Artigo publicado em 15.10 de 2020 no Jornal Serras de Ansião
A importância da Cultura aos dias que correm interpretando o excerto do Livro “Estremadura Portuguesa”, do polígrafo, aquele que escreve sobre várias coisas - Alberto Pimentel, na sua estadia em 1902, em Ansião (…) Assim, não obstante o seu povo ser trabalhador, pacífico, religioso e respeitador dos bons costumes há um adágio tópico deprimente para eles: Em Ansião 30 habitantes e 31 ladrão. O autor não alude à sua fonte, a voz que lhe declamou o adágio - sem cautela, ao tamanho enxovalho a Ansião, até ali corria na oralidade, agora eternizado. Pior, invoca origem errónea (…) da época que aqui houve uma audaciosa quadrilha de salteadores, de que era capitão, um preto, o famoso Escarramona, decapitado no Vale do Judeu com a cabeça espetada num pinheiro”. Sugere o nome do malfeitor alcunha à ligação do topónimo em perda; Escarramoa, a sul da Chã Galega, no Caminho de Santiago de Compostela. Bem antes, existiu outro mais famoso; Rui Mendes de Abreu, decapitado em 1679 em Lisboa. Viveu-se o terror em 1810 dos invasores franceses e as quadrilhas de salteadores na Guerra Liberal. Na cadeia de Ansião passaram ladrões famosos; Zé do Telhado e o Zé do Traço. Concluir sobre o delator do adágio - um tonho, vaidoso e iletrado. Jamais falar do que mal se conhece e não se sabe explicar; bem melhor ficar calado!
O Livro do Padre Coutinho em 1986 desmistifica o adágio. A dúvida se foi ou
não conseguida? Usou sinónimos; provérbio e axioma “Ansião, terra de 30 moradores e 31 ladrão (…) Este axioma é, de imediato, interpretado e aplicado segundo os termos
do enunciado, todavia, em abono da verdade, enferma de grave deturpação
resultante da depreciação efetuada no seu sentido original. Corretamente deve
ser: Ansião, 30 povoadores, 31 lá estão (…) o Mosteiro em 1216 fez aforamento
da sua propriedade de Ansião a 30 bons povoadores (…) leva a afirmar que 31 lá
estão pois, a presença deste adiciona-se à daqueles. É este o único e
verdadeiro sentido de tal proposição intrinsecamente histórica e elaborada a
partir de factos da nossa história medieval.”
Inegável o cerne do adágio entronca em 1216. Em pluralidade a necessidade de questionar a palavra onerosa – ladrão; nascida com o adágio ou no tempo apodo e, como sobreviveu a 8 séculos? Desde cedo no aprendizado a destrinçar carismas adversos; em crer, pessoas, de maus fígados. No curioso querer; enxergar mais sobre a origem dos seus avoengos, ao jus quem sai aos seus não degenera. No vasto panorama e rol; quezílias nas partilhas entre irmãos; casórios de tios e sobrinhas em agregar fortuna; núpcias com viúvos ricos no ganho de herança; o moço vindo da serra para tomar conta de porcos a um fintão; o costume não pagar contas, nem honrar compromissos, a sorte do guardador que acabou por lhe ficar com os bens; o dinheiro a tilintar na gaveta de qualquer negócio, alicia o ajudante de caixeiro a roubar aos bochechos; no logro enriquecer ao jus do ditado - grão a grão enche a galinha o papo. A má-fé; em chão de um e a oliveira de outro, o dono do chão descarnava o pé até a fazer secar; mudança de marcos de extremas; corte de serventias; quintal de irmãos, um deles muralhou a casa ao outro, até o fazer desistir e ainda proveito de chão público. Em panóplia ao carater; manhoso, impostor, ardil, ladino, cobiça, ganância, inveja, hipocrisia, mentira e somítico, em agoiro filhos de mau piçalho… Indivíduos de olho gordo, a reivindicar bagagem moura, adensada no cruzar de gerações com outros genes, nas artes de surripiar e atazanar a vida aos vizinhos.De almejo o supremo poderio, segurança e riqueza, sem pejo anular até os de sangue, qual guerra de titãs. Nessa claridade compreender a natureza do adágio. O Mosteiro, em 1216 tinha de ter hierarquia em Ansião, além de supervisionar a herdade a incumbência de levar os foros para Coimbra. Quem de fato recebe as 30 novas famílias e, fez a sua distribuição. Credível, cada família veio a instituir no perímetro de cada quinta, o seu sítio de morada delimitado, onde passou a viver com os filhos. Em crer, deu-se o início de novos Lugares em Ansião, denominados Casais, a se destrinçar uns dos outros acrescidos do nome do foreiro, ou da sua origem, a título de exemplo Casal do Galego, a sul de Ansião, por cabal ignorância cultural mudou para Pinhal.
