segunda-feira, 8 de abril de 2013

Feira de velharias em dia Pascal em Figueiró dos Vinhos

O certame acontece nesta vila há seis anos no dia Pascal - se a manhã se apresentar seca realiza-se em frente do Jardim Bissaya Barreto, se estiver molhada no Mercado Municipal.
Estreei-me na minha primeira vez há cinco anos neste certame no Mercado e  penei com o ar gélido que vinha das serranias da Pampilhosa, na segunda vez há três anos em dia de sol penei com o pólen dos plátanos seculares e na terceira voltei ao Mercado num dia de invernia chuvoso no dizer popular "chuva se Deus a mandava cum  katano "... A vila considerada a Sintra do Norte - reformulo do Pinhal Interior, oferece ao visitante belezas naturais de excedível beleza  pelas sombras nos contrastes em tons verdes das ribeiras em particular d'Alge de águas límpidas, translúcidas com espumas graciosas, imita claras em castelo nas represas na pressa de fugir para o Zêzere embate em fúria nos penedos desagregados das veredas, já na Pena, em convite aberto brinda a quem ali vai a banhos nas piscinas naturais.
Percursos pedestres pelas veredas dos outeiros e aldeias de xisto recuperadas
Quintas e Jardim Bissaya Barreto com cameleiras centenárias, talvez das mais antigas em Portugal  só se dão em ambientes húmidos - daqui à Galiza vindas da China no século XVII por alguma razão se chama a Figueiró dos Vinhos a Sintra do Norte.
Esta é minha
Doçaria conventual - Pão de Ló - especialidade conventual da  Confeitaria Santa Luzia na continuidade no fabrico há 119 anos -, então denominada Fábrica de St.º António dos Milagres de Figueiró dos Vinhos que encerrou portas em 1965 e onde cheguei a entrar quando a minha mãe aqui vinha trabalhar ocasionalmente nos Correios,  levava sempre um Pão de Ló - até me atrevo a dizer que teria sido o primeiro que comi nesta vida - ao tempo não haviam assim tantos bolos nem tão pouco se faziam como nos dias d'hoje. Apreciava mais a aposta do nome antigo, porque confeitarias há muitas, e fábricas com história há poucas, mas sou eu a dizer!
Património arquitétonico estilo Art Déco com o ex-libris do chalet do Mestre Malhoa  rematada a frisos de azulejos da lavra de Rafael Bordalo Pinheiro -, escolheu esta terra para viver durante 50 anos  no seu Casulo, aqui teve o seu atelier onde pintou muitos quadros com motivos tradicionais da regionalidade vivida nestas terras até Chão de Couce a escassos 15 km  onde passava o mês de setembro na Quinta de Cima -, o seu quarto na torre virada para Figueiró deixando a esta terra a sua última obra em 1933 um belíssimo retábulo dedicado a Nossa Senhora da Consolação, falecendo a 23 de outubro no Casulo.
Há muito para conhecer no concelho de Figueiró dos Vinhos, claro falar das suas gentes trabalhadoras e honradas.
Em miúda ouvia dizer que não havia mulher mais fogosa "como  prás bandas de Figueiró até pra lá da Castanheira ... "
Arrumava o estaminé de chão na feira de velharias quando chega a Luísa rapariga da minha idade, magricela, mui moderna com ar de hippie - confesso adorei vê-la na feira de Torres Novas e de Pombal com uma grande descontracção e calmaria tirava a mercadoria da carrinha grande logo depois ia estacionar  para voltar de bicicleta...saudades desse tempo constatei que mudou para uma mais pequena e a byke nem vistas dela... desta vez trazia uma linda grafonola - , presenteou-nos com música  durante um quarto d'hora, pelo que se fartou de dar à manivela ...amorosa a Luísa  pela hora do almoço pegou na ceira entrançada pelas mãos para abancar na  mesa de colegas no início da feira deixando a sua "ao Deus dará".
Lamentavelmente com as pressas por esquecimento nem me despedi dela nem tão pouco lhe desejei votos de boa viagem, da próxima vez tenho de lhe endereçar desculpas garrafais!
Grafonola
Estavam muitos colegas meus conhecidos - o Sr Henrique e a D. Ilda da Marinha Grande , senhora com laivos de estátua romana, seja do olhar lânguido, dos caracóis ou do porte - de tão linda que é, já o marido de descendência moura com sorriso franco e olho para o negócio.
Outros que passei a conhecer -, ainda um casal de Assanha da Paz  a D. Elvira e o Sr Raul(?) - gente por demais de simpática! Um dos filhos é casado com uma prima minha...dizia-me ela "a sua filha parece que a conheço"...pois foi ao casamento!
Naquilo o último a abancar foi o Carlos de Pombal com o seu ar de calmaria ainda não vendeu o  prato de José Reis que dizia ser Vilar de Mouros...na banca pôs um pratinho com bombons e outro com amêndoas para dar a quem quisesse , eu provei e adorei!
No final da tarde com os bolsos quase vazios apressou-se para se ir embora com receio de inundações em casa...confidenciou!
Os vendedores à espera de freguesia
Visitantes de manha apenas vi o Sr Pardal de Almoster, fazia compras para a feira de Pombal, mostrou-me um pequeno crucifixo, ainda tabelámos conversa sobre a ausência de outro comum conhecido da terra o Sr Daniel, não deu ares da sua graça...alvitrei,  algum azedume ...de resto quase ninguém - , tão pouco se atreveram os que foram à missa... culpas do tempo que não convidava a passeios, já de tarde em cima das três horas apareceu uma dúzia e meia de pessoas...todos comentavam que ninguém se atrevia a sair do borralho preferiam ficar em casa a saborear  doces e acepipes em família!
Comentava-se que por volta das três  não aparecesse gente o melhor seria arrumar... falava com uma colega no meu tardoz que já arrumava a banca quando se abeira de mim uma senhora, e me questiona se sou a Isabel...estupefacta perguntei se me conhecia...resposta escorreita - " conheço-a do seu blog"...pois estas situações são sempre muito carinhosas pela franca abordagem. Ainda me disse " procurava pelo Externato António Soares Barbosa quando a descobri...". 
Devia ter pedido autorização para publicar a foto do neto
Afonso o neto da Guilhermina
Guilhermina de seu nome - senhora de meia idade abençoada de rosto gracioso deslumbra pela simpatia , estudou com umas primas minhas da Mouta Redonda - Zita e a Lídia Lucas, licenciada, haveria de se apressar em deitar por terra o titulo -, julgo Professora do Ensino Secundário  cujo filho o Pedro -, homem alto de porte atlético e chapéu de aba larga na função de fiel guardião da feira em representação do staff camarário. Vinha acompanhada da sua linda nora de belos olhos negros,- uma sedutora tal como o filho - o neto da Guilhermina herdeiro da simpatia e da beleza da avó. 
Afonso de seu nome a fazer jus ao primeiro rei de Portugal  que no Maciço de Sicó travou guerras com os sarracenos, por isso tão enraizado nestas terras, do qual eu também o tenho no sobrenome, e disso confesso gosto -uma gracinha de miúdo andava  delirante com o chapéu em chapa que serviu na guerra de 14 com correia em cabedal que o pai comprara, orgulhosamente desfilava com ele enfiado na cabeça fazendo a meu pedido pose à soldado na frente do  carro da minha mãe. Fugia de nós para teimar na ajuda ao pai na oferta de brindes camarários a todos os participantes entregando os saquinhos com postais alusivos de Figueiró  e,...
Guilhermina, senhora nascida em Chão de Couce numa casa de vidrinhos verdes na curva a caminho do Furadouro...então não conheço, agora paixão -, a casa dos seus avós sita no desnível do terreno em relação à estrada por a achar mais castiça, baixinha com alpendre mesmo ao meu gosto.Confidenciou-me coube em herança a um irmão, tendo ela uma pequenina no Avelar.
Adorei saber que o filho está a recuperar uma azenha na Ribeira d'Alge...que lindas foram no passado em fila -, Deus sabe como adoro água, azenhas com a abertura em triângulo herança celta ou visigótica(?).
Antiga Azenha na Ribeira d'Alge
Azenha na Ribeira d'Alge
Irradiámos em conversas soltas sobre posts que já tinha lido... confidenciando "escreveu sobre uma prima minha do Casal Soeiro, um dos meus avós era de lá..." e do Delfim, mas olhe que não tem nenhuma irmã, pois acredito que não tenha na certeza porém aparecia na courela do Ribeiro da Vide em Ansião com uma miúda gira morena como ele que esqueci o nome, dos dois não sei qual deles o mais afeiçoado a ares de beleza árabe, seria prima?
A minha filha quis presentear-me com a sua presença na feira, estava a ler um livro -, havia de me confidenciar ter apreciado o  lado simpático de se estabelecer conversa com pessoas que não nos conhecem pessoalmente, apenas pela nossa escrita ...por entre dentes ainda disse "tens jeito para vender..." porque a Guilhermina apostou comprar na minha banca duas belas bacias em faiança ambas marcadas que só por isso tem valor:
 uma com florzinhas azuis da Fábrica do Outeiro de Águeda cuja  fábrica encerrou portas na década de 60, outra maior da Fábrica de S. Roque de Aveiro, ainda uma palangana de Coimbra com um vidrado melado.Tentem descobrir as peças na foto do meu estaminé ao acaso espalhadas.
Verdade verdadinha até ao momento tinha feito um mísero euro na venda de uma caixa de enrolar tabaco à Luísa...na maioria os colegas ficaram no prejuízo e se  havia mercadoria de primeira!
 Parte da banca de cobres, latões e ferro, rádios e relógios e garrafões do Sr Manuel e da D. Helena.
Até a placa identificativa ESTADO estava à venda. Isto é que vai uma crise!
Banca do Jorge de Coimbra que conheci nesta feira apesar de já o conhecer de vista. Belas colchas em bordado de Castelo Branco.
Colchas em bordado Castelo Branco da banca do Jorge de Coimbra
Travessa em faiança fabrico de Coimbra que comprou na véspera possivelmente na feira do Fundão que atesta um prato meu pela dúvida que tinha se seria Coimbra ou Alcobaça
Bacia de lavatório em faiança fabrico de Coimbra igualmente comprada na véspera
A banca do Sr Jorge e da esposa  D. Rosa da Barquinha seria a meu ver a mais requintada com peças de coleção em faiança e da Vista Alegre.
Sendo uma apaixonada pela faiança FALANTE - registei esta foto com três belos exemplares que a olho nú se identificam como sendo fabrico de Coimbra, mas analisando o tardoz verifiquei ser fabrico de Aveiro.Naquele meu jeito brejeiro exclamei o dizer do prato em voz alta... 

