segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Um ano no Colégio Religioso as Salesianas no Monte Estoril 71/72…


Por influência e aliciamento do primo da minha mãe António do Vale da Mouta Redonda que ao tempo trabalhava na construção civil em Cascais, o mediador que lhe facultou informação do Colégio Religioso, as Salesianas no Monte Estoril, no mesmo propósito a outros pais das redondezas para as filhas o frequentarem, na suposta certeza destas angariações reduzir, ou até não pagar, a mensalidade da sua filha Fernanda Lucas (?). A mensalidade  ao tempo era calculada em função dos salários do agregado familiar e, como os meus pais eram os dois funcionários públicos a minha mensalidade era a mais alta, 2 contos.
Moçinha, euzinha,  por detrás do noivo de cabelos compridos, com 14 anos, acabados de fazer, no casamento dos meus amigos Fernanda Dâmaso e Gilberto Carvalho.

O colégio era situado na Rua Trouville nº4, ainda recordo o palacete imponente no alto do Monte Estoril sobranceiro e altaneiro ao mar em estilo arquitectónico que me agradou, requintado e por isso adstrito ao cómodo das Irmãs e ao gabinete da diretora. No r/c funcionavam os refeitórios, copa e Capela . Adoçado ao edifício principal havia o ginásio e por cima os dormitórios, os dois corpos interligavam-se por uma galeria a outro alto onde funcionava a cozinha e a biblioteca e nos andares de cima as salas de aula, tudo envolto por jardins, recreios, lavandaria e estufa.
O colégio vivia o espírito http://www.salesianas-rosario.net/historia.html "Tendo em conta a herança da ação educativa de Dom Bosco e Santa Maria Mazzarello, as Filhas de Maria Auxiliadora (FMA) assumiram a educação das jovens na continuidade deste projeto. Por volta do ano de 1958, teve início a sede do Colégio que nasceu no Monte Estoril, num palacete, com a designação de Colégio Aspirantado Missionário das FMA. As destinatárias eram apenas jovens que se preparavam para a vida religiosa. Em 1960 /61 abriu-se a outras jovens da zona, em regime externo, e a jovens vindas do interior com regime interno, e assim, o Colégio perdeu o seu cariz inicial e alargou a sua ação educativa à formação de qualquer jovem, independentemente da sua opção de vida. Nos anos 1973 /75, o número de alunas internas diminui e as externas aumentam consideravelmente". O meu pai também não queria correr riscos, tinha sido avisado do meu namorico com o Arménio, denúncia perpetuada pela Dra. Ilda, e acredito também pelo padre Filipe que o afirmou na aula da turma "ter ouvido na rádio um pedido do Arménio dedicado a mim nos discos pedidos" efetuado por escrito ao tempo em 71 revela ter sido rapaz determinado e obstinado no seu querer na canção... 
A Namorada Que Sonhei ..
Receba as flores que lhe dou 
Em cada flor um beijo meu 
São flores lindas que lhe dou 
Rosas vermelhas com amor 

Amor que por você nasceu 
Que seja assim por toda vida 
E a Deus mais nada pedirei 
Querida, mil vezes querida 

Deusa na terra nascida 
A Namorada que sonhei... 
No dia consagrado aos namorados 
Sairemos abraçados por aí a passear 

Um dia, no futuro, então casados 
Mas eternos namorados 
Flores lindas eu ainda vou lhe dar... 
Que seja assim por toda vida 

E a Deus mais nada pedirei 
Querida, mil vezes querida 
Deusa na terra nascida 
A Namorada que sonhei...

