terça-feira, 23 de abril de 2013

Ansião de Aquém e Além Ponte da Cal e as suas gentes

Falar de Aquém da Ponte da Cal é o reviver memórias de pessoas de Ansião...Lembro-me da frondosa mimosa de copa cilíndrica, esplendorosa a chamar a primavera vestida de amarelo canário, na frente da casa do Sr. Albertino Coutinho, tamanha beleza só comparável com as suas lindas filhas: Cili, Lala, Tita e Milú - esta pouco mais velha do que eu, a que conheci melhor. Outra grande mimosa houve antes dos anos 30, do séc. XX, no gaveto ao cruzamento do Fundo da Rua, onde o Sr. José da Silva veio a construir o seu prédio que foi retratada num postal de época - talvez 1915. Conheci mais duas,  uma no adro da Capela de Santo António, ao Ribeiro da Vide e, outra logo a seguir para sul, no gaveto da Cerca da Misericórdia ao Bairro, com a antiga estrada real. Seriam todas da mesma espécie de tronco lenhoso vermelho, não invasora, já que não se ramificava como as que hoje se conhecem de tronco esverdeado.

Banco da Ponte da Cal 
Lembro desse tempo alguns namorados sentados nos bancos de pedra  nas tardes de domingo quando passava a caminho da Lameira, a fazenda dos meus pais. Miúda tímida de ar envergonhado ficava a pensar se seria bom namorar…Este banco , revela que a pedra do seu costado ao meio, sofreu um corte em forma de "V". 
Para sul antes da ponte havia a oficina do cesteiro " Ti Zé Mau" , julgo que o Mau - seja alcunha, agora a razão, desconheço. Era homem bom, e trabalhador do Casal de S. Braz. Recordo de o ver a trabalhar, no terreno de gaveto com o Nabão, do Dr. Faria. Mas, antes foi do mosteiro, comprada nos finais do séc. XIX, pelo médico Dr. Domingos Botelho de Queiroz, cuja neta veio a herdar parte. Pelo menos duas vezes o meu pai aqui veio encomendar cestinhas pequeninas que levavam à roda de um quilo - uma para cada filha. Recordo de andar com a minha nas mãos como a minha irmã felizes e vaidosas numas férias de Natal, fazer de conta apanhar azeitona para retalhar... Nessa tarde descobrimos o que restava do burgo no mosteiro, sem nada saber. A chover ou a fazer sol, o bom homem trabalhava debaixo dum parco alpendre de paus altos ao alto que suportavam o telheiro muito castiço, só se levantava do mocho para ir ao poço mergulhar ou buscar o vime . Assava um caracol ou caracoleta para empurrar um copo de vinho . Os rapazes por vezes apanhavam uns peixitos na ribeira e ali achegados esfomeados logo no no brasido, ao meio do terreiro, os assavam  para  na mão ou, no prato de esmalte devorar ... Um deles, o Pedro Valente e outros cachopos do Fundo da Rua e Além da Ponte, regalo  era vê-los  a saborear tão gostoso petisco na beira do "Ti Zé Mau" ,homem encantador de conversa fácil em ambiente de remanso, mais de tasca que cestaria…de quem  se dizia ser bom enxertador de árvores. 
Capelinha de Além da Ponte
Ponte da Cal

O Mestre jesuíta  Dr. António dos Santos Coutinho
Nasceu em  Ansião , foi cónego em Lamego, voltando à sua terra para fazer obras com a capela da Misericórdia e uma albergaria que deixou anexada à Casa da Misericórdia de Ansião. Instituiu ainda um Morgadio, referenciado em 1721,  pela nota deduzo que foi em 1696 cujo início sendo no termo de Ansião, começava na margem norte da ribeira do Nabão á imediação do Rabaçal, que nessa altura seria na Junqueira, porque a Ribeira de Alcalamouque era do Rabaçal.
De supor que os pais foram fundadores da Casa da Misericórdia, pela albergaria  que lhe deixou anexada, ficando algum irmão a morar no chão do morgadio , como administrador da capela - como aliás deixou outro que era da Guarda para a outra capela que não é referenciado o local, e aponto a Junqueira. Pelo facto de ainda hoje viver descendência  em Além da Ponte . Os pais teriam já falecido, atendendo que deixou missas pagas para lhes serem rezadas por alma. A que juntei o facto de haver por ali muita família com chão no que foi o morgadio -  eu e a minha irmã, com costado à avó do Padre Coutinho, Terceiro e outros.
Em Além da Ponte desconhece-se a volumetria da capela inicial, quanto a mim teria sido o seu palco mais acima, onde hoje é a casa do herdeiro do Dr. Faveiro. Em 1706 um forte vendaval arruinou a capela da Misericórdia, e igualmente tenha destruída de Além da Ponte,  por ambas estarem na  mesma direção, apesar de não estar mencionada documentalmente , a omissão o tenha sido por ser particular, e o seu instituidor já ter falecido em 1704.

