terça-feira, 20 de maio de 2025

A Casa da Câmara na Cabeça do Bairro em Ansião

Crónica resumida pulblicada no Jornal Serras de Ansião em maio de 2025

Cresci no Bairro de Santo António a ouvir falar do Tribunal na casa altiva de sobrado rasgada ao meio por uma porta de avental, o r/c com portal beijado de átrio quadrado em lajedo debruado com dois degraus gastos a remate  na frente duas colunas quadradas de pedra miúda à sombra de parreiras. 

O Largo do Bairro é um sítio estratégico rasgado na Pré Historia que os romanos reutilizaram, continuado na época medieval.  Implantado num pequeno alto estratégico, guarda um poço de chafurdo teve uma cisterna, indicia habitat romano, sem classificação, a que se junta parte de mural de caliço, sem vestigios de policromia e fragmentos de tegula. 

                                           

Lamentavelmente nos últimos 50 anos  a envolvente do Largo do Bairro foi sendo aos poucos completamente descaracterizado e esquecido o seu rico património histórico. Calcetado perdeu a beleza do saibro branco do terreiro, reconstruções , onde se mantem a traça antiga q e outras não. 

Foto: À esquerda a casa que foi estalagem da minha família, ao centro a Casa do Administrador do Concelho guarda lintel de 1680, e à direita a Casa da Câmara de Ansião, na beira do caminho aberto para sediar a Vintena vindo do Cimo da Rua pelo Ribeiro da Vide.

 A antiga casa da câmara é hoje casa de Artur Mendes Silva

Casa da Câmara da Vintena de Ansião na Cabeça do Bairro

Casa de sobrado morada da familia de  Carlos Silva conhecido por "Carlos Pego", estrutura austera , cega de poente e norte, e a nascente uma janela normal para o  pátio. A frobtaria para o Largo com uma janela/porta  de avental e na frente do portal, um átrio de piso quadrado lajeado com dois degraus muito gastos de volta e pela frente duas grossas colunas em quadrado de pedra miúda. A coluna a nascente  inclinada com um pé de parreira, que a Fátima, meia irmã da Elisa, moradoras então na casa , ela lhe pedia para ir buscar um galhito mal começavam a pintar, a que ela lhe respondia « não são nossas, são do "Ti Abílio Ferreiro"», o Sr. Abílio Gomes Silva, alcunha ganha do ofício de ferreiro do avô e do pai em Além da Ponte.O portal  e o atrio demolido com as colunas para oficina. Na requalificação a casa previligiou conservar a estrutura inicial, de sobrado, apenas alterada no  r/c,  o antigo portal para duas portas, e o sobrado com porta de avental agora janelas.  

A nascente tinha uma porta com  lintel julgo de 1679 hoje tapada, serviu o curral do concelho, mais tarde requalificado em duas casas; da Ti Olímpia e a da filha Zulmira Pregueira.  

No meu tempo o telheiro já não existia, cujo brasão de Portugal  admito foi transferido para a vila na instauração da Comarca, em 1875.

A casa corresponde à tipologia das Casas de Câmara da época, sobradada tendo no r/c não a prisão como era hábito e sim curral, porque quando a Elisa e o pai para aqui vieram morar ainda haviam os currais.

                                  

Evocar razões para a sua instituição na Cabeça do Bairro

Nos finais da centúria de 500 o burgo de Ansião sito a poente sofreu forte influência de titãs descendentes judaicos moradores a nascente, na atual vila, os influenciadores da mudança do burgo.

Reedificaram uma segunda matriz de Ansião, em 1593, e reativaram um troço romano ramal da estrada real, pelo  baixio das Lameiras, vindo a proporcionar em 1648 a construção da Ponte da Cal, seguindo pela Rua Direita à matriz, onde os viandantes tinham ao seu dispor uma nova estalagem seguindo para sul pelo Cimo da Rua, Empeados, Venda do Negro e Alvaiázere. 


Em crer, a elite laica dos titãs influenciadores começou por se reunir a sul do adro da matriz, não sabemos se em casa ou na rua, assim foram os indícios de reuniões de "homens bons" antes da estalagem que por volta de 700 teve capela a Santo Agostinho. 
Debalde, não tenham alicerçado as queixas dos viandantes ao pedregoso caminho que estafava animais e pessoas, em prol da estrada real pelo Vale do Mosteiro, mais favoravel. 
Em 1647 o estalajadeiro João Freire o Novo, edificou no morro do Ribeiro da Vide, a capela a Santo António, patrono dos viandantes, que fora instituída em 1603 pelo seu pai João Freire o Velho. 
Presume ainda que seria o foreiro da Quinta do Bairro, onde ao seu limite ao início do Cimo da Rua, rasgou um novo caminho  direto ao baldio do Ribeiro da Vide para o Largo do Bairro, onde já se podia retomar a estrada real de melhor piso. Veio a proporcionar um fluxo de viandantes e peregrinos concentrados no terreiro do Largo do Bairro com duas estalagens. Cujo movimento originava conflitos e roubos. Em crer, foi o motivo principal da implantação do poder da Vintena na Cabeça do Bairro no combate à má fama e saques, num tempo que as pessoas se faziam transportar com libras de ouro, e até mortes, pelos esqueletos encontrados nos caboucos para fazer uma casa na década de 50, do séc. XX, que fora a cavalariça da estalagem da Ti Maria da Torre. 