Sem pestanejar decidiu que o melhor para mim seria sair do colégio de Ansião, no relembrar culpas do seu passado no namoro com a minha mãe que ao engravidar de mim o seu curso de engenharia não passou da matricula... Difícil foi ter de aceitar tal decisão, não tinha como fazer teimosia, resignada entrei no Colégio em outubro de 71, para frequentar o 3º ano. De táxi do Manuel da Junqueira com a minha mãe...
A vida de estudante
é uma vida desgraçada
Quando se ama não se estuda
Quando se estuda, não se ama nada!
Nos degraus da calçada a ladear o jardim da entrada ao sair do carro, o tacão do sapato caiu e logo a freira  me repreendeu com o recado "o tacão que a menina usa não é adequado à sua idade"... Na sala comprida por cima do dormitório abriam-se malas do enxoval ...distingui ao fundo penduradas umas fardas cinzentas, feias com feitio que me fizeram lembrar os sobretudos usados na 2º guerra, seriam da mocidade portuguesa? A Irmã de joelhos conferia a minha roupa para me atazanar a cabeça por não estar toda marcada com o meu número"53", nem de propósito mal estreei o casaquinho de lã para dormir quando foi para a lavandaria desapareceu, o procurei pelos cacifos de todas as colegas, passei palavra, só mais tarde o reencontrei na roupa lavada para arrumar, por ser delicado, gracioso e não marcado, em azul bebé cor do céu, alguém imaginou que só poderia ser da Madre Superiora...Altiva a freira ainda me questiona se a minha mãe me tinha ensinado para que servia a dúzia de toalhetes brancos... Detestei a freira, fria, austera, bruta, feia de aspeto cadavérico! 
O refeitório de mesas corridas para dez alunas, a minha mesa só com meninas do concelho de Ansião; Fernanda da Mouta Redonda, Fernanda e Luísa de Lisboinha, Gina do Pobral, Emília e Rosária da Portela, as filhas do Quintaneiro de Pousaflores a Joaquina e a irmã. Azar o meu logo na primeira manhã ao pequeno almoço no meio da mesa havia um pires com dez quadradinhos de manteiga.Expedita ao barrar o meu pão com dois quadrados, só tinha direito a um ali enxovalhada pela Irmã que de nós tomava conta, mal habituada estava em minha casa a comer manteiga Primor que me apetecesse... Ao jantar fui indiciada na tarefa de ajudar na copa a limpar os pratos espanhóis de pirex verde com panos em estoupa grossos, grandes e ásperos...Nervoso era o meu estar, não sei como aconteceu, deixei que um prato escorregasse da mão para se estatelar no chão em mil pedacinhos, muita agonia para primeiro dia...Detestava a comida. Ementas a que não estava habituada e do cheiro forte, as alunas mais antigas diziam que lhe punham cânfora para atrofiar o desejo carnal que desperta hormonas na adolescência... Dúvidas, perguntas, porquês e saberes na descoberta proibida da vida... Nunca tinha comido chicharo frito, nem macarrão com fatias de queijo de odor forte igual ao que a Caritas distribuía na Sacristia aos pobres em Ansião; cavalas de conserva; guisado de feijão vermelho ,o que eu mais gostava . Rápida em idealizei uma estratégia para fugir ao trago de comida esquisita, se melhor o pensei melhor o fiz. Ao endireito do lugar à mesa cada aluna tinha uma gaveta onde se guardava a chávena do pequeno-almoço. Arranjei um saco de plástico onde despejava a comida sem que a Irmã de vigia do refeitório desse conta, difícil foi manter o silêncio das colegas da mesa, atrevidas, sobretudo a minha prima Fernanda Lucas, de cariz autoritária, hoje Irmã na Instituição, tal como a Fernanda de Lisboinha , as vezes que tive de me insurgir e de lhes arregalar os olhos...No final da refeição trazia o saco debaixo da bata, entalado na saia para o despejar na sarjeta do jardim junto do muro da estufa das flores, jamais fui descoberta...Havia outras colegas muito magras de aspeto anorécticas sempre a vomitar... Ficava com fome, mas cedo descobri como fugir do dormitório de noite e descobrir a despensa de paredes meias com a copa onde me refastelava a comer o que havia na torre do campanário a ouvir o mar...A correspondência era filtrada...Nem me quero