Gostas de Mim Amor?
Então vem comigo...não quis vir , por isso voltei da feira triste!
Prato publicitário da fábrica de Alcântara
Traziam por companhia um amigo de longa data - Leonel com 81 anos, mas parecia ter 61 - um gentilmen de cavalheirismo, ao ver-me comer a bucha aviada de casa interpelou-se se depois me podia convidar para bebermos um café - claro que fomos, sentados na mesa do bar a ver a chuva que caia copiosamente falou-me da sua aventura nestas andanças.
Na banca do António "Bacalhau" alcunha que lhe ficou por o ter vendido no passado vi pouca coisa desde a última vez que o vi na feira de S. Martinho do Porto. Tinha duas peças em faiança espanhola.
 além dum  lavatório em ferro a precisar de restauro com uma bela bacia em faiança da fábrica de Sacavém ricamente decorada.
Aldrabas...adoro
Faiança espanhola

Prato antigo marcado  na massa com a âncora de Massarelos (?)
Travei conhecimento com a D. Helena e o Sr Tony de Pombal - muito simpáticos, a senhora tinha ao colo uma botija de água quente para se aquecer...
Na  sua banca selecionei esta terrina em faiança provavelmente fabrico de José Reis em Alcobaça pela imperfeição da pintura dos filetes em manganês, porque o formato, as pegas e as flores foram também usuais na sua cerâmica.