Pedido de passaporte com a naturalidade Cabeça do Bairro
Para já a única fonte coeva que indicia a sua localização.

Passaporte de Justina da Conceição
1905-10-24 Idade: 31 anos
Filiação: Manuel José de Sousa / Joaquina da Conceição
Naturalidade: Cabeça do Bairro / Ansião
Residência: Rascoia / Avelar / Ansião
Destino: Moçâmedes / África
Observações: Acompanhada de sua filha Amélia, de 1 ano.

O que nos revela este passaporte? Mulher, mãe solteira, foi referida num livro no arquivo municipal. A sua familia deixou Ansião, era foreira da Misericórdia. A casa onde viveram  no Largo do Bairro é a primeira na esquerda da foto acima, veio a ser comprada pela minha familia onde funcionou uma estalagem .


Excerto sobre as Casas da Camara em  https://run.unl.pt/bitstream/10362/7299/1/
"A História ensina-nos que o órgão máximo do muito jovem poder concelhio, ainda em formação, era a assembleia de vizinhos ou homens - bons do concelho. Estas assembleias tinham lugar em sítios informais e improvisados, bem conhecidos de todos e consagrados e legitimados pelo uso e pela tradição. A pouco e pouco, porém, os homens-bons e sobretudo os oficiais ou agentes do concelho começam a reunir-se e a decidir em espaços fechados e cobertos e, a partir de meados do século XIV, em casas sobradadas - as casas ou paços do concelho. Dava-se então início ao amplo e longo processo de monumentalização do poder local, que se constituiu na construção sistemática dessas casas - as casas da câmara - em todos os concelhos portugueses, processo que alcança o reinado de D.Manuel I ( 1495-1521). A tipologia "casa da câmara" foi modelada para responder às funções essenciais de abrigar, numa casa normalmente de dois pisos e sob um telhado comum, uma sala para as audiências, uma, uma câmara para as vereações e uma cadeia para os presos- aquelas localizadas no seu piso nobre, esta no piso térreo. A nobilitação da casa da Câmara era proporcionada pelo brasão com o escudo do Reino de Portugal, pintado ou esculpido na sua fachada principal. No topo ou ao lado da mesma fachada localizava-se quase sempre a torre ou o campanário de suporte ao sino da câmara.Tendo a velha arquitetura concelhia portuguesa sido igualmente ignorada pela historiografia tradicional, as antigas casas da câmara constituem um território de investigação praticamente virgem (...)A expressão casa da Câmara identifica uma propriedade urbana que, fazendo parte dos bens do concelho, constitui uma casa especial: uma casa enobrecida com um sobrado (que a distingue da maioria das casas comuns da cidade ou vila sede do concelho); uma casa nobilitada porque ostenta na fachada os símbolos do poder concelhio ou real (que a distinguem das demais casas nobres); uma casa, enfim, que detém quase sempre uma localização privilegiada, na praça, na rua principal, junto à Matriz ou à Misericórdia local – ou então (como acontece em certas regiões) num sítio desabitado e isolado mas mais ou menos equidistante dos diversos lugares dispersos que integram quer a vila “cabeça de concelho”, quer o termo do Concelho respectivo. Sede do poder local, a casa da câmara não só assinala como simboliza o concelho e o seu centro urbano (...) A expressão casa da câmara significa que esta é a casa do concelho que, para lá das diferenças já assinaladas que a distinguem das demais casas urbanas, tem, sobre todas elas, uma câmara mais ou menos reservada, onde se reúnem os vizinhos, os notáveis, os representantes ou os eleitos do concelho, a quem cabe a boa gestão dos bens respectivos, a resolução dos problemas colectivos em certos domínios e a defesa dos interesses da comunidade, de acordo com o estabelecido na lei. Tipologia arquitectónica também comum, que tivemos oportunidade de restituir e discutir ao longo do presente estudo e que consistia essencialmente, recorde-se, numa casa sobradada de dois pisos que abrigava, sob um mesmo telhado, a sala de audiências e a câmara das vereações no seu piso nobre e, no seu piso térreo, directamente por baixo da sala da audiência, a cadeia concelhia onde se recolhiam os presos e para a qual se entrava por vezes apenas por um alçapão, rasgado no sobrado da audiência, formando neste caso uma enxovia, desprovida de porta mas sempre guarnecida de pelo menos uma janela. Independentemente da região, da época de construção ou dos recursos técnicos, financeiros e artístico-culturais disponíveis nos diversos concelhos no momento histórico da respectiva construção, as nossas velhas casas da câmara, na sua eficiência tipológica, na sua qualidade construtiva, na sua singeleza formal e na sua beleza irredutível, proporcionam um corpus construído de uma qualidade e de uma dignidade arquitectónica ímpares. A visita intensiva aos velhos concelhos portugueses mostrou abundantemente que, tal como a melhor arquitectura portuguesa das melhores épocas – à semelhança, por exemplo, da arquitectura da Ribeira de Lisboa, que aqui se recorda com saudade – também a arquitectura concelhia e, em particular, a das casas da câmara, a seu modo despojadas e sobretudo muito despretensiosas, se materializa “em formas geométricas que não necessitam de articulações espaciais elaboradas nem de grandes superfícies extensivamente esculpidas”, características em que, para Rafael Moreira, “reside, talvez, o carácter mais castiço e o natural bom gosto da arquitectura nacional” Filhas da terra – e da pedra e demais materiais, bem com das tecnologias disponíveis na região – as velhas casas da câmara beneficiaram num grau superlativo do pragmatismo e da experiência construtiva que caracterizam o melhor da arquitectura portuguesa tradicional." 