lembrar do que senti quando dei com a primeira carta escrita aos meus pais rasgada no caixote do lixo...Imediatamente comecei a escrever a dizer que estava tudo bem, cuidados havia,  tinha de a deixar aberta em cima da secretária da Irmã diretora, enquanto isso escrevia outra carta com desabafos e tristezas que escondia no bolso e na hora do recreio fazia saltar a bola do andebol para fora do muro, uma vez aberto o portão dobrava a alfarrobeira frondosa e chutava a bola para na descida da rua ter tempo de ir ao marco de Correio, corria que nem uma gala a caminho do Estoril para deixar as minhas cartas…E as fugas ao sábado de tarde até ao Estoril… Os meus pais mandavam-me dinheiro, não fui expulsa do Colégio mas fiz por isso. Jamais me desvirtuavam medos de vagabundos de mau aspecto que via das janelas a vaguear naquelas ruas desertas, ensombradas pelas copas das pinheiras com palacetes abandonados, outros fechados por gradeamentos que gostava observar nas caminhadas a Alcabideche para ir buscar os ovos às irmãs Carmelitas e ao Estoril à missa, ao cinema e à praia, e nas vezes que fugia sozinha a desfrutar da minha liberdade! 
Fugia aos sábados de tarde. Rastejava no relvado da frontaria do jardins até ao portão para não ser vista. Aquilo sim foram bons tempos, sozinha, a passear pelo Estoril, dava-me prazer ser irreverente e livre, porque tinha dinheiro no bolso.Os primeiros iogurtes que comi, o nome não era familiar, levava o caminho a soletrar abutre, o mais parecido para não me esquecer...Ficavam as colegas na sala da costura a fazer croché ; sacos de ráfia e de corda de nylon, a engomar, costurar roupa que as Irmãs talhavam na grande mesa no desfile a desenrolar peças de tecido oferecidas por senhoras beneméritas que as Missionárias levarem para as Missões pelo mundo das províncias ultramarinas…As vezes que fui não passei da aprendizagem do cordão em crochet, mal acabava um novelo, começava outro e mais outro, fiz quilómetros de cordão... Instinto de ciúmes, a Gina do Pobral irritava-me, tinha andado comigo no Externato em Ansião. Afrontava-me que tinha também paixão pelo Arménio... Um dia apanhou-me em flagrante numa dessas fugas, não perdeu a oportunidade de me avisar da sua intenção em me denunciar. Perante tal insistência vali-me dum estratagema. Sugeri na próxima fuga trazer da drogaria um perfume . Deu-me o frasquinho com o reparo "vê lá que aroma vais escolher". Instinto de ciúme sem o saber, mas era, fui má, passei-me e trouxe amoníaco, porque um dia o vi dar a cheirar a um homem atropelado ao Ribeiro da Vide ... No dormitório deserto de meninas, às escondidas dei-lhe o frasquinho a cheirar, num instante a vi cair redonda no chão...Peguei-lhe pelos colarinhos, apesar da obesidade, em voz forte pronunciei aviso para não me voltar a subestimar, que resultou!
Férias e passeios quando estava no colégio… No Natal a primeira vez em casa depois de ingressar no Colégio Religioso o meu pai mostrava-se orgulhoso da sua filha mais velha vir com boas maneiras adquiridas. Uma noite ao jantar o vi levantar-se da mesa radiante e orgulhoso em me ver a comer delicadamente de garfo e faca,  dizia "apreciem a delicadeza como a Bela se desembaraça no uso dos talheres, aprendam, sem mãos na comida, até com eles descasca a fruta..."  Modos e requintes que a ele lhe deu senti, sobeja alegria. A mim foi sol de pouca dura, esforço-me, bem gosto de comer a sardinha, frango e até leitão com a mão, e a fruta de a trincar com a casca... Por estar em onda favorável atazanei-o para pedir ao Dr. Travassos um atestado médico para levar para o Colégio. Expliquei as minhas razões, detestava estar fechada depois das aulas na mesma sala a fazer os deveres, sem poder sair. Tomava conta de nós uma Irmã à qual o amor não sorriu de aspeto baixo, braquela de carnes, cariz triste e apagado com pausa diária a leitura de capítulos do romance " Os lírios do campo de Erico Veríssimo". Sorte a minha por o meu lugar na sala ser ao endireito da janela, através dela via o mundo...as vezes que olhei a vivenda amarela que conhecia ao mínimo detalhe, como os jardins e a rua deserta do Monte Estoril para só acordar ao som do carro a chegar ou a sair  com os filhos… Inventei um estratagema. Idealizar que sofria da barriga, tinha de ir à casinha de banho vastas vezes " assim o atestava com êxito o dito atestado".  