Conheci um colega de Leiria com uma banca onde as latas eram rey - o Rui , decorador de interiores com ar de erudito, cabelos ondulados, sedutor e bom vivan vestido de cabedal, com quem me fartei de conversar onde comprei uma caixa de charutos da Jamaica que me reportaram à minha infância trazidos pelos amigos do meu pai quando vinham do Brasil e os compravam nas Caraíbas.Ofereci a caixa à minha irmã, sendo fumadora, julgo na sua casa ficam melhor,foi com agrado que ao mostrar a caixa logo se lembrou desses tempos de antanho que os abocanhávamos na boca a fumar ouvindo de perna trocada os Parodiantes de Lisboa na sala de visitas sentadas nos sofás de espaldar de madeira com corações esculpidos...



             
                              



No Zézinho como lhe ouvi chamar comprei uma talha em cerâmica para o jardim da minha filha em Lisboa e uns castiçais em vidro, havia de me ofertar um covilhete da Crisal  da Marinha Grande, anos 30.
Parte da minha banca com a talha exposta
Noutra banca havia fartura de pedras, fósseis ,cerâmica medieval e romana encontrados no Tejo, julgo o vendedor um rapaz ainda jovem de poucas falas, mas simpático se chamaria Miguel(?).
Cacos e caquinhos em ceramica
Um bico de ânfora, uma malha e dois púcaros de textura extra fina o que achei estranho como não se partiam ao lume...
Vista geral do meu estaminé postado no chão na feira de Figueiró dos Vinhos
Termino com um belo exemplar de carrinho de bebé...no caso igualzinho ao meu quando nasci, já lá vão 56 anos!
Novinho...em folha!
Deixei a feira com chuva na frente do Jardim passava a comitiva Pascal -  três homens vestidos de opa vermelha nas mãos seguros chapéus de chuva pretos contra o vento  molhando descaradamente a Cruz de Cristo,  a sineta e,...não vi em nenhuma porta flores prostradas pelo chão a convidá-los para entrar!

Adorei o certame fosse pela conversa, pelo contato humano - algum anónimo passou a pessoal  no caso em  especial destaque para o  Leonel e  a Guilhermina!

segunda-feira, 25 de março de 2013

Voltar a S. Martinho do Porto no Dia de Ramos na feira de velharias

Saí de casa pelo alvorecer, domingo 24 de março de 2013 pelas seis e um quarto a caminho da feira de S. Martinho do Porto tendo por companhia  aguaceiro fraco. Numa curva apertada antes do aqueduto das Águas Livres deparei-me com um separador comprido de cimento armado arredado do seu lugar por  grande encosto, e que encosto -, apresentava-se desviado da simetria ordeira...um perigo, julgo os dois funcionários da Brisa aguardariam uma grua para o repor no lugar.
     
    Mal chegada a Torres Vedras senti o sol despontar por detrás das eólicas numa de anunciar bom tempo, o que mais almejava.
     
    Chegada a Alfeizerão sempre a lembrar o bom Pão de Ló , também de um antigo colega - , Guilherme Morais nesta terra de sua mãe, depois de regressado de Angola decidiu arquitectar a remodelação da  sua casa em pedra...mais tarde muda de intenção ,  a vendeu  para comprar uma nova. Teimei registar a igreja branca a lembrar o Alentejo, os plátanos do escasso adro bem podados a talão, ainda pormenores  de folhas de palmeira  no anúncio do DIA DE RAMOS dantes usadas no dia de casamento, nesta quadra usual por terras de Espanha.
     
    A partir daqui a  paisagem apresenta-se de cariz  romântico muito pelo choupal em fila ao longo da estrada  disperso deitado, sobrevivente às agruras da ventania em terreno desabrigado, árvores teimosas resistentes, desgrenhados de ramos despedidos , enquadrados em bucólica moldura de lameiros  a fazer jus à  nítida paisagem "Bocage" a perder de vista nos extensos  prados verdes divididos por cercadura mural de canavial...
     
