste do negócio de parcas palavras com a marcação do dia para o transporte. Ao longo de anos assisti à chegada de camionetas ao Largo do Bairro, na antiga casa onde viveu um cesteiro de Barcelos, o Ti Paulino com a neta Rosalina, rapariga espigadota, andou comigo na escola. O avô pensa voltar a Barcelos e vendeu a casa ao Ti Raul Borges  a passou a usar para armazém. Os fardos de lã eram descomunais, no ar ficava um cheio intenso a cebum, no tempo só as mulheres dos Anacos, Pinheiro e Poios levavam o rebanho ao banho aos Mouchões do Nabão, pois eram já mulheres de visão -, porque a lã branca, sem cheiro era paga a melhor preço...Julgo tantos anos passados a casa ainda guarda o fiel cheiro...
O Ti Raul, só anos mais tarde mandou instalar um telefone não sei porquê ficou no r/c em  vez de ser na casa no sobrado, o ensinei a manusear. Nunca me ofereceu nada de nada pelo trabalho de o chamar e levar a casa para atender os telefonemas e a mulher Ti Maria vendia-me meio alqueire de batatas e quando precisava de um limão ia busca-lo ao limoeiro encostado ao muro, jamais se esquecia de se fazer pagar de 2$50, moeda que nunca recusou…e prenda de casamento não me lembro, julgo que nada deram!
Lembranças do pregão do cauteleiro vestido de boné na cabeça mais parecia um policial, e de um lençol de cautelas nas mãos, ao tempo vivia ao Ribeiro da Vide junto da casa dos velhos "Trinta". Das filhas lembro-me vagamente, uma delas tinha problemas cognitivos , ao tempo internada em Condeixa. O pai chegou a ter uma casa de utilidades e vidros na vila, de paredes meias com a casa do Sr. Oliveira, que viria a trespassar até abalar de malas e bagagens em definitivo para o Avelar… 
Ao tempo havia barulhos caraterísticos que mal suados ao ouvido já se sabia quem vinha ao caminho-, assim era o trepidar no alcatrão dos cascos do belo macho do Sr. Armando Coutinho do Cimo da Rua, também da mula do Ti Zé André e a do Ti Raul Borges, do atroador ruído nas pedras da junta de bois do Zé Serra ou do Fernando Lucas dos Escampados, a caminho do Ribeiro de Albarrol, também as rodas de ferro das carroças da burra "Gerica" da tia Maria e do burro da Ti Virgínia André
As nossas brincadeiras de cachopos a pensar em namoricos, comecei muito cedo, teria quatro anitos, assim o contava a minha avó materna à minha mãe… "oh filha a Belita disse-me, vovó eu bosto muito dele"-, seria do meu vizinho Chico Borges? Rapaz tímido, trabalhador, difícil conhecer outro assim igual da lavoura conhecia todos os ritos e preceitos e do trato da mula também. Por não ter outro entretêm houve horas que passei tempos a espreita-lo através dos buraquinhos da persiana por causa da poeira levantada na eira onde passava horas infindáveis em cima da mula a pisar o trigo e o centeio, lindo o jeito de lhe assobiar para beber água na pia de pedra logo pela manhã. O bom do Chico sempre a trabalhar nas fazendas, rapaz de parcas palavras, mas de humor sórdido, um dia numa brincadeira apanhei uma folha gémea de oliveira, ao dividi-la com ele proferíamos um desejo, virou-se para mim e disse - "hoje levas porrada do teu pai" azar ou coincidência levei mesmo. Nas descamisadas quando aparecia o milho rei, nem a cor vermelha da espiga o fazia sorrir, de cariz apagado para o triste, síndrome do signo Peixes, finalmente um dia preocupado com os 4 pontos no meu dedo indicador, cozidos pela mão do Dr. Travassos, ainda se nota a marca, tudo por causa do grande encontrão que me deu na vindima do seu quintal. Trocávamos livros de estudo. Recatado comigo foi sempre o Chico. Infelizmente o destino não lhe foi favorável, deixou-nos muito cedo nesta vida!
Pela manhã o prazer de ouvir os pregões da peixeira Zulmira, com o seu carrinho de madeira e balança de pratos em lata -, paragem certa no caminho da minha casa, trazia bom peixe que encomendava ao filho nos Riachos todas as semanas nos Correios, onde ia fazer a encomenda pelo telefone. Só vendia boa pescada, pargo, goraz, peixe graúdo o que a minha mãe lhe comprava, a primeira vez que comi chicharro e carapaus foi no Colégio Religioso no Monte Estoril e peixe-espada já casada. O peixe era amanhado à beira da estrada, à roda dela vinham ao cheiro a gataria que se deliciava com as guelras, na bacia trazia sempre os pesos cheios de escamas e jamais se esquecia da cabeça do peixe no contrapeso ... Os cunhados também peixeiros-, o Ti Amadeu e a mulher Maria José, a eles a minha mãe comprava-lhes ao sábado na praça do peixe a sardinha. O Ti Amadeu era um homem grande de estatura e de veia musical com lugar marcado na filarmónica Santa Cecília, eram só dele os pratos de latão presos nas mãos com correias de cabedal. Imponente o som que se fazia sentir quando os batia, tinha uma força que os meus ouvidos até estalavam…
Gratificante naquele tempo o prazer de estrear roupa. No despontar da adolescência a recordação de um vestido em lycra em tecido relevado que a minha tia Rosária mandou numa encomenda de Luanda. O que eu brilhei quando o estreei, pela silhueta elegante  e pelas cores quentes de África em laranja com remates finos em castanho brutalmente curto, decotado e justo, confecionado pela D. Lucinda do Fundo da Rua, por causa do decote e da decência usei fina camisola preta de gola alta, para arrasar à saída da missa, desse tempo recordo lembranças do Mário Borracheiro, a comentar com outros "a Bela está uma bela rapariga..."