Bem dito e bem feito, deu resultado. Mas e o que fazia eu? Nada. Sentava-me no degrau de madeira ao cimo da escadaria a olhar para o vitral magnífico, imponente que dava claridade e brilhos em tons vermelhos e amarelos. Derretia-me a mirar o seu deslumbre de beleza, fazia sentir-me livre, sem noção do tempo...A verdade é que tinha dificuldades em me concentrar na sala de estudo.A minha mente vagueava em sonhos...Depressa arranjei estratagema para estudar para os pontos. Comprei uma lanterna de pilhas nas minhas fugas e usava no dormitório no beliche que era o de baixo, com o cobertor cinzento a tapar-me, e assim estudava ...Bem, pior era o despertar com "palmas" às 6,30...e a fila para as casas de banho...Uns dias depois armei-me de esperteza e antes de me deitar deixava a minha trouxa no chão a marcar lugar...Assisti a missas para o resto da minha vida! 
Não contente com um pedido ao meu pai que o satisfez com sucesso logo quis outro. Tinha belos cabelos compridos. Só se tomava banho uma vez por semana, à quarta feira e só haviam 2 secadores de cabelo. Claro que eu era a última...Cansada desta desigualdade, convenci -o a deixar-me cortar os cabelos que tanto brio lhe davam ao recordar os da sua querida mãe que toda a vida penteou, igualmente pretos, reluzentes asa de corvo de ascendência fenícia...Golpe duro, mas aceitou as minhas amarguras, só me disse "podes ir corta-lo, mas antes pede à cabeleireira para te fazer uma trança para se guardar de recordação" . Pior foi a sarna que lá apanhei...por falta de higiene de muitas que me infestaram!
Páscoa na segunda vez de volta a casa na despedida chega o meu avô paterno  aflito com lamentos a mulher não lhe fazia a comida e a que fazia era salgada sempre assediar para lhe deixar o resto dos bens..O avô falava de coração aberto como antes nunca tinha visto a tentar alertar e convencer o meu pai "Fernando, amanhã vais comigo ao notário quero deixar-te a minha folha…" justificando os porquês e ainda pedindo desculpas de erros do passado ao filho... Desligado de heranças o meu pai desvalorizou e descansou-o para não se preocupar, não havia de ser nada de cuidado para se ir embora para casa e descansar... Mal solto o trinco da fechadura da cozinha levantava-se a mulher do rebate onde ouviu a conversa... Fim de férias. Acabara de chegar ao Monte Estoril quando recebi a notícia que ele tinha falecido de ataque cardíaco…Deus acabou por simplificar as coisas para todos.
Romaria a Fátima…A 12 de maio de 72 fomos de excursão para assistir à Procissão das Velas no Santuário.De noite sentadas no chão, colegas e Irmãs, um cenário místico.No dia seguinte, dia treze, descobri o meu pai junto à Capelinha das Aparições cuja silhueta se destacava dos demais pela altura, vestia fato escuro e óculos Ray Ban de lentes verdes e aros dourados, procurava por mim e eu por ele. Dia de boas recordações em Fátima. Pior foi ter de dormir no autocarro...Emoções sentidas ao ver a imagem de Nossa Senhora e dos Pastorinhos. 
Dilema, avisos, recados…Sempre a mesma coisa, antes do jantar na escadaria do grande hall de ligação aos dois edifícios do Colégio onde se fazia a entrega da correspondência às alunas. Que culpa tinha eu da minha mãe trabalhar numa estação de Correios, escrever todas as semanas, ainda me mandar encomendas e dinheiro? A Irmã incitava-me a escrever a explicar que as outras meninas nada recebiam dos pais, ficavam tristes por eu receber tantas coisas, todas as semanas, enquanto elas pouco, ou nada recebiam... 