A Vintena de Ansião 
Aparece nas memórias paroquiais num registo de 1626 a par da Vintena da Sarzedela. 
Nas memórias paroquiais Anciam he villa da Commarca de Coimbra , com câmara, juizes ordinários, vereadores, escrivãos , (governador?) e almocatéis...a vila e tres lugares de termo com 175 fogos
Juízes de Vintena
«Pouco se sabe das atribuições cometidas a estes humildes oficiais populares, também designados por juízes pedâneos e juízes de aldeia, sucessores dos vigários e mamposteiros medievais, que eram eleitos pelas câmaras e exerciam as suas funções nas aldeias, lugares, terras ou povos do termo do concelho. No século XVIII, a sua designação recaía, não sobre os homens abastados, como determinavam as Ordenações, mas sobre homens pobres e até criados de servir como procuradores do povo, representavam ao senado todos os casos que importavam ao bem comum. A sua modesta jurisdição limitava-se ao julgamento de pequenas questões relacionadas com a polícia dos campos e à contravenção das posturas camarárias, nunca abrangendo as causas relativas a bens de raiz. Assim, certas freguesias registavam um só juiz. Noutras freguesias existiam dois ou mais juízes pedâneos, de acordo com a população das terras. O juiz vinteneiro podia, ainda, ter um jurado e um escrivão para assentar as coimas. Os juízes de vintena, aqui como em todo o Reino, regra geral, não auferiam quaisquer propinas ou salários pelas suas funções.»
Juízo da Almotaçaria
«Os almotacés eram oficiais concelhios que tinham a seu cargo o abastecimento dos géneros alimentícios, a fiscalização dos preços, dos pesos e medidas, dos açougues e mercados, dos salários dos ofícios e jornais, a limpeza da cidade, enfim, as funções de policiamento económico da vila. Os almotacés tinham alçada até 600 réis para julgarem, em processo sumário, os feitos em matéria das suas atribuições, nomeadamente as questões levantadas sobre construção de muros, quintais, casas, telhados, portas, janelas, serventia de águas, etc., podendo o povo, das suas decisões, apelar para a Câmara. Acima de 600 réis, o julgamento cabia ao Senado, que julgava sem apelo nem agravo.»
Almotacés
«Indicam-se os procedimentos muito engenhosos para o seu recrutamento e eleição e a natureza das suas importantes funções de controlo do abastecimento público dos bens de consumo corrente, alimentar e não alimentar . Controlam ainda, entre outras coisas, os padrões de pesos e medidas e a higiene pública . Além disso, exige-se-lhe que “seja ainda bem deligente em guardar os Almotacees, e açougues, e praças em tal guisa, que nom entrem nos açougues, nem tomem a carne, e pescado, e as outras cousas, que aa praça vierem, per força e sem dinheiro.»                                                     
Juízo dos Órfãos
«No juízo dos órfãos processavam-se os inventários dos órfãos, ausentes e mentecaptos, e corriam as causas que lhes diziam respeito. Além do juiz dos órfãos, eleito encarregado de velar pelos interesses de incapazes, dementes, ausentes, pobres, órfãos, pessoas coletivas e outros que careciam de proteção social, existiam também neste organismo quatro escrivães, todos com ofícios de propriedade.»
Vereadores                                                              
«Ham de veer, e saber,e requerer todollos beens do Concelho, assy propriedades, e herdades, cazas, foros, se somaproveitados, como devem, e os que acharem mal aproveitados, fazellos adubar e correger”; competia-lhes ainda gerir e administrar as rendas do Concelho . Competiam-lhe também as importantíssimas funções relacionadas com as obras públicas no concelho, nomeadamente a construção e reparação dessas infinitas fontes, pontes e calçadas, cujo enunciado, constante na documentação da época, assume quase um valor simbólico do poder e das competências das vereações. A eles compete, de acordo com a lei  “saber como os caminhos, fontes, e chafarizes, pontes, e calçadas, e muros, e barreiras som repairados; e os que cumprir de se fazer, e adubar, e correger, mandallas fazer, e repairar; e abir os caminhos, e testadas em tal guisa, que possam bem servir por elles”. Enfim, “esses Vereadores com os Juizes julguaram todollos feitos das injurias verbaaes [...]; e do livramento, que derem, nom darom pera Nós apellaçom, nem aggravo: e assy livrarom todollos feitos de furtos, que alguuns fezerem ataa conthia de cinquo libras de moeda antigua, ou de cinquo desta, que ora corre .Verificarão finalmente “se se guardam as Hordenaçooens, e Posturas os Vereadores teem carreguo de todo o regimento da terra, e das obras do Concelho, e qualquer cousa, que poderem saber, e entender, porque a terra, e moradores della possam bem viver, e em esto ham de trabalhar; e se souberem, que se fazem na terra malfeitorias, ou que nom he guardada per justiça, como deve, requeiraõ os Juizes que tornem hi, e se o fazer nom quizerem, fazello saber ao Corregedor da Comarca, e a Nós».                                              
Juizes hordenairos com os homee ns boõs
«Teem o regimento da Cidade, ou Villa, elles ambos quando poderem, ao menos huum, hiraõ aa quuarta feira, e ao sabado sempre aa Rellaçom da Camara, pera com os outros hordenarem o que entenderem por prol cummunal, e por direito, e justiça”. Além disso, determina-se que «sem delonga farom cada dia Audiencia aos feitos dos presos, e lhes darom livramento».