Nas Memórias Paroquiais
Aparece na centúria de 700 a referencia apenas a dois moradores em Além da Ponte, seriam os pais de D. José de Alarcão (?) para se ter fidelizado o Lugar com o mesmo nome da sua quinta - Quinta de Além da Ponte, desmembrada da Quinta de Lagoas, com a  ativação do troço viário vindo de Lagoas, depois da construção da ponte em 1648.
Em 1863, Dom José Casimiro de Mascarenhas Velasques Sarmento de Alarcão, nasceu na Quinta de Além da Ponte, no concelho de Ansião. Comecei por indagar o jazigo no cemitério cujos apelidos relacionei com famílias do Espinhal. Numa pesquisa encontrei um registo vincular de quintas com capela, de tias sem herdeiros em Penela, onde numa menciona a sua origem na quinta de Além da Ponte. E ruína o moinho de água como da capela ao orago a S. João Baptista,  referenciado nas Memórias Paroquiais - em 1695, com novo administrador, portanto instituição mais antiga. 

A razão do abandono da Quinta de Além da Ponte pela família Alarcão?  
Ou foi com a guerra liberal travada pelos dois irmãos, D. Miguel e D. Pedro, muitos nobres tomaram o partido dos Miguelistas e, com medo das represálias dos absolutistas venderam as terras à pressa e partiram.  Pese o juiz, que ali nasceu ter tido uma filha - Maria -  de uma criada que era do Mogadouro, onde ela veio a nascer, e perfilhou. Curiosamente, a mulher que vende queijos no mercado do Vale Perneto, exibe na banca uma bela toalha de bordado Richelieu. Um dia perguntei-lhe a origem da toalha, por ser grande, tinha de ser de uma casa rica. Disse-me que foi uma familiar do Mogadouro que lhe a tinha oferecido. Logo associei à família da criada, e por certo a toalha veio da quinta de Além da Ponte...
Ao inicio da rua de S. Pedro existe a norte uma parede com janela de avental e lajes na frontaria para as sardinheiras, talvez a primeira casa da quinta de Além da Ponte, junto da estrada romana/medieval/real na ligação à Ponte da Cal e mais tarde foi outra construída junto do moinho e da sua capela. 
Nos finais do séc. XIX, a quinta de Além da Ponte mudou de mãos para um conterrâneo vindo de África - Dr. Abel Falcão. No tempo foi sendo parcialmente vendida. Uma parte foi e ainda é pertença da " família 29". Outra parte de uma senhora que morava na Granja, julgo Santiago da Guarda, ou foi doação, ou vendida ao moleiro Sr. Pires da Sarzedela, sendo hoje de herdeiros. O solar de sobrado e balcão -  um dos mais belos exemplares da arquitetura judaica em Ansião, quiçá com colunas reaproveitadas do habitat romano que existiu na Ponte da Cal, lamentavelmente a nova construção que lhe foi adoçada o descaraterizou, por falta de conhecimento do que antes ali foi vivido como por parte da falta de  fiscalização autárquica.
O que me levou a presumir que  as Imagens que foram desta quinta e se encontram na Capelinha de Além da Ponte - S. João Baptista e o S. Pedro que seria do oratório do solar, atendendo à devoção a este Santo, pela familiar D. Madalena, casada em Vale da Couda, Almoster, onde teve capela com o mesmo orago. Já a Imagem da Rainha Santa Isabel, mais recente, há gente que se recorda de a ver dentro de um oratório, teria sido adquirida aquando de outra para o altar da capela da Misericórdia nos finais do séc.- XIX, aquando da sua requalificação que anulou a ermida de Nossa Senhora da Conceição no seu tardoz.
O povo vivia em conflito com a nova comarca,  pela má divisão da terra que fora do mosteiro, os pobres só ficaram com migalhas. A minha teoria é que foi em golpe de sorte, entre a comarca de mãos dadas com o Dr. Abel Falcão,  a titulo de indulgências aos pecados praticados, além da requalificação da  capela da Misericórdia, desativada desde 1706, por forte vendaval, o seu altar ganhou novas imagens, uma das quais a Rainha Santa Isabel. A razão é desconhecida, ou pela feira franca que era da Constantina e foi "roubada" para a vila como a dos Pinhões, a única que se mantem. Como Abel Falcão fez a obra da capelinha simplória, ao barato em Além da Ponte, em chão pioneiro à Rainha Santa Isabel, doando as Imagens que foram da quinta, que ainda lá estão. Calou o preconceito na boca do povo, por ter trazido de África uma criança mulata, que já conheci mulher. O povo com a festa a S. Pedro, e os banhos nos tanques, com guardas, estiveram proibidos pela igreja, esqueceram rapidamente as quezílias com o forrobodó nos bailaricos e musica no coreto, a nascente com a banca dos comes e bebes junto da levada a sul. 