    Aportei ao destino antes das 8 no lugar habitual da concentração.Estranho a  D. Helena -, a senhora organizadora  no seu tardar em dar ares da sua graça...fiz tempo na conversa ao cumprimentar o casal dos Fernandos -, ele cego há 4 anos. Rapidamente constatei que o lugar atribuído via telefone, e pago pertença do colega Peneda -, impossibilitado de comparecer em virtude de doença -, haveria de mo ceder num gesto gratuito que muito me honrou pela escolha e dedicação, infalivelmente verifiquei o mesmo ser pertença há 4 anos do colega Bacalhau...neste compasso de espe entrosei conversa com outro casal também muito simpático -, Sr Domingos e D. Rosa  na sua primeira vez nesta feira esperavam por atribuição de lugar. Mais tarde ao passar na sua  banca vi sinetas de sacristão em latão e um par de sinos com a Cruz em relevo - adornos de uma junta de bois numa quinta em Vila Flor onde o seu pai trabalhou.Fiquei com o som dos chocalhos na cabeça a pensar como aqueles bois no seu andar pachorrento por caminhos de pedras transmontanas chegariam ao fim do dia ...moídos concerteza!
    Na nossa longa e estúpida espera se juntaram mais duas amigas que procuravam por semelhante ajuda. Sem a chegada da anunciada organizadora em cima das nove horas o meu marido arranjou uma vaga - , mesmo que não a houvesse o Sr. Manel da Batalha já se tinha disponibilizado para ceder espaço da sua. Estas atitudes são o melhor destes certames -, encontrar gente boa, haveria de o ouvir dizer mais tarde..."você é muito simpática, não me esqueço a primeira vez  que nos abordou..."  logo rematado pelo Sr. Antero e D. Isabel de Palmela que já não via há meses, outro casal muito acolhedor, teimou reforçar o mesmo elogio. Montei num lugar central quase no início da feira em frente da entrada da praia, do outro lado a Ermelinda de Alcanena, muito perto do seguida da Ti Helena e Ti Manel.
     Claro-, antes arranjei dois lugares - um para a Rosa, e outro para as duas amigas!
    O tempo parecia acordar prazeiroso apesar de ventoso. A feira estava repleta de bancas...a sopeira em faiança com dois gatos junto da pega, e sem tampa havia de ser vendida a um antiquário de Alfeizerão e um belíssimo prato com flores em policromia  dividido por filetes amarelo ocre  que irradiavam do centro para a aba com o tardoz cheio de buraquinhos de massa amarelada, fiquei a pensar a origem do seu fabrico -, Vilar de Mouros, Coimbra ou norte duma qualquer fábrica de Gaia, e com isso estupidamente não registei a foto... quando voltei já só vi o  seu lugar!
    Fui cumprimentar a Fernanda que conheci na primeira feira das Caldas onde comprei umas fronhas de flanela. Confidenciou-me que guardou lugar para mim...como não apareci, cedeu a outro colega. Gente de bom coração, e ainda com pele porcelana!
    Banca do Bacalhau com a sopeira em faiança - fabrico de Caminha(?) e o Prato com o brasão do meu SPORTING
     
    Presentes muitos colegas -, um dos primeiros que estabeleci conversa estava com o seu ajudante um rapaz pacato de olho esverdeado e andar atoleimado -, travei conhecimento com eles nas Caldas quando estavam a içar os leões em pó de pedra que o Pereira Cristóvão comprou no certame, trazia mais dois na camioneta. No seu andar desengonçado vi outro colega alto de pernas a bater nos joelhos que costuma fazer Pombal -, Domingos julgo se chama; a Ana de Vila Franca de Xira está sempre na mesma desde que me lembro que a conheço, e já lá vão mais de 8 anos; ainda a Fátima que arrumava a banca, mais tarde a cunhada Isabel chegou, sentada a vi à beira de uma quebra de tensão e,...segundo o meu marido também foi o Luís e a Isabel Rute, mas esses não vi porque deu-me de estrear uns botins que me aleijaram os dedos mendinhos...
    A baía enchia-se de famílias numerosas sobretudo da parte da tarde que se passeavam pelo calçadão. Fatalmente pareceu-me "o passeio dos pobres"...sente-se a crise que todos falam  há falta de dinheiro por isso não vi marisqueiras, vi antes esplanadas vazias.No dizer do meu bom amigo Manel do Porto muita gente que apelidamos de "parolos", mas que no fundo não têm culpa de o ser, pessoas essas que não sabem distinguir artesanato, velharias, coisas usadas, outras até novas do produto chinês, que só vão passear, em bandos, fazendo lembrar o romance de Batista Bastos - Um homem parado no Inverno! 
    Pela tardinha vi muita mulher  cujo estilo de apresentação me soou na errante procura de  "engate"... pavoneavam-se sozinhas na louca ideia de encontrarem a sua alma gémea ...uma passou por mim vestida para arrasar faltava-lhe contudo  hellan... o corte do cabelo já não se usa há que anos igual o casaquinho branco com franjados...com uma anca de arrepiar...O único feirante que verdadeiramente se "safou sem pagar terrado" instalou-se estrategicamente em frente do challet amarelo onde montou a banca no passeio de costas para a multidão que já está habituada à sua presença...
    Com todos os colegas que conversei e foram muitos, todos se queixavam do fracasso das vendas.E o que se vendeu foi abaixo de custo...para não ficarem a zeros...
    Abeirou-se da minha banca um casal para me perguntar se tinha chaminés para candeeiros pequenos...voltaria para comprarem um candeeiro em miniatura com vidro verde, a senhora ainda regateou o preço ao mesmo tempo que abria o saco de papel para mostrar a vasta  coleção adquirida quase a custo zero...enquanto isso o marido pegou numa nota para pagar, balbuciava por "entre dentes" por hoje  chega de compras... não baixei o preço. claro que o levou por ser gracioso e barato!  
    Feliz com o presente no saco, caminhavam de braço dado,eis que inusitadamente a vejo beijá-lo na boca...sabichona o namorou para levar a bom porto, isso sim!
    O meu marido também apareceu da sua voltinha de cortesia com um prato em faiança vira  há meses, eram uns seis que achei caros na altura ... apenas restou na banca o mais esbeiçado...o que ele comprou. O prato apresenta a particularidade do azul cobalto sobressair no tardoz tal como  no fabrico de Fervença. 

       
    Analisando os fretes e outros  pratos que tenho com as mesmas caraterísticas trata-se de fábrica com marca "E" inserida dentro de um triângulo...
    Só um prato foi marcado
    Será  o seu fabrico da zona de Aveiro(?) ...ou Coimbra . Não vejo esta marca nos livros da especialidade.Comprei um frasco de farmácia de tamanho médio em branco.Vinha do cafezinho quando dei com uma cara conhecida de andar apressado na parte da manhã. Uma casal, ele de cabeça alva, não o reconheci, já ela foi minha colega no Sottomayor -,  escanzelada de carnes, continua com o mesmo olhar grande e negro no contraste com o cabelo curto também negro tal o mesmo no vestir, no caso senti lhe confere mais acentuada velhice, se fosse de noite julgo me assustava!
    Adorei o estrelato que se vivia no palco do calçadão de algumas mulheres caducas...
    Desfilavam bem vestidas , tortas do esqueleto, marrecas de "cu metido na barriga" andar à pato com os pés para fora, magras, outras gordas com "queixada dupla de abanico à boi" todas ornadas de cabelos loiros desgrenhados ao vento com a raiz profunda em branco .
    Infalível em todas  elas o carrego excessivo  de vermelho -, seja no vestir, unhas ou beiça!
    Mesmo VERMELHO numa idade para serem minhas mães! 
    Certo e sabido davam nas vistas e de que maneira! 

