segunda-feira, 9 de abril de 2012

Évora na minha 1ª feira de velharias e artesanato

Feira de velharias  e artesanato de Évora em dia de Páscoa!Foto com uma vista parcial da feira, do lado esquerdo banca com peças variadas em ferro e afins do Sr. Laureano, seguida do estaminé também prostrado no chão com espólio de biblioteca que me pareceu ter sido um dia de casa abastada para os lados de Miranda do Corvo: romances, postais ilustrados, outros manuscritos e,...sem pompa nem circunstância igualmente pelo chão  a minha  bancada com o meu espólio: loiça, fósseis e livros. Na hora prolongada de almoço delas tomou conta a minha  filha, apostou neste dia fazer a feira connosco, o repasto: carne à alentejana com ameijoas e migas de espargos com carne de alguidar, bom vinho, melhor pão, sobremesa conventual, almoço barato não fosse acrescido de IVA de 5€, o que é correto, mas doí no bolso em tempo de crise.O casal de estrangeiros ao nosso lado, mandou para trás o couvert, o empregado até se assustou -  só comeram uma dose de  carne à alentejana e um jarrito pequeno de vinho - Uns "unhas de fome" - desses turistas Portugal não precisa!
Sob um sol escaldante de verão, saboreando um livro de Stenhall, não sei como ela aceitou a ideia de se proteger com um chapéu em algodão branco comprado na véspera na feira da ladra por um euro, lavado ficou como novo. Cheguei em cima da 9 horas, se não fosse o Sr. Laureano a debelar os empregados camarários não me deixavam abancar. Grande favor lhe devo, apreciei a brutal calma com que falou e expôs a sua argumentação a meu favor "sem papas na língua" : aclarou eu vir de longe, estar coletada, mais feirantes só vinham enriquecer  a feira e, que Évora os deveria acolher melhor, rematando "que jeito tem estar a senhora aqui e mandá-la embora, acho que falo bem ( no seu sotaque bonito, soou a poesia)". Falou e calou-os, apenas um deles, o Sr. Domingos opinou com a retórica " devia chegar até às 8.30". Sujeitei-me ao lugar disponível na entrada ao lado do antiquário também alentejano Sr. Francisco que conheci nesse dia, julgo por ironia do destino já o conhecia de "ouvir falar dele" quem sabe até de o ter visto em novo, teria eu os meus 11 anos num dia de prova do vestido cor de rosa, enfeitado com favos na cintura e nas mangas para estrear na Páscoa na modista Lurdes 
" Cardosa", lembro-me de lhe ouvir dizer "traga tudo o que tiver de velho, papéis, loiça, rendas mesmo rotas" -  fiz espera ao seu lado no átrio onde estava o seu carro estacionado, passados instantes vejo a D. Lurdes  com uma braçada de coisas a dar-lhas para as mãos - testei-o - ele acertou nas cordenadas na rua da sapataria e da taberna, ao cimo ficava a casa. Mais tarde ouvi da Bina do Piloto que tinha vendido um móvel muito antigo quase a desmantelar a um antiquário alentejano, contei este episódio à minha mãe que me confidenciou que o tinha apreciado quando foi dar os pêsames pelo falecimento do pai, era por demais bonito, seria muito antigo já que o solar tem lindas janelas de avental, sendo grande deveria no seu tempo de esplendor ter mobiliário muito bom e interessante.Também do Dr. Mota de Santiago da Guarda ter vendido uma mesa século XVII que estava no lagar acima do seu solar e, de ouvir falar da sua governanta se ter "governado" com  pratas negras de sujas e,...também de outro homem ajuntador de velharias na Junqueira lhe ter vendido duas belíssimas cómodas e, mais peças igualmente boas, o melhor foi saber de um padre do Rabaçal que lhe vendeu um Santo da igreja em pedra, com autorização do bispo ( sorte a dos irmãos também Santos enterrados há 200 anos para evitar o seu roubo pelos invasores franceses, ocasionalmente descobertos há coisa de 6 anos com a abertura de uma vala na estrada em frente da igreja. Quem diria haver padres  que ousam atentar na blasfema ao desfazerem-se de património do povo à conta de dinheiro e, da recompensa do retorno do bom vinho alentejano para a Eucaristia. Também sobre a venda do altar da igreja da Aguda já a tinha ouvido em 1ª mão da boca do Dr. Vasconcelos na minha visita ao seu Museu de Almofala de Cima - o Sr. Francisco apenas acrescentou que se lembra quando o foi buscar à sacristia andava de roda dele uma beata perdida de vinho,  não o queria deixar levar da igreja por nada deste mundo, gritava que pertencia ao povo , o álcool não tirou o tino à mulher, já do  padre desse tempo não se pode dizer o mesmo ao vende-lo sem mais nem menos, obra talhada por marceneiros nascidos e criados naquela freguesia. Mas sobre ele haveria de coexistir um  final feliz, haveria de ser novamente comprado anos mais tarde ao mesmo antiquário que nunca o vendeu e que para se ver livre dele se sujeitou à retórica do ditador do negócio
 " compro-o, se você o for levar de onde ele veio". Assim aconteceu. Hoje, o altar jaz numa capela do Museu Maria Fontinha em Castro Daire em homenagem à mãe do signatário que o redescobriu , o Dr. Vasconcelos quando vinha de regresso de férias do Algarve parou no antiquário, um prazer que tem - reconheceu o altar que um dia tinha sido pertença da igreja da Aguda onde a esposa foi batizada. Algumas madeiras de talha sobrantes e capitéis  encontram-se no Museu de Almofala de Cima para atestar o regresso do filho pródigo (altar) à sua terra, de onde nunca deveria ter saído. Sempre é melhor do que nada. Ainda relatam o nome e, façanha dos artífices que o fizeram , lindo foi constatar que escreveram nas traves do teto do Museu os seus nomes!