 Além da Ponte
Lugar de concentração de meus familiares do lado paterno na exceção do gaveto com a ribeira do herdeiro do Dr. Vítor Duarte Faveiro e outros familiares com parentesco "Duarte" pela frente . Acresce  a família dos Saguins, e ao fundo não sei o apelido era uma família de muitas mulheres que uma casou com Acúrcio Monteiro e outra com Armando Gomes Coutinho, o restante casario  tenha sido da minha família.
"Ti Ferrador Coutinho"
A casa com  portão aberto para a calçada onde a forja e bigorna se mostravam à luz do dia para acertar o sapato da besta no casco em cima do cepo de madeira, as vezes que o vi com a pata do animal entalada entre as pernas a mudar calçado a mulas e burros, grande era a turquês com que tirava os cravos velhos e o martelo com que pregava novas ferraduras com tanta força que me punha parada a olhar se não faria doer o animal , mal sabia eu do tamanho da unha, melhor do casco…o seu filho o Zito, homem alto, vestido de óculos e de cigarro na ponta da boca, na mesma cumplicidade da profissão do pai do Dr. Vítor Faveiro carteiro . O Zito é pai do Padre José Eduardo Coutinho e duas irmãs, a Fátima e julgo Lurdes.
Dr. Valentino de Sousa
Homem de descendência indiana aportou a Ansião como Conservador do Registo Civil tendo sido um dos fundadores do Externato onde foi Professor de Inglês e Francês, um dia disse à minha mãe então sua aluna ” tens muito boa cabeça para línguas, és muito inteligente, deves seguir os estudos”, casou com  a prima do meu pai, a Conceição  e tiveram dois filhos, um deles já falecido um ilustre jubilado do direito…   
Conceição "São Terceiro "
Tia do meu pai, mãe de umas das mulheres mais bonitas de Ansião, a linda Isaura a reivindicar genes fenícios de que também tenho cota parte , apesar de em mim se mostrarem mais raros...
Helena e Amélia Ruivo
Irmãs da minha avó paterna Piedade da Cruz
Maria do Carmo 
A tia  do meu pai que veio a casar com o Sr. Acúrcio César Monteiro, depois de  enviuvar casou com a cunhada  Dorinda Monteiro.
A avó das meninas bonitas de Aquém da Ponte da Cal - Milú e manas,  era irmã  do meu bisavô nascido no Canto - Francisco Rodrigues Valente .
Também aqui morou anos o sobrinho da minha mãe Afonso Lucas, esposa Arminda e os filhos Inês e Paulo.
O Dr. Vítor Duarte Faveiro
Homem ilustre nascido em Ansião, filho de carteiro, pertenceu ao governo do Estado Novo no desempenho do cargo de Diretor das Contribuições e Impostos mais de duas décadas. Dele se falou ser o “mentor na criação do número do contribuinte” ainda trabalhou após o 25 de abril. Pessoa influente no governo chamou à sua terra e ao concelho o progresso , a ele se devem uma série de iniciativas: os Externatos de Ansião e do Avelar;  novas fiações Avelar; da vinda da CUF do Barreiro para Ansião; ajudas aos Bombeiros com entrega de ambulâncias e carros para combate a incêndios e, … Homem viúvo conheceu em Coimbra a D. Clarisse, linha senhora com raízes na Lousã, com quem se veio a casar, dela o povo sabe que é difícil atestar quem gostava mais da terra, se ele ou se ela, embora haja pessoas que digam que no fim de vida já não seria tanto assim… Sorte tiveram as criadas de sua casa que depressa ganharam alforria como contínuas nas repartições de Finanças na capital, e muitos outros que ao pai dele acorriam no pedido de emprego, em Ansião e por Lisboa a todos empregou. Tanta gente este bom homem e esposa ajudaram,  uma grande maioria se esqueceu deles nos seus funerais (?)! 