     cerise, escarlate, carmesim em detrimento do vermelho, rouge, rubi...
    Destingi uma distinta senhora com mais de 70 anos, meio torta de corpo com cremalheira branca escancarada ornada de beiça escarlate -, no caso haveria de lhe conferir um sorriso lindíssimo -, o mais bonito que perdi o olhar -, uma boneca a meu ver deveria ser aproveitada para Desenhos Animados...voltaria a revê-la no regresso do fim do estandarte de feirantes, o marido trazia uma compra embrulhada em jornal na mão, ela já de casaco pelas mãos mostrava o belo casaquinho de malha aderente ao belo peito com losangos em tons de vermelho vivo no contraste com a brancura enorme do sorriso e do rouge...uma graça sem igual, a vontade que tive de a fotografar...gente fina!
    Depois da missa do Dia de Ramos apareceu gente com o raminho de alecrim e oliveira pelas mãos...
    Também uma miúda turista com bom corte de cabelo à " garconne" em louro liso e óculos de sol a imitar os de mergulho guiava uma bicicleta pelas mãos no passeio público na vez de ser atrás das bancas na via circundante -, vestia calças de malhinha aderentes que lhe faziam ainda saltar mais o "cu rechocudo de gordinho das bordas da cuequinha..."na mochila às costas levava de fora o seu raminho de ramos...
    Apareceram casais homossexuais. Gente que compra na generalidade de gosto apurado e requintado na escolha das peças. Mas também ontem senti terem também os bolsos quase vazios...
    Quase no final de feira apareceu um  desses casais.
    Sobressaia um deles de barriga bestialmente obesa a saltar da camisola, louro que  encantado com o brilho da minha mísula dourada, que pegou em mãos  e fazia teatro para o amigo numa de esperar que ele se adiantasse...antes o apreciara na banca da minha homónima com um grande prato nas mãos sob o olhar calmo do amigo inteletual impávido e sereno que não lhe dava cobertura...(fez-me lembrar quando era pequena em Coimbra nas compras com a minha mãe...)
    Pior foi quando  arrumou a mísula, segundos depois a senti cair  partindo um prato de Massarelos com um "cabelo"num motivo oriental.Fiquei no prejuízo!
    • A rivalizar o meu azar antes de começar a montar a banca, o vento deitou no chão um saco que tinha na cadeira com estes patos paliteiros que se partiram pelo pescoço e ainda um pratinho decorativo com motivos do mar...




    Vestal Alcobaça
    Pinheira - Aveiro

    Só no cair da tarde apareceu de imprevisto a D Helena a senhora organizadora do certame.O meu marido ouviu-a falar com a Fernanda, em que lhe dizia que esteve para não vir ...fiquei a pensar como tal seria possível -, ao saber que se tinha comprometido com pessoas para as acolher logo de manhã?
    Continua na sua legendária desorganização estatística  da atribuição dos lugares e na assertividade da palavra...julgo lhe falta atitude e coerência para amenizar situações de melindre. Disse-me que o lugar não era o 17 mas o 23 ou 24... entre o Sr..., e o ...voltaria a instigá-la de novo após ter ido confirmar e reparar que o 24 não podia ser porque era do...ficou calada  -, que voltaria...passavam das seis vim-me embora cansada de tanto ter esperado por ela de manhã. Será que  a altura do porte se perde no contraste da lógica do raciocínio(?) a terrível impressão que me causou!
    Exigi-se eficiência na coordenação da feira com estatutos que os feirantes tem o dever de respeitar!
    Àquela hora já soalheira é costume o desfile de carros na estrada defronte da baía de todos aqueles que não se aventuram a sair, apenas desfrutar da paisagem ...um Mazda laranja muito doce, e um jipe transformado para picadas de altas rodas  enlameadas.
    Desiludida com o fracasso do certame fiquei sem vontade férrea de voltar...apesar do agrado e da oferta de lugar pago do meu bom amigo do Porto, Manuel Peneda!