Salutar o convívio dos jovens aos domingos no final da missa. Santas e boas lembranças de soltar a língua, saber as novidades na conversa fiada ao adro da igreja e ao mesmo tempo ver "as modas" apreciar rapazes, porque as raparigas comprometidas não paravam de mexer nos cabelos para mostrar os anéis de noivado. Havia jovens bonitos, gente simples e honesta, rapazes e raparigas , incríveis os sorrisos, os olhares marotos com vontade de namorar, havia raparigas armadas em não dar confiança, faziam-se "caras" mas mortinhas para dar trela. Defronte do portão da igreja no rebate do lancil as vendedeiras de tremoços do Mogadouro e Vale de Avessada. Havia gente que comprava uma medida ou duas e sem vergonha os trincavam e logo cuspiam as cascas com desdém para o chão. Avisada estava eu, não esquecer de levar o jornal comprado na casa do Jaime Paz, na porta entreaberta de vidros a resma de jornais em cima de uma cadeira esperavam comprador para o "1º de Janeiro". O meu pai também tinha domingos que gostava de ler o Século que se comprava no Fundo da Rua. Nunca esqueci uma capa da revista do " Século Ilustrado " com a Amália Rodrigues na sua casa do Brejão junto da piscina, envergava lindo traje árabe castanho comprido, rasgado de lado, bastante pronunciado e debruado a rendas brancas. Ao desfolhar a revista havia fotos do Brejão da sua casa de férias sobranceira na falésia do monte alentejano com vista desimpedida para o oceano, numa ponta junto de uma azenha as escadinhas íngremes de acesso privativo à sua praia perdida naquela vastidão de mar azul, sonho que jamais esqueci até ao dia que atrevida me aventurei e quis conhecer quando a minha filha iniciou a vida profissional em Odemira, a vontade de conhecer a casa da Amália. Sem sinalética, apenas uma margarida grande em ferro pintada de azul e amarelo, o mote de seguir o caminho de terra batida. Nessa altura em 2007 no local encontrei uma tela velha no lixo amontoado, e sem dar ouvidos a contra argumentos dos que me acompanhavam, teimosa a trouxe a cair de velha que teimei restaurar ao meu jeito! Voltei outro dia e encontrei outra...
Trouxe os quadros dei-lhes restauro e aí estão...
Mal a missa finada dispersavam-se as pessoas a caminho das suas casas, também tinha de ir sem demoras, senão o almoço arrefecia…Desde que me conheço gosto de estabelecer conversa com qualquer pessoa, conhecida ou anónima. A minha mãe gritava por mim quando me perdia horas a conversar que se ouvia à vila -, boas conversas com o Ti Zé André, Zé Emídio, Toino Tarouca, a Lala, fosse com quem fosse...Havia parco trabalho para as gentes de Ansião, algumas se valiam das safras sazonais na ceifa, apanha da azeitona e nas vindimas, assisti algumas vezes à azáfama de gente de volta do capataz para os contratar. No dia agendado e na hora marcada os voltava a ver abeirados na estrada na espera de transporte, no chão tinham pequenas arcas de madeira com o avio de roupa, a bacia de faiança, os talheres, chouriças, toucinho, feijões secos e batatas. Porque na alma sentia levarem a esperança de trazer na volta o bolso cheio para o sustento no inverno. Uma vez vinha eu a caminho de casa ao Ribeiro da Vide quando a furgoneta descarregou pessoal -, a "Silvina do Pau Preto" e o Abílio do Carvalhal -, homem alto, fanfarrão e orgulhoso com o seu pão de mais de dois quilos, dizia ele para mim " oh cachopa sabias que este pão dura uma semana?" E apesar do sol que se fazia sentir, num ato destemido de vaidade abre o grande chapéu-de-chuva em pano azul, para eu ver como era grande, até ao dia que partiu para mais uma campanha da ceifa e não mais voltou, faleceu ou foi morto pelo Alentejo…
Em tenra idade aprendi com o meu pai a manusear uma arma de fogo. Em família fomos no táxi do Virgílio Valente, a Coimbra, para comprar a espingarda de canos serrados de calibre dezasseis num armeiro numa ruela estreita da baixa juntamente com os apetrechos. Arma elegante com a cunha em raiz de nogueira que gostava de limpar com os escovilhões e nunca faltava a vareta de flanela no final, depois o certo seria pendura-la pela correia de cabedal. O nosso pai gostava de nos ensinar na loja (nome dado à cave só com frente que servia de adega e arrumos) ao tempo havia uma escada de madeira que fazia a ligação com a casa, o que era confortável e tinha luz elétrica sobre a bancada onde eu e a minha irmã, cada uma fazia a sua tarefa em encher os cartuchos com a dosagem certa de pólvora, chumbo e serradura, por fim eram comprimidos com tampinhas na máquina para hermeticamente ficarem fechados. Um regalo encher a cartucheira. Tanto eu como a minha irmã sempre tivemos muito respeito pela arma de fogo! 
