A minha irmã continua profissionalmente ligada aos CTT - há tempos que me pediu para lhe comprar um telefone antigo. Dia houve que o encontrei na feira de Montemor o Novo na banca do "Manuel Ourives" - modelo em baclite com manivela, fio maleável em plástico e disco de numeração , que comprei. Na
última feira de Algés vi na banca do Sr Carvalho outro um nadita maior, mais antigo e muito mais barato.Fiquei a pensar no assunto - qual deles haveria de apreciar mais . Em conversa com o meu marido, disse-me - porque não vais na terça à feira da ladra , e o compras? - assim foi saí de manhã com chão molhado -, o Cais do Sodré estava despido de gente, apenas o sol rompia por entre as nuvens e brilhava no Tejo.No quiosque estava um cliente , ao ver-me sozinha naquele olival vazio atreveu-se ao dirigir-me um piropo...como ouvia nos velhos tempos!
Euzinha...nas minhas sete quintas |
Fiquei "a pensar para com os meus botões" seria do farto laçarote ao peito - vestido da minha filha que reutilizei como camisola, das botas e calças também dela, ou do blusão da minha irmã ? Nunca me importei de reutilizar o que elas as duas deixam de usar. Há muito que se avizinham dias de poupança! Depois, há uma nuance importante - pareço sempre mais nova - essa a grande virtude!
Irresistível não fotografar o símbolo da Margem Sul - O Cristo Rei -, também do cacilheiro na travessia - dois ícones do Tejo e de Lisboa a que as oliveiras deram o sabor mediterrânico à capital. Além do telefone juntei as oliveiras - motes para me recordar do meu tempo de infância no caminho da feira da ladra - avizinhava -se grande caminhada!
Muitos anos mais tarde percebi o porquê da sova que a irmã da minha avó lhe deu à minha frente - conflito gerado na partilha de bens -, a máquina de costura nas sortes calhara à irmã Ermelinda radicada no Brasil, a minha avó decidiu levá-la para sua casa, em solteira só ela bordava nela, bordadeira de mão cheia presenteou cada irmã com adereços de núpcias. Também o seu enxoval era lindo e rico em bordado Richelie, bainhas abertas e bordado de Castelo Branco. E bordar à mão? A sua colcha de núpcias simples em abertos e fechados de costura ao meio, muito comprida e, bordadura ondulada com rabinhos de porco -,encantadora de simplicidade, estimo ainda. As coberturas das arcas em croché delicadas também. A minha avó Piedade foi uma mulher de mãos muito prendada. A irmã Carma não tomou nunca partido do azedume e da tareia, ao visita-la no hospital em Coimbra, obsequiou a enfermeira com uma nota de vinte escudos, para dela tratar bem…uns tempos depois a avó veio do hospital para casa, desta vez o quarto foi feito na sala do r/c. A doença de diabetes agravava-se -, a perna não "colava" , definhava a olhos vistos. Veio a falecer pouco tempo depois da surra que levou da irmã Luz do Canhoto na manhã que o avô "Zé do Bairro" na padaria me convidou para o acompanhar até à Ferranha apanhar azeitona. Mal chegados - ele fez uma fogueira no meio do olival para eu me aquecer, depois mais tarde alvitrou que podia ir ajudar a avó a casa para trazer a cesta do almoço - o que fiz. Ao passar no caminho vi a tia Luz do Canhoto na apanha da azeitona com o marido, mulher de ouvido tísico, ouviu a conversa,foi direito ao pinhal -, a vi trazer um grande cavaco que deixa arrumado atrás do muro junto à entrada da propriedade. Precisamente ao passarmos ela vem direito a nós -, desata a bater na minha avó sua irmã , partindo-lhe uma perna. Aos meus gritos vem o meu avô acudir. O marido dela nada fez, continuou na apanha ...nisto o avô diz-me - corre que nem uma galga telefona para os bombeiros ...assim fiz quando cheguei a minha casa - no tempo até lá não havia outra com telefone. Nunca perdoei este acto premeditado de malvadez que acabou com a vida precoce da minha avó!