    quinta-feira, 21 de março de 2013

    A Quaresma e Páscoa em Ansião no tempo da minha infância

    Os Santinhos...Fazem parte do meu imaginário, assentes em mísulas de madeira minúsculas ao lado de uma jarrinha de flores desde o meu tempo de menina e moça em casa dos meus avós numa viagem de recordação desses tempos vividos. 
    A Quaresma… As tardes de domingo eram passadas no recinto em frente do velho hospital em Ansião -, concentração de rapazes e raparigas casadoiros: Artur latoeiro e o irmão; "Necas Ourives"; "Carlos Parolo" e irmãs Lúcia e Tina; "Carlos Pego" e irmãs Elisa, Fátima; Abílio, Alberto, e Fernanda da Carmita; Natércia, Augusta e Lucíla Murtinho; "Adriano Mocho"; Luzita do Carvalhal; prima Júlia e a Tina Silva; do Cimo da Rua a Mira e Lucinda: Tina, "Isaura Reala" e " Toino Peleiro" da Quelha da Atafona e,...não faltavam os cachopos como eu e a minha irmã. Vinham ao chamamento da conversa, jogar ao lenço, brincar com a macaca que o "Carlitos Parolo" trouxera de Angola um animal estranho e fugidio, ainda se jogava à cantarinha em roda até ela se partir em cacos e não haver outra para a substituir.No pior partia-se a cantarinha de ir à fonte ...Esse ato de ir à fonte era na altura o único momento de liberdade das raparigas nesse tempo -, ocasião para namoriscar quem sabe dar uma escorregadela perigosa... acredito que no caso nenhuma delas teve ousadia para o fazer, nem tão pouco o desfrute de um beijo roubado, tal o recato a que se davam. No entanto a coisa era de tal maneira que a expressão "partir a cantarinha" tornou-se sinónimo de perder a virgindade em muitas terras... Ficaria celebrizada na canção popular infantil "minha mãe mandou-me à fonte e eu parti a cantarinha, óh minha mãe não me bata que eu ainda sou pequenina..." 
    Faz eco dos costumes desse tempo no retrato de memórias irresistivelmente ingénuas. 
    De repente lembrei-me da Adelaide a irmã da Ti Laurinda que vivia com ela no Largo do Bairro de Santo António -, cachopa de idade, coisa de sessenta anos, solteira com evidências de atraso mental, mal se percebia o que falava, com uma mentalidade de dez anos. Ao passar à minha porta com a cântara pequena de água da fonte do Ribeiro da Vide à cabeça ,descansava e dizia "ai cachopa vou tão cançaada…" Chegada a casa depois da escola sentava-me à beira do lume no banco corrido para reconfortar o estômago. Gostava nesta altura sentir o calor do lume que me fazia "chouriças" nas pernas mas aquecia -me aquele doce aconchego, até ao dia que não tinha a costeleta à minha espera, não me apetecia marmelada, doce de tomate, nem manteiga Primor porque sentia no ar o cheiro do fumeiro. Do lume irrompiam aromas a oliveira verde atiçada a dar estalinhos parecia um espetáculo bonito a imitar fogo-de-artifício, naquilo olhei para cima e sobre a minha cabeça estavam paus de loureiro às carreirinhas, nelas em fila chouriças, não sei o que me moveu, tive vontade de saborear "a coisa proibida em plena Quaresma"... mas a vontade de contrariar a religião foi maior, sem meias medidas nem autorização tirei uma chouriça e assei-a ... assadinha no brasido pingava no pão, regalei-me a saborear, para complemento a sobremesa-, com a tenaz no terreiro quente espalhei grãos de milho, para estatelaram em freiras e frades, as minhas pipocas. 
    Refastelada senti que tinha "pecado" ao deitar logo me apressei na primeira reza a pedir desculpa a Deus Nosso Senhor, um hábito antes de adormecer. 

    Bênção do Dia de Ramos...Acontecia na Igreja da Misericórdia com grande chamariz de gentes com braçadas de alecrim florido em azul entremeado, louro e flores. Na véspera ia ao Escampado de Santa Marta apanhar o meu com a comandita de cachopos do Bairro de Santo António a que depois em casa se juntava oliveira, lírios e açucenas do quintal. Folia e vaidade era levar um grande ramo para a bênção. Um ano ainda pequenitas -, eu e a minha irmã ao Ribeiro da Vide fomos interpeladas pela filha do Ti António Moreira a viver em Lisboa que se fazia passear acompanhada de uma amiga de máquina fotográfica na mão e se deixaram ficar a olhar surpresas para nós, pedindo se nos podiam tirar uma foto, a que acedemos ali junto ao aqueduto do ribeiro a seguir à fonte, sorridentes em fato primaveril com meias brancas até ao joelho, lindos eram os ramos! 

    Páscoa no Bairro de Santo António… Tal ânsia tamanha dos preparativos todos os anos nesses tempos, no gosto o cargo das limpezas, de raspar as ervas do carreiro à frente da casa ao adro da capela , depois empoleirada nos varandins de pedra limpava as persianas e assistia do alto ao vaivém de gente de Albarrol, Casal das Peras, Pinhal, Carvalhal e Matos para o ritual da confissão. Na véspera da Páscoa na hora da chegada da camioneta do Pereira Marques de Coimbra tinha a incumbência de ir buscar a encomenda que a minha mãe fazia pelo telefone -, amêndoas lisa cores, de chocolate, licor em jeito de bonequinhos, e um bolo com muitas passas da Briosa. Nessa altura o mercado de Páscoa em Ansião era no tempo muito concorrido pelas madrinhas que pretendiam obsequiar os seus afilhados com uma prenda. Nunca me lembro se alguma vez recebi alguma...os meus padrinhos de batismo -, os meus avós paternos, se deram que me desculpem lá no céu, a impressão que guardo dentro de mim não seriam muito de ofertar!
    Claro que sentia essa tristeza ao ver na feira o frenesim das madrinhas a fazer escolhas de presentes - o folar para os seus afilhados. No dia de Páscoa não faltava à missa, mal acabada esperava por mim o almoço pascal na sala de jantar -, cabrito assado com batatinhas acompanhado com grelos, claro muitos doces, amêndoas, e licores ou Lágrima de Cristo, encomenda do meu pai das Caves da Anadia que encomendava e ia buscar à carreira....

    Endiabrada de volta das amêndoas sempre a ouvir "ralhos" constantes da minha mãe por causa dos dentes fazia espera da visita pascal, ia para o adro da capela à espreita não fosse chegar mais cedo...Vaidosa já tinha posto na mesinha da sala de visitas o lindo copo de pé alto em vidro de 1854 da Vista Alegre herança da avó Piedade com água benta trazida da igreja com um raminho de oliveira, pratinho de amêndoas e o envelope com a Côngrua. Na hora prevista ao longe sentia-se o cortejo com o aviso da sineta do sacristão na companhia do Padre Filipe Antunes, enquanto outro irmão da Irmandade carregava uma rede verde com galinhas, após o ritual de beijar a Cruz e da recolha do envelope na varanda despediam-se com alegria de todos -, a mim e à minha irmã o Padre fazia-nos uma festinha. Estranho deixavam um cigarro no pratinho, nunca percebi tal significado. O pior é que o Padre deixou a vida de presbítero, agora não faz sentido perguntar mas sei gostaria! 