Estas faltas de lembrança não deveriam acontecer em gente que tanto vi dar para a nossa terra . Melhor esteve a autarquia que em tempo útil o premiou em vida com a atribuição do seu nome numa avenida nova com lápide de granito negro com letras em dourado que assisti a ser descerrada, lamentavelmente muitas décadas depois as removeram e substituíram por umas baixas sem graça nenhuma... 
Dele também recordo a sua presença assídua nos cortejos das Festas do Povo no palanque presidencial sempre com a esposa, na mesma atitude na festa do S. Pedro de portas meias com a sua casa ao género apalaçada pela graça dos arcos que me faziam sonhar com um claustro conventual virada a sul com vista privilegiada para a vila e o Nabão. 
Em 1972 dois dias após o falecimento do meu pai o recebemos em minha casa com a D. Clarisse  de tez de consternação pelo trágico acontecimento, vinham consagrar condolências. Na sala de visitas a dado momento a conversa muda  e “sem papas na língua” mostrou-se interessado na compra da nossa propriedade da Lameira que extrema com a sua, a minha mãe pesarosa depressa pensou que não seria boa ideia, sinónimo de problemas financeiros e da má-língua  se começasse cedo a deserdar-se para no contraditório o ditado “se o arrependimento matasse, tinha morrido ali” afinal mais tarde as três reconhecemos o erro em não ter aceite a oferta , ao tempo a transação teria proporcionado supostamente a aquisição de dois apartamentos em Coimbra , descuido o nosso não pensar ao tempo em investimento!
O ilustre Dr. Faveiro não estaria à espera de resposta desabonatória que lhe teria toldado a clarividência ao esquecer-se de avivar os nossos direitos e, o deveria, sem nada dizer à  minha mãe sobre pensão ou abonos de sobrevivência, apesar de parcos, existiam, e deles tinha direito por o meu pai ter sido funcionário público durante 15 anos, deixando duas filhas menores. Haveria muitos anos mais tarde ser elucidada por uma mulher que vivia para os lados das Cavadas que lhe explicou como fazer para a requerer, o que fez e passou a receber uma miséria ! 
Nunca o Dr. Faveiro nos ajudou em nada, também porqu
e nada a ele foi pedido! 
Repousa com a esposa no jazigo de família a imitar templo de pórtico romano junto da capelinha de S. Lourenço, no cemitério de Ansião, caricatamente no seu lado poente jazem em campa rasa os meus bisavós Elias da Cruz do Alto e esposa,  ao lado noutra campa os bisavós que foram do Bairro de Santo António, Francisco Rodrigues Valente e esposa e atrás do jazigo a campa dos meus avós paternos Zé do Bairro e Piedade Cruz, abaixo a campa do meu pai Fernando Valente e do irmão o meu tio Chico, entre elas a campa da minha Titi, do tio Paz e da sua filha Isabelinha...tanta família a fazer companhia ao Dr. Vítor Faveiro, a meu ver não poderia estar mais bem acompanhado!
O Dr. Vítor Faveiro compilava na sua casa de Ansião dois livros que confidenciou à sua cabeleireira Aciolina. A morte o surpreendeu repentinamente, nem sei se os finalizou…” Evolução de Ansião” o outro sobre um tema que toda a vida dominou “Valores de Tributação” (?). 