Ao cair da tarde depois do trabalho no Tribunal , o nosso pai convidava-nos para uma suposta caçada. Em caminhada no rumo do quelho do Vale Mosteiro, ao lado da casa do Ti António Moreira, defronte da quinta do Calado e da Monteira da Helena e da sua tia Piedade, para no largo do barrocal cársico de águas paradas se subir ao pinhal, onde o cão perdigueiro Kaiser se perdia a farejar a carqueja. Grande era a preocupação em nos transmitir as regras de segurança, até porque ele, quando jovem tinha sofrido um acidente com uma arma que lhe levou o dedo indicador da mão direita. Quanto à caça propriamente dita, não me lembro de ver nada pendurado ao cinturão da cartucheira, o tempo de nos abrigarmos em segurança junto a um pinheiro  para ele atirar já " o senhor tordo voava ligeiro a caminho do Carvalhal do Bairro"… 
Nunca dei um tiro sinto repulsa em "matar" a primeira vez que me vi obrigada a fazê-lo foi um suplício para mostrar que não era medricas ... Ao meio da tarde na conversa ao muro da minha casa com o adro com a minha irmã, o Carlos Cotrim e o Luís Lucas, toca o telefone, era a minha mãe a mandar fazer o farnel para sairmos de madrugada o caminho da feira de S. João,em Badajoz.
Transmitia à  minha irmã o recado e logo se vira para mim  dando ordem para matar um frango e um coelho, a que respondo que não sou capaz por nunca o ter feito e me dar dó matar animais -, provocadora  e sarcástica na frente dos rapazes, lança o mote "é assim que queres arranjar namorado e casar?" Envergonhada, mas corajosa encaminhei-me para a capoeira onde apanhei um frango branco, dos grandes, entalei -o nas minhas pernas, virei-lhe o pescoço para cima e meti-lhe a faca de olhos fechados a tremer, o frango estrebucha de aflição deu um grande salto e desarvora sem cabeça a cambalear por entre os talos das couves-galegas deixando no rasto um mar de sangue, e claro todos a rir a boa gargalhada pela minha ineficácia...Não me deixei amolecer, em corrida o apanhei  atordoado e de faca em punho acabei tanto sofrer, depois ainda tive de limpar todo aquele cenário de massacre sob os olhares de gozo!
O meu pai faleceu em setembro de 72. Com 18 anos a minha irmã tirou com distinção a carta de condução em Coimbra com louvor do Engenheiro que a igualou à então carismática Michel Mouton participante do Rali de Portugal. A estreia foi a caminho do costume, Badajoz pelo S. João-, levantamos de madrugada com chuva torrencial, ainda assim afoitas dissemos se chegarmos a Tomar e ainda chover viemos de volta a casa... O tempo amainou, passámos Constância, Abrantes, Ponte de Sôr, Fronteira, Monforte, Caia e finalmente Badajoz, ainda só havia uma ponte que atravessava o rio Guadiana. A viagem correu muito bem a condutora estreante revelou -se uma excelente condutora, com muita segurança. Mas em Espanha não se calava queria a toda a força uma viola, contente ficou de a sentir na mão, de abalada ainda fomos aos grandes armazéns dos Preciados fazer compras por estar perdido o mercado em Ansião -, por isso o abastecimento de víveres para a semana. Aqui pela primeira distingui os legumes em cuvetes brancas cobertas com película aderente em 76. Compras aviadas na mala do carro. Por adorar novas rotas convenci a minha mãe a novo trajeto para regresso pela fronteira de Portalegre, mal chegadas à Portagem, a primeira terra portuguesa com um nome característico de fronteira (poderia ser Portela, Portelinho…) chovia torrencialmente, parado o carro debaixo do palanque a guarda-fiscal vistoriava as compras, um dizia para o colega "olha-me estas gajas virem a Espanha comprar tomates e pepinos…" 
A viola, a primeira que o Tonito Freitas (da São) nosso companheiro nas traquinices começou a tocar, mais tarde em Lisboa aprendeu, ainda fez parte de um conjunto musical,  o vi na televisão...

Seguidores

Arquivo do blog