A casa do Administrador do Concelho

Na requalificação ad casa foi retirado o lintel da porta de 1680 que foi mantido no chão do Largo do Bairro uns 30 anos, hoje guardado na eira.

                       

A casa do Regedor ou Administrador do Concelho 

«hum Procurador do Concelho, Vereadores, Escrivão da Câmera, hum Tabelião, hum Alcayde »

Casa reedificada nos anos 60, do séc. XX, para o casamento do primo Francisco Silva e Augusta do Alqueidão. Recordo a  ruína de traça arquitetónica em quadrado onde os meus tios guardavam a palha para o burra Gerica.Na frente do Largo tinha um grande banco em pedra.  A nascente um corredor  na divisão com a Casa da Câmara, no meu tempo de criança tinha um portão de folha de Flandres debruado a madeira que o meu Ti Manel Silva colocou paar fechar o quintal . Adoçaca á parede poente da Casa da câmara uma casa corrida com duas portas. Ou foi a Casa do « Capitão mór com huma Companhia da Ordenança » ou dos almocatés. Componentes relevantes das Casas da Câmara eram os açougues do concelho e até instalações anexas como a Casa do Peso ou do Ver-o -Peso .O açougue funcionava como mercado de carnes, aves de capoeira, caça, peixes e fruta, em paralelo funcionava o mercado do pão e da farinha.

Seguida a norte no tardoz  cavalariças,  alpendre, eira de pedra e cisterna há poucos anos entupida. A poente do quintal resquícios de um muro grosso primitivo em formato de "L"  delimita a casa da Administração do Concelho por outro corredor mais estreito. 

                                     

Capela de Santo António

"capela que instituiu ao Ribeiro da Vide João Freire desta villa ao 18 de outubro de 1603", só foi edificada em 1647  pelo  filho João Freire o Novo, com fachada nascente a previligiar os viandantes e peregrinos na sua estalagem que passou a chamar de Santo António, orago também dos viandantes, no novo caminho aberto da vila para o Bairro. Após a República foi ampliada com frontaria para norte e agraciada com o escadatório e bancos altos laterais.