Perguntava-me surpreso o Laureano no seu sotaque alentejano " você é muito alegre, gosta de conversar, acomodou-se bem" - respondi - gosto de pessoas, de ouvir e contar estórias, a minha vida foi ajudar a resolver problemas, dá-me prazer, fui bancária - espantado acrescenta " olha, diz-me ela que foi bancária"...
Em jeito de bom aviso o Sr. Francisco alvitrava -   "olhe que você safa-se melhor pela sua zona de Coimbra e arredores do que por aqui". Há mais de 40 anos que a percorro, conheço cada aldeia, cada vila ,e no Alentejo cada monte.Dormi muitas vezes no Solar da Rainha na sua terra, agora deixei de lá ficar, aqueles dois irmãos é sempre a mesma coisa, fico-me por Pedrogão. Tenho dias que preciso de me  sentir  um homem solitário, gosto de andar sozinho na procura de antiguidades com o meu detector de metais, na sua terra há por lá um núcleo medieval - estive agora na feira de Miranda do Corvo. Daqui a dias vou outra vez para  cima para buscar um brasão que ainda está na parede - isso sinceramente, entristeceu-me.Os brasões foram feitos para continuar nas paredes onde um dia alguém de estirpe os mandou colocar, para as gerações vindoiras conhecerem o legado dos seus antepassados - assim perde-se história  deste Portugal  à beira mar plantado!

Esqueci qual a peça que deu  ao Sr. Francisco para comprar um jipe - azar foi roubado!
Será que foi coisa antiga no Lugar de Casas Novas?