Casa que herdou do pai e ampliou com a fila de arcadas para sul
Família Duarte
Esta família teve para nascente uma grande propriedade vinda dos Olhos d'Água, seria do antigo morgadio que ali foi instituído com casa e capela, que se julga a sua ruina seja a que está adoçada á casa que foi de Carlos Antunes, de traça judaica, pelo balcão. Gente alta, encorpada, em geral olhos claros esverdeados. Expandiu-se pelos Netos, Lagoas, Lagoa da Ameixieira e aqui em Além da Ponte.

Saguins
A  família Fernandes, moradora na quinta de Além da Ponte, junto à estrada  onde foi a primeira casa da quinta, parte do lote vendido mais tarde ao meu primo Raul Duarte.
O Dr.  Abel Falcão, o novo dono  de parte da quinta de Além da Ponte, ou trouxe uma ou duas crianças mulatas, e um saguim,  que veio a ditar a alcunha aos Fernandes, a  sua mulher  veio a explorar o açougue, e mais tarde vendia cabrito na entrada da praça do peixe. Revelam  genes judaicos e mouriscos. 
António Fernandes, casou e viveu na Venda do Negro e veio a morrer com um cancro na garganta, lembro bem a voz rouca, falava-se que tinha bebido uma cerveja muito fresca para matar a sede que o atacou, e deste mal veio a falecer. 
Acúrcio, o que conheci melhor casou na Garriasa com a filha do Rafael, a Amélia, sempre bem-disposto, engraçado, não fazia mal a ninguém, pobre diabo com os copitos era de rir de bradar aos céus, de conversa pronta onde quer que me visse ”atão cachopa onde vais…” 
Também do irmão que vivia para os lados da Serra do Mouro, pai das minhas colegas no Externato, Graciela e a Isaurinda.
 A  irmã bonita de belos cabelos negros tais quais como os das pernas, muito orgulho parecia ter neles!
Entre outros, porque eram muitos.
O alfaiate de Além da Ponte
A sua filha Irene de olhos a “tilintar” foi minha colega na escola e o irmão Fernando, eternizado ”escadote” pela altura de boas parecenças.
A irmã do António Duarte (carteiro) vivia ao gaveto com o caminho para as Lameiras e tinha uma linda roseira pálida junto do poço onde a vi tantas vezes . Na outra esquina há uma família com um padre...
O meu amigo , filho do Ti Emídio sapateiro e, …
Tarde soalheira no primeiro domingo de setembro a caminho da Lameira para agendar o dia da vindima, a primeira paragem na taberna do “ João Anão”  quando deveria ser grandão com descendência franco,  há hora do lanche sempre de improviso com latas de atum, vinho e pão que a mãe Ti Maria, mulher do Casal Viegas, de corpanzil  forte vestida de preto arranjava para ser degustado no seu quintal debaixo da frondosa e antiga cameleira. Um ano o meu pai por aqui perdeu o seu relógio Ómega em prata, oferta de fim de curso do 5º ano pelo meu avô Zé do Bairro. Alguém o encontrou, por ser de corda julgaram avariado o levaram a concertar no relojoeiro Diamantino Monteiro. Peça única, aí vendida, logo foi reconhecida - gerando grande alhada, o melhor seria anunciar a perda do mesmo na missa, e assim foi entregue...

Os "ferreiros"
Viviam a norte, ainda resta a casa junto do IC 8, com o antigo caminho que seguia de Além da Ponte para a Constantina.

Emigração, pedidos de passaporte
Ao tempo muitos para emigrar vendiam as heranças aos irmãos e familiares para angariar dinheiro.