          

Santo António
 Laje na entrada da sacristia para a capela com a data esculpida
1647

A estalagem da  minha família
A poente de gaveto, apresenta arquitetura semelhante à Casa da Câmara.
Ainda a conheci em pedra crua, muito velha, herança do marido da "tia Maria do Moreira" , meu familiar, por parte do avoengo paterno, Manuel Cruz, vindo de Alvaiázere, ferrador, a sua mulher explorava uma estalagem. Comprada pelos pais do meu primo Adriano Valente, alcunha (Mocho) quando a adquiriram na reconstrução encontraram enroscado numa parede um pedido de passaporte de apelido Sousa para África. 

Passaporte de Abílio de Sousa

1905-04-01 Idade: 28 anos

Filiação: Paternidade não mencionada / Maria da Conceição

Naturalidade: Bairro /  Ansião

Residência: Torre de Vale de Todos / Ansião

Destino: Santos / Brasil

Filho de pai incógnito presume com ligação à última estalajadeira a Ti Maria da Torre,  veio a perdurar no tempo a gíria conhecida por ter casado com um homem da Torre (Vale de Todos) de apelido Silva, sendo naquele tempo habitual chamar à mulher o nome do marido no feminino ou da terra de onde era natural, como neste caso.

Passaporte de Maria da Conceição

1904-08-01 a 1904-08-01 Idade: 37 anos

Filiação: Lino de Sousa / Guilhermina Rosa

Naturalidade: Ansião

Residência: Ansião

Destino: Santos / Brasil

Observações: Acompanhado de seus filhos, Albertina, de 15 anos, Artur, de 11 anos e Maria, de 9 anos.

Antigo foreiro da Misericórdia, à laia de outros devedores que montaram estalagens à premissa de passarem a receber os pobres com "Carta de Guia" e assim ressarcir o passivo à Misericordia. Seguido de um golpe obscuro de conflitos onde alegadamente foram escriturados  bens da Misericordia em seu nome. O que evidencia, pois se não tinha dinehiro e realizou capital para emigrar, ao vender ao meu avoengo António Joaquim de Bastos Guimarães, chegado ao Bairro para trabalhar no Tribunal como Oficial de Diligências. 
O meu primo remodelou o casario na mesma traça alta e estreita. 
No r/c tinha uma porta e uma pequena janela, poiso  na adolescência do meu rádio de cassetes a pilhas, para os bailaricos.
                  

Barracão na lateral  com corredor

A  casa a nascente tem um corredor estreito na ligação a um barracão ao fundo onde se fazia pão.          

Pela frente a poente foi uma oficina de ferrador, dos meus avoengos vindos de Tornado, Alvaiázere.

A estalagem de Santo António

A Vintena era viva em 1669 onde  pernoitou a comitiva do príncipe Cosme de Médicis. Graças às minhas  vivências no Bairro e amante do que foi o seu rico passado, consegui decifrar a aguarela imortalizada por Pier Baldi, a primeira imagem icónica de Ansião com a Casa da Câmara. 
Resta dessa ancestralidade da estalagem, nos eu tardoz um contraforte a nascente e pela frente uma porta, o atual portão era entrada franca para a cavalariça. À conversa com o saudoso Zé Maria Reis, já na casa dos 90 anos, de corpo e cabeça sã, vivia na sua quinta no Martim Vaqueiro, cujo pai "Reis" era natural da Ameixieira, que herdara muito terreno na que fora a Quinta do Bairro, onde em novo vinha com o seu amigo Simões, veio a emigrar para o Brasil, cavar vinha que entestava no Largo do Bairro. Para o almoço ajeitavam-se na ruína que fora a cozinha da estalagem, na velha lareira . Recorda-se de um episódio que jamais esqueceu; havia na parede acima encravada parte de uma púcara onde julgou teria sido guardado o dinheiro...ficou admirado quando lhe respondi que servia para conservar carne ou peixe ou a massa mãe para cozer o pão,  pela fresquidão do vidrado. Já vira duas encastradas numa parede no sobrado da casa de pedra da "Tina do parolo" e outra numa ruina  na Ameixieira.


A última estalagem no Largo do Bairro?
Não sabemos se foi a estalajadeira Ti Maria da Torre, falecida com mais de 100 anos´, na década de 50, do século XX, ou a estalagem da minha familia da Ti Maria Zé Guimarães.
Numa delas pernoitou em 1866, o bisavô de José Norton - comentário tecido numa crónica temática neste blog , naturalmente lida num caderno de notas do bisavô .
Na requalificação da estalagem da Ti Maria da torre foram encontradas luzernas em terracota guardadas no vão da escadaria de madeira na casa do " António Trinta" que o Padre José Eduardo levou para catalogação em Coimbra...e saão da época medieval.