Grande era a festa com a abertura das encomendas. No meu aniversário de 15 primaveras a encomenda era enorme.Um belo vestido em popelina estampada em tons azuis, brancos e castanhos, feito pela D. Lucinda do Fundo da Rua, um par de patins vermelhos que o meu pai foi de propósito de táxi no Germano Pires a Coimbra comprar, bombons e tabletes de chocolate, rebuçados, miniaturas de vinho do Porto, dois queijos do Rabaçal e,...Distribui guloseimas e degustámos um queijo delicioso a derreter manteiga feito pela prima Albertina do Escampado Belchior, que adoraram deliciar.
Música dava eu no confessionário…Aprendi rápido "a fugir à confissão", padres italianos mal os percebia, comparecia na Capela mas ficava sentada no banco, mudava de lugar sem que ninguém se apercebesse, depois de algum tempo cansada, ia-me embora, descansada e dizia que sim…e era não!
Possibilidades tive de aprender a tocar acordeão, o que as Irmãs teriam gostado, arranhei no piano a canção do patinho " o patinho Barnabé, tiro liro, lé, a dançar partiu um pé, tiro liro lé…" esse sim fascinava-me a sonoridade. 
Proibido usar calças, muito menos mini saia. Num domingo obrigaram-me a mudar de vestido, porque o acharam muito curto e inadequado...antes que tivesse castigo maior!
Passeios ...A primeira vez que andei de comboio na Linha entrei na estação do Estoril a caminho do Cais do Sodré . Em fila indiana seguíamos ordeiras as Irmãs a pé pela rua do Alecrim onde parámos na Livraria Bertrand, onde entraram. Ficámos à porta com rapazes a passar ao Chiado que gozavam connosco ao ver-nos vestidas de bata igual e também  piropos de mau gosto todo o caminho até ao Metro no Rossio com saída no Saldanha para o Teatro Monumental onde assistimos à peça "O Pinóquio".
Melhor, mais aprazível as idas aos Salesianos no Estoril , Colégio da mesma congregação, masculino, com igreja muito bonita onde se cantava no coral.
No ringue de patinagem aprendi a patinar com os velhos e pesados patins dos jogadores de hóquei, a nossa treinadora Judite de Sousa, tinha sido atleta do Benfica. 
Boas tardes de cinema aqui passadas e de piqueniques na linda mata, grandes eram as cestas, e ainda nos levavam à praia mesmo defronte da igreja , quase privativa, haviam torneios de jogos de andebol e basquetebol com as colegas da Casa Pia ou de Vendas Novas, certo e sabido, a faixa branca estendida na entrada do Colégio à nossa chegada, em caso de derrota... 
Atentas as Irmãs exprimiam em grandes letras a preto o slogan "PERDER OU GANHAR É DESPORTO". 
Litígio tinha e raiva também de estar num Colégio interno. Logo de manhã puxava pelo calendário que trazia no bolso da bata, num ápice já o eliminava antes de mal começar, sentia que passaria o tempo mais depressa se o eliminasse com um risco a vermelho. 
Pior ouvir o atrevido papagaio que havia numa varanda a caminho do Estoril ao passarmos gritava em boa pronúncia...PUTAS...PUTAS... e éramos inocentes! 
Havia tarefas diárias que eram incutidas a todas as alunas para fazer delas também "umas boas donas de casa". Pela manhã tinha a cargo a incumbência da limpeza da biblioteca. Sozinha no trabalho cedo descobri as caixas de chocolates, não havia dia que não surripiasse um...De espanador nas mãos limpava o pó às lombada dos livros das prateleiras e às duas grandes mesas onde todas as noites em seu redor as Irmãs se sentavam para conversar, ver televisão, ouvir música, saborear doces...Então não via as pratinhas no caixote do lixo...quando ao meio da manhã a porta estava semi aberta e subia as escadas vinda do recreio, surpresa e meio aflita a ver o serpenteado do pó que tinha ficado nas mesas por serem largas, os meus braços não abarcavam os tampos... Às refeições tinha a tarefa de servir no refeitório das alunas. 