Foram sete anos malditos que abalaram a minha família paterna - neles morreram os quatro: pais e os dois filhos. Nesse pressuposto nas férias de dezembro tanto eu como a minha irmã dávamos o nosso contributo
trazendo dos olivais as sacas nas bicicletas: Ferranha, Barroca,Carril, Garriasa, Lameira, Vinha, quintal
e,... ao domingo era limpa no adro da capela de Santo António defronte da nossa casa onde se montava o palanque virado a nascente
com o contraforte da capela: vergastões assentes nos tampos de duas cadeiras -,
sobre eles estendiam-se as mantas, bem atrás despejavam-se as
sacas de azeitona no carrinho de mão de onde era lançada com uma pá, o movimento de a
mandar ao ar fazia que o lixo -, folhas e gravelhos caíssem logo, a azeitona mais
pesada ia-se juntando no fundo do palanque. Depois de limpa era levada para a loja,
salgada na tulha, ficava até ir para o Lagar. Mote este -, deu asas à minha
irmã em inventar um para-quedas, com uma manta de serapilheira dobrada, cantos
atados a quatro canas em jeito de pallium
presas com corda à minha cintura, incrível, sendo mais velha, cobaia, sem
medos -, dia houve que levantei voo do alto da figueira quase despida de folhagem -, amorteci a queda nos ramos embrulhada
no para-quedas, caí no patim de terra batida e cabeça partida , uma cana fez-me
um grande rasgo num sobrolho, fui a correr para o Dr. Travassos levei 5 pontos,
então não se nota ainda hoje? Muita sorte a minha de não me ter aleijado mais
na brutal descida de para-quedas inventado pela minha irmã!
Grande caminhada do barco até ao terreiro de Santa Clara, antes saboreei um rissol de camarão e bebi um café com a cegueira de ir à casa de banho para ver o berlicoque do autoclismo da fábrica Bordalo Pinheiro em feitio de pepino. Parei na banca do Sr Tiago onde comprei algumas peças de vidro muito interessantes - as faianças já as tinha vendido, depois chamou-me a atenção os saldos da banca da Maria de Lurdes onde também enfeirei , de seguida fui ter com o Sr Carvalho - homem de cabelos alvos, sedosos com caracóis,
sorriso delicioso e olhar maroto.Pedinchei desconto no telefone, disse que não fazia -
descarada disse-lhe - no domingo à minha filha em Algés pediu bem menos...não
percebo...rápido foi no baixar - mesmo assim
ainda queria mais - pu-lo dentro do saco ao mesmo
tempo que resmungava baixinho...agora fico sem dinheiro nenhum, ainda me falta ver o resto da feira...diz-me ele - falta-lhe para beber um cafezinho? nisto numa atitude atenciosa e naquele olhar malicioso mete a mão ao bolso e tira uma
mão cheia de moedas - disse-me atrevido - tire as que quiser...e, tirei!
Irresistível não o deixar sem lhe dar um beijinho...
Este modelo mais antigo |
Levei os dois telefones para ela escolher - preferiu o primeiro por ser mais maneirinho - ainda me deu uma gorda gorjeta. Só tirei foto a este último que vou vender.
Saudade de
ser interlocutora ao telefone nesses tempos de antanho… um vizinho encontrou-se doente,
foi com a mulher ao Dr. Travassos, depois de auscultado e de receita passada, o
médico vira-se para a mulher “ não se
esqueça de me dar informações” um hábito que tinha. Passados dias a mulher
vai a minha casa, pede-me que ligue ao médico para lhe dizer que o marido se
sentia bem melhor, do outro lado do telefone o médico pergunta-me “olhe lá ele obra?” naquela fração de
segundo olho para a mulher e, achando que ela não saberia o significado da
palavra obrar, questionei-a com um sinónimo”
olhe lá ele caga?” do outro lado da linha impossível não ouvir o sorriso
maroto do bom do Dr. Travassos…
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