A prisão masculina
Na Cabeça do Bairro com localização atípica, não foi instalada no r/c da Casa da Câmara e sim instalada no enfiamento da entrada ou saida para sul , "hum sitio certo, a beira da estrada real em que os presos podem suplicar esmolas aos transeuntes". Onde se encontra o portão escuro, ainda  recordo a janela e grade . Distingue-se na foto a parede da estalagem a norte do portão .Supostamente as latrinas em alvenaria ainda se devem encontrar no local entupidas (?).
                             
Em determinada altura houve necessidade de fazer uma prisão para mulheres, após 98 anos, pela data no lintel de  1777). Pela Páscoa de 2017 num novo olhar descobri no lintel ao entardecer da porta da prisão feminina uns números esculpidos enegrecida pelos líquenes 1777 (?)... ficando com a sensação que ao meio existe um símbolo "H" ligado aos jesuítas da Granja em Santiago da Guarda, o tempo o dirá! Voltei e descobri na casa que foi do Sr.Paulino uma porta com lintel em moldura 1777, foi a casa do guarda , do carcereiro, ou não foi da Companhia de Ordenanças . 

A prisão feminina
«Casa da cadea (que em muitas terras contempla uma cadea de molheres».
No Largo da antiga Cabeça do Bairro a nascente, ao meio,  a cadeia feminina com  janela e grade .
Quando foi adquirida pelo Sr. Raul Borges, recordo que a alteou ao nível da outra a norte que também era dele. Desde então os imóveis estão na mesma.
Muita dificuldade para interpretar o lintel da prisão, pela panoplia de numeração. O que evidencia foi reutilizado. Assim, na Páscoa de 2017 levei um esfregão e limpei os líquenes, e a data aventava  1777 , mas, pairava a sensação que ao meio existe um símbolo "H" ligado aos jesuítas da Granja, Santiago da Guarda. Depois noutra vez, ao entardecer, o sol ajudou a clarificar , o lintel foi reutilizado  quiça da antiga estalagem, mas não há dúvia é de 1777. 
Janela com gradeamento cuja portada apodreceu...Nunca aqui entrei, já pedi à dona para visitar na expectativa de encontrar a latrina. A visualização dO espaço que foi lúgubre onde padeceram mulheres desprotegidas das benesses das esmolas em relação aos homens!
                                           
Casa do Guarda, o carcereiro
 «d’habitação ao Guarda»
Julgo que na Cabeça do Bairro o carcereiro, o guarda das prisões  pago pelo concelho, não teve casa e sim guarida  na estalagem  numa velha tarimba onde dormia envolto em farrapos pestilentos e mal alimentado, assim como os presos.
Algumas, muito poucas detinham um oratório , talvez o Crucifixo do Senhor do Bonfim que foi da estalagem ad Ti Maria da  Torre venha desse tempo. 

A sul da prisão feminina nos anos 50, do séc XX foi aquisição pelo Sr.Paulino, oriundo de Barcelos, dizia-se vindo de prisão em prisão até acabar na de Ansião.Tinha mulher em Barcelos ao saber que estava doente nos anos 60, do séc XX, onde o conheci a viver com a neta Rosalina, mais velha do que eu, andámos na 4ª classe, ainda somos amigas, decidiu vender a casa oferecendo-a ao vizinho o Sr. Raul Borges, que não tendo todo o dinheiro foi a "Ti Carma Russo" que lhe "abriu os olhos" para não a deixar de comprar que lhe emprestava dinheiro se precisasse. 
Acontece que a esposa do cesteiro Paulino, melhorou, e com saudades de Ansião regressa ao seu Bairro, e  não tendo casa, compra uma a sul da prisão que fora da estalagem de Santo António. é hoje a  casal da Elisa e do Cunha , quem lhes deu apoio a quem doou a casa.

O curral do Concelho
O foreiro António Fernandes da Misericórdia, com foro de dois alqueires de azeite por ano,  presume ter sido o tomador dos animais perdidos do curral do concelho. Quiçá morou no tardoz da Casa da Câmara, num casario , que é dos meus apis, teve frontaria para norte , já a conheci sem parede e com rede, servia de galinheiro, a parede a poente tinha uma porta seguida de abside; grande prateleira de pedra que servia de ninho, onde ia buscar os ovos. Após a extinção do cargo com a instauração da Comarca, geria negócio caprino e ovino que lhe valeu a alcunha “Carneiro”.
                           