Passaporte de João Gomes 1906-10-05 Idade: 38 anos
Filiação: João Gomes / Mariana de Jesus
Naturalidade: Ameixieira / Chão de Couce / Ansião
Residência: Além da Ponte / Ansião
Destino: Santos / Brasil
Observações: Acompanhado de seus filhos, Manuel Gomes da Silva, de 12 anos e Ana da Conceição, de 12 anos.
Revela  não sendo daqui natural aqui casou tendo emigrado com os filhos, teria ficado viúvo?

Passaporte de João Gaspar 1902-02-28 Idade: 17 anos
Filiação: José Gaspar / Isabel Josefa
Naturalidade: Além da Ponte / Ansião
Residência: Além da Ponte / Ansião
Destino: São Tomé / África

Passaporte de Júlio Godinho da Silva
1906-10-05
Idade: 21 anos
Filiação: José Godinho / Maria da Conceição
Naturalidade: Além da Ponte / Ansião
Residência: Além da Ponte / Ansião
Destino: Santos / Brasil

Passaporte de Augusto Freire da Paz 1913-02-05 Idade: Não mencionada
Filiação: Constantino Freire da Paz / Maria da Conceição Duarte
Naturalidade: Além da Ponte / Ansião
Residência: Além da Ponte / Ansião
Destino: O ( Brasil )
Observações: Levando sua mulher , Olinda da Conceição de Sousa.
Este passaporte reporta a suposto familiar do Dr. Vítor Faveiro e no mesmo do gaveto com o caminho a norte pelo apelido "Duarte" (?).

Alberto Freire da Paz viveu no Bairro de Santo António também  emigrou para o Brasil com a mulher. Suposto familiar de Augusto Freire da Paz.

FONTES
http://www.uc.pt/auc/fundos/ficheiros/GCC_RegistoVincularDistritoCoimbra

http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223378081S4cET4df4Yh89IX7.pdf

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Palácio da Viúva Gomes na Cova da Piedade com glicinias brancas ou cachos da índia

Vamos recuar 200 anos ao tempo e fausto da COVA DA PIEDADE
A sul do Jardim da Cova da Piedade existe um palácio unido por uma cocheira mais baixa de grande mirante em ameaça de iminente derrocada.Tentei saber mais. Disse-me um homem que a abriu no 25 de abril na força viril tudo é do povo... no resulto a vandalização de património cultural por desconhecimento dum povo inculto tanto se destruiu em Almada!
As carruagens foram compradas pelo Xavier de Limar.
Distingui o interior da cocheira através da grade do portão com os restos de estuque marmoreado com pias grandes rectangulares de bordos redondos em lioz  digna de um palácio que se liga ao chalet estilo suíço que foi de um familiar do dono do palácio.
O chalet do arquitecto Ribeiro Telles foi adquirido pela Câmara .
O telhado da cocheira em desanda...
Através da grade da porta distingui ao fundo buracos no teto  que deixam os raios de sol entrar sem pedir licença para embelezar tão triste ruína...
Apesar de desalenta imagem consegui apreciar beleza  fosse das pedras, do estuque e até do móvel escaqueirado ao meio...
Entretanto o mirante não resistiu e caiu...
Impressionante o mirante caiu de pé e assim permanece...
Veja-se no tardoz a parede e os estuques pintados - fotos de 9.jan 2014
Obras de canalização na parede de lado deixou a pia  deslocada depois da 1ª vez que abordei esta temática
António José Gomes
O industrial que mandou construir o palácio no século XIX . Homem rico e esclarecido industrial amante das inovações tecnológicas que trazia das suas viagens à Europa.
A obra arquitectónica apresenta pormenores construtivos -, no alto da sua fachada neoclássica destaca-se uma estátua de uma mulher com um martelo na mão e uma roda dentada por trás de si, uma clara alusão à indústria moageira , actividade que ocupava o proprietário. As varandas em ferro forjado são outra marca da revolução industrial. O estilo Arte Nova é o novo movimento estético que se caracteriza, ao nível da construção e decoração, pelo uso de novos materiais, entre os quais o metal. O portão lateral do palácio, o gradeamento do jardim e a escada espiralada nas traseiras do edifício são testemunhos deste novo estilo, merecendo um olhar atento.
As duas estátuas entre as duas chaminés
Funciona no palácio a SFUAP após o incêndio na sua sede na curva da estrada para as Barrocas.
Não sei de quem é pertença o imóvel. Apesar de ocupado está a deteriorar-se, a meu ver mal empregue para este tipo de atividade (?).  Deveria ter outra finalidade mais adequada à sua grandeza e riqueza do interior a deteriorar-se nas pinturas e exteriores em quase total abandono.
Após o 25 de abril neste Palácio da Viúva Gomes como ficou na história conhecido abriu uma Clínica para atendimento da população onde também se faziam abortos, recordo a faixa da frontaria que assim o ditava.
A fazer jus ao benemérito António José Gomes que se destacou não só pela aposta em novas tecnologias mas também pela sua humanidade, ganhando aqui fama por dar assistência médica e apoio na doença aos seus trabalhadores, medidas vanguardistas para a época cuja população beneficiou com a sua acção benemérita no melhoramento das ruas e do jardim ainda apostou numa escola para adultos, edificou uma primária, fez a doação de livros e roupa para os mais novos, alguns dos actos por que ainda hoje é recordado.
As pessoas atendidas na clínica diziam muito bem do serviço, assim o atestou uma senhora lindíssima que passava defronte quanto fotografava - apreciávamos a glicinia branca , confidenciou-me ter caído num buraco sendo ali assistida devidamente.
O busto do benemérito está patente num pedestal no Jardim defronte do Palácio.
Ao tempo o único habitante que tinha um automóvel na Cova da Piedade um Rolls Royce.
E telefone.
O primeiro a ter as novidades como a electricidade.
Um homem de grande visão, pergunto e descendência? Acaso não teve ? Não entendo a te-la não se terem interessado no património de família (?) para o palácio ter chegado aos nossos dias em quase total abandono tendo sido de gente tão endinheirada com belo património de beleza romântica não merecia ter este fim !