Gostei das pessoas de Évora. Simpáticas em geral, pelo menos duas disseram que a minha banca tinha coisas bonitas.No pior, uma mulher mal disposta, entre dentes resmungava para dentro com vontade de se fazer ouvir ao mesmo tempo que contornava a  banca "coitados dos pais, os filhos tão novos já andam a vender tudo de casa"...a minha filha, que nesse instante tomava conta, para eu ir à casa de banho, fincou pés na calçada para não se indispor com a dita transeunte. Porque nem tudo o que parece é - no caso vendo coisas  supérfluas que comprei e ajuntei em 30 anos, ainda de outras que forçosamente se foram substituindo. Gosto das feiras seja pelo contacto humano, pelas estórias  que oiço e conto, ainda pela festa.Vendi umas peças de loiça, livros e fósseis do Cristo Rei, o saldo foi francamente melhor do que tem sido, apesar dos colegas dizerem à boca cheia que estava muita gente para fora, para comer o borrego em família no campo na segunda feira, uma tradição no Alentejo.
Senti que a feira tem condições para melhorar. A meu ver há falta de sinalética alusiva, não vi uma única tabuleta a dar indicação da mesma - e faz falta para as pessoas na Praça do Giraldo saberem da sua realização e não só, até porque se realiza a um nível abaixo da igreja e da capela dos Ossos, só do varandim ou quem use a escada se apercebe da realização da mesma.Outra nota desagradável, os sanitários públicos do jardim, a WC das senhoras, avariada, vi sair uma turista da dos homens, sujeitei-me na imitação estava de aflitos, tão emporcada que me deu vómitos, deveria haver um empregado permanente para manter a sua higiene, porque  Évora merece, cidade património da humanidade com muito turismo, ainda tive de ver o inusitado, sem o ser, eu é que estava no lugar errado - um homem abotoava a braguilha. Também as casas de banho no mercado escondidas pela arquitectura em cinzento tipo persianas debaixo da escadaria, pior a falta de sinalética visível na entrada do mercado, dei duas voltas ao recinto e, não as via, ainda a falta de manutenção do equipamento, tampas das sanitas no chão, deixam transbordar o cheiro nauseabundo dos esgotos e, sem sabão para lavar as mãos.De tarde fecha o mercado e, claro fica-se sem o acesso às casas de banho. Outro senão são as pedras da calçada a saltar, a pedir remendo imediato, vi pessoas de saltos finos a tropeçar, se caíssem e partissem a loiça toda, quem pagava?
A meu ver o espaço deveria estar mais bem aproveitado, cada feirante se remedeia com o espaço que quer, o que inviabiliza a mostra de poucos stands e, parece pagam a mesma maquia (?). Na frontaria do mercado poderiam também coexistir alguns stands mais pequenos, tornava a feira mais apelativa na sua mostra de velharias e artesanato. O que eu francamente gostei? Dos toldos em verde que a Câmara disponibiliza aos feirantes residentes, uma marca turística de bom gosto.Adorei o contacto humano com alguns colegas. Revi o Sr. Laureano e a esposa não menos simpática Ana Maria, o "Igrejinha" que em abono da verdade se chama António, o David  estava com a mãe minha conhecida das feiras de Oeiras e Algés, do Sr. Francisco e da esposa Teresa. Com este casal, comecei por estabelecer conversa franca com ele, senti  afinidades:   coincidência nos espaços, nas pessoas e, boatos... quanto à esposa Teresa  nesse momento mantinha-se afastada, do lado   de fora da banca, parecia não acatar o que o marido lhe dizia " sabes esta senhora conhece a Aguda, aquele altar..." a Teresa, a bem dizer pouco ou nada se mostrava interessada em participar na conversa, no meu achar senti um nadita de ciumeira - afinal eu era uma desconhecida, conversava e, ria com o marido. Não sou mulher de deixar para amanhã o que posso fazer hoje, nunca gostei de equívocos, nem tão pouco ser conetada de uma coisa que não sou - urgente testar sem delongas - mal ela se chegou a nós, eu, no meu sorriso franco e conversa escorreita lhe confidencio tal pressentimento, a sorrir ela o negou dizendo repetidamente estar apenas chateada com o marido - não me convenceu, não tivesse eu sido uma relações públicas  mais de 30 anos.Num relance ficaram  espantados com o meu estar, diziam " vejo que  é uma boa pessoa, simples, de confiar". Levanta-se num impulso o Sr Francisco do banco para apanhar dois livros da sua banca : Temas de Portugal de hoje e outro do Prec editados em 1972/3 a  quem mandou a esposa escrever dedicatória: num deles referencia a eles donatários, no outro mandou acrescentar o nome do amigo Laureano. Ofereceu-mos, ainda me deu postais de 1895 dum Andrade do Espinhal e, um alfinete em metal antigo. Faria mais ofertas: à minha filha ofereceu  outro alfinete que colocou logo no casaquinho, que bonito ficou, ao meu marido ofereceu uma fíbula medieval, incompleta - peças que encontra  em cenários de guerras por Cuba, núcleos romanos e medievais -  mostrou-me ainda uma cruz antiga com os buraquinhos onde um dia estiveram cravadas pedras preciosas, também de uma estela em metal com um Santinho que andavam no bolso do casaco.Sei que lhe disse " o que lhe hei-de dar veja na minha banca" respondeu " deixe lá isso"...
A tarde fazia-se. Eis que chegam as sobrinhas do Sr Francisco - fizeram-se apresentações. Muito bonitas e simpáticas, uma delas parecidíssima à tia Teresa, afinal só é sobrinha por afinidade. Senti que ficaram encantadas com o elogio, não era para menos - bonitas raparigas com lindo olhar quente - não se fizeram rogadas ao endereçar convite para o ensopado de borrego - a mim e, a outros pagaram na esplanada do café o que cada um quis e, ainda insistiram vastas vezes para irmos comer a  sua casa, a que o tio acrescentava " a casa não é minha, é da minha irmã, mas é como se fosse "...
Agradecemos. Despedimo-nos com a certeza de nos voltarmos a encontrar. Gente muito sã, senti!
Dizia-me o Laureano " a melhor feira que aí está é Estremoz, tem é que lá estar às 5 da manhã!"


A Teresa, ao final de tarde não se calava com o dito repetitivo a bailar na cabeça ...

" TU GOSTAS, MAS APANHAS POUCO"...


   

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