Novo caminho de ligação da vila ao Largo do Bairro
A descentraluização do poder da vila para a Cabeça do Bairro permitia os viandantes e peregrinos a partir do início do Cimo da Rua de seguir para o baldio do Ribeiro da Vide a caminho do Largo do Bairro e de retomar o piso da estrada real para sul mais favoravel que o caminho pelos Empeados, muito pedregoso.
                                         
Chegou até aos nossos dias o nome  Quinta do Bairro, assim lhe chamava a avó "Serra" do Carlos Cotrim. A orte da casa da câmara foram os Quintais do Bairro a entestar com o adro da capela. A falat de conhecimento cultural ditou atribuição na toponímia  Travessa do Bairro.
Primeiro não se trata de nenhuma travessa, a assembleia camarária jamais teve pessoas com cultura sobre o passado da vila para questionar e opinar o certo do errado, a provar o que digo é a barbaridade na toponímia em muito sitio que não corresponde à tradição nem ao passado, e o devia!

Painel na casa da minha mãe

O certo seria  privilegiar o passado Quintais do Bairro, assim reza a escritura do quintal dos meus pais. O Largo devia chamar-se Cabeça do Bairro, a invocar o seu rico passado.
A Rua do Vale Mosteiro, do Hospital e Carvalhal devia ser alterada para Estrada Real .
A Rua de Santo António devia ser Rua do Hospital da Misericórdia, onde foi a sua entrada.
E o adro da capela com nome do seu orago - Santo António.
Ao Ribeiro da Vide a Rua João de Deus deveria ser chamada Príncipe Cosme de Médicis que ali passou com a sua comitiva em 1699.

O tempo aureo estalajadeiro
Firme palco estalajadeiro, guarda a estalagem de Santo António sita a nascenet ad Quinatd o Bairro no tardoz um contraforte. Onde pernoitou a comitiva do Príncipe Cosme de Médicis em 1669. Descodifiquei a aguarela de Pier Baldi, com a Casa da Câmara. Em 1777, já desativada foi aposta a cadeia feminina adoçada a norte à casa do capitão-mor ou «d’habitação ao Guarda», ao ostentar lintel em moldura, com igual data.  Temos a notícia em 800 do estalajadeiro Manuel Freire Neno. 
A última estalajadeira foi a “Ti Maria da Torre”, passou dos cem anos, com descendência no apelido Silva. Conheci a parte dos cómodos, morada da “Ti Carolina e do Trinta”; cozinha de chão de lajes, salão, forno e poço. Pela frente, banco corrido de pedra e secular glicínia de cachos lilases. No vão da escada foram encontradas lucernas de cerâmica, que o Sr. Padre Coutinho datou cronologicamente do período medievo.

Associado à saída do poder da Vintena do Bairro e do golpe perpetuado aos bens da Misericórdia de Ansião, alegadamente por foreiros e mesarios ao escriturar os bens aforados em conluio com o tabelião Joaquim Mendes Lima, a fome grassava no seio do povo que se viu de um dia para o outro sem as ajudas acostumadas da Misericórdia,  nem do hospital, sendo forçado a emigrar .

O apelido Serralha viveu antes de emigrar na que fora a prisão feminina, são descendentes judaicos, familiares do Levi. O Serralha foi latoeiro onde hoje é uma garagem numa casa desativada a poente da Rua Polibio Gomes dos Santos

Passaporte de António de Jesus

1908-01-17 Idade: 34 anos

Filiação: Joaquim Rodrigues Serralha / Ana de Jesus

Naturalidade: Bairro / Ansião

Residência: Bairro / Ansião

Destino: Santos / Brasil

Observações: Escreve


Passaporte de António Rodrigues Serralha

1912-12-20Idade: Não mencionada

Filiação: Joaquim Rodrigues Serralha / Ana de Jesus

Naturalidade: Bairro / Ansião

Residência: Pombal

Destino: São Paulo ( Brasil )

Observações: Levando sua mulher Maria dos Santos de 37 anos , e seus filhos Matilo de 18 anos, Francisco de 16 anos, Rufino de 12 anos, José de 10 anos, Virgínia de 9 anos, Idalina de 8 anos, Izidro de 5, José de 4, Isabel de 2 e Maria de 1.


Passaporte de Luís Marques

1909-03-0 6 Idade: Não mencionada

Filiação: Paternidade não mencionada / Clara da Conceição

Naturalidade: Quinta do Bairro  / Ansião / Ansião

Residência: Quinta do Bairro / Ansião / Ansião

Destino: Santos / Brasil

Observações: Quinta do Bairro não consta como pertencendo a Abiúl. Porque é Ansião

Escreve


Passaporte de Manuel Mendes Martinho

1906-03-22 Idade: 24 anos

Filiação: José Mendes Martinho / Victorino de Jesus

Naturalidade: Vale do Mosteiro / Ansião

Residência: Bairro de Santo António / Ansião

Destino: Rio de Janeiro / Brasil


Os pedidos de passaporte abaixo Freire da Paz, evidenciam ter sido o último juiz no tribunal na Cabeça do Baixo que emigrou com 71 anos com um filho.