    Padres que deixaram de o ser… Ano houve de festa especial pela Páscoa com a presença do Sr. Bispo de Coimbra para a benção do Crisma. Igreja apinhada de gente para se confessar, alunos do Externato também. De confessor coube-me o Padre Ramos de Santiago da Guarda na altura meu Prof. de Português. Incrédula me senti ao ouvi-lo no confessionário tais as perguntas a que não soube responder ... grande embaraço, muda e calada só respondia, não, não…bastante incomodada e assustada fiquei. Muitos anos mais tarde numa conversa ocasional no Agroal com um Bernardino casado para as bandas de Santiago -, a talhe de conversa disse-me que o mesmo acontecera com a mulher dele…deste Padre lembro-me de ouvir falar que convenceu as gentes da freguesia a depositar as suas poupanças na Torralta com a retórica de altos juros, com o 25 de abril muitos ou quase todos ficaram sem o dinheiro...ainda teve o sacrilégio de ver a sua igreja de Santiago sofrer um incêndio, anos mais tarde abandonou o presbítero, casou-se, parece já descasou...

    Introspeção sobre religião, Padres ...Há coisas na religião que não entendo, porém contínuo católica, não muito praticante.Os tropeços morais decorreram da intromissão do poder laico na vida eclesiástica e, da falta de vocação de alguns que tomaram esse rumo na vida quer por imposição dos pais, quer para poderem estudar. Fartei-me de andar com missais caducos lustrosos de tanto lhe pegar, da letra pequenina e parábolas difíceis de decifrar. Faltará, digo eu, o mais importante, explicar sentimentos e afetos. Deixei de me confessar quando me apercebi que os padres sendo tranca de tantos segredos ouvidos em confissão, ao deixarem o presbítero digo eu (?) serão livres de os poderem contar, nesse pressuposto acho oportuno confessar-me a Deus…Recordo no final da missa os agradecimentos a favor das obras e benefícios à igreja, nomeadamente da calçada do adro, no meu tempo em saibro batido com sepultura rasa ao endireito do portal, anos mais tarde feita uma calçada pelos Murtinhos, não sei se ofertaram o trabalho, só sei que o saibro para a fazer foi do pinhal dos meus pais onde hoje é a casa da minha irmã, tal agradecimento ficou por dizer na homilia e, tal gostaria… 

    Falar do celibato… Sacrifício grande esse em dominar instintos carnais, qual rebanho de ovelhas tresmalhadas, carentes -, difícil é resistir ao amor, ao desejo da carne. Aprecio no homem regicida -, Manuel dos Reis da Silva Buíça ser filho de Abílio da Silva Buíça o abade de Vinhais no século XIX ter perfilhado os filhos. Homem de grande dignidade em lhes conceder o seu apelido. Em Trancoso onde existem ainda hoje muitos descendentes do Padre Matos, não sei se os legitimou, consta que lhes deu o apelido de família e, são mais que muitos (havia muita fominha de homem fértil para esses lados ao que consta…) . Resta a história feliz do Liberal Sampaio em Chaves Outeiro Seco, nunca deixou de ser padre, mas em 1902 depois da sua amada senhora de linhagem Maria do Espírito Santo ter morrido, perfilhou o filho fruto do seu amor, o bisavô do meu amigo Luís Montalvão. 
    Ribeiro da Vide e a escadaria da capela de Santo António 
    Reflectir sobre a morte…Travei conhecimento com a morte da maneira mais cruel por no meu julgar achar -, só os maus morriam,os anjinhos por serem queridos e doces...não!
    Corria o ano de 1962, não sei qual deles foi o primeiro, talvez a Gracinha,- a Maria da Graça filha do Armando Cardoso escrivão do Tribunal e da Satanela com oito anos morreu de angina venenosa, mais velha do que eu ainda cheguei a brincar com ela pelo Tribunal…Seguiu-se outro muito mais pequenito Zé Carlos Rodrigues, filho do Alexandre e da Helena estabelecidos de taberna na Praça do Município com 22 meses, lourinho de olhos azuis, sorridente, um amor de menino, igualzinho ao pai. Sem quê nem para quê o anjinho começou a ficar roxo, a mãe aflita subiu a escadaria da casa do Ti Domingos a caminho do consultório do Dr. Travassos, infelizmente o menino sucumbiu…Diz o ditado não há dois sem três, a terceira uma menina do Lousal filha da Fernanda e do Zé Carlos Godinho um dos padeiros do Casal das Sousas que namoriscou as criadas da casa, ou seriam os outros irmãos (?) a causa -, meningite, nunca tinha ouvido falar nesta doença. Senti a grande dor dos pais deitados na cama sem forças para ver a filha partir e se curvavam para receber abraços e palavras de pêsames. Grande funeral quão grande a tristeza de se perder um anjinho. 
    Nefasto era ver amortalhar defuntos e a tristeza do velório onde grandes candeeiros de latão de três bicos eram presença habitual igual aos xailes pretos pelas mesas a fazer de toalhas e telhas mouriscas a arder alecrim e louro debaixo da cama onde deitados os defuntos esperavam a urna. Gritos e muito choro, mulheres vestidas de negro com terços pelas mãos, rezas e mais rezas, durante dias andava triste só de me lembrar daquela representação medonha, do aparato, cheiros, lamurias, palavras repetidas, sempre iguais "os meus sentimentos…os meus pêsames…tem de se conformar…foi uma graça de Deus, está a descansar…não merecia que este azar lhe batesse à porta"… 
    O que me custava mais? Sentir a dor da perda anunciada durante dias, da agonia vivida nas casas do agonizante onde na beira da cama se faziam as últimas despedidas com ternura no olhar, se contavam segredos, e pediam desculpas…pior seria quando acontecia a morte súbita na partida para sempre de um ente querido de forma inesperada e as lamurias do que ficou para fazer e dizer…A minha avó Piedade bordou a sua mortalha. Linda toalha em bordado Richillie, um pouco mais larga e mais comprida que as usadas nos lavatórios de ferro, em tempos que a urna era feita em madeira de pinho após a morte…a mortalha servia para cobrir o corpo.