Dias de Retiro… Dois dias por ano em que as alunas nada faziam e as Irmãs sim, elas é que trabalhavam para as alunas. Tivemos autorização para nos dirigirmos à biblioteca e escolher um livro. Por a conhecer bem escolhi o que na altura me poderia ajudar a tirar dúvidas. O título não era apelativo, era forte , feio e demasiado grande "Os Porquês da Menstruação"… Na ronda pelos jardins as Irmãs apreciavam os títulos escolhidos pelas alunas e quando se chegaram à minha vez, perplexas com a minha escolha, levaram-me à sala da Irmã Diretora onde fui interrogada, e a única interpelada queriam saber a razão da minha escolha, o que sabia sobre o tema, se tinha conhecimento sobre o conteúdo do livro... No pior fui incumbida na tarefa da recolha dos paninhos usados pelas colegas para levar para a lavandaria, todas espertas, se esquivaram...Difícil é atestar o cheiro nauseabundo do sangue pérfido, seco, que exalava ao abrir as caixas para os tirar...E disso expliquei às Irmãs, porque razão tinha essa incumbência se eu não os usava? Depois perguntaram-me se mensalmente não sangrava...Perguntei aonde?Da vagina, e as questionei o que era " bagina " com elas a rir da troca do v pelo b e do sotaque,em que uma diz "bichana" e logo lhe respondi - enquanto a bichana dormia, uma leitura do livro da 3ª classe... finalmente perceberam o meu suplício de tanta pergunta que não sabia responder, logo eu, incrédula antes do meu ingresso no colégio em setembro tinha sido o mês da minha iniciação de mulherzinha.Razões inexplicáveis porque a minha mãe nada me ensinara e por isso eu nada sabia e claro senti-me incomodada, detestei o momento. O melhor para mim foi que o fenómeno não voltou a aparecer…Todos os meses ao telefone a minha mãe preocupada não se esquecia de me perguntar, eu dizia que não tinha voltado toda contente, porque da experiência nada tinha gostado. As Irmãs ouviram-me na minha explicação que a intenção da escolha do livro se prendeu apenas para obter mais conhecimento de um assunto que me parecia ser proibido, e por fim entenderam que estavam na frente de uma menina mulher, inocente, mas esperta em querer desabrochar...Que sabia eu das consequências ou da responsabilidade de ser uma mulher? Nada! 
O meu pai apercebendo-se da situação ouvida ao telefone ao longo dos meses instigou a minha mãe sobre a gravidade deste assunto. Mal regressada em Junho a casa de férias, as duas fomos ao consultório do Dr. Travassos que extravasava de gente com carros à porta, faltava pouco para a minha mãe entrar no turno da tarde nos Correios para decidir ir ao Fundo da Rua ao consultório do Dr. José Manuel da Junqueira que numa receita de três comprimidos amarelinhos ao fim de dois dias, o assunto que detestei voltou a ser como na primeira vez... 
Irmã Libânia Professora de Português…Aflita, andava com a insistência permanente desta Irmã para ler as leituras na missa, sempre por mim declinado por ser envergonhada e, corar muito. Sem acreditar em mim, castigou-me, baixando a nota final para me obrigar a ir às orais...Nunca tinha tido uma oral, nem sabia como se desenrolava, tive de perguntar a uma das alunas mais antigas que me descansou dizendo que era fácil, bastava estudar bem uma lição à minha escolha. Assim foi na oral mal acabei de mencionar a página,  a Irmã, disse-me "tu e a Luísa de Lisboinha, não tem direito a escolher a lição"…  Reparem que não havia quaisquer direitos. Estávamos antes do 25 de abril.
Tinha escolhido "Na Senhora da Atalaia" de Fialho de Almeida, in Guia de Portugal... 
" (...) Da ondulosa colina em que se levanta o santuário, o olhar, correndo sobre os campos, hortejos, vinhas, mato e pinhais de rama curta, flutua,embriagado da cor, vindo topar a norte a expansão que o Tejo faz, chamada mar da palha em cujo fundo, num além de montes, Lisboa desenrola o seu panorama esfumaçado"....  Entrei em pânico, mas, lá diz o ditado "Deus Existe"... Recebi indicação para abrir o livro na página 157 e, visivelmente trémula, sem pinga de sangue, ao abrir na página indicada  reparei que o soneto estava cabulado e em ato imediato pus os braços à frente do livro para o júri de 3 freiras não se aperceberem, mudando radicalmente de espírito… Brutal foi a leitura em tom declamado! 
Poema de António Maria de Sousa Sardinha (n. em Monforte, Alentejo a 9 Set. 1887; m. em Elvas a 10 Jan. de 1925)
Fiel ao sangue, nossa irmã germana
chora Olivença as suas horas más
junto do rio que tornou atrás,
quando soou a trompa castelhana.