Passaporte de Manuel Freire da Paz

1906-04-27 Idade: 71 anos

Filiação: Inácio Freire / Maria Teresa

Naturalidade: Ansião

Residência: Ansião

Destino: São Paulo / Brasil

Este passaporte revela que emigrou aos 71 anos, será que seria esta a idade?  e apenas diz que é natural de Ansião, aventa ser sobrinho do que se segue


Passaporte de Alberto Freire da Paz

1909-01-18 Idade: 22 anos
Filiação: António Freire da Paz / Isidória Augusta
Naturalidade: Bairro de Santo António / Ansião
Residência: Ansião
Destino: Santos / Brasil
Observações: Acompanhado de sua mulher.

Escreve 

Isidóia Augusta ficou a viver na Casa da câmara.  minha prima São Silva ainda se lembrava dela, foi  viúva do último Juiz de Paz  na Cabeça do Bairro. Tinha outro filho conhecido por "António pataca" primeiro calceteiro que se conhece em Ansião, quem ensinou a arte ao vizinho Manuel Mortinho. 

Do mesmo modo não sabemos como transacionou a velha casa da câmara  e a norte uns talhos nos quintais do Bairro. O meu avô "Zé do Bairro"comprou-lhe  um junto do poço de chafurdo, por estar  encravado no quintal. Teria havido alguma contenda entre o casal para o marido e um filho emigrar, e o outro filho quiça morrera, para  ela fazer doação da antiga casa da câmara e um lote à mulher do " Ti Ferreiro" do Cimo da Rua. O lote foi adquirido pelos meus apis no inicio dos anos 60 do séc. XX, com a especulação da emigração para França a peso de oiro...Como vendeu a casa ao "Carlos Pego".

A instauração da Comarca na vila

Na sua estadia em 1903 em Ansião, o escritor Alberto Pimentel apenas se refere à instalação da vila cabeça de comarca no antigo solar do Senhor de Ansião a partir de 1875. «Ansião com título de mordomado em 1465. Em 1514 recebeu Foral por D. Manuel I. Em 1663 D . Afonso VI deu-lhe o título de vila, doando-a a D. Luís de Menezes Conde da Ericeira, em prémio de serviços prestados na Batalha do Ameixial que o Senado da vila mais tarde lhe ergueu um Padrão ao Fundo da Rua. 

Em 1875 foi a vila cabeça de comarca estando os serviços da câmara, administração do concelho, do Tribunal e da Repartição da Fazenda Pública no edifício que foi do Senhor Dom Luís de Menezes. 

Na foto de 1915 dos Paços do Concelho é visível ao meio da cimalha o brasão com o Escudo de Portugal que estimo foi transferido da Casa da Câmara, mal esculpido, jus o brasão da sepultura na Igreja da Misericórdia, quiçá, obra do mesmo canteiro, sem aposta de recolocação na ampliação em 1937 e pela aprovação governamental do novo brasão de Ansião em 1935. Só nos anos 60 do séc. XX passou a ostentar o brasão em mármore com as romãs esculpido pelo lavrante Ezequiel Carvalho da Sarzedela, esquecido sem agraciamento na toponímia, quando devia ser agraciado!


O Bairro de Santo António ainda podia ser um Museu olhando o casario do seu lado nascente pelos testemunhos que ainda detém, seria a escolha do local certo, olhando às memórias do  seu passado privilegiando o futuro para as gerações vindouras!

Fontes


Cadernos de Estudos Leirienses nº 9
https://run.unl.pt/bitstream/10362/7299/1/Tese Casas da Camara Vol I.pdf
Arquivo distrital de Leiria, passaportes
https://run.unl.pt/bitstream/10362/7299/1/Tese%20Casas%20da%20Camara%20Vol%20I.pdf
https://geneall.net/pt/forum/161201/elementos-sobre-os-descendentes-do-cronista-joao-de-barros-falecido-em-pombal/
Cadernos de Estudos Leirienses nº 9
https://run.unl.pt/bitstream/10362/7299/1/Tese Casas da Camara Vol I.pdf
Arquivo distrital de Leiria, passaportes
Testemunhos da Elisa e da Alice Mendes, Adriano Valente e da esposa, prima Júlia, irmã São, e da cunhada Augusta, "Mena Trinta", D Albertina, da São Borges dos Reis e do tio Zé Maria e Carlos Cotrim e Augusta Tarouca.

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