No entanto é fácil constatar que a Quinta no tardoz foi há anos urbanizada com lotes para prédios sendo encimados pela Escola Secundária E.B.2/3 Comandante Conceição e Silva podendo a nora ser observada do exterior porque ficou dentro do seu perímetro. Mais abaixo há outro engenho menor.
A Câmara executou um semi anfiteatro junto ao que resta da adega da quinta .
Aqui e ali alguns esqueletos de casario com muito interesse que mereciam recuperação.
Pergunta-se o que pensam fazer do local?Um gatil com pinturas Picasso já lá mora!
Os gatos!



As pinturas, artista(s ) desconhecido?

Na frente do chalet  a calçada em mosaico preto e branco mostra algumas reminiscências. Já em frente do palácio a calçada  em calcário a duas cores, a chamada   calçada à portuguesa, na frontaria é magnífica  como a foto elucida e em redor dos jardins também existe.
Apesar de ser da mesma época, o chalet é uma típica casa suíça de estilo romântico com telhados em bico, próprio dos países nórdicos. O chalet foi adquirido pela autarquia será brevemente transformado na Casa do Professor, ao que parece os quartos são pequenos... Por a achar deliciosamente bela para ser dedicada a esta profissão especial (?) em detrimento de outras igualmente bonitas e de interesse que foram o ganha pão na Cova da Piedade...sendo em abono da verdade que todas as profissões são dignas de mérito na menção de terem a sua casa, ou não? Se não lhe acodem, acaba por se perder e é pena! 
Felizmente a cãmara deu-lhe a mão está em recuperação em 2017/8.
Tirei esta foto através da grade da porta, mostra a entrada interior do Chalet
Novembro de 2018 a reabilitação!

Garagem
Doada à Fundação do Padre Ricardo pela câmara . Ouvi dizer que tem de fazer uma ligação pedonal para norte.
 
Edifício romântico para garagem do Rolls Royce com fosso para reparações. O primeiro automóvel na Cova da Piedade.Os azulejos estão a cair da fachada, pelo chão há vestígios, alguns esperam melhor hora em cima de um muro ...a vontade que tive de os trazer!
Faixas de azulejos em iminente derrocada
 
Clube Recreativo Piedense
O Clube Recreativo Piedense de cara lavada na cor verde água  .
 