    Páscoa na Moita Redonda… Na segunda-feira a seguir à Páscoa havia o hábito de passar uns dias de férias na casa da avó Maria da Luz na Moita Redonda, a minha mãe levava-me de táxi. Andava a avó de afogadilho com os preparativos para a sua Páscoa, na aldeia o padre passava durante a semana. Tinha a sala da varanda com janelas abertas de par em par para o sol entrar, as begónias de terra mudada estavam sempre bonitas e o soalho lavado colorido com "poses amarelos"...que lhe deixavam as mãos com a mesma cor. Gostava de ir com cesta na mão nos carreirinhos pelos leirões às hortas para apanhar flores dos costados da serra, lírios e trevo cor de rosa do jardim da eira que espalhava à laia de tapete pela escadaria par o Padre Melo passar. O acordar logo ao raiar da aurora com o chilrear dos passarinhos ao ribeiro e nos salgueiros, saltava da cama de ferro, abria a janela sentia a fresquidão da manhã e vestia-me para participar na festa -, em jeito apressado a avó mandava-me colher uma laranja da laranjeira do quintal para de riste em corte entalar cinco coroas -, a sua Côngrua. Pela tardinha apressada subia a quelha do Vale a velhota Ti Joaquina que desatou no seu linguarejar pedir um favor à minha avó …" oh comadre Luz empreste-me aí vinte e cinco tostões para pôr na mensa ao padre, tenho uma galinha que deve pôr hoje ou amanhã e, com os ovos que tenho faz meia dúzia, se o padre tiver vergonha, não levanta a moeda, eu volto a dar-lha, se a alevantar dou-lhes os ovos..."
    Sentia-se ao longe o vento que entoava o som da sineta do sacristão. Fazia com que as pessoas viessem às portas de mãos cruzadas em jeito de abafar barrigas de avental. O sacristão e os Irmãos da Irmandade traziam oferendas de galináceos, garrafões de vinho e de azeite, chegavam ao Vale estafados com a língua de fora, o Padre Melo mais morto que vivo a deitar os "bofes pela boca" depois de subir a ladeira ainda tinha o lanço de escadas, malditas das flores a fazer-lhe cócegas aos pés porque corrimão não havia para se segurar. Benzia a casa em gestos rítmicos sacudia o raminho de oliveira molhado na água benta, olhava para a avó e dizia ... "bons tempos de subir a serra comer os piqueniques que vossemecê fazia Ti Luz...olhe a conversa fez-me crescer água na boca, já comia uma pele de leitoa..." - responde ela "mas eu é que não a tenho para lhe dar, lá vai o tempo senhor prior..."
    A Ti Joaquina mal sentiu o padre de costas aparece em passo corrido para dizer à minha avó " oh comadre Luz, o filho da puta do padre, alevantou-me o dinheiro da mensa... " 
    Sempre me impressionaram os "Registos de Santos"…Designa-se registo a estampa com um Santo. Havia gentes que entupiam as paredes dos quartos com eles, uma vez numa ida ao Sameiro pernoitamos numa casa particular, não consegui dormir tal o envoltório de registos de todas as cores e tamanhos; sépia, rosa, azul e, ainda outros com histórias de coitadinhos que cheguei a ver nas feiras fazer pregão para peditório. Além das razões estéticas e emocionais estes testemunhos são um meio barato de se ter em casa estampas que registam o pagamento de uma promessa ou o cumprimento de um dever religioso, para dizer que as pessoas quando se deslocavam a uma romaria, as compravam na igreja ou Santuário para registar a sua presença ou então as adquiriam como bilhete para ganharem a indulgência registada na estampa, gravuras dos Santos resguardadas em caixilhos de madeira ou papelão, com ou sem vidro e muito enfeitadas com pedacinhos de tecido e, restos de passamanaria, lantejoulas ou contas designam-se por "Verónicas" creio que esta palavra tão bonita a sugerir flores terá talvez tido origem nas pinturas com o rosto de Cristo, que as pessoas emolduravam preciosamente. Infelizmente hoje o termo desapareceu e usa-se "registo" indiferenciadamente para designar estes dois objetos. Em particular simpatizo com os "registos de moldura em lata " com uma imagem. Tenho uma pequena coleção numa prateleira estreita acima do oratório, por me fazerem lembrar essas peregrinações a Santuários pelo País - que a minha mãe comprava. Lembram-se de aparecerem na vila, geralmente no mercado, forasteiros com cartazes com estórias de "infelizes"... 
    Tal destreza e lábia no apregoar das desgraças dos infelizes coitadinhos, certo e sabido arrecadavam esmolas! 
    A maior parte da minha vida não apreciei a imagem de Cristos pregados na Cruz . Nunca aprofundei os porquês, apesar de gostar imenso de Arte Sacra. Há muitos anos visitei exposições na Figueira da Foz, os quadros de Cristos do pintor Artur Bual -,impressionaram-me e aos poucos fui mudando de opinião. 
    O meu marido encontrou um Cristo em latão dentro de um envelope numa gaveta da mesinha de cabeceira da sua avó Rosa da Moita Redonda. Sem cruz, decidimos no seu restauro a título de homenagem. Na rua à procura de madeira encontramos num vazadouro de obras o resto de um antigo estendal de cordas. Enquanto ele fez a cruz, areei a imagem de latão e enfeitei-o como se usa no norte na zona do Minho -, prendi um arame às quatro pontas da cruz onde previamente enfiei flores artificiais, brancas e azuis delicadas, por detrás do fio colei uma fita de seda larga branca, cujas pontas aos pés se entrelaçam em generoso laço que hoje enaltece o meu oratório, adoro-o! 
    Votos de uma Feliz Páscoa para todos que me querem bem...claro, para os meus seguidores e anónimos também!

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