Ó casa de Antre Tejo e Guadiana,
lembra-te dela que entre feras jaz!
Não a dobrou a guerra nem a paz,
-fiel ao sangue, o sangue a ti a irmana!

E todo aquele em quem ainda viva
o ardor da Raça e a voz que nele anseia,
se for para além da raia alguma vez,

é Olivença nossa irmã cativa
lá onde com surpresa à gente alheia
oiça dizer adeus em português!

Respondi com êxito; a orações, substantivos, verbos, tudo o que quis, de tal ordem que a Irmã Geraldes a Prof. de Matemática ao seu lado, e chefe de júri a questiona "não achas que estás a exagerar?" ao que ela lhe responde " quando encontro pela frente uma aluna desta envergadura nunca me canso"...De seguida tive oral de Matemática, o meu calcanhar de Aquiles, no quadro não fui capaz de fazer a equação... Bondosa, a esquelética Irmã Geraldes, em voz alta vira-se para a audiência e diz "mas o que é a Matemática ao pé da excelente prova de Português que todos aqui maravilhosamente assistimos hoje"… Estarrecida com tal milagre, aprovada! 
Na porta a minha mãe espreitava para me trazer de volta a casa no carro de praça do Manuel da Junqueira no dia 13 de junho de 72.Fascinante foi sem dúvida alguma a aprendizagem que adquiri no Colégio Religioso, só não foi melhor por culpa minha! 
Das amigas que o tempo perdeu...Helena Assis de Mangualde; Beatriz Alves Milhais Abreiro; Lídia Pinheiro Sobral Gare Guarda; Zita Cabral Rapoula do Coa Sabugal; Nazaré Santos Aguiar da Beira; Diamantina Resende Macedo de Cavaleiros; Marília Taveiro Rebordelo; Goret Vaz Vilar Oeste; Júlia Novo Milhais Abreiro Ana Velez Tapadinhas Almada e,... 
Quem me foi ver ao Colégio? O Armando (Girafa) amigo e colega do meu pai, com ele trabalhou no Tribunal, primo por afinidade por parte da mulher Palmira.Inteligente trocou Ansião por Cascais.Lembranças de saudades dos filhos com quem tanto brinquei, na casa onde fui comprar álcool ao decilitro  o Adriano o "Nito" lindo, da minha idade e a Alicita mais nova.
Teimosia da minha irmã … Nas férias de 72 não se calava " falava que se fartava à boca cheia" sentia-se desfavorecida em relação a mim "se eu tinha estudado num colégio religioso ela também tinha o mesmo direito, não devia ser penalizada"Aconteceu o imprevisto com o falecimento do nosso pai em setembro. A minha mãe sem pensão, só podia contar com o seu ordenado.Se comigo no ano anterior o ordenado do meu pai era o valor da minha mensalidade (2 contos de réis). Coitado de quem é mãe...Para não favorecer uma filha em detrimento da outra, concordou com tal pedido desde que as três concordassem no maior sacrifício, rigor e poupança, ainda com o reparo e condição do colégio ser em Leiria, mais perto a visitas. Aparentemente feliz a minha irmã tinha conseguido o seu objetivo. Atrevida ainda convenceu a sua amiga e companheira de traquinices a Elvira André do Escampado de S. Miguel que acedeu a ir com ela, as duas foram de malas feitas a caminho do Colégio Religioso de Leiria. 
Encontrei escrito num livro de Português "Elvira André sempre disposta e amiga. Recorda-a que ela te recordará. Mena Valente 14-11-73 "
Passada uma semana, chegava eu de carro com a minha mãe ao adro e damos conta que alguém está na porta da cozinha , tamanha surpresa ao constatar que se tratada dela, com a mala...Tinha fugido do Colégio e deixado a amiga para trás... Nunca apurei como o perpetuou... grande pasmo só de pensar no espalhafato que fez para o frequentar , porque dinheiro, sei que não tinha! 
O que me ficou no ouvido? 
Viva Jesus Irmã-, o cumprimento devido ao passar por alguma. 
Maria Auxiliadora rogai por nós 
Do que me esqueci? 
Rezar a avé maria em inglês e francês 
Canções de natal em inglês 
Tocar piano 
Jogar basquetebol e andebol 
Do que ainda sinto saudade? Saborear o amargo dos limões bebés mal crescidos a despontar nos limoeiros dos canteiros do recreio, uma contra ordenação das Irmãs... 
A primeira vez que provei alfarrobas que me pareciam vagens de favas secas mas de sabor melado. 
Desabrochei na liberdade que desde sempre viveu em mim, apesar de presa, senti-me livre, porque soube inventar soluções para acalmar os meus dias, sem drogas nem álcool, o plano foi manter a cabeça ativa e apaixonada. E com isso safei-me e bem!

Um comentário:

  1. Também frequentei esse colégio nos anos 70. Conheci algumas das colegas que refere: Nazaré, Goreti, Ana Rosa Tapadinhas, mas não eram da minha turma.
    Da minha turma lembro Lurdes Eiró, Ana Paula janeiro, Francisca Galego, Luísa Monteiro, Fátima Borrego, Rosa Agostinho, Anabela(sobrinha do motorista das freiras) Dorinda Marques ...
    De facto a diretora não tinha um ar nada amigável.
    Lembro as irmãs Piedade, Geralda, Teresa, Salomé, Júlia (do material escolar), Rita (prof. música e do coro da igreja) etc.

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