Pormenores de remate em faiança no telhado do Clube de paredes meias com o palácio.
Adega da quinta de António José Gomes
Neste edifício com o portão “enferrujado” funcionou a Fábrica Bucknall e Sons com 821 trabalhadores onde se produziam rolhas e aglomerados de cortiça.
               A casa do gerador
Foto para a posterioridade. Entretanto em 2016 caiu parte. Também doada à Fundação do Padre Ricardo pela câmara.A casa dos geradores, Veja-se o telhado com janelas ventiladoras a lembrar a China e as fábricas.
Pormenor do candeeiro público na quina redonda do edifício e do algeroz no outro
Disperso algum casario emblemático de cariz muito romântico...
 
Nora em Ferro
Encomendada por António José Gomes e montada na Quinta situada nas traseiras do Palácio pela firma Arcelos e Filhos com o fim de abastecer de água a propriedade.
Peça classificada com valor concelhio pelo Instituto Português do Património Cultural, devido à originalidade do desenho, atribuído a Eifell (Séc. XIX) razão pela qual é considerada património municipal, constitui um exemplo da prodigalidade e elegância com que a tecnologia do ferro é introduzida na arquitectura.
Trata-se de uma de duas noras que abasteciam de água a Quinta de António José Gomes.
A outra nora sita na traseira do palácio vista em duas perspectivas, mais antiga e a água era puxada por tração animal.Nesta terra durante muito tempo houve falta de água potável, aparecia salinada . As pessoas guardavam a urina em potes cerâmicos para regar a raiz das plantas hortícolas, porque tem azoto. Não se estragava nada.
Tardoz do palácio com escada em metal em caracol
 
Frontaria do palácio
Entrada do jardim no tardoz do palácio também com passeio de calçada igual à frontaria
 
Este grande homem mandou construir a Fábrica de Moagem do Caramujo.A primeira obra em betão armado em Portugal, uma novidade que trouxe da Europa. Hoje é da Câmara. Empregava 160 operários, usava a máquina a vapor e produzia 15 000 Kg de farinha por dia. Hoje o espaço juntamente com o bairro de casinhas de paredes meias dos operários durante anos fez-me lembrar o Faroeste...muito abandonado...muita ruína onde um dia houve fausto! Está em rejuvenescimento a Romeira desde finais de 2017 com armazéns recuperados e um mercado a imitar o da Ribeira em Lisboa.
O coreto evoca a Batalha da Cova da Piedade (1833)
Toponímia dada à Avª 23 de julho que liga a Cova da Piedade ao Laranjeiro.
Depois de uma caminhada a pé desde o Algarve, os Liberais enfrentaram os Miguelistas nesta freguesia em lamaçal , dizem apesar da desvantagem numérica os apoiantes de D. Pedro ganharam esta luta , porque o povo os ajudou a livrarem-se da lama, pois nela sabiam andar.O líder dos miguelistas dizem foi enterrado vivo com um braço de fora. Os outrops refugiaram-se no castelo e no dia seguinte embarcaram em Cacilhas para Lisboa, por isso na capital deu-se a derradeira vitória dos Liberais no dia seguinte que ditou a Avª 24 de julho em Lisboa.
Os nomes das avenidas 23 de Julho (Cova da Piedade) e 24 de Julho (Lisboa) assinalam exactamente o percurso da vitória liberal.
Os arabescos do coreto em ferro forjado imitam renda finíssima que alguém teceu na dureza do metal.
Belo trabalho característico da Arquitectura do Ferro do século XIX.
A principal Praça de visitas da Cova da Piedade era um terreno insalubre nas imediações de um esteiro do rio Tejo -, o esteiro da Mutela. Conquistada às águas por assoreamento e secagem tornando-se um terreiro onde no Séc. XVIII se realizavam touradas, após a batalha aqui travada entre Liberais e Miguelistas decidiram fazer um Jardim público.
 
Deixei o palácio com vontade de comer nêsperas tão amarelinhas em abril...
Remato com o ditado popular que me foi transmitido por uma vizinha de Torres Vedras aqui a morar há 60 anos numa conversa trivial sobre heranças disse-me...
«Na arca está guardado um tostão e as pessoas julgam que é um milhão!»

No muro da escola um mural em graffits
Arte moderna!

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