Que ninguém se choque ao sair da minha base de conforto sem brando
vaticinar. Os foreiros residentes não viram os novos povoadores com bons olhos,
sem lhes dar afável acolhimento. Sentiam-se donos e senhores das suas quintas, sem
o serem, afinal onde viviam com a sua família há mais de 40 anos. Ora, se atender
que aos dias de hoje isto é passível de acontecer, não se mostra leviano o ajuizar.
Sem amistosas boas vindas, tão pouco préstimo ou ajuda a potenciar conflitos. Só
Deus sabe as agruras infringidas, para os ver desistir…Debalde, a inesperada cabal
resiliência; carater firme, obstinado, corajoso, abnegado e lutador. A inspirar
o audaz e sábio ripostar do refrão; curto e grosso; nu e seco; título bastardo aos
31 ladrões, os que cá estavam à sua chegada, na vingança justa, servida fria! O
perpétuo louvor aos seus pais, a memória futura aos vindouros - jamais
esquecerem o que foi o inferno singrar em Ansião!
Porém,
corria outra versão do adágio – Ansião 30
moradores e, com o padre, 31 ladrão. Deturpação maldosa, pela correlação
num estudo de Metrologia do Dr. Mário Viana dos Açores da contenda de Ansião
arquivada na Torre do Tombo “ (…) A 17 de
Janeiro de 1359, na alcáçova da cidade de Coimbra, Afonso Martins Alvernaz, seu
juiz, fez pronunciar uma sentença no processo que opunha o concelho de Coimbra
ao mosteiro de Santa Cruz quanto à jurisdição dos almotacés sobre o lugar de
Ansião, e que decorria desde inícios de Dezembro de 1358. Vicente Esteves,
prior de Ansião, enquanto procurador do mosteiro, assume a defesa dos
moradores, argumentando que a jurisdição cível pertence ao mosteiro, nele tendo
juiz, mordomo e almotacés próprios, e não ao concelho, pelo que os almotacés
não podiam tomar conhecimento do feito relativo às maquias dos moinhos. Sem
respeitar as leis do concelho e por isso se manifestar Domingos Eanes “rendeiro
da almotaçaria, o qual, tendo detetado que os moleiros de Ansião não tinham
colheres nem medidas novas destas que agora el rei mandava ter por seu
senhorio”. A maquia de farinha nas mãos do povo sob o olhar do Prior? Quem
de fato conhecia o seu árduo laboro para tirar uma fanega (alqueire) de farinha
e, se contradiz “ A fio rouba o moleiro e
mais dão-lhe o pão “ mas se revê, na oração do moleiro, na voz da minha mãe
“ Deus te salve saco, 4 maquias te rapo -
um pró burro comer, outra para te moer, outra para te levar, e outra para te
trazer”.
A ladroagem perdura aos dias d’hoje com novos meandros. Tema
da próxima crónica.
Concluir, o adágio cifra a negligente hospitalidade aos novos povoadores, em época específica. Ansião pauta-se por ser terra anfitriã, de gente boa. Cabe a cada um, agora mais esclarecido, o papel de erradicar o adágio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário